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PENA
DE MORTE
BELISRIO
DOS SANTOS **
1.
A pena de morte intimida.
Dos
argumentos favorveis pena de morte, o mais falso
o seu maior poder de intimidao, e o mais cruel a
vantagem econmica sobre as outras penas, o seu
carter utilitrio, enfim.
O
efeito intimidatrio da pena de morte um mito no
demonstrado. Nos Estados Unidos em 1984, houve 21 execues,
e 1400 pessoas, condenadas morte, aguardava sua vez.
Desde o restabelecimento da pena capital naquele pas,
em 1976. Esses altos nmeros conviveram com as notcias
da existncia e do aumento da criminalidade violenta,
de ordinrio associado ao consumo de drogas, ou
dificuldade de reintegrao sociedade de
ex-combatestes do Vietn.
Igualmente
so elevados os nmeros relativos s execues
legais praticadas em 1984 no Ir (661), na frica do
Sul (114) e na China (292).
Ao
todo, em 1984, segundo dados que a Anistia Internacional
reconhece como inferiores realidade, teria, sido
executadas 1513 pessoas, em diversos pases do mundo.
Tal
constncia na aplicao do castigo capital remete-nos
ineficcia do poder dissuasrio dessa pena. Nas
palavras do jornalista Alain Clement; Acontece com
essa dissuaso o mesmo que com a bomba atmica: ar
de ameaa ao ato confessar seu malogro.
importante relembrar que a Anistia Internacional
realizou, em 1979, uma comparao dos ndices de
criminalidade entre pases que aboliram a pena de morte
e os que ainda a adotavam para crimes violentos,
concluindo no haver indicao alguma de que a ameaa
de execuo haja sido eficaz na preveno dessa
criminalidade. O que evitaria a prtica de um segundo,
um terceiro crime apenvel com morte, pelo mesmo
agente, j certo de punio capital pelo primeiro
crime? Certamente ocorrer a exacerbao da violncia,
pela nsia presente do criminoso, em no deixar
testemunhas, em calar definitivamente a vtima, em
fazer desaparecer as provas de sua conduta.
Analisando
a realidade brasileira, tem-se que a pena de morte foi
implantada, na prtica, e executada por esquadres de
aluguel, pela polcia violenta, resultando da nenhum
efeito atenuante de criminalidade, mas outro oposto, o
de mais e melhor se armarem os criminosos.
De
resto, confira-se que na histria recente do Brasil, de
1969 at 1978, houve previso de morte para delitos
comuns e polticos.
No
consta a ningum ter havido qualquer influncia dessa
circunstncia na diminuio da criminalidade punida
com pena mxima.
Se
algum efeito intimidatrio existe, este de certo no
ser gerado pela qualidade da pena, mas pela certeza de
punio.
2.
A pena de morte, para alguns, a soluo econmica
para o problema da violncia.
Em
nome da concepo utilitarista, o mesmo argumento que
torna inteis as prises, com a morte do preso, pode
esvaziar os institutos psiquitricos, os asilos,
os hospitais, com a decretao da inutilidade e da
morte dos loucos, dos velhos, dos recm-nascidos
defeituosos ou dos portadores de doenas para os quais
hoje no se conhece a cura.
O
fundamental a manuteno dos princpios: todos tm
direito vida; ningum ser submetido a castigos cruis,
desumanos e degradantes.
Esquecida
a questo de princpio, a pena de morte para
criminosos violentos apenas um o no mesmo caminho
que, ando pelo homicdio teraputico, pode
conduzir (j conduziu antes) exterminao de
grupos marginais, de minorias tnicas e outros
segmentos perniciosos ou indesejveis elite
dominante.
A
soluo final j foi condenada em Nuremberg. No
devemos lhe dar outra oportunidade.
3.
A pena de morte seletiva.
A
falta de adoo, nos ltimos vinte anos, de providncias
efetivas, concretas, perceptveis aos olhos do homem do
povo que melhorem sua segurana e, ao mesmo tempo,
ataquem as causas de incremento de criminalidade (o
desemprego, a fome, a urbanizao desenfreada dos
grandes centros, entre outros), faz com que setores da
opinio pblica se aferrem a algo que lhes
demagogicamente imposto como mgico, como soluo mtica,
milagrosa para os problemas todos.
Esquecem-se
esses setores que sero atingidos pela pena aqueles
que, de ordinrio, so alcanados pela pena privada
de liberdade, ou seja, os pobres, os negros, os
integrantes de minorias. S que a, perante a pena
capital, no tero em contrapartida as garantias que a
legislao liberal sempre lhes concedeu: os
habeas-corpus, as revises criminais a qualquer tempo,
os reexames de erros judicirios. Para os que defendem
a pena de morte, o homem juiz que aplica a pena infalvel.
Como Deus...
E os
crimes de colarinho branco? e as selvagerias
praticadas pelos criminosos de bem? mais do que
uma legislao especfica, ou da pena capital,
precisa-se eliminar a noo de sua impunidade,
cultivada durante os anos de autoritarismo. Os grandes
escndalos financeiros e os crimes brbaros que
envolviam figuras de expresso sempre acabaram mal para
as testemunhas, ou para os poucos que tentaram apur-los,
jamais para os seus autores.
4.
A pena de morte incoerente, em seu carter
permanente e absoluto.
Todo
sistema penal prev a imposio de sanes no
meramente como retribuio (quia peccatum), tendo sua
finalidade a reeducao (ne peccetur). Assim, as sanes
se distribuem segundo gradao que tm em considerao
o bem atingido, a intensidade da ao, a personalidade
do agente. As solues sero, sempre, escalonadas,
medindo-se em tempo (penas privativas de liberdade ou
restritivas de direitos) ou em dinheiro (pena de multa).
Para Miguel Reale, sendo essa ordenao gradativa de
essncia mesma da justia penal, no h critrio
objetivo ou medida racional que ordene a transio da
pena de 30 anos, ou da priso perptua para a morte.
quando se decreta a pena de morte, diz o jusfilsofo,
rompe-se abrupta e violentamente a apontada harmonia
social, d-se um salto no plano temporal para o no
tempo da morte.
Diga-se
ainda que como pena de morte exige a inocncia absoluta
de quem a aplica e a culpa integral de quem a sofre.
Quanto
a culpa absoluta de quem age, h de se ter em conta a
vulnerabilidade de todos os sistemas de justia
criminal, o erro e a discriminao. Estaro menos
sujeitos a esses vcios os ricos, os bem relacionados
politicamente e os membros de grupos raciais ou
religiosos dominantes. De qualquer forma, a estrutura do
nosso sistema jurdico baseia-se na possibilidade de
erro judicirio, tanto que so assegurados para repar-lo
a qualquer momento, o habeas-corpus e a reviso
criminal. Como conciliar tais garantias a pena de morte?
Com
relao inocncia absoluta do Estado e da
sociedade, ser fcil compreender que as grandes
causas da criminalidade no so todas inerentes ao
criminoso.
5.
A pena de morte no legitima a dor da vtima.
Entregar
vtima de crimes brbaros, o destino dos suspeitos,
s pode resultar no retorno ao sistema primitivo da vingana
privada. O sentimento compreensivo da vtima de ver
punidos os agressores de seu direito, deve encontrar no
Estado uma respostas adequada, no s enquanto
Estado-polcia na busca de punio do crime, mas no
Estado-amparo na assistncia vtima e minorao
das conseqncias do crime.
Ao
longo do perodo mais negro da represso poltica no
Brasil, em que jornalistas, operrios, parlamentares,
padres, foram assassinados friamente, alguns dentro das
prises, as vozes esclarecidas clamavam pela punio,
pelo fim da impunidade, jamais pela pena de morte.
Onde
existe, a pena de morte freqentemente usada como
instrumento de represso contra a oposio, contra
grupos raciais, tnicos, religiosos e setores marginais
da sociedade.
A
pena de morte embrutece a todos os envolvidos em uma
aplicao e sua execuo contra inocentes irrevogvel.
Tambm por isso ela inaceitvel.
6.
A pena de morte no se inscreve como forma de legtima
defesa na sociedade.
Quem
repele agresso injusta, atual ou iminente e faz com
emprego moderado dos meios necessrios para evitar a
leso a direito seu ou terceiros, atua legitimamente.
Na
expropriao pelo Estado mais personalssimo direito
do homem, da sua essncia, da sua vida, a reao no
moderada, o ato que o provocou pertence ao ado, e
o agente que a sofre j no mais o que praticou o
crime.
A
pena de morte , assim, antes de tudo, ilegtima.
A
justia que no sabe dar a vida, no pode dar a
morte. Nos anos do autoritarismo, a sociedade civil
jamais se conformou com a aplicao da censura a
pretexto de se preservar o direito informao e a
imprensa; com o uso da tortura e da represso em nome
da segurana da nao. O mesmo NO deve ser dito
pena de morte que no pode tutelar o direito vida.
Em
certa medida, a pena de morte tem a lgica da bomba de
neutrons: os problemas da humanidade desaparecero com
o exclusivo desaparecimento do homem!
A nica
pena de morte que interessa ao povo a que deve ser
decretada, com providncias srias e urgentes, contra
a fome, a misria, o desemprego, a falta de condies
dignas de vida.
A
pena de morte contra o homem do povo, essa no ar.
** Advogado,
membro da Comisso Justia e Paz de So Paulo
e Presidente da Associao de Advogados
Latino-Americanos pela Defesa dos Direitos Humanos. |