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O
terror e a Nova Ordem Mundial
Lus
Nassif
Jornalista
Artigo
publicado na Folha de So Paulo de 18 de setembro de 2001
Se
FHC de fato ambiciona um papel no cenrio poltico
internacional, est ai a sua oportunidade: liderar uma ampla
ofensiva internacional,
preferencialmente
por meio da ONU (Organizao das Naes Unidas) para duas
iniciativas. A primeira, definir as formas como se dar
soberanamente a articulao de todas as naes do mundo para
as colaborar com os EUA na elucidao dos atentados. A
segunda, a observncia severa de todos os procedimentos judiciais
nas investigaes e a resistncia a qualquer forma de escalada
indiscriminada de retaliaes, fundamentalmente, a qualquer
iniciativa que venha a colocar em risco a populao civil dos pases
atacados. Trata-se, a, da pior forma de terrorismo: o de Estado.
Seria
importante nessa discusso que esse discurso pr-americanista
que surgiu nos ltimos dias na imprensa se mancasse um pouco.
Mais ridculo que o anti-americanismo que atribu todas as
mazelas brasileiras aos EUA so esses carcars brazucas tentando
emular falces americanos e propondo guerra.
Internamente
os EUA so a ptria dos direitos civis. E foi uma conquista na
porrada. Foi necessria uma guerra civil para libertar os escravos,
uma segunda guerra civil, nos anos 60, para impor a igualdade.
Na
condio de pais federativo, com cidados ciosos da sua
independncia municipal e estadual, a imposio de direitos
civis a todo o pais foi uma luta dantesca da civilizao contra
a barbrie. Foi um trabalho construdo dia aps dia pela
Suprema Corte, ela mesma se democratizando de maneira lenta e
segura. E dependeu da elite americana (aquela que viceja em
Boston, Nova York, Washington) abrir seu leque de interesses sobre
os desassistidos dos Estados mais atrasados. Foi um trabalho que
se completou h muito pouco tempo. O macarthismo vicejou h
menos de 50 anos. A Ku Klux Klan foi dominada apenas nos anos 70.
Hoje
em dia, embora no se tenha uma sociedade perfeita, o processo
jurdico americano o mais completo possvel. Dia desses,
quase foi anulado o julgamento de um criminoso confesso
simplesmente porque havia suspeita de que a promotoria ou o juiz
houvessem ocultado prova a favor do ru.
Para
fora, o jogo outro. A
diplomacia americana continua subjugada pela lgica da segurana.
Quem dita a regra a CIA. truculenta, sim, patrocina morte de
populao civil, sim, apoia ditadores, sim, e a opinio pblica
americana totalmente insensvel em relao ao genocdio de
povos estranhos ,como foi insensvel durante muito tempo ao
que ocorria nos Estados do Sul. No se trata de
anti-americanismo, como apregoam esse neo-americanismo pr-Vietn,
acrtico e fora de moda, mas de uma constatao objetiva,
encampada pelas cabeas mais liberais e humanistas dos EUA.
A
opinio pblica americana precisa de preparar para a globalizao,
como o foi para o federalismo de seu prprio pas. O mundo
caminha para uma nova ordem, que ser indelevelmente marcada pela
reao dos EUA a esse atentado bestial. A posio da
diplomacia brasileira e do nosso presidente dever ser alertar os
EUA e demais pases para os seguintes pontos:
1.
invocar princpios bsicos da prpria sociedade americana para
a nova ordem mundial. Significa: o apego aos procedimentos jurdicos
bsicos, de no culpar sem provas; o cuidado para restringir a
represlia apenas aos terroristas, evitando vtimas civis;
2.
orquestrar o apoio do mundo inteiro, na luta contra o terror,
preservando a autonomia e a auto-determinao de cada pas. A
adeso dos pases livres a essa luta contra o terrorismo dever
vir alicerada em princpios universais de solidariedade. Essa
viso texana de imposio de apoio no se coaduna com a viso
civilizada de uma nova ordem global;
3.
deixar claro que qualquer reao indiscriminada contra o terror
significar expor todo cidado americano a represlias futuras,
alm de comprometer a nova ordem mundial. A opinio pblica
americana se deu conta de que estado permanente de guerra
significar ter de abrir mo de conquistas bsicas da civilizao
americana, como liberdades individuais, direito de ir e vir.
Tem-se
hoje uma mdia americana sedenta de sangue, em uma situao
na qual a maior arma para combater o terrorismo o desarmamento
de espritos e a institucionalizao da represso ao terror.
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