Entrevista ao
Deputado Nilmrio Miranda
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1)
Deputado Nilmrio Miranda, faa um retrospecto da evoluo dos
Direitos Humanos no Brasil.
R: A origem de nossa nacionalidade est enraizada numa sociedade
que se constituiu de forma escravocrata, patriarcal e
patrimonialista. Ou seja, em uma sociedade absolutamente
excludente!
Nossas
conquistas no campo dos Direitos Humanos so ainda muito
recentes. No se podia falar em direitos humanos durante os
regimes de exceo. Em ditaduras no existem direitos, apenas
ordens e imposies.
As lutas
trabalhistas, as reivindicaes de gnero, as bandeiras raciais
e sociais so na verdade a busca por uma sociedade mais igualitria,
portanto mais humanitria. preciso reconhecer este aspecto em
todos estes movimentos, que brotam da idia do coletivismo e que,
no Brasil, somente ganham fora, representatividade e
continuidade na segunda metade do sculo XX, forando uma alterao
na dinmica estrutural e de funcionamento do Poder do Estado
Brasileiro.
Uma
viagem por nossa histria ir mostrar que nossas lideranas
populares, que ofereciam ao povo uma mensagem libertria e
contestatria foram massacradas pelas elites governantes: Zumbi,
Tirandentes e Antnio Conselheiro foram assassinados.
Democratizar
o Estado Brasileiro, dot-lo de valores essencialmente
republicanos continuam sendo ideais de afirmao dos direitos
humanos na sociedade brasileira.
2)
Quais os recentes avanos e bices nas polticas de Direitos
Humanos?
R:
Tivemos alguns avanos no campo legislativo: o Estatuto da Criana
e do Adolescente confimou-se como importante diploma legal de
proteo integral de direitos, orientando a ao de Conselhos
Municipais, Conselhos Tutelares e Promotores de Justia.
Finalmente
encontram-se regulamentados o crime de Tortura e o crime de
racismo.
A
divulgao de polticas pblicas de direitos humanos por rgos
de comunicao social refletem um interesse crescente da
sociedade brasileira por questes afetas aos direitos
fundamentais.
Temos um
Programa Nacional de Direitos Humanos e uma secretaria nacional de
Direitos Humanos vinculada estrutura funcional do Ministrio
da Justia.
Avanamos
portanto no campo das normas operacionais de proteo aos
direitos humanos. Resta agora aproximar o universo formal do
universo real. Poucas so as decises condenatrias verificadas
no mbito das instncias judiciais em relao prtica do
racismo e do crime de tortura: dois dos mais repugnantes flagelos
ainda freqentes contra os direitos humanos. preciso vencer
esta barreira dentro do Poder Judicirio. necessrio que os
operadores de direito exijam, de forma insistente, a manifestao
da justia contra os crimes cometidos em desfavor da humanidade.
3)
E em Minas Gerais, como se configura o quadro dos Direitos
Humanos?
R: Em
Minas tivemos alguns avanos nos ltimos anos. Temos em vigncia
o Conselho Estadual de Direitos Humanos, criado em 1987, e que vem
aperfeioando seus trabalhos, atualmente constitudo por quatro
comisses especiais: Violncia Institucional, Ouvidoria Agrria,
Sistema Prisional e, mais recentemente, a comisso incumbida de
avaliao de casos e reparao s vtimas do regime militar
(conforme determinao do Decreto n 41.239/2000).
Temos,
instituda desde 1998, a Ouvidoria de Polcia de Minas Gerais,
imbuda de fiscalizar os servios e atividades de todo o efetivo
policial do Estado.
O Ministrio
Pblico de Minas , seguramente, um dos melhores de todo o pas.
Temos uma Comisso de Direitos Humanos, bastante atuante, na
Assemblia Legislativa, atualmente presidida pelo dep. Edson
Resende.
Enfim,
estamos avanando. Mas h muito ainda a ser buscado e atingido:
Precisamos, urgentemente, dotar a Defensoria Pblica de Minas de
autonomia funcional e oramentria, j que at hoje a instituio
no dispe de uma Lei Orgnica que a discipline.
fundamental ampliar para outras cidades, especialmente as comarcas
de entrncia final, como Poos de Caldas, o excelente trabalho
desenvolvido pela Promotoria Especializada na defesa dos direitos
do cidado, em Belo Horizonte. Temos que desincompatibilizar os
servios da Corregedoria de Polcia e do Instituto Mdico Legal
da estrutura da Secretaria de Segurana Pblica do Estado. A
moderna doutrina criminolgica indica a necessidade de independncia
destas duas importantes instncias de trabalho cientfico.
Precisamos
valorizar ainda mais a Ouvidoria de Polcia de Minas, criando
representaes regionais.
Esta
uma longa caminhada e requer ainda muitos aprimoramentos e esforos.
4)
O senhor foi o primeiro presidente da Comisso de Direitos
Humanos da Cmara dos Deputados. Qual a importncia da Comisso
e de seus correspondentes e de seus correspondentes em nvel
estadual e municipal?
R: A
Comisso Permanente de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados
foi constituda em 1995. Tive a honra de presid-la por duas
oportunidades: no ano de sua criao e no incio desta
legislatura, em 1999. Atualmente ela presidida pelo dep. Nelson
Pellegrino (PT/BA), que durante oito anos consecutivos foi
presidente da Comisso de Direitos Humanos da Assemblia
Legislativa do Estado da Bahia.
Desde
seu nascimento a CDH da Cmara abriu uma janela de permanente
interlocuo com a sociedade civil, de recebimento de denncias
de violaes ocorridas em todo o pas; de combate
impunidade; de vocalizao da prpria cidadania. H cinco anos
ela vem realizando a Conferncia Nacional de Direitos Humanos, j
consagrada, por sua representatividade, como o mais importante frum
nacional de debates e proposies sobre as polticas de
Direitos Humanos do Estado Brasileiro.
Ao longo
dos ltimos anos venho acompanhando o trabalho de inmeras
comisses instaladas em vrias Assemblias Legislativas e inmeras
Cmaras Municipais. Alegro-me em testemunhar a atuao de
alguns companheiros que emprestam toda a sua disposio,
coragem, capacidade de indignao e criatividade na defesa desta
causa.
Penso
que este fenmeno se deve ao feliz casamento entre a ao poltica
e as demandas mais emergenciais, encarnadas pela sociedade civil.
As comisses legislativas de direitos humanos simbolizam, em cada
municpio, um aliado fiel na defesa cidadania.
5)
Qual o seu posicionamento em relao ao Tribunal Penal
Internacional? Como implant-lo no contexto da hegemonia dos
Estados Unidos, que resistem em ratific-lo?
R: Em
fevereiro de 2000, apresentei uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC n 203/2000) com fins de reconhecimento, pelo
Brasil, da jurisdio do Tribunal Penal Internacional (TPI),
atravs de sua ratificao.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi aprovado em assemblia
geral das Naes Unidas, realizada em Roma, em julho de 1998 e
aguarda a ratificao de, pelo menos, 60 naes para entrar em
vigor.
Naquela
oportunidade o tratado foi assinado por 139 pases, mas, at o
presente instante, apenas 44 naes apresentaram os respectivos
instrumentos de ratificao ou adeso.
O
Tribunal Penal Internacional ter competncia de julgar crimes
de genocdio, de lesa humanidade, de guerra. Caso estivesse em
vigor, os autores dos atentados contra os Estados Unidos,
ocorridos no dia 11 de setembro, seriam submetidos a seu
julgamento. Curiosamente, exatamente os EUA quem tm resistido
de forma mais enftica idia do TPI, por compreender que seus
nacionais no devem ser submetidos julgamento internacional.
No
entanto, se o TPI j estivesse em funcionamento, os EUA teriam
evitado gastos milionrios com ataques ao Afeganisto, uma vez
que os crimes atribudos Osama Bin Laden seriam de competncia
do tribunal.
Como nao
que pretende liderar um movimento internacional contra o
terrorismo, os EUA deveriam ter um posicionamento inequvoco em
defesa do TPI.
6)
Neste sentido, qual a sua opinio sobre a globalizao? No
seria uma americanizao do mundo?
R: A
acelerao dos efeitos da Globalizao, ao invs de estimular
a integrao de naes em um processo internacional de
produtividade e reciprocidade tem, na verdade, gerado conseqncias
desassociativas, agravando o quadro de desigualdades internas e
externas, elevando os ndices de excluso social em todo o
mundo.
O modelo
posto (ou seria imposto?) de Globalizao vem privilegiando as
economias consolidadas, em detrimento dos pases emergentes. Da
a pertinncia da utilizao do termo 'Americanizao do
mundo' por se tratar da fora hegemnica, beneficiria deste
sistema de desenvolvimento econmico.
Uma das
mais importantes misses da ao poltica contempornea a
reorientao dos bens gerados pela Globalizao, assegurando
que o desenvolvimento seja redirecionado para os interesses
globais.
Hoje
verificamos uma grande facilidade de circulao dos fluxos
financeiros, em busca dos lucros de capitais mais imediatos, sem
qualquer incidncia de ganho para os povos e as naes
visitadas pelo capital especulativo.
Face o
quadro de grande desigualdade planetria o desafio deste novo milnio
ser reinventar o sentido de comunidade no plano mundial.
7)
Quais as alternativas para o contexto neoliberal que se vive hoje
no Brasil?
R:
preciso lembrar aqui os ensinamentos de Paulo Freire. Ele dizia
que 'o cerne da doutrina neoliberal est em considerar a dimenso
econmica como prioritria e, dentro da dimenso econmica, a
funo do mercado e do lucro.' E em nome da rentabilidade o
neoliberalismo vem renegando a dignidade de povos, de
nacionalidades inteiras, poderamos dizer inclusive, de um
continente inteiro, como o caso da frica, entregue sua prpria
sorte, aps anos e anos de explorao e de colonialismo.
H
ainda embutido no discurso neoliberal uma tnica totalitria e
fatalista, que afirma que este caminho inevitvel, que esta lgica
irreversvel, que qualquer outro modelo insustentvel pela
dinmica da prpria economia internacional.
Temos
que acreditar que uma nova formulao possvel, uma
alternativa aos ditames neoliberais que exclui, oprime, segrega e
desumaniza. Nossa misso elaborar um outro caminho para o
desenvolvimento da humanidade, porque este no satisfaz ao ser
humano, aos pases mais pobres, conscincia do mundo.
8)
Gostaria que o senhor deixasse uma mensagem final aos leitores do
site e aos ativistas de Direitos Humanos.
R: Minha
mensagem de absoluta disposio e de enorme esperana, fruto
de uma identidade nascida de histrias de vidas diferentes; de
experincias profissionais, sociais e religiosas diversificadas
mas que se integram em ideais, princpios e sonhos.
O
saudoso Betinho, que idealizou a 'Campanha da Ao Direta da
Cidadania contra a fome e a misria, pela Vida' dizia que nossa
militncia deveria se guiar por um sentimento de vida e uma
concepo de mundo cada vez mais global e, ao mesmo tempo,
estarmos sempre dispostos a agir no espao local, at onde
nossas aes possam ter alcance. Do paroquial se parte para uma
viso universal. Por isto, enquanto persistir, em qualquer lugar
do mundo, um ser humano vtima de excluso, da intolerncia, da
misria, do terror ou da barbrie da guerra deve pulsar em ns
o sentimento de indignao, perplexidade e de transformao. O
mundo muito grande. Maior ainda o alcance dos nossos gestos.
Para comear basta apenas um olhar ao redor de ns mesmos...
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