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A
Favor da vida contra a pena de morte 1n7210
Maria
Igns Rocha de Souza Bierrenbach
S
Deus senhor absoluto e juiz supremo da vida e
da morte
Hlio
Pellegrino
Na
atual conjuntura, a falta de perspectivas provocada pela
agudizao da crise econmica-social, a perda de
referenciais ticos e morais com altos nveis de
demandos e corrupo e a malversao da coisa pblica,
induzem prescrio de receitas radicais. Rpidas e
at mesmo com contedo mgico para combater a exacerbao
da violncia. Dentre elas se inscreve a pena de morte,
com lugar cativo e sempre voltando cena, estimulada por
ampla platia.
A disparidade entre os 30% da populao que
se manifestam contra a pena de morte e os 70% favorveis
sua adoo no se deve certamente a um confronto
entre as foras do bem e do mal, mas reflete algum tipo
de maniquesmo mais ou menos velado e tem a ver com
diferentes ticas de interpretao da realidade e
distintos mtodos para se atingir o mesmo objetivo de paz
e justia social.
legtima a indignao das pessoas
contra os assassinatos brbaros e os crimes violentos.
Agrego-me s vozes que clamam por justia e exigem o fim
da impunidade. preciso dar um basta insegurana
generalizada e recuperar a tranquilidade perdida,
provavelmente na perversidade de um equivocado crescimento
e acelerada concentrao urbana. Faz-se relevante
contrapor s propostas de pena de morte uma poltica de
segurana pblica que atenda as necessidades e os mais
legtimos interesses da populao.
Enquanto certos diagnsticos se apegam a
recortes fragmentados da violncia, explorando a dor e a
tragdia de alguns crimes, exacerbando os aspectos
macabros e criando um clima emocional que, no fundo,
atende os interesses de uns poucos, prope-se um sereno
resgate de causas mais abrangentes.
As
razes da violncia
72kv
preciso buscar na peculiaridade da nossa
colonizao as razes mais profundas da violncia que
pera a sociedade. A barbrie do genocdio contra os
ndios e os grilhes da escravido deixaram marcas
indelveis, criando uma mentalidade de desrespeito aos
direitos mais elementares de cidadania, cultivados ainda
hoje por parcelas significativas das elites dos mais
diferentes matizes econmicos, polticos e intelectuais
e, de certa forma, introjetada na populao por um
processo de cooptao habilmente articulado e deveras
conveniente.
O brilhante intelectual Antonio
Houaiss,
ex-ministro da Cultura, em entrevista Folha
de S. Paulo (18/01/93) diz que estimamos que o
Brasil tenha importado em torno de 3,6 milhes de
escravos negros contra os setecentos mil importados pelo
Estados Unidos. E o remanescente nos EUA uma populao
muito mais preservada. No fim do sculo XVIII e meados do
sculo XIX o tempo de vida dos escravos no eito no ia
alm de seis ou sete anos... O Brasil um pas de violncia
desde sempre. Esses so dados extremamente expressivos
das condies desumanas com que eram tratados os
escravos e da banalizao de suas mortes, sujeitas a um
prazo de carncia de seis a sete anos de vida.
Quase quinhentos anos depois a situao de
violncia assume outros contornos no menos
preocupantes. Dados do IBGE indicam que 32 milhes de
crianas, dos sessenta milhes da populao na faixa
de zero a dezoito anos, vivem em famlias cuja renda per
capita de meio salrio-mnimo, ou seja, em condies
indignas de sobrevivncia. No fim do sculo XX, quatro
milhes de crianas em idade escolar esto fora das
escolas, quando se sabe que o ensino bsico
instrumento fundamental para alavancar o desenvolvimento.
Aos ndices alarmantes de mortalidade infantil
acrescenta-se, agora, um novo indicador, resultado do
refinamento de dados da pesquisa nacional: o assassinato
de 994 crianas e jovens, no ano de 1990, que atinge a
marca de 2,7 mortes/dia, segundo o Ncleo de Estudos da
Violncia da USP, arrematando o quadro neoliberal de
modernidade nacional.
Se, em rpidas pinceladas, o diagnstico
diferencial apresenta esse fosso, o que dizer das receitas
para sanar os males nacionais, entre as quais a pena de
morte assume um lugar anacronicamente destacado?
A
concepo tica e moral da pena de morte
1e601
fora da idia da pena de morte est
intimamente relacionada cultura massiva do medo da violncia,
busca ostensiva da segurana, em contraposio ao
enfraquecimento do conceito de justia, e frequncia
da impunidade.
A pena de morte nada mais seno a
institucionalizao pelo Estado de um dos mecanismos de
defesa criados pela populao para combater o
acirramento da violncia, enquanto os justiceiros e os
esquadres da morte situam-se entre os instrumentos
informais e oficiosos.
No contexto dos objetivos ticos do controle
da fora relevante destacar uma polmica falsamente
engendrada e legalmente disseminada na sociedade sobre uma
oposio ou polarizao entre os direitos dos homens
justos e os dos maus, ou das atenes ou benesses
recebidas pelos segundos e, supostamente, financiadas
pelos primeiros. Essa controvrsia, em ltima instncia,
atende aos interesses dos conservadores e serve para
desacreditar a luta pelos direitos humanos e
desestabilizar as entidades de defesa.
Em contrapartida, as evidncias apontam para
a estabilidade e paz social relacionadas ao exerccio
sistemtico da no-violncia e o respeito dos direitos
bsicos dos cidados, mesmo quando criminosos ou
encarcerados.
Maria Sylvia de Carvalho Franco explicita com
prioridade esta questo: Nesta era, atos covardes e
hediondos multiplicam-se contra crianas e mulheres
seviciadas at no prprio lar, jovens destrudos pelas
drogas, pessoas sequestradas. Quanto a isso h
unanimidade: imperativo salvaguardar o cidado. Mas e
os maus feitores? Sero tambm eles sujeitos de
direitos humanos? Quem diz no a esta
pergunta est, ipso facto, negando a si mesmo tal
prerrogativa. Sem a igualdade efetiva e sem lei garantida
em sua universalidade, todos ficam merc da fora
bruta. A escolha ntida: ou o imprio da lei ou
estado de guerra.
As propostas de pena de morte ligam-se ao
maniquesmo do bem e do mal, na medida em que os
bons julgam-se no direito de indicar a punio
para os maus, enquanto aos maus dada a
oportunidade de expiao de suas culpas, oferecendo suas
vidas em holocausto. trata-se de um equivocado conceito de
justia, ou, melhor dizendo, uma regulamentao da
vingana, embasada na Lei de Talio: olho por olho,
dente por dente.
A cada poca, desde o desaparecimento dos
suplcios, aparecem novas justificativas ticas, morais
ou polticas para o direito de punir. A civilizao
aboliu o corpo como alvo da represso penal, exposto vivo
ou morto, esquartejado ou oferecido como espetculo.
Eliminou-se o domnio da pena sobre o sofrimento fsico,
a dor. Assim, a adoo da pena de morte configura uma
regresso em termos de costumes e civilizao.
Na nova acepo da pena, o palco a mdia
eletrnica e a platia os milhares de espectadores que
engrossam os nveis de audincia. O espetculo da pena
de morte, via satlite, com a mediao da TV, garantir
as condies asspticas e de distanciamento exigidas
pela nova era, sem tirar o pulsar das emoes a cores.
o impulso da marketing que faz crescer o nmero de
adeptos da pena de morte, comovidos pelos crimes violentos
apresentados e embalados na histeria coletiva da vingana,
a sede de sangue que, ao fim e ao cabo, vai construir mais
um componente de opresso do prprio povo.
A fora da imagem, assim, trabalha no
sentido de aumentar a violncia na sociedade, pois caso a
mdia pretendesse diminuir os ndices de agresso,
deveriam ser veiculadas mensagens de contedo positivo. J
refutava o psicanalista Hlio Pallegrino, num texto sobre
a pena de morte, o princpio psicanaliticamente
ilusrio de que o delinquente grave tem arraigado
amor prpria vida. Em verdade, acontece o oposto. A
auto-estima do ser humano se constri a partir dos
cuidados do amor recebidos de fora dos outros.
Este amor, internalizado, vai constituir o fundamento da
possibilidade que cada um ter de amar-se a si mesmo, por
ter sido amado. Se sou capaz de amar a mim prprio e
minha vida, sou tambm proporcionalmente capaz de amar ao
prximo, meu semelhante, meu irmo e meu espelho.
A pena de morte, instrumento medieval e
ultraado, trazida baila sempre que ocorrem
crimes violentos que abalam a opinio pblica. Os
argumentos utilitrios empregados em sua defesa no se
sustentam no exame da realidade.
J no sculo XVIII, em pleno Iluminismo, o
Marqus de Beccaria dizia que o carter intimidatrio
ou dissuasrio das penas no estava no seu rigor ou
intensidade, mas na certeza de sua aplicao. Trata-se
de um verdadeiro libelo contra a pena de morte, cuja
severidade no ajuda a reduzir os ndices de
criminalidade ou diminuir a violncia. A efetividade das
penas est no combate impunidade e na garantia da punio
do responsvel e no na sua taxa de crueldade.
Pesquisa do ONU demonstra: na Inglaterra,
onde no existe pena de morte, ocorre um homicdio para
cada cem mil habitantes/ano. Nos Estados Unidos, onde h
pena de morte, so dez homicdios para cada cem mil
habitantes. Nos estados da Califrnia, Texas e Flrida,
onde h pena de morte, o nmero de homicdios
significativamente maior do que nos estados de Dakota do
Norte ou Vermont, onde ela no existe (no ano de 1991,
respectivamente, 3550, 2690, 1140 contra 8 e 22 homicdios).
Outros argumentos podem ser aduzidos contra a
pena de morte. Contudo, dois deles so relevantes,
considerando-se a nossa formao cultural e a
reconhecida fragilidade das nossas instituies. Um
deles reporta-se pena de morte como instrumento de
discriminao social, tal como ocorre hoje com as prises
e averiguaes pela polcia nas ruas das metrpoles,
onde prevalecem os preconceitos de raa, cor e classe
social. Bryan Stevenson, advogado norte-americano, afirma
que 100% dos condenados pena de morte, nos Estados
Unidos so pobres, 40% so negros e 15% hispnicos.
O segundo argumento diz respeito
irreversibilidade da pena em contraposio aos erros
judiciais. S nos Estados Unidos, neste sculo, 139
pessoas foram condenadas morte por engano, dentre as
quais 23 foram executadas. O que esperar do sistema
policial-judicional-prisional brasileiro, cujas caractersticas
marcantes so a arbitrariedade, a morosidade, o
emperramento burocrtico, a superlotao, e, porque no
dizer, a corrupo, tantas vezes denunciada e parte
integrante da realidade do Brasil atual.
Ressalte-se que a comparao com os Estados
Unidos feita por ser este o nico pas democrtico
ocidental onde o anacrnico instituto da pena capital
ainda subsiste, em 35 estados.
O professor Srgio Adorno, analisando os
dados americanos na relao entre execuo e
criminalidade, comenta que tudo leva a crer que o
aumento ou diminuio dos crimes esteja associado a
maior ou menor prosperidade dos Estados. Naqueles onde a
prosperidade se fez notar nos ltimos anos estados da
regio oeste a criminalidade tende a declinar.
Naqueles que concentram as populaes mais pobres e
atrasadas os estados do sul as taxas de
criminalidade so ascendentes.
No ano de 1993, 48 pases haviam abolido a
pena de morte para todos os crimes, enquanto dezesseis pases
a aboliram para os delitos comuns, com exceo dos
crimes de guerra. Vinte pases a aboliram de fato nos ltimos
dez anos, a exemplo das novas democracias do leste
europeu.
Pode o Brasil ficar na companhia dos 106 pases
retencionistas, tais como o Ir, Iraque e China, que
continuam a aplicar a pena de morte? Os pases que
possuem a pena de morte na legislao e a aplicam de
fato inscrevem-se entre os que apresentam as mais precrias
condies econmicas e sociais, e restritas liberdade
polticas e civis.
O
papel dos principais atores
t1m1y
Examinemos
a posio dos atores principais, direta ou indiretamente
relacionados pena de morte, questionando o poder
entendido como monoplio do bem e do mal e propugnando
pela reconstruo das instituies envolvidas.
Os
juzes, em geral, seguem a tendncia adotada na
istrao da justia penal, executada na
neutralidade tcnica, pretensamente inerente funo,
e excessivamente comprometidos com os formalismos que, na
realidade, servem aos interesses das elites dominantes.
Bryan
Stenvenson, advogado norte-americano, em palestra
proferida na sede da OAB-Seo So Paulo, em abril de
1991, embasado na experincia americana, questionou a
qualidade dos servios de advocacia prestados pelos
defensores legais encarregados das defesas dos
sentenciados para morrer, que em sua totalidade so
pobres e, portanto, no dispem de recursos para
contratar penalistas com condies para absolver seus
clientes, quer utilizando subterfgios legais, quer em
nome da justia. Assim, ele est convencido de que h
dois fatores determinantes para o corredor da morte nas
cadeiras eltricas do sul dos Estados Unidos: a raa e a
sorte, uma vez que a discriminao e a loteria na
escolha do advogado determinam a distino entre a vida
e a morte.
Quanto
polcia, preciso reconhecer que a instituio no
vem cumprindo a funo de combate criminalidade. No
caso da polcia civil, o encarceramento dos presos nos
distritos policiais traz uma enorme sobrecarga,
desviando-a de suas funes eminentemente
investigativas. A polcia militar perde-se em funes
istrativas, na prestao de servios sociais ou no
combate ao novo inimigo a populao pobre das
periferias das grandes cidades, onde atua de forma
discriminatria e violenta.
Em
So Paulo, em 1992, 1359 civis foram mortos e 317 feridos
em supostos confrontos com a polcia militar, numa
exacerbao da violncia s compatvel com a
arbitrariedade da poltica estadual de segurana
vigente. Outros dados significativos, tendo por fonte a prpria
Polcia Militar: no governo Paulo Maluf (1979-1982), um
morto a cada trinta horas; nos governos Franco Montoro
(1983-1986) e Orestes Qurcia (1987-1990), um morto a
cada dezessete horas e no governo Luiz A. Fleury atual
governador -, um morto pela polcia militar a cada seis
horas.
Os
perfis das vtimas, no dizer de Caco Barcellos, indicam
trabalhadores jovens, sem especializao, negros ou
pardos, migrantes, primeiro grau incompleto, renda
inferior a cem dlares mensais e moradores na periferia
da cidade. O jornalista constatou ainda que os jovens so
vtimas preferenciais, o que coincide com a pesquisa do Ncleo
de Estudos da Violncia, que apontou maior incidncia de
mortes na faixa etria de quinze a dezessete anos. As
duas pesquisas so unnimes em afirmar que as vtimas no
tinham antecedentes criminais e nenhum tipo de agem
pela polcia, o que configura o extermnio de cidados
comuns.
O
sistema penitencirio, cuja falncia j foi decretada h
muito tempo, resiste modernizao, permanecendo
insensvel s condies desumanas a que so
submetidos os encarcerados. As condies prisionais no
pas esto to deterioradas que as penas de morte
expressam-se de forma aguda em configuraes de rebelio
e so parte do cotidiano dos presos.
Dois
casos ilustrativos ocorreram em outubro de 1992 em So
Paulo. O primeiro refere-se ao massacre de 111 presos na
Casa de Deteno, mortos aps invaso do presdio
pela polcia militar, e completamente submetidos e
indefesos.
O
massacre da Casa de Deteno chocou pelo impacto dos nmeros;
entretanto a violncia no um evento pontual ou
localizado, mas um processo perverso e contnuo. A pena
de restrio de liberdade imposta pela lei com o
respaldo da sociedade agravada pelo burocratismo, pelo
emperramento da mquina carcerria. A priso drstica
medida de excluso social, no se mostra suficiente para
efeito de castigo. Reproduz-se ainda, no limiar do
terceiro milnio, o obscurantismo medieval da segregao
dos doentes mentais e dos leprosos hoje aidticos
em sentenas perptuas de degredos em masmorras ftidas,
onde a real punio a pena de morte, prescrita por
antecipao. Configura-se uma multiplicao de penas e
de sofrimento, de inestimvel alcance fsico, mental e
moral para os presos que, por sua prpria condio,
permanecem em estado de anomia, sem vez ou voz.
O
segundo reporta-se s instituies de internao de
crianas e jovens, no exemplo, da Fundao Estadual do
Bem-Estar do Menor de So Paulo (FEBEM/SP), onde se
observam as mesmas caractersticas comuns a outras
instituies totais, tanto no mbito da sade mental
como nas prises. A chamada rebelio, ou a sequncia
de acontecimentos ocorridos no espao de internao,
caracteriza-se pela desordem e violncia. No que esses
componentes no existissem anteriormente. Pelo contrrio,
eles so constitutivos das instituies fechadas, num
processo crnico e anacrnico, onde permanecem velados
at que haja interesse em sua manifestao de maior ou
menor porte. Ento, basta um motivo aparentemente
corriqueiro ou uma srie de motivos mais ou menos
arquitetados para que ocorram as chamadas rebelies
que, com certeza, no atendem s necessidade e aos
interesses das crianas e jovens internados, apesar de
protagonistas destacados.
A
fora da legislao
O
direito vida est inscrito no captulo inviolvel
das garantias individuais da Constituio Federal e
assegurado pela Conveno Americana de Direitos Humanos
o chamado Pacto de So Jos, recentemente subscrito
pelo governo brasileiro. Essas so premissas do Estado de
Direito democrtico incompatveis com a proposta de pena
de morte.
Na
Constituio Federal, a proibio da pena de morte
(artigo 5) compe o Ttulo II, referente aos Direitos
e Garantias Fundamentais, o que a inclui entre os direitos
constitucionais indisponveis, e a torna duplamente
vetada.
A
inviolabilidade dos direitos fundamentais est presente
no artigo 60, pargrafo 4, IV da Constituio
Federal, que probe qualquer emenda que vise abolir cada
um e todos os direitos fundamentais, demonstrando a
preocupao do legislador em assegurar mecanismos
impeditivos de qualquer ameaa garantia de direitos,
inclusive a adoo da pena de morte.
Nessa
perspectiva, submeter a pena de morte a um plebiscito
popular o mesmo que submeter a julgamento a prpria
concepo de democracia ou justia.
Fbio
Konder Comparato examina com propriedade esta questo,
num parecer onde discute se a emenda constitucional
para permitir a pena de morte matria que possa ser
decidida pelo plebiscito e no por referendo [...] Mas,
dir-se-, essa proibio, que atinge indubitavelmente o
Congresso, estende-se tambm ao prprio povo como
titular da soberania? [...] Quem, no mbito do Congresso,
teria a coragem ou a desfaatez de negar a soberania
popular? Contra esse populismo finrio importa afirmar e
reprisar que democracia no soberania popular
ilimitada e irresponsvel. Reduzido sua expresso
mais simples, o regime democrtico composto de dois
elementos essenciais: o princpio majoritrio e a
garantia dos direitos fundamentais. A vontade popular que
despreza a dignidade da pessoa humana no democrtica,
tirnica.
A
Conveno Americana sobre Direitos do Homem no seu apndice
5, artigo 4, trata do direito vida: Toda pessoa tem
direito a que se respeite sua vida. Este direito estar
protegido por lei [...] Ningum pode ser privado da vida
arbitrariamente [...] No se restabelecer a pena de
morte nos pases que a aboliram.
Consideraes
finais
O
desenvolvimento econmico-poltico e social do pas
fator determinante no combate criminalidade e violncia.
De fato, no h argumentos favorveis pena de morte
que se sustentem frente realidade nacional de extrema
concentrao de renda e profunda desigualdade social, de
fome e de misria.
As
desigualdades sociais tendem revolta e violncia e
no o aparelho repressivo ou a equivocada construo
de grandes presdios que vo dar respostas. Corre-se o
risco de alimentar equipamentos e meios indefinidamente,
sem consequncias prticas e sem dar conta da demanda
sempre crescente.
A
Segurana Pblica resultante de um conjunto de
fatores sociais interligados, dentre os quais o pleno
emprego, os salrios dignos, a moradia, a sade, a
escola pblica de qualidade. Isso significa que um
governo que tenha vontade poltica de enfrentar os
problemas de Segurana Pblica tem necessidade de
investir no desenvolvimento econmico-social, elaborando
polticas pblicas num amplo espectro agrcola,
industrial, cultural, educacional etc. que resultem
num melhor padro de vida da sociedade na busca de eqidade
e democracia social.
A
poltica de Segurana Pblica uma grande sntese,
embora algumas medidas de impacto para romper com o status
quo devam ser implementadas. A reviso integrada do
sistema jurdico-penal em termos de fundamentos, contedos,
mtodos, e a modernizao da legislao penal e
processual penal, adequando-se dinmica da sociedade,
trariam mudanas significativas. O referido sistema
abrange desde o inqurito policial at o papel do Ministrio
Pblico e do Poder Judicirio e, inclusive, o
cumprimento da pena e a reinsero social do condenado.
Essa
abordagem, globatizante pressupe um diagnstico
afirmativo para embasar uma poltica de direito
segurana, que a por projees de mudanas
estruturais e reformas interativas do referido sistema,
sem as quais a viso de totalidade fica comprometida. Alm
disso, so necessrias mltiplas estratgias de ao,
de modo a enfrentar com efetividade os obstculos e
resistncias decorrentes do processo de mudana.
A
polcia detm o poder legal de usar a fora, o controle
da deciso do ponto de vista tcnico, mas tem de
reconhecer que precisa mudar, profissionalizar-se e
informatizar-se, descentralizar instncias decisrias e
flexibilizar a atuao dos policiais, comunicar-se com a
comunidade na busca de efetividade.
Nessa
linha, o corporativismo dever ser enfrentado a nada mais
efetivo que o controle externo para diminuir o mpeto de
sua fora e combater a impunidade. A desmilitarizao e
unificao das polcias civil e militar recomendada,
assim como a transferncia do Instituto Mdico-Legal
para fora do mbito policial, possivelmente para a
Universidade.
Pressupe-se,
ainda, a restrio da competncia dos tribunais
militares estaduais aos crimes militares em estrito senso.
Em outras palavras, torna-se imperiosa a fixao da
competncia da Justia comum e no da Justia Militar
para o processo e Julgamento de crimes comuns praticados
por policiais militares. Repudia-se a existncia de uma
Justia Militar asseguradora de um foro privilegiado para
os policiais militares, fator terminante da impunidade.
A
Justia requer, tambm, algum tipo de controle externo
para que a sociedade possa exigir dos magistrados o mesmo
que se exige dos advogados, ou seja, o cumprimento de
prazos. Este apenas um dos mltiplos exemplos das
vantagens que um sistema de controle traria para que os
processos no se protelem indefinidamente, circunstncia
que configura mais um atentado aos direitos de quem esteja
preso ou processado.
A
prestao de contas uma forma moderna de controle
democrtico. A informtica e os bancos de dados
cientificamente orientados dariam condies para um
controle de qualidade na prestao de servios, tanto
no que diz respeito a uma melhor distribuio de pessoal
(concentrado, em geral, em objetivos-meio), com uma alocao
de recursos materiais (a exemplo do nmero de viaturas
nas ruas ou o controle dos armamentos) e financeiros (relao
custo-benefcio), alm das condies de avaliao e
reformulao embasada em informaes reais e confiveis.
Como
regra geral, os investimentos em recursos humanos so
fundamentais: valorizao das funes, reposio
salarial condigna (que evitaria corrupo e abusos de
toda ordem), formao continuada de mo-de-obra, a
partir das respectivas escolas, especializaes e
treinamentos, envolvendo policiais, tcnicos e juzes no
debate e compreenso de temas ligados Justia Social
e cidadania, sem os quais no se constri uma nao
democrtica.
De
fato, nos primrdios do terceiro milnio constitui quase
um anacronismo verificar, no Brasil, que ainda preciso
que nos preocupemos com questes relativas ao direito
vida, direito fundamental do cidado, internacionalmente
consagrado h mais de duzentos anos, quando, ao longo do
sculo XX, a humanidade j evoluiu para o reconhecimento
de direitos humanos de Segunda, terceira e mesmo Quarta
gerao, quais sejam, por exemplo, os direitos sociais,
os direitos ecolgicos e a tutela da intimidade e do
prazer.
Segundo
Norberto Bobbio, os direitos humanos so histricos,
isto , nascidos em certas circunstncias e forjados nas
lutas sociais pelas seus conquistas e esto relacionados
ao ou omisso do Estado.
Temos
que usar a fora da proclamao dos direitos universais
do homem como resistncia opresso, combate
concentrao excessiva do poder poltico e econmico,
busca da democratizao do Estado e conquista do efetivo
exerccio de direitos por parte dos cidados despossudos
deste pas, que constituem a massa dos sem direitos.
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