ABC
dos Novos Direitos e Deveres
Dilemas para o Sculo XXI
Direitos Globais no Universo em Mutao 13696h
Fbrica
de homens-bomba
Shawqi Nasser
Ver
a crise em curso no Oriente Mdio
apenas pelo prisma das dicotomias religiosas
encobre as realidades que enchem os olhos
do mais desatento turista que visite Israel
e a Palestina nos dias de hoje, onde pululam
a pobreza, a misria e a injustia,
verdadeiras usinas do terror.
Em
recente visita a Jerusalm, pude
constatar que 40% do comrcio da
cidade velha cerrou suas portas por falta
de clientes, expulsos pela ausncia
de segurana, que impede a prosperidade
de qualquer tipo de atividade econmica.
Lembrei-me, ento, de outra viagem
que fizera dois anos atrs, quando
uma estabilidade poltica mnima
levava milhares de pessoas das mais variadas
partes do mundo aos mercados, s
mesquitas, s igrejas, ao muro de
lamentaes, aos lugares sagrados
da chamada Terra Santa.
Na
nova e lamentvel realidade pude
constatar que os israelenses vivem agora
sobressaltados com aqueles que oprimem,
e os oprimidos palestinos, tratados como
sub-raa, como dejetos da humanidade,
a quem no resta ao menos a esperana
de uma vida digna, reagindo como animais
fome, pobreza,
misria e a todo tipo de humilhao,
movidos por instintos puramente animais.
A
poltica opressora imposta ao povo
palestino (se isso que podemos
chamar de poltica), est
aqum da poltica ambiental,
pois transforma seres humanos em dejetos.
Jovens e adultos, mulheres e crianas
palestinos so submetidos s
mais terrveis humilhaes,
como serem obrigados a tirar as roupas nas
barreiras militares, arem todo o dia
sob frio inclemente para somente
noite serem liberados. Liberados para a
angstia, para o sofrimento, para
o desatino de se tornarem ‘‘homens-bomba’’
ou qualquer serventia que possam dar a seus
corpos e s suas mentes mutilados.
Foi
justamente essa poltica que deu
origem exploso de suas
intifadas, ameaando e destruindo
mesmo a autoridade e a liderana
da Autoridade Palestina e de seu lder
mximo, Yasser Arafat, que, negando-se
a adotar a poltica de Israel contra
os prprios irmos,
acusado de no ter pulso para controlar
sua gente. Ele, que no
responsvel pela desgraa
a que a poltica de Sharon submeteu
seu povo, teria que cont-lo na hora
do desespero. Misso impossvel.
Pois, desesperados e desesperanados,
jovens ou velhos, relegados condio
de subgente, tornam-se alvos fceis
de transmutarem-se em homens-bomba, na descrena
de uma vida digna que as leis internacionais
asseguram a todos os seres humanos.
Assim,
Sharon encontra justificativa para continuar
o massacre contra o povo palestino, com
apoio dos Estados Unidos, e Israel segue
a sua poltica de matar, como na
recente chacina da aldeia de Betrima, que
teve 26 mortos e centenas de feridos, onde
estive e pude ver a repetio
do massacre de Sabra & Shabila. O revide
pelos homens-bomba era inevitvel
e incontrolvel, pois so
homens que vivem em campos de refugiados
sem esperana de serventia seno
a de usar o prprio corpo, com sacrifcio
da vida, chamando a ateno
do mundo para a desgraa de seus
irmos e das futuras geraes.
Clamam assim pelo respeito s resolues
242, 338 e 194 da ONU, que estipulam o fim
da ocupao israelense aos
territrios palestinos, inclusive
Jerusalm Oriental, e a volta dos
refugiados, a suspenso dos bloqueios
militares e econmicos e a abertura
de postos de trabalho que proporcionem condies
dignas de vida aos seus cidados.
Fica
claro que o combate a essa poltica
de autodestruio para ambos
os lados contendores — Israel e Palestina
— no se dar pelo uso
da fora, que at hoje tem
se mostrado incua e alimentadora
de novas ondas de violncia, mas pela
suspenso das agresses de
toda ordem — militar, econmica
e psicolgica. As razes das
lutas contra a ocupao israelense
no sero arrancadas com mera
conquista de uma das regies mais
destroadas e esgotadas do mundo.
preciso que se desenvolva uma guerra
contra a pobreza, a misria e a injustia,
para que os erros do ado no
se repitam. S ento podero
brotar as sementes da esperana que
ocuparo o lugar do terror.
Shawqi Nasser presidente
da Associao rabe
Palestina Brasileira
Correio Brasiliense, quinta-feira, 24 de
janeiro de 2002
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