2k3q71

IDENTIDADE
(HOMO) SEXUAL E EDUCAO DIFERENCIADA
Luiz Mott ( [email protected]
)
Doutor em Antropologia, Universidade Federal da Bahia
Nascemos machos e fmeas: a
sociedade que nos faz homens e mulheres. Este um dos
ensinamentos bsicos da Antropologia: a sexualidade humana no
fruto do instinto, mas uma construo cultural. Nascer com um
pnis entre os humanos no implica necessariamente em atrao
irresistvel e incontrolvel por uma vagina. Enquanto para os
mamferos irracionais a atrao sexual determinada pela qumica
- o cheiro inebriante da fmea na poca do cio - entre os
humanos, o desejo sexual perverso e polimorfo, fruto de uma
paixo esttica. Nossa libido pode encontrar satisfao no
apenas na conjuno de dois aparelhos genitais diferentes, mas
numa gama quase infinita de arranjos ertico-sensuais - incluindo
bonecas inflveis, animais domsticos, cpula anal,
homoerotismo, manipulao clitoriana ou peniana, voyeurismo
e a coqueluche do momento, sexo por telefone a 3 reais o minuto!
Portanto, para comeo de conversa
sobre a identidade homossexual e a educao diferenciada que
devem ter os jovens gays, lsbicas, bissexuais, travestis e
transexuais devemos partir de trs postulados fundamentais da
Antropologia da Sexualidade, concluses resultantes de rigorosas
pesquisas de campo, to cientficas e verdadeiras quanto a
teoria de Galileu sobre o sistema solar:
1. A sexualidade humana no
instintiva mas uma construo cultural;
2. A cultura sexual humana varia
de povo para povo e se modifica ao longo do tempo dentro de uma
mesma sociedade;
3. No existe uma moral sexual
natural universal, portanto, a sexualidade humana amoral, no
sentido que cada cultura determina, por razes subjetivas e nem
sempre salutares, quais comportamentos sexuais sero aceitos ou
condenados.
Esta pequena introduo
justifica-se porque muitos educadores e pais costumam repetir
acriticamente que o sexo foi criado por Deus para garantir a
perpetuao da espcie, e que as ousadias decorrentes da
famigerada revoluo sexual foram culpadas pelo surgimento da
terrvel epidemia do sculo, a Aids. Esquecem-se que o sexo, at
mesmo entre muitas espcies animais, no visa exclusivamente a
procriao. Esquecem-se os moralistas de planto que a Aids no
castigo divino contra a promiscuidade sexual, posto ter surgido
entre comportadas populaes tribais da frica central e s
depois expandiu-se para as sucursais modernas de Sodoma e Gomorra...
Assim sendo, falar de educao
diferenciada para jovens homossexuais no Brasil, sobretudo para mes
e pais pertencentes tradicional famlia mineira, pode parecer
para alguns provocao de um gay assumido desejoso em fazer
proselitismo de sua orientao sexual. Para acalmar os
educadores mais temerosos , retomo um tema frequentemente citado
por uma das mais conceituadas sexlogas do Brasil, a Dra.Marta
Suplicy: a homossexualidade no uma opo, do
mesmo modo como tambm ningum optou pela heterossexualidade.
Simplesmente, a criana ou o jovem comeam a sentir atrao
afetiva e/ou sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto - ou
pelos dois, atrao que pode ser extensiva tambm ao
cachorrinho, a uma galinha ou at a uma bananeira.
H um certo consenso entre os
estudiosos da psicologia infantil em situar entre 5 e 6 anos a
idade onde comea a se definir a orientao sexual do ser
humano - e se fosse possvel isolar um bando de crianas de
qualquer mensagem modeladora de seu papel de gnero - certamente
haveria um nmero equilibrado de homos, heteros e bissexuais.
Entre ns os homossexuais
representam apenas 10% da populao porque vivemos numa
sociedade ditatorialmente heterossexista, onde as nicas imagens
e mensagens bombardeadas na socializao formal e informal das
novas geraes a do casal heterossexual, e onde os amantes do
mesmo sexo foram mortos pedradas, na fogueira, nos campos de
concentrao.
A homofobia (intolerncia
homossexualidade) contra os jovens homossexuais no Brasil no
fica nada a dever s torturas inquisitoriais: nos arquivos do GGB
h dezenas de registros de meninos e adolescentes que sofreram
todo tipo de violncia fsica quando seus pais descobriram que
eram viados: humilhao, insultos, espancamento e expulso
de casa. Um destes levou uma surra to forte de seu pai, na
frente da vizinhana, que teve de ir para o pronto socorro para
engessar um brao; outro, ao ser surpreendido fazendo troca-troca
com um coleguinha, sua me preparou um molho de pimenta
malagueta, misturou numa garrafa de refrigerante e com presso do
gs, meteu esta terrvel poo dentro do nus do pobrezinho,
repetindo a mesma sentena ainda hoje proferida pelo Brasil a
fora: "prefiro um filho morto do que bicha!".
J tempo de sairmos desta barbrie
e estancarmos tamanha violncia contra os jovens homossexuais.
Neste sentido, o Estatuto da Criana e do Adolescente permite
uma leitura mais humanitria e menos homofbica, tornando-se
instrumento legal na defesa da livre orientao sexual dos
jovens. Pretender "curar" um filho gay ou filha lsbica
fere um direito humano fundamental: a livre orientao sexual.
Se a homossexualidade no doena ou crime, porque impedir aos
jovens homossexuais o livre exerccio de sua identidade
existencial? "A criana e o adolescente tm o direito
liberdade, ao respeito e dignidade como pessoas humanas".
(Artigo 15) Humilhar, insultar ou castigar uma criana ou
adolescente simplesmente porque demonstra tendncia homossexual,
um acinte contra o artigo 17 do Estatuto quando garante:
"O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da
integridade fsica, psquica e moral, abrangendo a preservao
da imagem, da identidade e da autonomia". Impedir que
crianas e adolescentes desenvolvam livremente sua orientao
homossexual viola o artigo 18 da mesma Lei quando determina:
" dever de todos velar pela dignidade da criana e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, atemorizante, vexatrio ou constrangedor."
Concluindo: j que o Conselho
Federal de Medicina, a Organizao Mundial de Sade e as
principais Associaes Cientificas Brasileiras desde 1985
deixaram de considerar a homossexualidade como desvio ou doena,
mas sim uma orientao sexual to saudvel e normal quanto a
bissexualidade ou a heterossexualidade; j que desde 1821, com o
fim da terrvel Inquisio, o amor entre pessoas do mesmo sexo
deixou de ser crime; considerando que respeitados telogos cristos
negam ser pecaminosa a prtica homossexual - perguntamos aos
senhores pais e professores: se no pecado, crime ou doena
ser gay ou lsbica, o que justifica tanto medo e discriminao
contra os homossexuais? Resposta: ignorncia, preconceito, falta
de informao cientfica e desrespeito aos direitos humanos
fundamentais do cidado.
Portanto, urge que o poder pblico,
as escolas, as famlias, condenem no apenas a explorao
sexual e a prostituio infanto-juvenil, (90% praticada por
heterossexuais!) mas condenem tambm o estupro psicolgico e as
intimidaes e violncias fsicas praticadas contra os jovens
gays, lsbicas e travestis. Educao sexual cientfica nas
escolas e punio dos homfobos um primeiro o para se
corrigir tais abusos. Afinal, a Constituio Federal estipula
como um dos objetivos fundamentais da Repblica "lutar
contra todas as formas de preconceitos". E a homofobia,
comprovadamente, ainda o principal preconceito existente em
nossa sociedade. A livre orientao sexual infanto-juvenil tambm
direito humano fundamental e s uma educao diferenciada,
que respeite as especificidades tnicas, raciais e a livre
orientao sexual das crianas e adolescentes, poder fazer
desabrochar em todo o menino, o seu lado feminino e em toda
menina, o seu lado masculino. Afinal, as crianas nascem para
serem felizes e no para serem humilhadas, castigadas e
violentadas psicologicamente s por que tm a mesma orientao
sexual de Miguel ngelo, Shakspeare, Oscar Wilde ou Martina
Navratilova.
|