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O
Programa Estadual de Direitos Humanos:
Uma
Oportunidade para Controlar a
Violncia e Promover a Cidadania
Paulo de Mesquita Neto
Doutor em Cincia Poltica pela Universidade de Columbia, New
York, e Pesquisador Senior do Ncleo de Estudos da Violncia.
Foi relator do projeto do Programa Estadual de Direitos Humanos em
So Paulo e relator-geral executivo do projeto do Programa
Nacional de Direitos Humanos.
O Programa Estadual de
Direitos Humanos, lanado pelo Governador Mrio Covas em 14 de
setembro de 1997, um sinal claro do compromisso do governo
estadual e das organizaes de direitos humanos de trabalhar em
parceria para controlar a violncia, proteger e promover a
cidadania e implementar o Programa Nacional de Direitos Humanos no
Estado de So Paulo.1
So Paulo o primeiro estado do
Brasil a elaborar um Programa Estadual de Direitos Humanos ("PEDH"
ou "Programa Estadual"), com uma lista de 303 propostas
de aes que o governo e a sociedade se comprometeram a
desenvolver com o objetivo de aumentar o grau de respeito aos
direitos humanos e consolidar o estado de direito e a democracia.
A implementao do PEDH em So Paulo acompanhada atentamente
pelo governo federal e por outros estados e pode incentivar outros
estados a elaborar programas para proteo e promoo dos
direitos humanos.
Este texto examina brevemente os
antecedentes, as propostas, os objetivos e implementao do
Programa Estadual de Direitos Humanos e analisa o significado do
PEDH. Esta anlise sugere que o lanamento do Programa Estadual
criou uma oportunidade excepcional para o desenvolvimento de aes
conjuntas do governo estadual e da sociedade voltadas para o
controle da violncia estatal e social e para a eliminao das
graves violaes de direitos humanos que infelizmente ainda so
freqentes e muitas vezes permanecem impunes. O sucesso do
Programa depender em grande parte do interesse e da capacidade
do governo estadual e da sociedade de aproveitar esta oportunidade
e trabalhar em parceria para desenvolver aes inovadoras e bem
sucedidas na defesa dos direitos humanos.
ANTECEDENTES
Durante as dcadas de 1970 e
1980, o movimento em favor dos direitos humanos ganhou fora no
Estado de So Paulo. Na dcada de 1970, este movimento se
dedicou principalmente proteo dos direitos civis e polticos
dos membros de partidos e movimentos de oposio ao regime
autoritrio estabelecido no Brasil em 1964, que estavam sujeitos
permanentemente represso poltica.2
Na dcada de 1980, com a transio
para a democracia, a represso poltica praticamente desapareceu
em So Paulo . Mas a violncia estatal, particularmente a violncia
policial, e a violncia social, particularmente a violncia
urbana, no desapareceram. Ao contrrio, aumentaram. Sempre
presente na histria brasileira, a violncia policial foi
intensificada durante o regime autoritrio de 1964-85 e se tornou
mais arraigada e mais difcil de controlar do que a violncia
poltica. A urbanizao do estado e o crescimento das cidades mdias
e grandes, de forma acelerada e desordenada, provocaram a urbanizao
da violncia e o crescimento da violncia urbana, especialmente
na regio metropolitana de So Paulo. Este crescimento da violncia
urbana, por sua vez, serviu muitas vezes para justificar a tolerncia
das elites em relao violncia policial.
Depois da transio para a
democracia, adaptando-se nova realidade poltica e social, o
movimento em favor dos direitos humanos ou a dirigir sua ateno
para os problemas da violncia policial e da violncia urbana,
sem perder de vista, entretanto, a violncia rural que ou a
atingir as lideranas de sindicatos rurais e militantes dos
movimentos pela reforma agrria que ganharam fora na dcada de
1980 e de 1990. As organizaes de direitos humanos aram a
se dedicar proteo dos direitos civis, polticos e sociais
de todos os cidados, especialmente dos membros de grupos de
baixa renda e baixa escolaridade, e de grupos minoritrios, que so
as principais vtimas da violncia estatal e da violncia
social.
Em 1989, So Paulo promulgou sua
Constituio Estadual que, segundo diretrizes estabelecidas pela
Constituio Federal de 1988, estabeleceu as bases
institucionais para consolidadao do estado de direito e da
democracia e definiu um amplo conjunto de direitos que o estado
tem a obrigao de proteger e promover para todos os cidados.
Alm disso, a Constituio Estadual instituiu o Conselho
Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, integrado por
representantes da sociedade civil, para assistir o governo
estadual na formulao e implementao de um poltica
estadual de proteo e promoo dos direitos humanos.
A partir de 1994, a introduo do
Plano Real pelo governo federal provocou uma reduo drstica
da inflao, de aproximadamente 2500% ao ano em 1993 para 20% em
1995, 10% em 1996 e 5% em 1997. A queda da inflao produziu uma
redistribuio de renda em benefcio da populao de baixa
renda, atenuando a crise econmica, social e poltica que o pas
atravessava desde o impeachment do Presidente Fernando Collor de
Mello em 1992.
O lanamento do Programa
Nacional de Direitos Humanos ("PNDH" ou "Programa
Nacional") em maio de 1996 e a criao da Secretaria
Nacional de Direitos Humanos em abril de 1997 sinalizaram o
compromisso do governo federal com a proteo dos direitos
humanos e com a transformao da sociedade brasileira numa
sociedade mais igualitria e mais justa. A Secretaria Nacional de
Direitos Humanos se tornou rapidadamente um ncleo de
acompanhamento e apoio a aes e programas de defesa dos
direitos humanos no Congresso Nacional e nos estados da federao.
Entre outras medidas importantes propostas pelo Programa Nacional,
foram aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso leis transferindo da Justia
Militar para a Justia Comum o julgamento de policiais militares
acusados de crimes dolosos contra a vida (lei federal 9.299/96),
tipificando o crime de tortura ( lei federal 9.455/97) e
criminalizando o porte ilegal de armas (lei federal 9.437/97).3
Apesar de avanos inegveis na
direo do controle da violncia e da promoo da cidadania
desde a transio do autoritarismo para a democracia, e dos
esforos do governo federal na defesa dos direitos humanos, os
governos estaduais nem sempre adotaram polticas compatveis com
a defesa dos direitos humanos.
Em So Paulo, Franco Montoro foi
eleito governador em 1982 e governou o estado com um programa que
inclua a proteo e promoo dos direitos humanos,
particularmente o controle da violncia policial, das execues
extra-judiciais e da tortura de pessoas condenadas ou acusadas
pela prtica de crimes e de pessoas consideradas
"suspeitas" pela polcia. Como governador, Montoro se
preocupou com o monitoramento da violncia estatal e da violncia
social, atravs da produo e divulgao de estatsticas
sobre a violncia policial e criminalidade no estado.
Orestes Qurcia e Luis Antnio
Fleury, entretanto, eleitos governadores de So Paulo em 1986 e
1990 respectivamente, no deram continuidade poltica de
direitos humanos iniciada por Montoro. Ao contrrio, foram
tolerantes em relao violncia policial, considerando-a
inevitvel e um instrumento necessrio para controlar a escalada
da criminalidade e da violncia na dcada de 1980 e de 1990. O
resultado foi desastroso do ponto de vista dos direitos humanos,
com o aumento tanto da violncia policial quanto da violncia
social, medidos pelo nmero de civis mortos pela polcia e pelo
nmero de homicdios registrados no estado.
O nmero de civis mortos
pela polcia subiu de 328 em 1983 para 1470 em 1992, ao o que
a taxa de mortalidade por homicdio ou de 13,80 homicdios
por 100.000 habitantes em 1980 para 30,87 em 1990 e 29,33 em 1994.4
Em 1989, durante o governo Qurcia, dezoito presos morreram por
asfixia quando cinqenta presos foram trancafiados por policiais
em uma cela de 1,45 por 3,75 metros, sem ventilao no 42
Distrito Policial em Parada de Lucas.5
Em 1992, durante o governo Fleury, 111 presos morreram durante
operao policial para reprimir uma rebelio na Casa de Deteno
do Carandir.6
1. O Programa
Estadual de Direitos Humanos foi instituido atravs do Decreto
42.209/97. Ver o texto do Programa Estadual em So Paulo, Governo
do Estado, Programa Estadual de Direitos Humanos (So Paulo:
Imprensa Oficial, 1997). O Programa Nacional de Direitos Humanos
foi lanado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 13
de maio de 1996. Ver Programa Nacional em Brasil, Presidncia da
Repblica, Governo Fernando Henrique Cardoso, Programa Nacional
de Direitos Humanos (Braslia: Presidncia da Repblica,
Secretaria da Comunicao Social e Ministrio da Justia,
1996) ou nas pginas do Ministrio da Justia e da Rede Telemtica
de Direitos Humanos e Cultura na Internet (www.mj.gov.br
e dhnet-br.informativomineiro.com ).
2. Sobre a represso
poltica durante o regime autoritrio, ver Arquidiocese de So
Paulo, Brasil - "Tortura Nunca Mais" (Petrpolis:
Vozes, 1985).
3. Sobre a origem
e o primeiro ano do Programa Nacional de Direitos Humanos, ver
Paulo de Mesquita Neto, "Programa Nacional de Direitos
Humanos: Continuidade ou Mudana no Tratamento dos Direitos
Humanos no Brasil?", em Revista CEJ 1, e Paulo Srgio
Pinheiro e Paulo Mesquita Neto, 'Programa Naiconal de Direitos
Humanos; avaliao do primeiro ano e perspectivas em Estudos
Avanados 30.
4. Nmero de
civis mortos pela polcia fornecidos pela Polcia Militar do
Estado de So Paulo, reproduzidos em Paul Chevigny, "The
Edge of the Knive.: Police Violence in the Americas" (New
York; The New Press, 1995), incluindo apenas civis mortos por
policiais militares. Ver tambm Ncleo de Estudos da Violncia
e Comisso Teotnio Vilela, "Direitos Humanos no
Brasil" (So Paulo: NEV - USP e CTV, 1993), captulo 2,
"As violaes dos direitos fundamentais no Brasil". As
taxas de mortalidade por homicdios calculadas pelo autor, a
partir de dados de mortalidade do Sistema de Informao sobre
Mortalidade/Ministrio da Sade e de dados populacionais da
Fundao Seade.
5. Ver artigo de
Cristina Neme e Beatriz Stella Affonso, reproduzido em Ncleo de
Estudos da Violncia e Comisso Teotnio Vilela, "Direitos
Humanos no Brasil" (So Paulo: NEV- USP E CTV, 1993)
6. Ver relatrio
de Joanna Wescheler, da Humann Rights Watch, reproduzido em Ncleo
de Estudos da Violncia e Comisso Teotnio Vilela,
"Direitos Humanos no Brasil" (So Paulo: NEV- USP E CTV,
1993).
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