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Capito
Lus Carlos Prestes
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Transgredindo prescrio mdica, e procurando dominar o meu abatimento fsico, retomo, por momentos, a minha atividade de homem pblico, to s para fazer chegar ao seu conhecimento o meu modesto ponto de vista pessoal de catlico e de brasileiro sobre a entrevista que o Sr. Ontem teve com a imprensa diria desta Capital.
Li, com sofreguido e ansiedade, essa entrevista, na esperana de que ela me iria proporcionar a oportunidade de encontrar um terreno comum de identidade de pensamentos e de opinies que nos permitisse encarar debaixo do mesmo ngulo o esforo do povo brasileiro para instituir, entre ns, e em bases duradouras, uma ordem verdadeiramente democrtica, capaz de harmonizar, em todos os setores da vida nacional, os imperativos da autoridade com as exigncias da liberdade.
O respeito que lhe devo, a amizade que nos une, a magnitude do assunto, e os altos interesses do Brasil no me permitem guardar silncio em face da sua atitude, corporificada nessa entrevista de ontem. Julgo-me, assim, no dever indeclinvel de lhe expor, com franqueza e sinceridade, o que eu penso da sua atitude de agora, no s no que diz respeito ao seu futuro, mas, tambm, no que se refere ao futuro da nossa Ptria.
Quero fixar, de incio, a posio dramtica em que me encontro. Seu advogado ex-officio at ontem, vivemos juntos e solidrios oito longos anos de sofrimentos, inquietaes e incertezas permanentes, animados sempre, todavia, pela certeza da vitria final contra a prepotncia sombria e brutal da ditadura do Sr. Getlio Vargas, que oprimia, com o desrespeita s suas prerrogativas de homem, a dignidade do prprio cidado brasileiro. Extinto, agora o meu mandato
ex-officio, por fora da anistia, que consagrao do seu triunfo contra esta mesma opresso brutal do Sr. Getlio Vargas, eu me vejo na contingncia de ter que divergir publicamente da atitude do meu dileto amigo de tantas horas amargas, a fim de continuar, coerente com os meus princpios, na rota que me tracei de trabalhar, pela arma da palavra, que a nica de que disponho, pela libertao honesta e digna da minha Ptria estremecida.
A sua atitude, na entrevista que provocou esta minha manifestao, pode ser consubstanciada por esta s expresso: um apelo de Unio Nacional. O que o Sr. Quer, na realidade que todos os brasileiros se congreguem em torno do governo do Sr. Getlio Vargas. Esta Unio Nacional, que o Sr. Preconiza, deve de perdurar, consoante prope na sua entrevista, no s no decurso destes dias difceis de guerra total, mas, ainda, nos dias talvez mais difceis do ps-guerra, que se aproximam em marcha acelerada do nosso horizonte poltico.
Mas, que Unio Nacional? um mtodo poltico de unificao das correntes partidrias do pas, adotado e seguido com o objetivo de fazer cessar, por motivos de guerra, dentro de uma Nao, e enquanto dura o conflito, as lutas da vida partidria, para possibilitar a formao de um governo onde figurem representantes de todas esses correntes polticas, governo este que, dada a sua constituio, atuar livre e despreocupadamente no s sentido do esforo mximo de guerra.
Ora, o Sr. Sabe que no existem, no Brasil do Sr. Getlio Vargas, quaisquer das condies polticas, sociais, e istrativas que tornam possvel um tal governo de Unio Nacional. A ditadura de tendncia castilhista, que nos flagela, abafa e comprime toda a vida pblica da Nao, hostiliza todos os partidos polticos, e se empenha por organizar as correntes eleitorais, que esto a se formar para o futuro pleito, ao redor to s do Poder Pblico tanto federal, quanto estadual e municipal. A prpria autoridade que o Sr. Getlio Vargas se arroga, no atual momento poltico do Pas, inequivocadamente ilegtimo, tendo sido obtida por usurpao, como o Sr. Mesmo no ousar por certo contestar. No prprio instante em que proclamava o estado de guerra com a Alemanha e a Itlia, o Sr. Getlio Vargas, pensando primeiramente no seu prprio poderio, tratou de, por um simples decreto do Poder Executivo, o de n 10.358, de 31 de agosto de 1942, prorrogou indefinidamente o seu mandato de Chefe de Estado, j anteriormente prorrogado pelo golpe de fora de 10 de novembro de 1937. como ser possvel, ento, cerrar fileiras, ainda em torno deste mandato duas vezes usurpado, para fortalecer, ainda mais, esta autoridade governamental do Sr. Getlio Vargas que no aceita, no ite, e no tolera qualquer restrio ao seu soberano arbtrio?
Entretanto, devo afirmar, com nitidez, que me julguei sempre na obrigao de participar do esforo de guerra, na medida das medocres possibilidades que o atual regime proporciona ao to hostilizado cidado brasileiro. Reservei-me, porm, na s qualidade de cidado, o direito de examinar as propostas de Unio Nacional, que me viessem a ser feitas, pblica e particularmente, como a que o Sr. Acaba de formular aos seus concidados, nessa entrevista de ontem, por isto que, no meu entender, a Unio Nacional no o nico mtodo ao alcance dos cidados de uma Ptria em guerra para colaborarem, eficientemente, no esforo blico do seu Pas. perfeitamente possvel, pelo contrrio, uma nao lutar, corajosa e vantajosamente, contra os agressores de sua soberania, conservando, todavia, as separaes polticas internas dos seus cidados, e a atuao divergente dos seus partidos dentro do territrio nacional. Nesta prpria guerra, por exemplo, duas Naes tm feito colossal esforo blico contra o inimigo externo, sem que tivessem formado qualquer Unio Nacional: a frica do Sul e os Estados Unidos. Nem por um instante sequer, os partidos polticos, que conduzem a atividade governamental destas duas democracias, suspenderam as suas atividades habituais, renunciando, assim, sua finalidade especfica de tentar modificar, na vida istrativa do pas, a correlao das foras polticas existentes anteriormente ao fato da declarao de guerra. Intransigentes nas divergncias doutrinrias e pragmticas da poltica interna, estes partidos no deixaram, todavia, de cerrar fileiras, nesta hora de guerra, em torno das decises da autoridade suprema do seu pas que dizem respeito to s aos superiores interesses da defesa nacional.
Julgo que este ponto de vista no somente meu. Penso que dele participam catlicos do pas.
possvel que a atitude dos catlicos, ante a sua proposta de Unio Nacional, concretizada na sua entrevista de ontem, no coincida integralmente com a ntegra da minha maneira de ver o atual momento nacional. Afirmo-lhe, entretanto, que na sua essncia, o pensamento de todos um s. Disciplinados em torno dos nossos chefes naturais, e inspirando-nos, sempre, em motivos impessoais, sobretudo em hora to grave do nosso pas, e em assunto de to excepcional relevncia, evidente que nenhum de ns pode pretender fazer prevalecer, em detrimento do bem comum do pas, o seu ponto de vista pessoal. O nosso programa, tanto na vida pblica quanto na vida privada, promover a salvao no s das nossas almas, mas das de todos os nossos semelhantes, ainda que adversrios. No pleiteamos posies, prestgio, ou interesses temporais. O ideal que nos empolga o de implantar a justia de Deus, primeiramente no corao dos nossos concidados; e, em seguida, no centro propulsor de todas as instituies polticas e sociais da Nao. No queremos mando, nem riquezas. No pretendemos esmagar e oprimir os nossos adversrios. Aspiramos to s conquistar, com dignidade e respeito aos direitos alheios, a liberdade de palavra e de pregao, dentro da moralidade e do honesto, para a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que ela possa, no meio da gente brasileira, exercer, como outrora, a sua misso apostlica e doutrinria.
Pois bem uma Unio Nacional, do tipo que o Sr. Prope, importar no fortalecimento de um sistema de governo que coloca a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo inteira discreo da vontade, mais ou menos generosa, do Sr. Getlio Vargas. Ela s ser livre na medida em que o atual Chefe de Estado bem quiser e entender. No me assiste, assim, o direito de cooperar, sob nenhum pretexto, para fortificar um to funesto e sombrio sistema de governo instalado no seio da nossa Ptria pelo s abuso da fora desviada dos seus destinos normais.
Dadas as nossas relaes pessoais, e o respeito que lhe tributo, parece-me que no me lcito esconder o que efetivamente penso da sua atitude de agora. Tenho para com o Sr. Deveres especiais de franqueza, a que no devo faltar, sob pena de irremedivel
felonia.
No sei que surpresas o destino nos reserva. Eu e o Sr. j no nos pertencemos totalmente. Nenhum de ns pode dizer o que vai fazer no dia de amanh. As doutrinas que seguimos, e as nossas respectivas responsabilidades, tm exigncias que foram as nossas conscincias a tomarem rumos firmes e decididos, que podem nos arrastar para quadrantes os mais opostos. Nesse terreno, s uma previso nos possvel: quaisquer que sejam as nossas atitudes, nelas nada haver que infrinja os preceitos da dignidade humana. At hoje, por entre as nossas divergncias, s vezes inconciliveis na sua irredutibilidade manifesta, nunca faltamos, entretanto, nestes oito anos de convivncia leal e desinteressada, aos deveres pessoais e recprocos da dignidade humana. Advogado catlico, nunca sobrepus os seus interesses processuais acima dos imperativos da minha conscincia religiosa e profissional. Comunista militante, o Sr. no colocou nunca os seus interesses de preso poltico acima do respeito que deve aos meus escrpulos pessoais. Pudemos, assim, lutar lado a lado, por entre sofrimentos e agonias cruciantes, dentro sempre da ordem e da justia, pela libertao da nossa Ptria, oprimida, sem cessar, por homens e regimes, que a tm tratado como madrasta dura e impecvel, de quem pretendem injustamente se vingar. Embora os nossos feitios e temperamentos divirjam profundamente, pois, em mim prepondera a razo jurdica das coisas, enquanto que no Sr. tem a primazia a razo poltica que as une e liga, consagro-me, hoje em dia, amizade real e sincera. Se, muitas e muitas vezes, deixei de expandir os sentimentos pessoais que se agitam no meu corao a seu respeito, em horas particularmente graves da sua vida de encarcerado poltico, isto aconteceu por causa do temor de parecer ridculo aos seus olhos, e aos de seus amigos e parentes. Assim, de futuro, igualmente leal ser o nosso procedimento, nos debates que tenhamos de travar. Esta a minha convico.
No posso desconhecer, realmente, que o Sr. traou para a sua vida, no seio da nacionalidade brasileira, um programa de chefe comunista. Com a sua libertao, natural, e mesmo inevitvel que o Sr. entrar a ser aclamado por faco numerosa da populao brasileira como o seu guia e orientador supremo. As suas palavras de ordem sero obedecidas, poltica e socialmente, pelos membros desta faco. Sei, outrossim, que, na execuo do seu programa poltico, o Sr. agir com segurana, sem se mostrar, porm, intransigente. Muita gente se ilude, ainda, a respeito da sua maleabilidade, julgando que o Sr. nada aprendeu, - nem mesmo nestes oito anos de sofrimentos intensos -. E que ir, assim, orientar a sua vida poltica do futuro por aquele mtodo de extremismo implacvel, que seguiu, - at em relao aos seus amigos mais queridos -, nos difceis, confusos e complexos acontecimentos polticos de 1929 e 1930. Os trs anos de experincia comunista vividos na Rssia de Stalin, a convivncia inteligente com homens eminentes de partidos comunistas dos principais pases da terra, a observao direta, no ano que se procedeu sua priso, do meio popular da nossa Ptria, os erros de ttica da Aliana Nacional Libertadora, a falta de tcnica da insurreio de 1935, e os seus oito anos de sofrimentos, meditaes e estudos na sua dura, implacvel e cruel priso, - onde no deixou de chegar, para sua maior dor, o eco de traies as mais surpreendentes e de maldades as mais revoltantes -, tudo isto retemperou o seu carter, caldeou a sua tolerncia, e aguou a sua agilidade intelectual, dando-lhe ensinamentos preciosos para a sua atividade de futuro chefe de partido na nossa terra.
Em relao minha pessoa, porm, as cousas so muito diferentes. No sou chefe de coisa alguma. Nunca tive, e nem tenho, presentemente, quaisquer aspiraes polticas. No quis jamais me enfeudar ao programa de qualquer partido ou faco poltica da minha Ptria. S fao uma poltica: a do Altar. E esta no ite partidos no Brasil. Nunca houve, entre ns, e por isto, partido catlico. A poltica partidria, assim, nunca me interessou, e nem poder jamais me interessar. Se algum dia me viesse a ser oferecido um posto de natureza exclusivamente poltica por um governante do pas, cujas idias coincidissem com as minhas, s aceitaria tal investidura por determinao do Arcebispo desta Arquidiocese, a quem iria procurar, em semelhante conjuntura, para dizer-lhe que s daria resposta afirmativa se S. Exa. declarasse que os interesses da Igreja no Brasil reclamavam de mim to excepcional sacrifcio. S numa hiptese desta gravidade que poderia vir a atuar, diretamente, na vida pblica do Brasil, e fora de minha profisso de jurista, que a da minha vocao. Sou e quero continuar a ser apenas soldado humilde desta Igreja de Jesus Cristo, que o Sr., como marxista, entrar a hostilizar decididamente, no dia em que ar a militar, livremente, nas lutas polticas da Nao.
possvel, portanto, que se ainda viver mais alguns anos, eu me veja na dura e dolorosa contingncia de ter que debater com o Sr. numa posio antagnica, problemas indeclinveis de poltica religiosa. Alimento, porm, a fundada convico de que, por entre os ardores deste nosso debate spero, que estou imaginando, no faltaremos jamais, um para com o outro, aos imperativos da nossa dignidade pessoal.
dentro deste esprito, - e empenhando to s a minha responsabilidade pessoal -, que venho dizer-lhe, sem refolhos na alma, e sem outro propsito, que no o de ser leal at o fim, que no me parece razovel a sua iniciativa de formular um apelo de Unio Nacional.
Vou lhe falar com o corao nas mos, para que o Sr. no se limite a ver as vibraes dele, mas para que sinta, tambm, nas suas mos, para mim sempre honradas, o seu pulsar incoercvel. No falo por conta de ningum, e nem sob a inspirao de qualquer sentimentos subalternos. Desejo, Capito Lus Carlos Prestes, ser apenas til minha Igreja, minha Ptria, e aos meus concidados. Tudo quanto aqui venho fixando, e vou, ainda, fixar, o resultado to s das minhas reflexes pessoais, levadas a efeito, horas mortas da noite, no silncio consolador do meu lar, na base de informaes, dados e fatos, que a minha argcia e as minhas observaes tm colhido, cotidianamente, aqui e acol, em meios os mais diferentes.
Permito-me, inicialmente, afirmar que o seu apelo de Unio Nacional veio aumentar, ainda mais, a alucinante confuso em que se debate, na hora atual, a pobre e desprotegida Nao Brasileira. que nele o Sr. fala uma linguagem inteiramente diferente da que empregada pelos elementos democrticos que integram o grupo oposicionista ao governo do Sr. Getlio Vargas. Os termos que o Sr. emprega so idnticos, na sua forma, aos que utilizam os democratas brasileiros. Mas, o contedo destes termos inteiramente diverso.
Assim, por exemplo, quando o Sr. equipara o Brigadeiro Eduardo Gomes ao General Eurico Gaspar Dutra, todo mundo se horroriza, porque o primeiro sempre se colocou como adversrio intransigente do sistema governamental opressivo institudo em 10 de novembro de 1937 enquanto que o segundo nunca deixou de ser uma das colunas mestras da sustentao de tal sistema de governo. Dentro do ponto de vista marxista, entretanto, a sua afirmao est certa, porque segundo esta doutrina os homens pensam e agem, no meio da sociedade onde atuam, de acordo com o seu esprito de classe. Julgo que, encarando os dois candidatos supra mencionados luz da filosofia marxista, o militar pequeno-burgus Brigadeiro Eduardo Gomes tem a mesma mentalidade do militar pequeno-burgus General Eurico Gaspar Dutra. Para os objetivos da sua poltica, evidente que, segundo penso, indiferente esta ou aquela candidatura.
Coisa idntica se a em relao remoo do Sr. Getlio Vargas. O meio poltico nacional e os elementos que nele se movimentam, esto impregnados, por fora de nossa cultura tradicional, de esprito jurdico. Os critrios de legitimidade do Poder Pblico, no seio da Nao Brasileira, foram fixados sempre pela cincia do Direito. Polticos e jornalistas, juristas e homens de letras, proprietrios e funcionrios pblicos, sacerdotes e leigos, todos, enfim, que sempre tiveram, no seio da nossa vida pblica, uma parcela de prestgio e autoridade, procuraram explicar os seus atos e as suas aes dentro de normas jurdicas, constitucionais ou ordinrias, que eles tinham por justas, racionais e legtimas.
Encarada sob este aspecto, nitidamente jurdico, a autoridade governamental do Sr. Getlio Vargas no existe, porque inequivocamente usurpada pelo uso abusivo da fora do Estado, de que ele tem livre disposio.
Como marxista revolucionrio, o Sr. mui legitimamente, no leva em considerao semelhante argumentao, destituda, a seu ver de todo e qualquer cunho cientfico. Para a sociologia marxista, o Direito no tem nenhum valor normativo em virtude de sua prpria autoridade. Ele mera tcnica de governo, sempre legtima quando pode se impor pela fora do Estado conjugada com os interesses imediatos das massas trabalhadoras. H na sua entrevista, consoante a verso de "O JORNAL", uma afirmao inequivocadamente reveladora de seu exato pensamento. Nela o Sr. diz que "a misso do proletariado dirigente". (27 de abril de 1945, 2 seco, pgina 6, 5 coluna). Dentro desta orientao, no cabe ao Direito traar critrios de legitimidade do Poder, mas to somente ao proletariado.
Acredito, por isto, que o Sr., segundo as normas de uma linguagem inteiramente diferente da por que se orientam os elementos democratas nacionais, se sinta muito mais perto do Sr. Getlio Vargas do que de poltica do pas. que para o Sr. Getlio Vargas o Direito no tem, tambm, nenhuma existncia concreta. A sociologia positivista, que o atual Chefe de Estado tomou por norma do seu governo, coloca a cincia do Direito na categoria, tambm, de simples tcnica de governo.
Compreendo, nestas condies, o seu ponto de vista, mas dele divirjo radicalmente. Se para o Sr., pelos motivos expostos, parece til e necessrio fortalecer a autoridade governamental do Sr. Getlio Vargas, desde que ela se oriente to somente no sentido de dar ao proletariado misso de dirigente da revoluo, que se processa no mundo, espero que o Sr. compreenda, tambm, com nobreza e lealdade iguais s minhas que eu no aceite, coerente com a minha doutrina, o seu apelo de Unio Nacional, porque este mtodo que o Sr. ora preconiza redundar na liquidao de todos os meus ideais democrticos. Vou mais alm: julgo que, com seu apelo, o Sr. est concorrendo, sem que perceba, para facilitar ao Sr. Getlio Vargas a execuo da nova linha poltica que o atual Chefe de Estado traou, no segredo impenetrvel dos seus desgnios, para o seu Governo sempre exacerbadamente autoritrio.
Esta nova reviravolta da poltica governamental do atual Chefe de Estado no constitui, para mim, nenhuma surpresa. Ela est dentro da lgica inevitvel da tcnica habitual de atuao do Sr. Getlio Vargas, a qual lhe tem sempre caracterizado por uma rota contnua, em ziguezague, da direita para a esquerda, e da esquerda para a direita, com o objetivo nunca declarado, mas hoje j por todos conhecido, de ir inutilizando, sucessivamente, todas as foras sociais vigorosas e todas as personalidades fortes, que o desenrolar dos acontecimentos vai fazendo surgir, no meio poltico brasileiro, como capazes de criarem barreiras ao predomnio governamental soberano do atual Chefe de Estado. Frio, calmo, imperturbvel, o Sr. Getlio Vargas, alm de no revelar, jamais, os verdadeiros objetivos da sua orientao governamental, - que se processa por entre medidas istrativas contraditrias apenas na aparncia -, segue, outrossim, com excepcional acuidade, a mutao dos fatos e dos acontecimentos polticos e sociais do meio onde exerce a sua autoridade incontestvel, para orientar, com objetivos doutrinrios, e com a dureza de mo de um governante autoritrio, os novos rumos da sua istrao. Tenho para mim que o atual Chefe de Estado tem uma filosofia de ao em perfeita equao com os seus propsitos de predomnio pessoal soberano no governo da Nao. Sabe, por isto, adaptar-se, com impressionante mimetismo, s circunstncias polticas e sociais de cada instante do seu Governo, indo buscar, em quadrantes diferentes, seno opostos, os homens mais aptos para ajud-lo na hora exata de suas oportunas reviravoltas polticas. No exerccio deste jogo rduo, difcil, e perigoso, o atual Chefe de Estado conserva sempre o seu sangue frio imperturbvel. No tem pressa nem desanima diante de quaisquer obstculos. Quando no pode avanar, pra. E, se acontece esbarrar em tropeos momentaneamente intransponveis, por atos de correligionrios intransigentes ou de adversrios decididos, no vacila em recuar, desde que tenha na sua retaguarda uma posio mais propcia para suas investidas futuras. Na prtica desta sua poltica de ziguezague, na direo da plancie do futuro, onde pretende realizar magnfica colheita para sua glria pessoal, o atual Chefe de Estado no se deixa jamais vencer pela teimosia, pela coerncia ou pela imprudncia. O que ele quer avanar sempre, por entre aplausos e louvores, pelos xitos pessoais obtidos no Poder, sem jamais se embaraar com o valor em si das suas palavras, dos seus gestos, e dos seus atos governamentais do ado.
Pois bem, Capital Lus Carlos Prestes, o atual Chefe da Nao se encontra, presentemente, numa destas j numerosas fases de reviravolta do seu governo, que dura j quatorze anos, e que ele aspira que nunca termine. Assim, o que o Sr, Borges de Medeiros levou a efeito, durante 20 anos, dentro do Rio Grande do Sul, sombra do positivismo de Jlio de Castilhos, embora com as limitaes impostas pela poltica federal do Partido Republicano Mineiro e do Partido Republicano Paulista, o Chefe de Estado da atualidade vem conseguindo realizar na esfera bem mais ampla, complexa e difcil, da Nao Brasileira, e sem a mais longnqua limitao de quaisquer partidos polticos ou de homens pblicos eminentes, formados na arena livre, e algo democrtica, da velha Repblica liberal. Para conseguir este resultado surpreendente, a sua tcnica tem sido, invariavelmente, a da poltica positiva, que aconselha o ditador republicano a no deixar que a faco conservadora, considerada retrgrada, alcance o aniquilamento da faco progressista, constituda pelos revolucionrios, ou vice-versa. A funo do ditador, enquanto no chega a era do positivismo poltico, consiste, por isto, em apoiar ora uma, ora outra das duas correntes em luta permanente, a fim de que se realize, paulatinamente e sem que os interessados o percebam, a obra de destruio da ordem social atual, para que possa surgir em lugar dela, a sociedade positiva do futuro.
O mais difcil numa empreitada desta natureza, o nosso Chefe de Estado j conseguiu: a posse permanente do Poder, com uma liberdade de movimentos nunca atingida no nosso meio. Por uma evoluo contnua, o Sr. Getlio Vargas concentra, presentemente, nas suas mos livres, a plenitude absoluta e incontestvel da prpria soberania nacional. Ele , a um tempo, e sem nenhuma limitao moral, poltica, jurdica, e social, todo o Poder Legislativo, todo o Poder Executivo, e todo o Poder Judicirio da Nao. Decreta leis como e quando quer.executa, ou suspende a execuo, de todas as leis que foram baixadas pelo Poder Pblico, que se confunde com a sua prpria pessoa. Interpreta, sempre que julga til, todas as leis de Direito Pblico e de Direito Privado, suspendendo at os efeitos da coisa julgada, indo mesmo ao extremo de estabelecer, em matria penal, leis de efeitos retroativos. Pela atual organizao jurdica do Pas, a vontade do Sr. Getlio Vargas se estende, absoluta no seu isolamento, sobre todos os domnios de atividade do homem brasileiro. O Presidente da Repblica, sob o regime da Constituio de 1891, tinha um poder imenso, mas, para exerc-lo. Necessitava de entrar em entendimento com o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, e o situacionismo dos Estados de So Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. Por outro lado, a Imprensa, sendo livre, exercia, no raro entre abusos deplorveis, ao vigilante sobre a atuao do Presidente da Repblica e das outras personalidades poderosas, com as quais ele se via na contingncia de dividir a grande soma de poderes que as leis e os hbitos polticos da Nao tinham posto nas suas mos. Finalmente, a circunstncia de que o seu mandato durava apenas quatro anos, levava o Presidente da Repblica a resguardar, de maneira eficiente, a sua responsabilidade pessoal, a fim de que, ao abandonar o Poder, no se visse obrigado a prestar contas rigorosas dos seus abusos de autoridade. Coisa mais ou menos semelhante aconteceu com os nossos dois Imperadores, cujo poder pessoal amplo e extenso sofria o contraste, vigilante e permanente, de algumas dezenas de homens de alto valor moral e poltico que governavam, em nome dos imperantes, mas sob a sua exclusiva responsabilidade pessoal, o destino do Imperador.
Nada disto existe hoje em dia. O Governo da Nao est, sem nenhuma partilha, nas mos pessoais do Sr. Getlio Vargas, cuja autoridade se ergue, sozinha e imperiosa, sobre todo o territrio nacional. Decreta impostos, com efeitos retroativos. Baixa leis penais regulando fatos ados anteriormente promulgao delas. Modifica textos constitucionais. Estabelece leis de exceo at para atividades da vida privada. Cria a pena de morte. Cancela dvidas de guerra, reconhecidas por Naes estrangeiras em Tratados internacionais solenes. Envolve a Nao na Segunda Guerra Mundial. Decreta a anistia, para pr em liberdade aqueles que anteriormente perseguiu, fingindo obedecer aos reclamos de uma faco importante do povo brasileiro. Liberta a imprensa, depois de a ter escravizado durante mais de oito anos. E, aps assim agir, em atitudes entre si inconciliveis, pretende se perpetuar no Poder, que manejou, maneja, e continuar a manejar debaixo de sua s inspirao pessoal.
Tal a realidade brasileira do momento. Para comprov-la, no h mister de outra leitura que no a do DIRIO OFICIAL do Governo Federal. Quem quer se deseja se entregar a uma tarefa desta espcie, verificar que toda esta poltica interna e externa do Brasil vem sendo praticada, perigosamente, dentro de preceitos legais, baixados pelo legislador que a Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 constituiu. Verificar, tambm, que este legislador nico e absolutamente soberano o prprio Chefe de Estado, autor desta Carta Constitucional.
Se este o panorama da vida pblica do pas, como atender, Capito Lus Carlos Prestes, o seu apelo de Unio Nacional, se este mtodo poltico aplicado situao atual do Brasil ter por nica e exclusiva finalidade consolidar, de maneira ainda mais slida e firme, o j imenso e incontestvel poderio do Sr. Getlio Vargas? Longe de concorrer para acelerar o processo de "redemocratizao" do pas, a sua ttica ter, como resultado imediato, a ampliao dos poderes atuais do Chefe de Estado. Fortalecido pela Unio Nacional, o Sr. Getlio Vargas continuar na sua obra de destruio de todas as instituies tradicionais, que encontrou no pas, quando assumiu, em 1930, o Governo discricionrio da Repblica. Partidos polticos, Imprensa livre, Igreja Catlica autnoma, faculdades de Direito, Institutos dos Advogados do Brasil, Academia de Letras, propriedade privada, Magistratura independente, tudo isto j no influi mais, hoje em dia, na vida do pas, seno na medida em que o permite a vontade soberana do Sr. Getlio Vargas. Cada dia que se a sob a direo deste regime, que a est, mais tnues e frgeis vo se tornando estas grandes foras morais da nacionalidade, ao o que o Poder, centralizado nas mos onipotentes do Sr. Getlio Vargas, vai aumentando, paralela e simultaneamente, a sua j hipertrofiada autoridade ilimitada. O homem brasileiro, privado permanentemente do exerccio de sua liberdade, ora se habituando a se deixar conduzir pelos agentes vigilantes do Estado onipotente, num conformismo desfibrado, prprio dos indivduos que no conhecem as excelncias das prerrogativas da cidadania.
Neste momento em que no se formou ainda a Unio Nacional, o Sr. Getlio Vargas governa sem quaisquer fronteiras morais, jurdicas, polticas, e econmicas, fazendo o que quer e entende, na sua qualidade de legislador supremo e nico da Nao. Imagine o Sr., o que ele no conseguir fazer amanh, se, com o auxlio do imenso prestgio popular que o Sr. desfruta, ele vier a assentar a base da sua autoridade na Unio Nacional de 40 milhes de brasileiros!
Ainda aqui falamos, prezado amigo, linguagens nitidamente diferentes. A palavra democracia, na sua mente, tem significado muito diverso daquele que ela tem dentro das normas da doutrina que adoto e sigo. possvel, ento, ao Sr. falar sinceramente em processo de redemocratizao da Nao Brasileira com o Sr. Getlio Vargas, porque o conceito de democracia tem para o Sr. um sentido bem diverso daquele que eu tenho por verdadeiro.
Urge, nestas condies, que, preliminarmente, os comunistas e os democratas pequeno-burgueses fixem, com lealdade ntida, os seus pontos de vista divergentes, a fim de que a luta spera em prol do bem estar do homem do povo, eles possam se estender com as mos, sem subterfgios verbais e sem propsitos ocultos ou disfarados.
Antes de tudo, meu dileto amigo, indispensvel que declaremos, em plena praa pblica, diante do povo que apela para os homens de maior responsabilidade do pas, que os ideais da Unio Sovitica, no sero os ideais do Imprio Britnico e da Repblica dos Estados Unidos da Amrica do Norte. Nesta guerra esto em jogo, portanto, no dois sistemas apenas: o nazi-fascismo de um lado e as democracias do outro. Nela esto empenhados trs sistemas, constituindo o terceiro a Rssia Sovitica. No se trata, meu amigo, de uma arbitrria interpretao minha. Quem estabelece esta trplice distino o Sr. Eduardo Benes, ex-Presidente da Repblica da Tcheco-Eslovquia, na sua modernssima obra DEMOCRACIA DE HOJE E DE AMANH. Nesse livro, onde nem tudo me parece certo, vem afirmando, todavia, com grande acerto: "Da histria dos anos 20 da guerra atual se conclui que, nesta guerra, h realmente uma luta de vida ou morte entre trs sistemas poltico-sociais do mundo, sobretudo no mundo europeu. Os sistemas autoritrios (fascistas), as democracias liberais e o sistema do socialismo sovitico lutam nesta guerra, na realidade, para sobreviver."(Edio Calvino Limitada, 1945, pg. 204).
Esclarecido este ponto, cabe indagar: possvel a colaborao entre a democracia e o nazi-fascismo? Nunca hesitei em responder negativamente. Bati-me sempre, dentro do Brasil, e nos limites das minhas possibilidades medocres contra o nazi-fascismo que entre ns se infiltrou debaixo das formas as mais diversas. Julgo-me, por isto, com o direito de repetir, agora, com Eduardo Benes: "A coexistncia e a harmonia entre a democracia e as ditaduras nazi-fascistas so impossveis. No h uma idia poltica essencial, nenhum princpio moral essencial que lhe seja comum ou que lhes permita uma tolerncia mtua. A luta entre esses dois sistemas deve prosseguir, portanto, ate o desenlace final, que sobrevir com a guerra atual. Se ganhar a democracia, cair o fascismo, se pudesse ganhar o fascismo, cairia a democracia. A concluso da guerra por uma paz negociada significaria apenas a continuao da luta noutra forma mais moderna e, depois, provavelmente, uma queda rpida e inevitvel da democracia. A esse respeito, no h mais dvidas."(Ibid., pg. 205).
Vitoriosas, como j esto praticamente, na luta blica contra a Alemanha de Hitler e o Japo imperial, as Naes Unidas, surge agora outra pergunta, no menos angustiosa: de se esperar uma colaborao franca, leal e pacfica, entre o sistema sovitico e o sistema democrtico burgus? O Sr. sabe que nunca vacilei em responder afirmativamente a esta pergunta. Se houver franqueza de atitudes, nobreza d'alma, e generosidade de esprito, a compreenso recproca entre comunistas e democratas no tardar em se realizar num plano superior de respeito mtuo e de dignidade austera e nobilitante. O meu ado de ontem a melhor garantia da sinceridade destas minhas afirmaes que no tm outro mrito seno o da sua lealdade. Julgo-me, ainda aqui, e em virtude deste meu ado recente, com o direito de fazer minhas estas ponderaes de Eduardo Benes: "Surge, portanto, a questo: que acontecer quando acabar a guerra? A democracia triunfar, mas no se deve esquecer que tambm o fascismo e o socialismo sovitico so inconciliveis e os dois lutaro at morte. Hitler teve que atacar finalmente a Unio Sovitica, no s por motivos, de expanso e para obter a preponderncia da Alemanha sobre a Rssia, como tambm por motivos ideolgicos. A democracia burguesa achou-se, portanto, desde o ms de julho de 1941, quase automaticamente no mesmo campo de batalha do sistema socialista sovitico contra as ditaduras nazi-fascistas e essa luta comum deve acabar com a destruio destas ltimas.
E, assim, depois da guerra atual, ficaro, primeiramente como aliados, mais tarde talvez como rivais, o sistema democrtico e o sistema do socialismo sovitico. Podem existir e existiro, um ao lado do outro, em convivncia pacfica? Podem os dois colaborar ou mesmo tolerar-se mutuamente? Ou empenhar-se-o em nova luta recproca at a queda de um ou de outro, talvez depois de certo intervalo de que ambos precisaro para seu restabelecimento e fortalecimento, depois de esgotados nesta guerra?" (Ibid., pgs. 205/206).
Eis o ponto crucial que os comunistas e os democratas precisaro de examinar, corajosamente, uns em face dos outros, a fim de ver se podem encontrar, no seio de suas respectivas Naes, um terreno comum de entendimentos leais, em benefcio dos povos de suas respectivas Ptrias. Nada de malabarismos polticos, nada de manobras subterrneas, nada de disfarces mais ou menos felizes ou no. Deixemos estes processos para o Sr. Getlio Vargas, fascista at a medula da sua alma fria e calculista. Enfrentemos este problemas diante do homem do povo, que angustiado pela sua misria, apela para os seus lderes naturais, que sabem o que ele sofre sem lar, sem escolas, sem hospitais, sem nenhum conforto nem de alma e nem de corpo. Aproveitemos os nossos sacrifcios, as nossas renncias, as nossas dores para dar sentido alto s lutas que temos travado em prol da liberdade, no para utiliz-la em proveito das nossas individualidades, pequeninas e humildes em face desta tragdia universal, mas para empreg-la no aperfeioamento moral e temporal dos nossos irmos em Jesus Cristo, que labutam nos campos e nas cidades, entregues sorte inqua do seu prprio destino.
Pois bem, meu caro amigo, se examinarmos, com intrepidez e limpeza de corao, o problema cruciante da colaborao, respeitosa e austera, do sistema democrtico com o sistema socialista-sovitico, impossvel nos ser chegar a uma concluso diferente daquela que, com lisura, fixa o grande Presidente da Repblica da Tcheco-Eslovquia, nos seguintes termos: "O marxismo consequente deve acreditar, teoricamente, na liquidao final da democracia liberal como sistema do capitalismo burgus e a Internacional Comunista travou, por isso, teoricamente, uma luta pela vitria da sociedade socialista 'sem classes'. Mas continuar esta luta na vida prtica ainda depois desta guerra? E ter, em tal caso, o apoio da Unio Sovitica? De acordo com a resposta dada a estas perguntas se desenvolver a relao mtua, prtica entre as democracias ocidentais e a Unio Sovitica depois da guerra. A do tratado britnico-sovitico, de 26 de maio de 1942, sobre a cooperao durante a guerra e a colaborao depois dela na reconstruo e na garantia da paz futura, demonstra, todavia, claramente, que h o intuito e a resoluo de assegurar, durante pelo menos 20 anos, uma colaborao amistosa e aliada dos dois sistemas, quando estiver restabelecida a paz". (Ibid., pg. 206).
Se a Gr-Bretanha, capitalista e imperialista por excelncia, est encontrando meios e modos de se entender, num terreno prtico, com a Rssia Sovitica, a fim de que, juntas, possam zelar pela segurana internacional, respeitando cada qual o seu sistema tradicional de vida coletiva, dentro dos seus respectivos territrios, porque no poderemos ns, do Brasil, que no e nem nunca foi capitalista e imperialista, descobrir outros meios leais e adequados que nos permitam viver em plena harmonia com a Unio Sovitica? Bastar, para isto, que no nos olhemos com suspeio injustificada e nem deixemos de nos falarmos uns aos outros com a mais absoluta franqueza. No precisamos sequer de estabelecer frentes populares, ou coalizes ageiras e momentneas. Conservando distintos e autnomos os nossos respectivos quadros, poderemos, todavia, fixar bases comuns de uma ordenao jurdica que, harmonizando a autoridade com a liberdade, garanta e assegure a comunistas e democratas livre atuao dentro do territrio nacional no sentido de pregarmos e pleitearmos as medidas necessrias ao aperfeioamento moral e temporal do povo brasileiro, incluindo sistematicamente todos e qualquer recurso violncia armada. Assim como na Inglaterra conservadores, liberais, e trabalhistas lutam em prol do bem estar do povo ingls dentro do respeito absoluto monarquia parlamentar britnica, porque no podero comunistas e democratas brasileiros lutar pelo engrandecimento do povo da nossa terra dentro de um regime constitucional injusto, livre, e progressista?
Ora, Capito Lus Carlos Prestes, para que possamos chegar no Brasil a um entendimento desta natureza, indispensvel que no nos aproximemos do Sr. Getlio Vargas. Autoritrio, com as aparncias de liberal, o atual Chefe de Estado pensa em conciliar a sua mentalidade fascista com o sistema socialista-sovitico. Um tal objetivo parece-me o mais monstruoso dos contra-sensos. Fortalecer, de qualquer forma, e sob qualquer pretexto, a autoridade governamental do Sr. Getlio Vargas preparar, para os dias de amanh, na nossa infortunada Ptria, uma guerra civil sem precedentes no continente sul americano. Mais cedo ou mais tarde, a aliana entre os partidrios do sistema socialista-sovitico e o sistema fascista do governo do Sr. Getlio Vargas far explodir, no meio da nossa infortunada gente, uma guerra ideolgica que acabar mergulhada num mar de sangue.
Com os olhos voltados para o futuro de nossa Ptria, e para a grandeza moral da Igreja Catlica no Brasil, eu me permito, na modstia da minha insignificncia pessoal, dizer ao meu prezado amigo que o que eu desejo ver o Sr. aliado, no ao Sr. Getlio Vargas, mas aos verdadeiros democratas da Nao Brasileira. S assim que o Sr. poder contribuir, em terras do Brasil, para realizar aquele ideal que Eduardo Benes fixa, em termos irveis, quando, entra a examinar a possibilidade da cooperao do sistema democrtico com o sistema sovitico. Consinta, meu caro amigo, que eu ponha diante dos seus olhos as palavras serenas e prudentes do grande poltico da Tcheco-Eslovquia: "Eu, pessoalmente, tenho para todas estas perguntas, em vista da presente situao internacional, uma resposta inequvoca: penso que possvel, justo e necessrio que, assim como hoje, na guerra atual, esses dois sistemas colaborem em comum acordo e se tolerem mutuamente, mesmo depois da guerra. Isso teria como consequncia: primeiro, sua aproximao temporria, e em seguida, talvez, uma identificao permanente, como resultado da evoluo." (Ibid., pg. 206).
Nada valho e nada sou. Modesto obreiro do Direito, minha vida se vem processando em lutas cotidianas speras e bravias, em prol do reinado da Justia. A nada aspiro seno lutar pela liberdade, efetiva e real, no seio da nossa Ptria. Nessa faculdade espiritual eu vejo o sinete divino da to atribulada raa humana. Resguardar, ento, a liberdade, tem sido a preocupao principal de toda a minha atuao na vida pblica. Eis porque, magoado e triste, eu li a sua entrevista, porque nela eu descobri no um esforo pela libertao do Brasil das garras do governo fascista que nos infelicita, mas uma certa atitude de perplexidade sua em face de riscos e perigos, porque o atual Chefe de Estado, alheios aos imperativos do seu patriotismo, no quer dar liberdade ao povo brasileiro, no qual no confia, e em cuja virilidade no acredita.
Certo de que o meu prezado amigo ver nesta minha manifestao, que irei tornar pblica, sem demora, por um imperativo do meu amor ao Brasil, o nobre desejo de servir s necessidades urgentes do povo brasileiro, confio em que perdoar esta ou aquela vivacidade de expresso, que, por acaso, tenha escapado dos meus lbios ardentes e impetuosos, sempre que se trata do bem comum desta vasta mas to infeliz Nao. Doente, sabe o prezado amigo que me levantei to s para redigir esta mensagem, que no de crtica ou censura, mas, sobretudo, de afeto, de respeito, e de considerao.
Do sempre inteiramente ao seu dispor,
H. Sobral Pinto
Rio, 27 de abril de 1945.
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