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596f4g A LEI DA
ANISTIA
Quando a Lei da Anistia foi promulgada,
haviam mais de 300 mil pessoas vinculadas voluntria ou
involuntariamente ao Servio Nacional de Informaes (SNI), apenas
para delatar. Cerca de 15 mil trabalhadores perderam seus empregos por
perseguio poltica, mais de mil sindicatos sofreram interveno,
774 parlamentares tiveram seus mandatos cassados, quase 15 mil
brasileiros foram exilados ou expulsos de seu pas, enquanto
aproximadamente, duas centenas perderam a prpria cidadania. H mais nmeros:
424 pessoas perderam a vida, por ao direta ou indireta da ditadura.
A luta pela anistia partiu de um grupo de mulheres e transformou-se num
movimento que alcanou um imenso sentimento nacional. O brasileiro
tanto quis que ela acabou vindo, forada pela sociedade e contra a
vontade dos militares, que aproveitaram o momento para - usando de artifcios
- anistiar a si mesmos e alcanar a impunidade dos muitos crimes
cometidos: crimes de corrupo, assassinatos polticos, censura,
cassaes e derrogao de partidos construdos pelo nosso povo, de
direita ou de esquerda, no importa.
A anistia foi comemorada pelo nosso povo! Eram mais de 100 brasileiros
presos, alguns deles condenados a ficar o resto de suas vidas
encarcerados. A sociedade comeou a ir-los e a querer que fossem
libertados. A anistia foi portanto, a grande vitria que possibilitou
abrir as portas dos crceres, recuperar os direitos polticos dos
cassados e dos que estavam na clandestinidade, trazendo de volta mais de
10 mil brasileiros que estavam no exterior, recebidos de forma festiva.
Foi realmente um dos momentos mais belos das pginas de lutas do povo
brasileiro. Na poca, o pas inteiro acreditou que aquele movimento
era possvel: uma vitria arrancada da ditadura. Entretanto, ali no
se percebeu o mal que apenas se verificaria com o ar do tempo.
Injustias que ficaram para trs como, por exemplo, a impunidade dos
crimes cometidos contra os mortos e desaparecidos. Tambm a no punio
dos torturadores e assassinos foi definitiva para a perpetuao da
impunidade que hoje tanto nos atormenta face iniquidade.
No sei se h possibilidade desse quadro ser revertido, ou seja, a
punio legal dos torturadores. No entanto, a punio moral, com
certeza possvel. J existem leis no Rio Grande do Sul e no Paran
que indenizam torturados pelo governo ou rgos do governo. Para que
seja indenizada, a pessoa precisa provar que foi torturada, o local em
que se deu a tortura, datas e testemunhas. Os torturadores achavam que,
com a auto-anistia iriam apagar a histria do pas. Enganaram-se.
Podem at no pagar pelos seus crimes, mas esto sofrendo as conseqncias
morais.
Um exemplo ilustrativo o caso Marighela. Era um lder extraordinrio
do povo brasileiro assassinado pelo governo militar. Daqui a alguns
anos, ningum lembrar quem o matou, mas todos vo saber quem foi
Marighela. Fica para a histria seu exemplo positivo de idealismo e de
luta, uma pessoa altrusta que deu sua vida por um sonho de justia e
igualdade. Mariguela derrotou seus assassinos.
A histria vai condenar aqueles que torturaram e mataram. O todo
poderoso general Joo Batista Figueiredo, que condicionou a anistia
impunidade criminosa da ditadura, viveu seus ltimos dias amargurado,
melanclico e isolado. J as pessoas que morreram durante a ditadura,
lutando contra o arbtrio e as injustias nacionais entraro
definitivamente nos livros escolares por seus feitos hericos, j
retratados em comoventes filmes, livros, poemas e canes.
Importa muito a verdade histrica. E a melhor maneira de celebrar a vitria
desses brasileiros rememor-los, difundir seus ideais e divulgar a
histria de suas vidas. Todos aqueles que lutaram ao longo dos tempos
por causas justas ho de ser carinhosamente celebrados por nosso povo.
o que permanecer, o que de fato se leva da vida: a honradez, a
dignidade, os sentimentos superiores.
Quanto aos potiguares que participaram ativamente dos movimentos scio-polticos
na poca da ditadura militar, lembro que o Rio Grande do Norte uma
terra com muita tradio de luta. No foi por acaso que aqui, em
1935, na Insurreio Comunista, chegou-se a constituir, por alguns
dias, um governo popular. Depois da redemocratizao, em 1945, o
estado teve grande participao na militncia social, popular e
democrtica. Quando aconteceu o golpe militar em 1964, havia em Natal
um governo democrtico e popular. O prefeito Djalma Lemos foi forado
a abandonar o estado do Rio Grande do Norte para continuar lutando por
seus ideais. Assim foram tantos outros. Quando no podiam lutar aqui,
lutavam em outro lugar.
O Rio Grande do Norte hoje um estado vanguardista na luta pelos
direitos humanos e culturais do nosso povo. Em todos os cantos do estado
encontra-se uma motivada militncia dos filhos desta terra. E essa boa
tradio vai se perpetuando de gerao em gerao.
Nesse sentido, este livro exerce um papel nessa tradio. Na
necessidade de rememorar lutadores, preservar-lhes a memria e difundir
seus ideais. No fato de se possibilitar s novas geraes conhecer um
pouco do que a histria oficial tentou esconder. Saber que perto delas,
em suas cidades, em seu estado, muitas histrias de generosidade e herosmo
ainda faltam ser contadas. Este livro conta algumas delas, regata a histria
de alguns militantes que viveram, resistiram e testemunharam na luta por
um Brasil melhor. Um Brasil que para ser melhor precisa ter a marca da
anistia.
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