Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

48654x

CRIME E CASTIGO 2l35y

Tristo de Athayde 204e3h

Pensador cristo brasileiro, membro atuante da igreja junto Ao catlica, falecido em 14 de agosto de 1983

Sou contrrio pena de morte por cinco razes: uma de ordem intrnseca, uma de ordem pragmtica, duas de ordem extrnseca e uma de ordem histrica.

1. A razo de ordem de ordem intrnseca que uma pena irreparvel s pode ser decretada por um tribunal infalvel. Da ser logicamente compreensvel que Deus, por definio e que nos deu a vida, tambm nos pode dar a morte. E, pelo contrrio, seja ilgico que ns possamos legitimamente suicidar ou condenar qualquer pessoa morte. Esta sem dvida irreparvel. Toda sentena morte substancialmente irrecorrigvel, quanto aos seus efeitos. Por outro lado, todo juzo humano, individual ou coletivo, falvel. Pode errar. Se pronunciar uma penalidade reparvel, as conseqncias de sua sentena podem ser corrigidas. Mas se decretar uma pena irreparvel ser impossvel conter ou atenuar suas conseqncias. E seu resultado ser uma injustia monstruosa, se houver erro judicirio. Por isso considero a pena de morte, em si, logicamente inaceitvel. E no h razes prticas que possam, em s conscincia, justificar erros doutrinrios. Nem mesmo as razes do corao podem alterar a verdade intrnseca das razes da inteligncia. Podemos, quando muito, compreend-las. No sobrep-las. S h uma soberania absoluta: a natureza das coisas. Como diz Etienne Glson: este o tribunal supremo a que devemos recorrer em nossas dissdias humanas. A pena de morte atenta, penso eu, contra razes especulativas que derivam da natureza das coisas. Primeira razo que me leva a rejeit-la.

2. A Segunda razo de ordem pragmtica. A pena de morte, dizem os seus defensores que os h e dos mais ilustres telogos, filsofos, moralistas e estadistas, tanto difcil lidar com problemas de vida e morte uma legtima defesa do indivduo e da sociedade.

No nego que possamos matar em legtima defesa. E que seja at justificvel a guerra justa, por mais que a monstruosidade tcnica dos modernos armamentos e a complexidade das causas que levam guerra tornem dificlima a classificao de uma guerra como justa ou injusta. Mas no disso que estamos tratando. Na defesa individual nada de mais legtimo do que dar a morte a algum para defender a nossa vida ou a daqueles cuja vida temos a dever de defender. Mas o que duvidoso que essa modalidade de punio, oficializada na maioria ou pelo menos em numerosas naes, alcance realmente os fins a que se destina. Quais so esses fins? Suprimir consideravelmente a criminalidade. Antes de tudo, pode haver uma remota analogia mas nunca equiparao entre a morte que possamos provocar em legtima defesa e a que provocamos pela aplicao desse tipo de penalidade.

Quando matamos em legtima defesa autntica, fazemo-lo involuntariamente. Quando matamos pela decretao de uma sentena fazemo-lo voluntariamente. O primeiro um ato natural e imprevisto, provocado pelo instinto de conservao. O outro um ato pensado e friamente executado. O primeiro consecutivo a um ataque sofrido, a um crime cometido. O segundo antecipativo conseqncia que possa provir de deixar em vida um elemento reconhecidamente insocivel. S por analogia remota podemos falar em legtima defesa social no caso da pena de morte.

Alm disso, como amos dizendo, nada de mais contestvel do que os resultados prticos da pena de morte. Nenhum dos pases onde impera a pena de morte conseguiu, por meio dela, eliminar a criminalidade. Ou mesmo reduzi-la. O nico argumento empregvel uma hiptese: seria ainda pior sem ela. Mas acaso legtimo dispor da vida alheia simplesmente na base de raciocnios hipotticos? Pode ser que sim. Pode ser que no. O fato positivo que o crime entrou na histria da humanidade desde que Caim matou Abel. Isto , desde que o mau matou o bem. E a espcie humana se dividiu entre inocentes e culpados. Como meio de impedir a repetio desse crime original, consignado nas Sagradas Escrituras, todos os Estados, mais ou menos civilizados, adotaram essa punio. E o resultado?

A pena de morte no pode ser defendida, legitimamente por motivos pragmticos, porque no alcanou at hoje, em todas as naes que a aplicaram, o resultado desejvel. Tomemos para exemplo a mais poderosa e bem organizada das naes modernas: os Estados Unidos. A pena de morte, sempre existiu em sua legislao. A inflexibilidade dos seus juzes em sua aplicao se tornou proverbial. E casos houve, como o de Sacco e Vanzetti, da nossa mocidade, que abalaram a conscincia da humanidade inteira, sem conseguir abrandar a implacabilidade da lei.

A famosa sentena de Joseph de Maistre, em outras palavras, que o carrasco o companheiro inseparvel de uma sociedade bem organizada, foi sempre levada ao p da letra pela nao mais poderosa e bem organizada do mundo. Logicamente, ou antes, pragmaticamente, a criminalidade desse pas deveria decrescer na razo direta da aplicao de uma penalidade to convincente e efetiva.

Ora, o que nos informam os documentos oficiais mais recentes precisamente o oposto. Eis o que consta do ltimo Uniform Crime Reports do Federal Bureau of Investigation, o mais que famoso FBI, divulgado no dia 13 de agosto ltimo, pelo seu diretor J. Edgar Hoover, e resumido no nmero 25 de agosto do U. S. News World Report, pg. 6/32.

A probabilidade de que um americano seja vtima de um crime este ano de 1 para 50, o dobro do perigo que corria h nove anos ados. O crime em nosso pas mais do que duplicou em volume aumentando de 122% - entre 1960 e 1968. S em 1968 aumentou mais 17,5%. Nos primeiro trs meses de 1968 aumentou mais 10%. Os crimes esto crescendo 11 vezes mais depressa do que a populao. Enquanto o nmero de crimes cresceu, nesse perodo, 122%, a populao s cresceu 11%. Assim que a atual proporo de crimes o nmero de crimes graves por 100 mil habitantes subiu 99%... O relatrio menciona um total de quase 4,5 milhes de crimes vrios, no ano ado, incluindo 13.650 assassinatos, 31.600 estupros e 282.400 casos de assaltos a mo armada... Os assaltos a banco subiram 302% desde 1960... Em 1968 as grandes cidades sofreram o maior aumento de criminalidade, 18% em relao a 1967.

E por a afora. E o curioso que vrios altos funcionrios da Educao, comentando o aumento de atos de vandalismo, longe de patrocinarem o aumento das penalidades, o que recomendaram a organizao comunitria de defesa, das community residents, que deu excelentes resultados em Rochester, Nova Iorque.

O que no caso nos interessa a verificao de que a pena de morte, em ao mais que secular nos Estados Unidos, no foi capaz at hoje sequer de manter o mesmo nvel de criminalidade. J no falo em reduzi-la ou suprimi-la, o que toca as raias da utopia.

Ser por esse motivo que a Inglaterra j suprimiu ou est por suprimir a pena de morte, reconhecendo a sua ineficcia prtica?

Da Rssia no temos notcias. Conhecemos apenas a implacabilidade dos expurgos e o terrorismo cultural de que Kuznetsov nos deu, recentemente, o mais clamoroso dos testemunhos. H tempos, um reprter estrangeiro estranhou a pobreza das instalaes judicirias de Moscou. E um informante oficial explicou que assim era porque em breve no seriam mais necessrias grandes instalaes de justia, j que o crime desapareceria com a aplicao gradativa do sistema comunista.

No digo que os defensores da pena de morte tenham a seu respeito as mesmas utpicas iluses desses cndidos crentes nas virtudes mirficas do comunismo... Por ora, os regimes totalitrios continuam a aplicar a pena de morte como sendo a mais normal e eficaz das medicinas sociais.

Mas as estatsticas de uma nao realmente democrtica como os Estados Unidos, onde os direitos dos condenados pelos crimes mais hediondos, como o do matador das enfermeiras de Chicago, so to exasperadamente respeitados, essas estatsticas nos demonstram positivamente que o argumento da legtima defesa social extremamente frgil.

Em nenhum pas do mundo a pena de morte impediu, e nem mesmo evitou o aumento de toda espcie de criminalidade. Eis porque no aceito o argumento pragmtico em sua defesa.

Rio de Janeiro, 1970.

Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim