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AS CONTRADIES DO
DISCURSO EFICAZ
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MARGARIDA GENEVOIS
Sociloga,
Presidente da Comisso Justia e Paz de So Paulo. 544v23
Todos
esto com medo. um sentimento difuso e cujas conseqncias
so reaes defensivas e agressivas do dia a dia.
H
desconfiana no ar e na rua. Se um desconhecido se
aproxima de ns, ficamos apreensivos e nos pomos em
guarda, sobretudo se o desconhecido for negro ou mal
vestido.
Em
casa tambm vivemos em sobressalto, pois raro
o dia em que no ouvimos contar um caso de assalto.
O medo da violncia leva as pessoas a serem violentas
e muito comum ouvirmos a defesa exaltada da
Pena de Morte como a nica soluo para a diminuio
da violncia.
Para
os defensores da Pena de Morte ela um exemplo, um
castigo e defesa da sociedade, misturados tambm com um
sentimento de vingana.
O
grande argumento a favor da Pena de Morte a
exemplaridade. No se mata um homem somente para
puni-lo de seus crimes mas para intimidar, pelo exemplo
horrvel, os que por ventura quisessem imit-lo. A
sociedade no se vinga, quer antes prevenir outros
crimes.
No
est provado que a pena de morte evitou um s
assassinato. Na poca em que os ladres eram executados
na Inglaterra em praa pblica, outros ladres
aproveitavam a ocasio para roubarem aqueles que
assistiam na praa a cena do enforcamento dos
criminosos.
Uma
pesquisa feita no incio do sculo na Inglaterra,
mostra que entre 250 enforcados, 170 tinham assistido
pessoalmente a uma ou duas execues capitais.
Em
1886, entre 167 condenados morte, que aram pela
priso de Bristol, 164 tinham assistido ao menos a uma
execuo (segundo o relatrio do Select Committee
ingls de 1930 e da Comisso Real Inglesa que refez os
estudos posteriores).
Os
tempos mudaram, no se faz mais execues em praa pblica
mas discretamente, na calada da noite, com poucas
testemunhas.
No
h lgica dos defensores da Pena de Morte neste
ato. Para que a execuo fosse realmente exemplar,
seria necessrio que a ela fosse realizada com
o maior pblico possvel, televisada e difundida
por todos os meios de comunicao com todos os
detalhes e ngulos. Mas a isto muitos chamariam
de sadismo. Onde est ento a exemplaridade? Parece
que a Pena de Morte traz uma m conscincia para
os prprios executados.
Os
EUA so citados como exemplo. A Pena de Morte a
existe em 39 Estados; no entanto, continuam acontecendo
crimes brbaros, estupros, latrocnios. Entre 1963 e
1980 houve um aumento de 122% de crimes. Somente neste
mesmo perodo o aumento foi de 400% em Nova York, sendo
o aumento ainda maior em outros estados.
De
1608 a 1985 houve 14.000 execues nos EUA.
Proporcionalmente populao, a violncia dos EUA
10 vezes maior do que no Brasil, apesar da Pena de
Morte. Onde est a exemplaridade, principal argumento
dos defensores da Pena de Morte?
A
ameaa da pena no diminuiu, pois, a incidncia
dos crimes violentos. Estes crimes so: 1) crimes
irracionais provocados por momentos emocionais
muito fortes, nos quais no se pensa em nada.
2) quando premedita um crime, o criminoso sempre
pensa que no vai ser descoberto. 3) o criminoso
age sob presso do momento, influenciado pelo
lcool, drogas ou psicopatologias. A remota possibilidade
da Pena de Morte no vai conter sua ao.
Ainda
nos EUA, havia 1.147 condenados esperando a execuo
nos corredores da morte em 1983. A Pena de Morte estava
em vigor ento, em 38 estados. Isso significa que a
morte de um assassino depende no do ato que cometeu,
de seu crime, mas onde ele ocorreu.
Nos
primeiros anos da colonizao, as execues eram
pelas mais variadas razes: furtos de gado, de cavalos,
roubos, assaltos, etc. Somente a partir de 1977 que
execues so punio de assassinatos. Entre 1930 e
1940, houve mais de 100 (cem) execues por ano.
A
maioria dos pases civilizados do mundo j aboliu a
Pena de Morte, restam ainda a Repblica da China, URSS,
EUA, frica do Sul e Ir. Alguns desses pases so
famosos pelas execues absurdas e brbaras que
chocam nossos sentimentos cristos.
H
ainda a possibilidade de erro judicirio, e muitas das
pessoas condenadas morte, tiveram depois da condenao
sua inocncia provada. Todos se lembram do famoso caso
dos irmos Naves, acusados de assassinato. Anos depois,
quando um deles j tinha morrido na priso, o suposto
assassinado apareceu. A ltima execuo no Brasil, no
sculo ado foi tambm um erro judicirio, a
morte, por enforcamento, de Mota Coqueiro.
Nos
EUA, onde a justia to minuciosa, em processos
de condenao, de 1893 a 1979, 21 pessoas foram
condenadas morte e sua inocncia provada depois;
algumas foram salvas horas antes da execuo;
porm, quatro inocentes foram executados. O erro
judicirio no possibilita reparao pois a vida
no pode ser devolvida. Os Juzes so humanos
e todos sujeitos a erros.
A
exemplaridade pois, da Pena de Morte, no
convence. Nos 33 pases que a suprimiram ou que no a
usam mais, o nmero de assassinatos no aumentou. A
violncia s gera violncia. O criminoso sabendo que
se for preso ser executado, ser muito mais violento,
tentar a todo custo eliminar as testemunhas.
Numa
pesquisa do antigo Jornal da Repblica, sobre a questo:
Pena de Morte para reduzir a violncia?, o delegado do
DEIC, Jos Vidal Pilar Fernandes responde: O efeito
seria exatamente contrrio. muito comum aqui no
xadrez do DEIC um preso autor de latrocnio matar outro
preso apenas para ser transferido para a Casa de Deteno.
O criminoso brasileiro tem um nvel cultural baixo. Ele
se tornaria muito mais perigoso e violento depois de se
acreditar antecipadamente condenado morte. Um
criminoso que sabe que ser condenado morte, no
matar s uma, mas vrias pessoas, pois isso no
aumentar sua pena.
Toda
a violncia, na opinio do delegado, no resultado
de uma exploso espontnea, repentina. Ao contrrio,
ela tem sua origem no acmulo de geraes e geraes
de erros scio-econmicos.
Ns
sabemos que falha na educao, fatores culturais, fome
e m distribuio de renda levam ao aumento da
criminalidade e da violncia. O que precisamos
atacar as causas da violncia, e no itir a soluo
simplista da vingana social que a Pena de Morte.
Os
menores delinqentes da FEBEM, muitos deles futuros
hspedes da Deteno, tm quase todos um mesmo
ado: famlias desestruturadas, pai alcolatra,
desempregado, me solteira ou largada, que a
o dia fora trabalhando, falta de escola, menino solto
nas ruas, drogas etc. A FOME, a m distribuio de
renda, a misria, acrescidos dos insistentes apelos ao
consumismo pelos meios de comunicao so as maiores
causas dos crimes na nossa cidade.
Na
realidade j temos no Brasil a Pena de Morte disfarada.
S
a polcia matou, em 1984, 481 pessoas (153 a mais do
que em 1983) e em 1990, 585 pessoas. Muitas dessas
pessoas eram comprovadamente inocentes e mesmo os
culpados, deveriam ter direito a um julgamento dentro da
lei. O assassinato impune oficial s fez acirrar a violncia
e o bandido sabe hoje que matar ou morrer. Esta tambm
no a soluo, se fosse a criminalidade j teria
diminudo depois de tantas mortes.
O
assassinato frio de algum, como a execuo em cmara
de gs, ou por eletrocuo, ou por injeo de
veneno, ou por degola, ou por garrote vil ou por
enforcamento, etc., no encerra qualquer lio, a par
de conter contradio invencvel.
Se
a sociedade considera crime o ato de matar, no
pode ela oficializar o homicdio, ainda que atravs
de processo jurdico.
H
os que argumentam que o criminoso custa muito caro ao
Estado na priso, seria mais econmico elimin-lo.
Custa tambm muito caro ao Estado, manter hospitais
para leprosos, deficientes, idosos, doentes de molstias
incurveis. Ser que estes defensores da Pena de Morte
concordariam tambm em elimin-los?
Sairia
realmente muito mais barato se o Estado investisse a
curto prazo muito mais na educao, na alimentao
das crianas, no apoio s famlias numerosas, na criao
de frentes de trabalho, na profissionalizao dos
adolescentes, e sobretudo garantindo um salrio mnimo
mais justo, etc. A soluo verdadeira tem um carter
muito mais estrutural, das relaes de poder, de
filosofia de governo, de prioridades ao HOMEM, antes do
lucro, de respeito PESSOA, Dignidade e Direitos de
todos.
Temos
a tendncia de pensar que somos ns o BEM, os justos,
os honestos, e os outros o MAL, os suspeitos, os capazes
de todos os crimes. muito cmodo achar que uns
nascem bons (ns mesmos) e outros nascem maus e devem
ser eliminados, pois no tm recuperao.
Quem
de ns poderia assegurar que no seria capaz de roubar
se tivesse um filho, a me, um irmo morrendo de fome
ou por no ter um remdio que os poderia salvar? Quem
de ns poderia jurar que no seria tambm um marginal
se no tivesse um mnimo de condies para viver,
fosse escorraado, humilhado, rechaado
constantemente? Quem for capaz de dizer que no,
honestamente no fundo do corao, que atire a primeira
pedra. Jesus, o mais puro e mais justo dos homens, no
o fez.
Se
o assassinato um crime contra a Pessoa Humana,
seria incoerente torn-lo uma lei. Todo homicdio
criminoso, igualmente grave, seja ele cometido
por um marginal que assalta, rouba ou mata ou
pela sociedade mesmo depois de um processo judicirio.
Vamos
lutar por uma justia mais firme, mais eficiente, por
prises recuperadoras de indivduos, por educao
para todos, condies de vida decente, por uma Polcia
mais eficiente. Isto sim, impedir as violncias que
tanto incomodam e atemorizam.
compreensvel e humana a revolta que todos sentimos
contra crimes covardes, ainda mais quando as vtimas so
nossos parentes ou amigos, mas a Pena de Morte um
assunto grave demais para ser decidido sob o impacto da
raiva, da revolta, por impulsos vindicativos, por mais
compreensveis que nos paream.
Sobretudo
quando temos provas indiscutveis que ela no produz
resultados almejados, ao contrrio, pode at aumentar
a violncia. necessrio muito equilbrio, reflexo,
cabea fria para tratarmos desse grave problema.
????E??????font face="Arial" size="2">span style="mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-font-family: Times New Roman">O
medo da violncia que nos contagia tem ainda um grave
perigo: ele nos torna agressivos, envenena as relaes
dirias da nossa vida. Sutilmente a violncia vai
transparecendo nas nossas atitudes e at no nosso modo
de pensar, vai se tornando normal. Ela est nas
agressividades do trnsito, nas respostas speras, na
falta de dilogo, nas intransigncias repetidas, na
incompreenso das falhas alheias.
A
Pena de Morte no mata a FOME, a MISRIA, a desagregao
familiar, o abandono do menor, o desemprego, e tambm no
a Pena de Morte que vai acabar com este esprito
da violncia que paira no ar e envenena as relaes
humanas na nossa sociedade.
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