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ENTREVISTA 6y1k

Quando a histria uma estria

PAULO SRGIO PINHEIRO

A violncia crescente na sociedade brasileira est
ligada no implantao do real Estado de Direito
no pas. Para as classes dominantes, as prerrogativas
do cidado sempre funcionaram como referncia-
encantatria, um simples jogo de faz-de-conta.

Por MARIA RITA KEHL*

Paulo Srgio Pinheiro cientista poltico e membro ao Ncleo de Estudos da Violncia da Universidade de So Paulo. Nesta conversa, ele recusa a idia de marginalidade e afirma, entre outras coisas, que manifestaes como o trfico de drogas e a "repblica da Rocinha " so prprias no funcionamento do sistema e servem para reproduzir um poder arbitrrio.

PAULO SRGIO, O TTULO DESSA CONVERSA TALVEZ PUDESSE SER "A INSTITUCIONALIZAO DA MARGINALIDADE". TENHO A IMPRESSO DE QUE, O QUE ANTES ERA CONSIDERADO MARGINAL, TRANSFORMOU-SE EM PARTE INTEGRANTE DO SISTEMA. NO SEI SE ISSO E RECENTE OU SE SIMPLESMENTE VEM SE TORNANDO MAIS ESCANDALOSO E MAIS AMEAADOR DO NOSSO PRECRIO ESTADO DE DIREITO. TOMANDO TRS EXEMPLOS BASTANTE CONHECIDOS - A EXISTNCIA DOS GRUPOS DE EXTERMNIO (JUSTICEIROS E ESQUADRES DA MORTE) NAS PERIFERIAS DAS GRANDES CIDADES; O CONTROLE DE ALGUNS SETORES DA SOCIEDADE POR GRUPOS LIGADOS AO TRFICO DE DROGAS; E A CORRUPO COSTUMEIRA, INSTITUCIONALIZADA, DE TODOS OS SETORES DO ESTADO -, GOSTARIA QUE VOC DISSESSE SE ESSES SO FENMENOS REALMENTE MARGINAIS OU SE FAZEM PARTE DA PRPRIA LGICA DO ESTADO BRASILEIRO E DOS MECANISMOS DE DOMINAO VIGENTES NO PAIS.

Bom, eu tenho muita dificuldade de reconhecer a autonomia dessas manifestaes. Acho que elas - nos fazem constatar a inexistncia do Estado de Direito na sociedade brasileira, ou seja, esto diretamente ligadas no implantao do real Estado de Direito no Brasil. Peguemos, por exemplo, o regime republicano: na verdade, desde que foi proclamada a Repblica, ns estamos em face do que eu chamaria de um regime de exceo paralelo. Em cem anos de vida republicana, podemos dizer, com muita boa vontade, que as liberdades do sculo XVIII vigoraram apenas durante um quarto de sculo. Liberdade de organizao, de expresso - enfim, os direitos fundamentais das Revolues Americana e sa. No Brasil republicano, o Estado de Direito raramente foi uma referncia criadora de direitos e de cidadania.

NEM MESMO NA REGULAMENTAO DAS LEIS DO TRABALHO?

Apesar da legislao mais adiantada do mundo, principalmente nas relaes de trabalho, apesar da sofisticao da lei, da normatizao da explorao, evidente que no Brasil a maior parte das relaes de trabalho ocorre em faixas de pr-cidadania. Aqui, o Estado de Direito, para as classes dominantes, funciona como uma retrica que em alguns momentos tem s uma funo encantatria. Se voc pegar os momentos de grandes mudanas - a Revoluo de 30, 45, e at mesmo o advento da "Nova Repblica", em 1985, voc v que a referncia liberal til na soluo das crises das classes dominantes, mas isso no se traduz na aplicao de seus princpios.

VOC UTILIZA O TERMO ENCANTATRIA NO MESMO SENTIDO DE QUANDO SE DIZ QUE A PROMESSA DO PARASO FUNCIONA PARA APAZIGUAR O CRISTO?

isso. Porque a grande vantagem da bandeira do Estado de Direito que ela tem essa ambigidade que a torna uma referncia para a mobilizao da oposio ditadura e ao Estado autoritrio - e isso legtimo. Porm a isso deveria se seguir o momento em que as classes dominantes tambm se legalizassem e reconhecessem a herana do sculo XVIII. S que, no Brasil, a meu ver, a adeso ao Estado de Direito por parte das classes dominantes sempre foi uma adeso ttica. Pela histria da sociedade brasileira, vemos que houve muito pouco do que os analistas na Inglaterra chamavam de estadistas "lcidos", estadistas que percebem que importante no fazer apenas concesses ilusrias, j que o Estado de Direito s vale na medida em que ele inibe o arbtrio de quem tem poder. No pode ser s uma iluso. Aqui, as normas do Estado de Direito so uma espcie de faz-de-conta para manter a populao sob controle, mas quem tem poder pode tudo mesmo. Sempre. Nos pases em que houve ruptura como na Frana, Estados Unidos e Inglaterra -, no assim. Voc pode apontar os limites da lei, claro. No entanto, o Estado de Direito, para funcionar efetivamente na construo da cidadania, precisa ter universalidade para todas as classes (como nesses trs pases), o que no Brasil nunca existiu. As classes dominantes no Brasil jamais foram inibidas atravs da lei em sua ao predatria e em seu exerccio de dominao. Jamais.

OU SEJA: EFETIVAMENTE, NUNCA LEVARAM EM CONTA OS INTERESSES DAS CLASSES DOMINADAS. MAS EU LHE PERGUNTO: COMO QUE A SOCIEDADE PERMITIU ISSO? COMO QUE A GRANDE MAIORIA SE SUBMETEU, NO ROMPEU COM ISSO?

Primeiro, por clculo de sobrevivncia. Se h uma sociedade onde a lei nunca foi respeitada, a nossa. Uma sociedade de enorme assimetria, onde se pretende sempre ocultar as diferenas e forjar uma unanimidade, uma concordncia - a velha cordialidade brasileira. Acho que a suposta docilidade das classes dominadas nesse processo fruto de um clculo de sobrevivncia - "eu no vou me suicidar, no vou me entregar extino, no vou me autodestruir" - e no de uma apatia. Se a histria da dominao no Brasil demonstra essa aparente docilidade, isso se deve ao alto grau de istrao da violncia que se faz aqui. Violncia legal, mesmo.

ISSO EST RELACIONADO COM A HERANA ESCRAVAGISTA?

Sim, com herana escravagista por parte das classes dominantes. Voc tem que levar em conta que as classes se constituem e se desenvolvem em relao umas s outras. No Brasil, aprende-se dessa relao que o "ilegalismo" vale a pena. Um "ilegalismo" que jamais desapareceu, porque as classes dominadas, no seu clculo objetivo de sobrevivncia, no tiveram condies de realizar rupturas. E tambm porque os setores da sociedade que, em outros pases, apressaram essas rupturas, revelaram-se incapazes de efetuar esse alargamento da coabitao no poder diante do quadro de extrema concentrao autoritria de grupos muito reduzidos e altamente violentos. Se voc tomar por exemplo o parlamento europeu no final do sculo XIX, ver que com o o dos partidos operrios socialistas esses parlamentos se abriram, democratizaram-se. Na Amrica Latina e no Brasil, especificamente, isso quase que simbolicamente comeou a acontecer h dez anos, depois do PT. Antes disso, em breves momentos, houve uma fugaz e precria participao dos comunistas no processo eleitoral.

VOC FALA TODO O TEMPO EM UM ESTADO DE DIREITO LIBERAL QUE_ FOI PROMETIDO AQUI NO BRASIL E QUE NO SE EFETIVOU. MAS EU LHE PERGUNTO SE ISSO QUE NS TEMOS AQUI NO EXATAMENTE O ESTADO POSSVEL NO TERCEIRO MUNDO.

Acontece que vejo uma positividade no formalismo liberal, na herana das Revolues sa e Americana, que so os direitos fundamentais, os quais permitem alargamentos e sofisticaes no Estado de Direito. Como aqui nem esse mnimo formal foi realizado, ento ele a a ser desprezado como etapa a ser cumprida. O que um equvoco: os princpios do sc. XVIII ainda precisam ser organizados no Brasil. Eu no sei se vou ver isso realizado na minha vida. Por outro lado, interessante como hoje a crise do socialismo real, as mudanas no Leste Europeu, o massacre chins, atualizaram a questo dos direitos humanos. A crtica ao socialismo real comeou a se fazer atravs dos princpios iluministas. E h uma riqueza enorme em se tentar compatibiliz-los com outros sistemas scio-econmicos, com outros socialismos.

A MINHA DVIDA SE, ANALISANDO AS COISAS PARA ALM DA HISTRIA DE CADA NAO ISOLADA, O LIBERALISMO PARA O TERCEIRO MUNDO NO ISSO QUE J EXISTE. OU SEJA: OS PASES DA EUROPA CONSEGUIRAM CONSTRUIR SUA CIVILIZAO E SEUS PRINCPIOS LIBERAIS S NOSSAS CUSTAS, FAZENDO NAS COLNIAS O QUE NOS FIZEMOS AQUI COM OS NEGROS - RECUSANDO CIDADANIA. DIGAMOS QUE SOMOS PARA A EUROPA O QUE OS ESCRAVOS FORAM PARA AS CLASSES DOMINANTES BRASILEIRAS. PORQUE AT HOJE O PRIMEIRO MUNDO NUNCA ACEITOU INIBIR SUA VIOLNCIA E SUA EXPLORAO EM RESPEITO AOS DIREITOS DOS PASES DO TERCEIRO. O "CREDO LIBERAL" DOS PASES CIVILIZADOS NUNCA VALEU PARA REGULAMENTAR O QUE ELES FAZIAM NAS COLNIAS.

No tenho a menor dvida quanto a isso. E aqui dentro se reproduz essa desigualdade. Existem, sei l, 40 milhes de brasileiros que comem, usam sabonete, cosmticos, e tm alguma cidadania; e esses 40 milhes no reconhecem o Estado de Direito como algo extensivo aos outros 100 milhes. claro que isso herana da relao colonial. Mas eu acho que a prpria herana liberal traz em si as condies da crtica desse fato. Acho que atravs dos princpios do sc. XVIII, reatualizados pela Declarao dos Direitos Humanos, dos protocolos tradicionais da Conveno de Genebra, enfim, de tudo que foi possvel realizar em termos de tratados e convenes e elaborar em matria de Direito Internacional, possvel se fazer uma crtica e se superar os limites existentes no Brasil. Isso independe do regime, se capitalista ou socialista. Acho que o que se conquistou em termos de direito de minorias nos Estados Unidos, apesar de ainda haver muitos problemas, um bom exemplo de alargamento de herana liberal. A comunidade negra norte-americana hoje muito mais sujeito-de-direitos do que a brasileira. Acredito que h uma margem enorme para o reconhecimento de direitos que trazem em si um dinamismo extraordinrio de mobilizao e construo de um outro sistema que ainda no sabemos exatamente o que vai ser.

VOC DISSE QUE ISSO INDEPENDE DO REGIME. MAS, ENTO, DEPENDE DO QU?

Do desvendamento. Depende de exerccios do tipo que estamos fazendo. preciso desvendar o ilusionismo. preciso oferecer a crtica das contradies dessa pseudodominao liberal no Brasil. A crtica dessa esquizofrenia. em que a referncia um credo liberal mas no so realizados esses princpios do Estado de Direito. Eu no creio que possa haver uma ruptura mgica. muito difcil imaginar uma fagulha que possa desencadear uma grande rebelio no Brasil.

EU ESTAVA PENSANDO EXATAMENTE NO CONTRRIO DA IDIA TRADICIONAI, DE REVOLUO. PERGUNTAVA-ME SE J NO EST SE FORMANDO UMA ESPCIE DE "ESTADO PARALELO" NO BRASIL, SE J NO FOI DESENCADEADA UMA GRANDE REBELIO NA FORMA DESSAS "INSTITUIES MARGINAIS". SER QUE ESSA OUTRA SOCIEDADE TERRVEL (NO SE TRATA DE DEFEND-LA) - NO A ALTERNATIVA DAS CLASSES DOMINADAS NO BRASIL?

A questo que elas no tm autonomia em relao dominao. Veja, por exemplo, o caso dos linchamentos. os "justiamentos espontneos" que ocorrem. No so espontneos, mas articulados por algum ligado ao aparelho de Estado ou classe dominante. Nos grupos de justiceiros, a mesma coisa. H participao de policiais, policiais aposentados, gente ligada polcia e protegida por ela. Nos esquadres da morte, idem. Por isso, tenho dificuldade em reconhecer a "repblica da Rocinha" como autnoma em relao violncia do Estado. Essas espcies de "cidades-estados" que se constituem nos morros cariocas so inteiramente vinculadas reiterao da forma de dominao que ns estamos descrevendo. O "legalismo" vigente ali est colado ao "ilegalismo" das classes dominantes.

SERIA COMO O NEGATIVO DE UMA FOTOGRAFIA?

Sim, o negativo desse positivo que ns estamos vendo, no se trata de uma outra fotografia. Agora, o que pode ser considerado novo nisso? Para mim, o novo a conjugao de todos esses "ilegalismos", para corroer tudo o que possa ter sido construdo em matria de cidadania e mobilizao democrtica. a "colombizao" do Brasil. Uma renncia a qualquer controle legal da violncia fsica. Aqui isso tambm pode estar se instituindo - e este o fato novo - de forma articulada com este Estado, que at hoje engendrou um regime de exceo paralelo, engendrou todas as instituies da violncia - para usar uma expresso de Franco Basaglia -, engendrou a tortura, mesmo nos perodos no-autoritrios, engendrou os justiceiros e os esquadres da morte. Tudo isso, no Brasil, criao do Estado.

ENTO, SE A POPULAO DA ROCINHA SE SENTE MAIS PROTEGIDA, MAIS GARANTIDA QUANTO MANUTENO DE UM MNIMO DE ORDEM, PELAS SUAS QUADRILHAS DE TRAFICANTES E PELOS ESQUADRES DA MORTE DO QUE PELO GOVERNO DO RIO DE JANEIRO; SE ESSAS INSTITUIES DA VIOLNCIA TM UMA FUNCIONALIDADE INTERNA CAPAZ DE DAR CONTA DA RELAO ENTRE OS HABITANTES DA FAVELA, ISSO NO TENDE A SE CONSTITUIR NUMA SITUAO "NORMAL"? CAD A VONTADE DA POPULAO DE MUDAR AS COISAS? E MAIS: POR QUE O ESTADO DESBARATARIA ESSES MECANISMOS, SE ELES SO UMA FORMA EFICIENTE DE CONTROLE?

Claro, se no fosse interessante para o Estado, j teriam sido desbaratados. Interessa, porque o enquadramento via terror. Nem tudo doce na Rocinha. Esses lderes macaqueiam, copiam o tipo de dominao ilegal que as pequenas autoridades policiais exercem no Brasil. Os reis do trfico tm a cara do Estado brasileiro; at na forma de fazer pequenas concesses, pequenas benemerncias paternalistas para se sustentar no poder. por isso que eu recuso a idia de marginalidade. Para mim, essas manifestaes no esto margem, elas pertencem ao funcionamento do sistema e servem para reproduzi-lo. So formas de reproduo desse poder arbitrrio, no-inibido, em que o Estado de Direito s uma referncia encantatria. Agora, isso extremamente perigoso, pois essas violncias tendem a se tornar independentes do seu centro coordenador. evidente que o Estado no algo perverso, onisciente, que tudo sabe e tudo prov. No. Mas h coordenaes articuladas em tomo de interesses objetivos, ainda que no declarados.

J QUE ESTAMOS FALANDO NAS FORMAS DE VIOLNCIA DESSE ESTADO DE DIREITO FICTCIO, GOSTARIA QUE VOC FALASSE UM POUCO DA VIOLNCIA DA MISRIA, COMO PARTE INTEGRANTE DESSA SOCIEDADE.

No toa que os indicadores scioeconmicos brasileiros so parecidos com os da frica do Sul. Para se manter a reproduo de dominao, preciso reproduzir a misria. No interessa ter um mercado de 150 milhes de pessoas. Basta um mercado de 40 milhes - os que consomem papel higinico e sabonete - para manter as coisas como esto.

UM MERCADO DE 40 MILHES E UM ELEITORADO DE 82 MILHES!

Claro que isso vai criar problemas em breve. Mas, por enquanto, a istrao do pas feita em funo desses 40 milhes, e os oitenta que ficam de fora do mercado so istrados precariamente, com a ajuda das recompensas ilusrias fornecidas pelos meios de comunicao. Entretanto, essa manipulao que precisa da misria para se legitimar - para que o Estado continue a no dar respostas concretas no sentido da construo da cidadania e da democracia ela no tem uma eficincia to perfeita assim. Para evitar um pouco um discurso muito ctico, gosto de pensar no caso do Haiti: um pas muito mais miservel, com uma sociedade muito menos complexa. No curtssimo espao de tempo entre a queda de Baby Doc e a Constituio, a sociedade civil foi capaz de se articular, se modernizar, se organizar em igrejas, clubes, grupos polticos uma coisa fantstica. Conquistaram uma boa Constituio em quatro anos! Depois de meio sculo submetidos mais pura opresso! Ou seja, no existem sociedades irrecuperveis. Quanto ao Brasil, mantenho o que disse no incio: no sei se vou viver para ver a realizao da cidadania aqui, mas vi a sociedade brasileira, nas ltimas dcadas, queimar anos-luz no plano das articulaes positivas e da construo da solidariedade. Se voc comparar a sociedade civil brasileira de 64 e a atual, outra galxia. Houve, o movimento dos sindicatos rurais, por exemplo, um movimento sofisticado, e h mais sindicalistas no campo que na cidade. Outra coisa: preciso repensar essa histria de que os partidos brasileiros so fracos. Muitos pesquisadores mostram que, at 64, houve no pas um momento de "partidarizao" e de definio do espectro ideolgico. Depois, formou-se o PMDB, que j foi um partido articulado, com uma ideologia definida e uma vontade poltica clara. E, em seguida, surgiu o PT, no ? O PT algo absolutamente emocionante, foi capaz de ar de uma pauta muito precisa de reivindicaes economicistas para a reinveno de uma sociedade - e foi capaz de se implantar. A candidatura Lula representou uma ruptura. No s uma ruptura simblica, em cima da imagem do candidato operrio, mas uma ruptura que promoveu adeses e criou convices que ultraam o simples fenmeno eleitoral. No momento em que se volta ao regime autoritrio, como ns estamos voltando, evidente que o quadro partidrio pode vir a sofrer baques enormes. Porm, h partidos no Brasil capazes de aglutinar gente em torno de idias, de programas. Veja a mobilizao pelas eleies diretas, que coisa sofisticadssima para a histria da sociedade brasileira. Foi o povo que s aglutinou em torno de uma pauta to abstrata. No eram s nossos coleguinhas intelectuais que estavam nas manifestaes, a gente no conhecia as pessoas que estavam na praa ao nosso lado. Ento, quero afirmar que, apesar da alta taxa de violncia legal, da no-cidadania, do regime de exceo paralelo, surpreendente o quanto foi construdo nas ltimas dcadas em termos de sociedade civil. emocionante a complexidade da articulao desta sociedade, a riqueza das formas de organizao - o que torna ainda mais gag, mais arcaico o sistema de dominao. incrvel que esta sociedade ainda esteja submetida s mesmas instituies da violncia de um sculo atrs, do incio da Repblica. Isso no pode se perpetuar. E no acho que o problema possa ser resolvido na forma clssica de revoluo. Ns vamos ter que inventar essa revoluo que se d em todos os lugares do poder, e que um dia muda a cara do regime.

SERIA O QUE O GUATTARI CHAMA DE REVOLUO MOLECULAR?

Eu gosto dessa idia, da revoluo que se d em vrios lugares. Como diz o Boaventura Santos, estamos condenados a reformar a revoluo e a revolucionar a reforma. Ns estamos obrigados a pr em xeque a imposio desse sistema arcaico de arbtrio. E evidente que os partidos polticos, os movimentos da sociedade civil podem dar formas a essa articulao. Mas eu sou daqueles que acreditam que o formalismo do Estado de Direito o melhor campo para que essa colheita. se faa.

* Maria Rita Kehl membro do Conselho de Redao de Teoria e Debate.

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