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Direitos Humanos, Violncia e Cotidiano Escolar
Candau, V. M.

O fenmeno da violncia na sociedade atual, especialmente nas grandes cidades, vem adquirindo cada vez maior visibilidade social, particularmente a partir dos anos 80, e sendo objeto de preocupao tanto por parte do poder pblico e dos cientistas sociais, como da sociedade brasileira em geral.

Certamente a violncia no um fenmeno social recente. No entanto, possvel afirmar que suas manifestaes se multiplicam, assim como os atores nelas envolvidos. O novo parece ser a multiplicidade de formas que assume na atualidade, algumas especialmente graves, sua crescente incidncia chegando a configurar o que se pode chamar de uma "cultura da violncia", assim como o envolvimento de pessoas cada vez mais jovens na sua teia.

Diariamente, os diferentes meios de comunicao colocam diante de nossos olhos, mentes e coraes, numerosas cenas onde a violncia constitui um componente central, de tal modo que terminamos por naturalizar e banalizar sua realidade e a consider-la como um mero dado inerente e constitutivo de um mundo competitivo e hostil, onde a lgica das relaes sociais, as tenses e os conflitos esto marcados fortemente por sua presena.

neste contexto que as questes relativas s relaes entre escola e violncia vm emergindo com especial dramaticidade entre ns. Algumas manchetes recentes de jornais do pais evidenciam esta realidade:
"Aluno acusa professor de agresso na escola"
"Adolescente dispara contra professor: insatisfeito por ter sido transferido para outro colgio, jovem de 14 anos acerta duas balas na barriga do diretor da escola"

"Escola depredada atrai o trfico"

"Uma forma de exibicionismo: a exploso de bombas nas escolas"

"Diretora respira fundo e encara o inimigo: o fantasma da droga assombra"

"Unidos na baguna: alunos indisciplinados e mal-educados atormentam os professores das escolas de classe mdia"

Ainda pouco trabalhada do ponto de vista da pesquisa educacional, a problemtica da violncia escolar vem provocando crescente perplexidade e sendo objeto de grande preocupao entre educadores e pais, no somente entre ns mas em um grande nmero de pases.

Este trabalho parte de trs afirmaes fundamentais:

- primeira: no se pode dissociar a questo da violncia na escola da problemtica da violncia presente na sociedade em geral; misria, excluso, corrupo, desemprego, concentrao de renda e poder, autoritarismo, desigualdade, entre outras chagas de nossa sociedade, esto articuladas questo da violncia atravs de uma teia ampla de relaes; violncia social e violncia escolar esto relacionadas mas esta relao no pode ser vista de modo mecanicista e simplista;

- segunda: sendo assim, a problemtica da violncia s pode ser compreendida partindo-se de sua complexidade e multicausalidade, no podendo ser reduzida s questes relativas desigualdade e excluso social, criminalidade, crise do Estado e das polticas pblicas, especialmente na rea social , falta de tica, etc.; o fenmeno da violncia apresenta uma dimenso estrutural mas tambm uma dimenso cultural, ambas intimamente articuladas, exigindo-se mutuamente;

- terceira: as relaes entre violncia e escola no podem ser concebidas exclusivamente como um processo de "fora para dentro", a violncia presente na sociedade penetra no mbito escolar afetando-o, mas tambm como um processo gerado no prprio interior da dinmica escolar: a escola tambm produz violncia.

A partir destes pressupostos bsicos e tendo presentes trs pesquisas recentemente realizadas sobre esta temtica, a Tese de Doutorado, defendida na Puc-Rio em 1995, por Eloisa Guimares e recentemente publicada pela Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998), intitulada "Escola, Galeras e Narcotrfico", a Dissertao de Mestrado, tambm defendida na Puc-Rio no presente ano por Maristela Gomes de Souza Guedes, sobre "Violncia, Escola e Dilogo" e, principalmente, o trabalho que acabamos de publicar sobre "Escola e Violncia" (1999), abordaremos neste trabalho trs aspectos que no pretendem abranger a complexidade do tema e sim, unicamente, oferecer alguns elementos para reflexo e debate de todos ns educadores: o que se entende por violncia? , o que pensam professores e jovens sobre sua problemtica e que caminhos esto sendo construdos para se trabalhar esta problemtica nas escolas.

O que se entende por violncia?

Pergunta aparentemente simples, encerra grande complexidade e dificuldade. No fcil definir ou conceituar o que se entende por violncia. Em geral, se oscila entre dois extremos: a reduo dos comportamentos violentos queles referidos criminalidade ou agresso fsica de maior ou menor gravidade, e a ampliao da abrangncia do conceito de tal modo que toda manifestao de agressividade, conflito ou indisciplina considerada como violncia.

Diferentes abordagens desta temtica foram realizadas ao longo dos ltimos anos por filsofos, psicanalistas, cientistas sociais e polticos, telogos, entre outros cientistas e analistas da nossa sociedade. Em geral, a opinio pblica e os meios de comunicao social associam violncia criminalidade e agresso fsica. Somente se preocupam com o tema quando fatos desta natureza causam especial impacto na vida social. Nesta perspectiva, Bottomore, no Dicionrio do Pensamento Marxista (1988) afirma:

Por violncia entende-se a interveno fsica de um indivduo ou grupo contra outro indivduo ou grupo (ou tambm contra si mesmo). Para que haja violncia preciso que a interveno fsica seja voluntria.(...) A interveno fsica, na qual a violncia consiste, tem por finalidade destruir, ofender e coagir(...). A violncia pode ser direta ou indireta. direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem sofre. indireta quando opera atravs de uma alterao do ambiente fsico no qual a vtima se encontra(...) ou atravs da destruio, da danificao ou da subtrao dos recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado o mesmo; uma modificao prejudicial do estado fsico do indivduo ou do grupo que o alvo da ao violenta (p.1291).

Neste trabalho nos basearemos numa perspectiva mais ampla e teremos como referncias fundamentais Jurandir Freire Costa (1991) e Marilena Chau (1999).

Para o primeiro, psicanalista e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, violncia o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Agresses fsicas, brigas, conflitos podem ser expresses de agressividade humana, mas no necessariamente expresses de violncia. Na violncia a ao traduzida como violenta pela vtima, pelo agente ou pelo observador. A violncia ocorre quando h desejo de destruio. (In: Fukui, 1991, p.103)

Fica claro nesta abordagem o componente subjetivo do comportamento violento, assim como sua relao com a intencionalidade de negao e destruio do outro.

Quanto professora de filosofia da Universidade de So Paulo, em recente artigo, publicado na Folha de So Paulo de 14 de maro deste ano sobre o tema da violncia, contrape tica e violncia e assim caracteriza a violncia:

1) tudo o que age usando fora para ir contra a natureza de algum ser ( desnaturar); 2) todo o ato de fora contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de algum ( coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violao da natureza de algum ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade ( violar); 4) todo ato de transgresso contra o que algum ou uma sociedade define como justo e como um direito. Consequentemente, violncia um ato de brutalidade, sevcia e abuso fsico e/ou psquico contra algum e caracteriza relaes intersubjetivas e sociais definidas pela opresso e intimidao, pelo medo e pelo terror. (Caderno Mais, p.3)

A violncia no pode ser reduzida ao plano fsico, abarcando o psquico e moral. Talvez se possa afirmar que o que especifica a violncia o desrespeito, a coisificao, a negao do outro, a violao dos direitos humanos. nesta perspectiva que queremos nos aproximar da trama que enreda cotidiano escolar e violncia. Escola e violncia: o que pensam professores e jovens

Recente estudo que realizamos de 1997 a 1998 (Candau e outros, 1999), evidenciou que a problemtica das diferentes manifestaes da violncia no cotidiano escolar extremamente complexa e multidimensional. Destacaremos alguns aspectos que nos parecem especialmente significativos na perspectiva de construir caminhos, de trabalhar na prtica pedaggica as diversas questes que a violncia coloca, conscientes dos limites da ao escolar, assim como das redes visveis e invisveis que vinculam a sociedade e as diferentes formas de violncia nela presentes ao dia-a-dia das escolas.

O primeiro dado importante a ser assinalado refere-se a como os/as professores(as) se situam em relao a esta temtica. Para eles(as), a violncia est aumentando nas escolas no somente do ponto de vista quantitativo como tambm qualitativo. Hoje, ela apresenta grande diversificao e, em muitos casos, cresce em intensidade. Em segundo lugar, para a grande maioria destes atores, trata-se de uma realidade que nas suas manifestaes intra-escolares se apresenta como reflexo da violncia social:

claro que a violncia tem que permear o nosso sistema escolar, visto que ela est l fora e ns no somos um castelo encantado no meio do sistema. Ento, claro que, infelizmente, uma conseqncia natural que essa violncia venha e se expanda aqui entre ns tambm .( depoimento de uma professora)

Neste sentido, um fenmeno fundamentalmente derivado, cuja dinmica se origina na sociedade e se reflete na escola, seu dinamismo de "fora" para "dentro". Os/as professores(as), em geral, tm dificuldade de identificar formas de violncia geradas pela prpria escola, no vm a cultura escolar como fonte de violncia. No entanto, inmeras pesquisas no mbito da educao tm mostrado que, muitas vezes, existe uma grande distncia entre a cultura escolar e a cultura social de referncia dos alunos e alunas, podendo este fato ser tambm fonte de violncia, por exemplo, de violncia simblica ou daquela presente nas prticas especificamente escolares, como nos modos de conceber a avaliao e a disciplina.

Os tipos de violncia assinalados como estando mais presentes no dia-a-dia da escola so as ameaas e agresses verbais entre os alunos e alunas, e entre estes e os adultos. No entanto, apesar de menos freqentes, tambm se do as agresses fsicas, algumas com graves conseqncias. Apresentaremos alguns depoimentos dos professores nesta perspectiva:

Comeam na sala de aula: rixas, bobeiras entre adolescentes...A reverte em se pegar l fora.

...o desrespeito entre eles, o preconceito que eles tm em relao raa, esttica... manifestao do outro. Eu acho que isto uma violncia muito grande e que eles no percebem que uma violncia.

Tem a violncia do funcionrio com o aluno, aquele que pega a criana pelo brao...puxa a criana assim...

Eu sei de casos de professores que foram ameaados por alunos...Uma professora sofreu ameaa e ela reagiu para acabar com o problema ali na hora: se vai me matar, mata agora, depois no mata mais.

A violncia a gente assiste em vrios nveis. Tem a do aluno para o prprio aluno, na agresso fsica, na verbal, nos apelidos...Essa violncia do aluno contra o aluno a gente encontra com muita freqncia. Tem tambm a violncia do professor para o aluno, muito verbal. A gente encontra colegas que dizem que o aluno no capaz, que ele incompetente, que ele burro.

O professor que est na frente e no est nem a para o aluno, est sendo violento com ele, no est proporcionando o que a escola pode dar. At eu tambm s vezes sou violento, confesso isso. Porque voc tambm est no meio, tambm sofre violncia, ento eu tambm sou vel disso. complicado, mas nessa complicao ns temos de dar as mos, para fazer um trabalho de conscientizao.

Como os sujeitos entrevistados eram professores(as) do ensino fundamental, em relao a este contexto que os depoimentos tm de ser situados.

Um fenmeno novo e de especial dramaticidade o assdio das escolas pelo narcotrfico. Trata-se de uma realidade cada vez mais presente, particularmente nas escolas pblicas situadas em zonas perifricas das grandes cidades, consideradas de risco do ponto de vista social. Trata-se de um tema extremamente difcil que coloca, muitas vezes, a direo das escolas e o corpo docente em situaes-limite, em que o medo, o sentido de impotncia e o desnimo imperam. O depoimento que se segue ilustra muito concretamente tal situao, bem como os sentimentos e posturas dos professores:

Maior dor perder um aluno para o trfico:

Para a professora C. S., pior do que criar atalhos para dar aulas nas escolas de risco ver os alunos morrendo na guerra do trfico. "Di muito saber que aquele garoto em quem voc tanto investiu, a quem voc dedicou dois ou trs anos, o trfico o assassinou", emociona-se. Nos ltimos dois anos, C. S. contabilizou seis alunos mortos. De um deles, a professora guarda o recorte de jornal com a notcia do assassinato...."Tinha tudo para ser um grande homem. Era inteligente e contestador. Levei zero na prova da vida, no venci o desafio", amargura-se.

Mas para um grupo de professores a paixo no suficiente para superar o medo de trabalhar nas escolas sitiadas pelo trfico. Embora o Sindicato Estadual dos Profissionais do Ensino (SEPE) no tenha estatstica, os diretores sabem que, alm do baixo salrio, a falta de segurana tirou os professores das salas de aula. "Alguns exigem escolas longe dos morros e outros se aposentam ou vo embora de vez", conta a diretora de um colgio municipal. Seu quadro de professores, como de quase todas as outras escolas localizadas em favelas, est sempre com faltas. "Fsica, biologia e qumica so matrias que nossos alunos nunca tm. Como existem poucos, os professores destas matrias quase sempre exigem a escola onde vo lecionar, "A, o morro fica de fora", completa.

Guimares (1998) em sua pesquisa intitulada Escola, galeras e narcotrfico analisa as relaes do narcotrfico e de algumas das formas de aglutinao dos jovens com a escola. A autora recorre pesquisa etnogrfica para fornecer ao leitor uma viso minuciosa dos elementos que esto presentes no cotidiano de uma escola pblica municipal de primeiro grau, situada na zona oeste do Rio de Janeiro, regio de periferia desta cidade, entre os anos 91/92.

Atravs das observaes sistemticas de campo, ocorridas num perodo de 12 meses, analisou o enraizamento do narcotrfico nas populaes onde atua, permitindo-lhe um alto nvel de controle sobre elas. No que diz respeito escola, o narcotrfico aparece, na figura dos donos dos morros, ora como protetor, ora como mediador de grupos em conflito e a escola, ou sintetizando as duas funes. No toa que a resoluo do problema da invaso da escola em agosto de 91 se deu a partir do acordo com o chefe do morro prximo escola, numa clara demonstrao de sua fora. Os mecanismos de dominao dos narcotraficantes disseminam, nos locais sob seu controle, uma prtica que vai atingir, principalmente, os jovens e seus movimentos.
Assim, segundo a autora,

"a idia central a ser problematizada a de que aes como a dos grupos em questo operam uma ruptura na lgica da instituio escolar, violando um de seus princpios fundamentais, que faz da relativa descontinuidade entre a escola como instituio social e o meio imediato em que se insere uma das condies bsicas de sua eficcia. Sejam quais forem as funes que se pretenda obter da escola, impe-se a necessidade de sua relativa autonomia" (p.206).

A autora conclui perguntando se o Estado e a sociedade tero capacidade de dar condies de cidadania a esta juventude, questo em que a escola tem papel fundamental.:

"A questo fundamental, ento, se Estado e sociedade sero capazes do esforo necessrio para alar esses jovens s condies de cidadania compatveis com as exigncias atuais, considerando toda a complexidade de que se reveste esse processo em sociedades em que coexistem diferentes lgicas sociais [...], fazendo da escola uma das instncias fundamentais para a instaurao desse processo ou, ao contrrio, se multiplicar-se-o as prticas sociais voltadas para a consolidao de uma juventude cada vez mais segregada, socializada de forma sistemtica ou intermitente por acontecimentos e grupos sociais particulares, como as quadrilhas, as seitas religiosas, os bailes, os DJs, cuja ao - atravs de gincanas e, mais recentemente, de programas televisivos - busca instituir formas de conteno e redirecionamento das prticas de grupos que fazem do exerccio da violncia um estilo de vida" (p.224/225).

Outro aspecto, intimamente relacionado com os anteriormente mencionados, que permeia todos os depoimentos, a afirmao do desenvolvimento de uma cultura da violncia, que se alastra e favorece todo um processo de banalizao e naturalizao de diferentes formas de violncia. Este fenmeno segundo Peralva (1997), se constri Em torno de duas lgicas complementares: de um lado a encenao ritual e ldica de uma violncia verbal e fsica; de outro, engajamento pessoal em relaes de fora, vazias de qualquer contedo preciso, exceto o de fundar uma percepo do mundo justamente em termos de relao de fora. Nos dois casos, o que est em jogo a construo e a auto-reproduo de uma cultura da violncia. (p.20)

Para esta autora, esta construo s possvel porque ocorre margem do mundo dos adultos e traduz a debilidade do controle exercido pelos adultos sobre o universo juvenil, sua capacidade ... de fundar, no interior do colgio, um modelo de ordem (p.21)

Este fenmeno tambm pode ser visto como fruto da crise do processo civilizatrio pela qual amos, estimulado pela mdia, especialmente por vrios programas de televiso aos quais as crianas e adolescentes so particularmente adeptos, e est muito presente nas grandes cidades. Tal realidade provoca que as pessoas, includas as crianas e os jovens, terminem por ter, como afirma uma professora, a violncia escondida na pele, o que faz com que situaes, algumas vezes as mais comuns, mobilizem comportamentos de grande agressividade e distintas reaes violentas. Quanto mais a luta pela sobrevivncia se acentua, mais esta cultura da violncia se desenvolve. No caso brasileiro, possvel afirmar que uma cultura marcada pela violncia acompanha toda sua histria, multiplicando-se, ao longo do tempo, as formas de autoritarismo, excluso, discriminao e represso. No se trata, portanto, de uma realidade nova, mas sim da complexificao de um componente estruturante da nossa histria. Neste processo, as dimenses estrutural e cultural da violncia se interpenetram cada vez com mais fora.

Outra questo muito presente na configurao da problemtica das manifestaes da violncia no universo escolar a violncia familiar. Esta triste realidade est muito mais presente no cotidiano das crianas do que, em geral, se cr, sendo fruto de muitas variveis. Um dos depoimentos dos professores relata uma situao que, com diferentes verses, bastante freqente:

Um aluno chegou aqui marcado de pancadas; perguntei o que era e ele disse que foi ao baile funk...e l fizeram corredor polons, onde se deve apanhar, sem reclamar. A me foi chamada porque esse menino nem copiava o dever. Comentamos, ento, sobre as marcas, e ela disse: ele nem vai a baile funk, sou eu mesmo quem bate.

Cardia (1997) assinala, com muita propriedade, a relao entre a violncia urbana, a violncia familiar e a vida escolar dos(as) alunos(as). Mais uma vez, as condies de vida moradia, sade, trabalho, etc. so uma forte condicionante de tal problemtica, aliada ao estresse da vida nas grandes cidades e aos conflitos da dinmica familiar.

Quanto ao tema das depredaes, pichaes, da manuteno do ambiente fsico das escolas, da "ecologia escolar", constitui outra dimenso que pode ser encarada como manifestao de violncia. Muitas vezes, tais ocorrncias associadas s agresses e ao assdio de gangues e galeras s escolas, provocam medo, sentimento de impotncia e angstia nos(as) educadores(as).

No contexto de outra pesquisa por ns desenvolvida de 1996 a 1998 (Candau, 1998) sobre "Cotidiano escolar e cultura(s): desvelando o dia a dia", com o apoio do CNPq, realizamos duas entrevistas coletivas - "encontros de opinio"- com adolescentes de duas escolas de ensino mdio, situados na mesma rea geogrfica, a zona sul do Rio de Janeiro, mas que atendiam populaes claramente diferenciadas: uma, a Escola Iracema, estabelecimento particular de ensino freqentado por adolescentes de classe mdia alta e classe alta, e a outra, a Escola Guarani, escola pblica que atendia adolescentes de camadas populares ou classes mdias baixas. Ambas entrevistas tiveram a participao de aproximadamente 28 alunos e alunas e seguiram uma dinmica em que se favoreceu a interao do grupo, abordando as seguintes questes: situaes de violncia vivenciadas por eles/as e como as viveram e a violncia na sociedade em geral, terminando com a apresentao coletiva de algumas propostas para diminuir a incidncia da violncia na vida das pessoas e da sociedade.

No Colgio Guarani - escola pblica- os/as jovens comearam por afirmar: "A violncia hoje em dia est muito presente". Na enumerao das diversas formas de violncia vivenciadas, as questes sociais tiveram grande destaque. Durante a dinmica foram inmeras vezes mencionadas as ms condies de vida das populaes pobres, a falta de um bom policiamento e segurana, o desemprego, etc. Outro ponto muito discutido foi o porte de armas, tanto de policiais e soldados que abusam do poder da patente e da fora de ter uma arma de fogo na mo, quanto da populao civil que anda cada vez mais armada. Os/as alunos/as afirmaram repetidas vezes a preocupao em relao tanto ao armamento civil e falta de preparo dos policiais e militares, quanto sensao de fragilidade e medo diante das armas. Assinalaram tambm o poder coercitivo de um indivduo armado. Vrias vezes eles/as disseram: "Quem est com medo est fraco."

A situao poltica tambm foi lembrada, pois no momento de apontar sugestes para melhoria da situao em relao violncia, sempre mencionavam a falta de iniciativa e envolvimento do governo, a corrupo, a falta da prtica de leis que j esto, teoricamente, asseguradas e a falta de punio para aqueles/as que no as cumprem.

Foi interessante notar como eles/elas, geralmente, sugeriram "sadas" onde a iniciativa pblica e a iniciativa privada deveriam agir conjuntamente.

As dificuldades dos relacionamentos interpessoais tambm foi outro importante ponto mencionado. As brigas em bailes funk que se relacionam com o trfico e com os grupos rivais, bem como as brigas promovidas por lutadores em boates e bares cariocas foram percebidos como um grande problema que geralmente envolve jovens.

Outra questo mencionada com fora foi o abuso de poder dos "mais fortes", sejam estes/as os/as mais velhos/as, os/as familiares, as autoridades da escola, etc. Por exemplo, segundo estes jovens, embora os mais velhos no considerem os mais jovens respeitosamente, exigem tal respeito de forma incondicional dos mais novos. Esse fato se repete com os outros elementos mencionados.

Tambm foram lembrados: a banalizao da violncia pelos veculos de comunicao, principalmente a TV, a discriminao sexual, a violncia contra a mulher e contra a criana na famlia ou na sociedade e a agresso aos semelhantes com palavras e atitudes, por motivos banais do cotidiano.

Os/as jovens demostraram acreditar que, embora a violncia seja um srio problema em nossa sociedade, possvel solucion-lo. Apresentaram inmeras e variadas iniciativas neste sentido e afirmaram que um investimento maior por parte do governo, das ONGs e da iniciativa privada no campo da educao permitiria uma maior conscientizao das pessoas a respeito da vida em sociedade, produzindo um futuro menos violento:

Formao de crianas de mentes saudveis, da formariam adultos conscientes que no agiriam de forma violenta;

Aumento do policiamento(...); melhores condies de vida para os policiais com preparo fsico e psicolgico para que eles possuam recursos no tendo que partir para a marginalidade;

(...) dar abrigo e educao para as pessoas que vivem nas ruas, para que a violncia seja restringida;
(...) diminuir o ndice de desemprego no Brasil para que as pessoas tenham condies de vida melhores e no tenham que ar por necessidades e no acabem roubando.

Achamos que essencial para a diminuio da violncia no nosso dia-a-dia, continuar campanhas como o "Rio desarme-se" e o "Disque-Denncia.

Outra coisa importante fazer campanhas de conscientizao popular a respeito do abuso de autoridade que as pessoas possuem ou pensam que possuem como, por exemplo, os policiais que usam de sua autoridade para benefcios prprios ou realizao como "fortes" e "poderosos". Outro exemplo forte dos traficantes de drogas, que se acham e at se intitulam como donos do morro, e de tudo que tem dentro dele, como as pessoas que l habitam.

Achamos que para diminuir a violncia deve haver um processo de reeducao com as pessoas e maior competncia do governo A violncia dos pais tambm um fator que deixa a gente chocado; essa violncia expulsa as crianas de casa para irem morar nas ruas.

Estas, entre outras, so dicas para acabar com a violncia, que hoje em dia est to presente entre ns. As pessoas usam de violncia por besteiras e se acham no direito de agredir, estuprar, roubar, matar, etc. At o governo um exemplo de violncia com a nao brasileira, pois entre eles h roubo, propina, etc. No temos bons exemplos nem dos chefes governamentais. O governo em vez de estimular o desenvolvimento, estimula a misria do povo.

(trechos da carta feita pelo grupo - Sugestes para acabar com a violncia)


Quanto aos alunos/as da escola Iracema- escola particular -, no "Encontro de Opinio" sobre a violncia no nosso dia-a-dia, os/as jovens narraram fatos de violncia que viveram ou presenciaram no seu cotidiano, como tambm aqueles referidos violncia social.

Em relao s situaes vividas pessoalmente, alguns/mas relataram que foram vtimas de roubo por pivete e assalto. Dentre os fatos que presenciaram nas ruas, citaram assalto a banco, tiroteio entre polcia e assaltante de banco, linchamento e ameaa de atropelamento a mendigo, por parte de motoqueiro, noite. O suicdio foi mencionado como um tipo de violncia que o indivduo realiza contra si prprio e consideraram como violncia social, a fome, a misria, o desemprego. Ao relatarem esses diferentes tipos de violncia os/as jovens enfatizaram a desigualdade social, a omisso do governo, a violao dos direitos humanos, a banalizao da violncia, levantando um debate sobre a responsabilidade social de cada indivduo na sociedade. Segundo sua opinio,

"todos ns somos vtimas, mas todo mundo tem um pouco de culpa tambm", "a gente reclama mas no faz nada para mudar", "as pessoas no so estruturadas para serem solidrias", "tem que mudar a base do sistema", "se voc se imp voc est correndo o risco de alguma reao de outras pessoas. Isso impede que as pessoas se exponham".

Os/as jovens destacaram que a violncia est se tornando to constante e cada vez mais freqente no dia-a-dia, que nem se reconhece pequenos atos como violentos, o que agrava a situao. Na medida em que esses pequenos atos am a ser considerados normais devido a sua freqncia, acaba-se banalizando a violncia o que contribui para formar hbitos e atitudes que cada vez mais so influenciados pela agresso e pelo desrespeito ao outro. A maior violncia o conformismo com a banalidade, afirmaram.

Apresentaram diferentes propostas para eliminar ou minimizar a violncia, chamando a ateno para falas conhecidas sobre a violncia, aquilo que se escuta no dia-a-dia como: estupra mas no mata, bandido bom bandido morto, coisa de maluco mas a polcia vai ter que prender a prpria polcia, quando punimos algum estamos saciando nosso desejo de punir.

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