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PENA DE MORTE: UM ASSASSINATO INTIL 2w6m1n

DALMO DE ABREU DALLARI ** 2b4f2h

A execuo da pena de morte um assassinato oficial, que desmoraliza o pas que o pratica, sem trazer qualquer benefcio para o povo. Os que defendem e pregam a pena de morte ou so demagogos, que exploram o sentimento de medo ou de raiva das pessoas, ou so muito mal informados, porque bem fcil saber que a pena de morte nunca fez diminuir o nmero de crimes.

Existem muitos argumentos contrrios pena de morte e eles podem ser expostos com clareza e simplicidade. Quem tiver boa vontade e meditar nesses argumentos, certamente se convencer que os crimes que hoje afligem os brasileiros, aumentando o medo e o sentimento de insegurana, continuaro existindo e certamente no diminuiro com a pena de morte. o que se a a demonstrar.

A pena de morte intil. Quem disser que ela faz diminuir o nmero de crimes violentos, est mal informado ou enganando o povo. Em dezembro de 1989, o Parlamento da Inglaterra rejeitou uma proposta de restaurao da pena de morte. Essa pena j existiu naquele pas, mas foi abolida porque se chegou concluso de que ela tinha muitos inconvenientes e no exercia qualquer influncia sobre a quantidade de crimes.

O ?????t principal argumento contra a pena de morte foi a informao de que nos Estados Unidos, onde existe essa pena, o ndice de criminalidade um dos mais altos do mundo. De acordo com um relatrio divulgado em maro de 1991 pelo Senado dos Estados Unidos, o nmero de assassinatos praticados naquele pas em 1990 subiu a 23.200 vtimas, contra 21.500 em 1989. E isso apesar de existir e estar sendo executada a pena de morte.

Esses dados so confirmados pelos rgos mais importantes da Polcia Federal norte-americana, o FBI (Federal Bureau of Investigations). De acordo com notcias publicadas na Folha de So Paulo, em 16 de maro de 1991, o FBI revelou que o nmero total de norte-americanos vtimas de assassinatos, estupros ou assaltos foi superior a 1.800.000 (um milho e oitocentos mil) no ano de 1990. mais do que evidente que a pena de morte no exerce qualquer influncia para reduzir o nmero de crimes.

Enquanto isso ocorre nos Estados Unidos, onde se usa a pena de morte, a Inglaterra, que no tem pena de morte desde 1975, apresenta um dos mais baixos ndices de criminalidade do mundo. Foi por esse e por vrios outros motivos que o Parlamento ingls recusou a proposta de restabelecimento da pena de morte.

A pena de morte imoral. A vida o maior bem da humanidade e ningum deve ter o direito de elimin-la. Se no houver respeito pela vida humana, se no houver o reconhecimento de que a vida sagrada e se coloca acima de qualquer outro bem da humanidade, ento no haver mais respeito por qualquer valor e ningum ter segurana.

A vida um valor moral, que o Estado incapaz de criar e no deve ter o direito de suprimir. Na realidade, a vida um Dom misterioso concedido aos seres humanos e que se relaciona intimamente com sua natureza espiritual. Destruir a vida de uma pessoa atentar contra o prprio Criador.

A pena de morte, porque atinge e suprime o maior valor da humanidade, ainda mais imoral do que seria uma absurda pena de estupro ou a inaceitvel pena de escravido. A prpria humanidade se desmoraliza quando usa esses tipos de pena.

A pena de morte imoral, tambm, porque ela no existe sem a figura do carrasco. Para executar a pena de morte o Estado precisa contratar algum para matar. Seja qual for o mtodo de execuo como a cadeira eltrica, a forca, a injeo de veneno, a guilhotina, a cmara de gs, o estrangulamento, o corte da cabea sempre existir uma pessoa encarregada de acionar o dispositivo que acarreta a morte. Essa pessoa ser um assassino profissional, contratado e pago pelo Estado com o dinheiro dos contribuintes. Quem gostaria de ser pai, me, filho ou filha, irmo, esposo ou mesmo amigo ou vizinho de um carrasco?

A pena de morte contraditria. absurdo que o Estado tire a vida de uma pessoa porque ela no respeitou o direito vida. absolutamente ilgico que o Estado, para punir uma pessoa que matou outra, contrate algum para matar e d dinheiro e proteo ao assassino.

No livro Dos delitos e das penas, que reconhecido no mundo inteiro como um dos mais importantes que j foram escritos, seu autor, o jurista italiano Csare Beccaria, faz as seguintes consideraes: Parece-me um absurdo que as leis, que so a expresso da vontade pblica e que detestam e castigam o homicdio, o cometam elas prprias, e para afastarem os cidados do assassinato ordenem elas prprias um assassinato pblico.

Na realidade, como bem assinalou Albert Camus, a execuo da pena de morte um assassinato premeditado. O Estado programa o assassinato, marca dia e hora, contrata o assassino e usa de toda sua fora para transportar a pessoa que vai ser assassinada para o local em que isso dever ocorrer. E tudo com grande publicidade, sabendo-se quem montou a cena da morte da pessoa, quem a transportou, quem se valeu da superioridade fsica e de armas para impedir que a pessoa fugisse e, afinal, quem praticou o gesto que acarretaria a morte dessa pessoa humana. E ningum punido e muitos recebem dinheiro do Estado por essa participao. No pode haver maior absurdo, quando o mesmo Estado pune quem matou uma pessoa, mesmo que seja apenas culpado pelas mortes e no tenha tido a inteno de matar.

A pena de morte perigosa. Uma vez aplicada a pena de morte no haver qualquer possibilidade de voltar atrs, mesmo que se saiba com absoluta certeza que houve erro, que a condenao foi injusta.

E no so poucos os casos de erro judicirio. As decises judiciais so baseadas nas provas e comum considerar-se que a prova mais importante a confisso do acusado. No so poucos os casos em que a prova de que o ru tinha sido o autor do crime era muito duvidosa, mas como ele confessou a autoria foi condenado. E depois surgiram novos elementos provando que o autor tinha sido outros ou que o crime nem tinha existido.

muito bom lembrar que a ltima execuo de pena de morte no Brasil, ocorrida no final do sculo ado, foi um erro judicirio, reconhecido quando j no se podia voltar atrs porque no havia como devolver a vida pessoa injustamente morta pelo Estado. O ru, Mota Coqueiro, tinha sido forado a confessar a autoria e por isso foi morto, assassinado com as benos do Estado.

Outro caso clamoroso de erro judicirio ocorrido no Brasil teve como vtimas dois modestos trabalhadores rurais, os irmos Naves. Eles tinham-se envolvido numa briga com um colega de trabalho e logo em seguida este desapareceu. Os nicos fatos conhecidos eram a briga recente e o desaparecimento da pessoa, mas ligando as duas coisas os irmos Naves foram acusados de assassinato, agravando com a ocultao do cadver. Imediatamente presos, confessaram na priso a autoria do crime e foram condenados.

Alguns anos depois, quando um dos irmos Naves j havia morrido na priso e o outro continuava preso, a suposta vtima reapareceu, viva e disposta a esclarecer a histria. No tinha havido assassinato algum e os dois irmos eram inocentes. Depois da briga, temendo sofrer alguma violncia, o trabalhador que havia brigado com os Naves decidiu mudar-se para um lugar bem distante. Como era solteiro e pobre carregou nas costas tudo o que possua e foi para longe sem dar notcia a ningum. Acusados do assassinato e tendo sido violentamente espancados na priso os irmos Naves confessaram a autoria de um crime que no tinha cometido. E assim foram condenados.

Ainda agora, em maro de 1991, fato semelhante ocorreu na Inglaterra. Seis irlandeses foram acusados da prtica de terrorismo. Alm de tortur-los barbaramente, para obter sua confisso, a polcia ainda produziu uma prova pericial falsa e com base nisso os seis foram condenados.

Alm da possibilidade de erro, que sempre existe nas realizaes e decises humanas, fundamental no esquecer que a prtica de tortura pela Polcia muito freqente, inclusive no Brasil. Desse modo so obtidas muitas confisses, absolutamente falsas, que podem levar ao erro judicirio.

Apesar de haver sempre alguma perda irreparvel para quem foi condenado injustamente e depois teve reparao se a vtima do erro estiver viva. Mas se for aplicada a pena de morte por erro judicirio, essa injustia ser irreparvel. Qualquer pessoa poder ser vtima desse erro, mas, acima de tudo, nenhuma pessoa justa poder ser a favor da criao do grande risco de matar por erro um inocente.

A pena de morte inconstitucional. Se no bastassem todos esses argumentos, preciso considerar ainda que, de acordo com a atual Constituio brasileira, a simples apresentao de um projeto de Emenda Constitucional para introduzir a pena de morte no pas j inconstitucional.

O Ttulo II da atual Constituio trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. E no Captulo I, que se denomina Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, encontra-se o artigo 5, com a seguinte redao: Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas, a inviolabilidade do direito vida.

Assim, pois, de acordo com a Constituio o direito vida um direito individual expressamente proclamado e garantido. A disposio constitucional clara e direta, no deixando qualquer dvida sobre isso.

E o artigo 60, que trata das Emendas Constitucionais, enumera no 4 as nicas hipteses em que no poder ser itida proposta de emenda. a seguinte sua redao:

No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir:

I. a forma federativa de Estado;

II. o voto direto, secreto, universal e peridico;

III. a separao dos Poderes;

IV. os direitos e garantias individuais.

Como est bem evidente, nem necessrio que a proposta vise a abolio direta dos direitos e garantias individuais. Basta que seja tendente a isso para que no possa sequer ser objeto de deliberao. Desse modo, a simples tramitao de uma proposta que abra a possibilidade de abolio de um direito ou garantia individual j inconstitucional.

A existncia de uma parte imutvel, tambm chamada de cerne fixo, na Constituio muito comum. Basta lembrar que no Brasil, desde 1891, todas as Constituies estabeleceram a proibio de propostas de emendas tendentes a abolir a Federao e a Repblica. E para permitir a realizao de plebiscito sobre a manuteno da Repblica ou a volta da Monarquia o constituinte de 1888 no incluiu a Repblica entre os temas sujeitos limitao do poder de emenda constitucional.

Como observa Maurice Hauriou, eminente constitucionalista francs, a Constituio a base da ordem jurdica e no momento constituinte o povo estabelece, entre outras coisas, as regras para mudana dessa ordem, podendo fixar, inclusive, os limites ao poder da reviso ou emenda. E s uma nova constituinte poder alterar ou eliminar esses limites, que devem ser obrigatoriamente respeitados pelos rgos competentes para modificar a Constituio. a bem claro, portanto, que o direito vida, claramente assegurado por disposio constitucional expressa, no pode sofrer limitaes. Nem se diga que o prprio constituinte j o limitou quando itiu a pena de morte em caso de guerra declarada formalmente. Na realidade o constituinte estabeleceu essa hiptese excepcional no momento em que estava sendo elaborada a Constituio e no deixou aberta a possibilidade de qualquer outra exceo. O constituinte podia fazer isso, porque no havia normas legais que o limitassem, o que no ocorre com o rgo que recebeu do constituinte o poder limitado de alterar a Constituio.

O direito vida fundamental e intocvel. No sistema jurdico brasileiro o direito vida reconhecido e assegurado como um dos direitos fundamentais do indivduo, direito que nenhuma pessoa e nenhum rgo pode restringir nem pode pretender eliminar. Nesse ponto o Brasil se coloca entre os Pases mais coerentes, que proclamam a vida como direito am documentos internacionais nesse mesmo sentido e garantem na sua legislao esse direito.

Da importncia do direito vida e sua garantia muitos j falaram. Nunca ser demais, entretanto, insistir nesse ponto, para despertar a conscincia dos que ainda no perceberam que a destruio intencional da vida humana, ainda que seja a vida de um criminoso merecedor de punio, um o muito grave no sentido de estimular o desrespeito pela vida de todos os seres humanos.

Com muita felicidade, o eminente jurista brasileiro Jos Afonso da Silva em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, resumiu a razo fundamental de se proteger plenamente a vida humana: ela constitui a fonte primria de todos os outros bens jurdicos. De nada adiantaria a Constituio assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se no erigisse a vida humana num desses dir

** Professor titular da Faculdade de Direito da USP,

Secretrio dos Negcios Jurdicos da Prefeitura Municipal

De So Paulo, Ex-presidente da Comisso Justia e Paz,

Membro da Comisso Internacional de juristas.

A execuo da pena capital o mais premeditado dos assassinatos

(Albert Camus).

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