Direitos
Humanos A Construo Universal da Utopia
Joo Baptista
Herkenhoff
2g5z6g Captulo
7
A proscrio da tortura e
do tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante.
O direito, que todo ser humano tem,
de ser reconhecido como pessoa.

1.
Repulsa tortura e afirmao de que todo ser humano tem o
direito de ser reconhecido como pessoa: o abandono desses princpios
jogaria por terra toda a Declarao Universal dos Direitos
Humanos.
A
eventual supresso das garantias previstas nos artigos 5 e 6 da
Declarao Universal dos Direitos Humanos anularia o sentido da
totalidade da Declarao.
itir
que um ser homem possa ser torturado negar a ele a condio
de ser humano. Estejamos, pois, no incio deste Captulo,
atentos ao que dizem os artigos 5 e 6 da Declarao:
Artigo
V. Ningum ser submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante.
Artigo
VI. Todo homem tem o direito de sem em todos os lugares,
reconhecido como pessoa perante a lei.
2.
Artigos V e VI: acrscimos, nestas matrias, das Cartas de
Direitos posteriores Declarao Universal.
Veremos,
nos primeiros pargrafos do presente captulo, que as Cartas
de Direitos posteriores Declarao Universal dos Direitos
Humanos referendaram as idias acolhidas pelos artigos 5 e 6
desta ltima.
Essas
Cartas, na sua essncia e no seu esprito, recusaram a prtica
da tortura, bem como o tratamento degradante ou o castigo cruel
que se imponha s pessoas.
Da
mesma forma, foi sufragado pelas diversas Cartas o princpio de
que todo ser humano tem o direito ao reconhecimento de sua condio
de pessoa.
Veremos
mesmo como algumas colocaes dessas Cartas podem ser vistas
como acrscimo s concepes da Declarao Universal.
3.
A Carta Africana em face da tortura e do castigo degradante ou
cruel e do direito ao reconhecimento da condio de ser pessoa.
A
Carta Africana declara que a pessoa humana inviolvel. Diz que
todo ser humano tem direito a que a integridade fsica e moral
de sua pessoa seja respeitada.
Todo
indivduo prossegue a Carta Africana tem direito ao
reconhecimento de sua personalidade jurdica e ao respeito da
dignidade inerente pessoa humana.
Todas
as formas de aviltamento do homem so proibidas, especialmente
a escravido, o trfico de pessoas, a tortura fsica e moral,
as penas ou tratamentos cruis, desumanos ou degradantes
(Artigos 3, 4 e 5).
A
Carta de Direitos dos Povos da frica no apenas subscreve os
artigos 5 e 6 da Declarao Universal. Na verdade, suplanta,
em letra e em substncia, as prescries da Carta Universal de
Direitos Humanos.
4.
A Carta Islmica, a tortura, o castigo degradante ou cruel, O
direito de ser reconhecido como pessoa, na Carta Islmica.
A
Carta Islmica diz que todas as pessoas so iguais em face da
lei. Todos tm direito a possibilidades iguais, bem Como a igual
proteo da lei. Nenhuma discriminao tolerada, seja por
causa de crena religiosa, cor, raa, origem, sexo ou lngua
de cada um (Artigo III, letras a e e).
Toda
pessoa tem direito de ser tratada conforme a lei e somente
conforme a lei (Art. IV, letra a).
A
Carta Islmica rechaa peremptoriamente a utilizao da
tortura fsica ou mental, com a finalidade de maltratar ou
coagir quem quer que seja. Da mesma forma, a Carta repudia o uso,
para os mesmos fins, de meios como a degradao, a extorso, a
presso fsica ou moral, a ameaa de prejuzo ou dano fsico
contra a pessoa ou contra seus familiares e entes queridos
(Artigo VII).
Fica
bem claro, na Declarao Islmica, que essas franquias
aproveitam a todas as pessoas, e no apenas ao5 muulmanos.
Basta examinar os artigos mencionados em cotejo com o conjunto
da Declarao e especialmente com o artigo X. O artigo X
consagra a liberdade religiosa e a igualdade de direitos de todos,
independentemente da crena.
Nos
pases muulmanos (reza o artigo X), as minorias religiosas
devem ter o direito de escolher ou a lei islmica ou suas prprias
leis. Assim, o prprio indivduo integrante da minoria
religiosa que escolhe, luz de sua conscincia, o estatuto que
reger sua vida cvica e pessoal.
Para
sufragar a liberdade religiosa, a Declarao Islmica
socorre-se duma agem do Coro. Esta agem diz que no
deve haver coao na religio.
5. A
Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem em face da tortura
e do tratamento cruel. A Carta Americana e o princpio do
reconhecimento de todo ser como pessoa.
A
Carta de Direitos dos Povos das Amricas diz que todas as pessoas
so iguais perante a lei. Tm os direitos e deveres consagrados
na Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, sem
distino de raa, sexo, idioma, credo ou qualquer outra
(Artigo II).
Toda
pessoa tem o direito de ser reconhecida como sujeito de direito e
obrigaes, esteja onde estiver. Igualmente, reconhea-se a
todo ser humano, em qualquer parte, os direitos civis fundamentais
(Artigo XVII).
Toda
pessoa tem direito a um tratamento humano durante o tempo em que
esteja privada de sua liberdade (Artigo XXV). As penas cruis,
infamantes ou no previstas em lei so proibidas (Artigo XXVI).
Assim,
tambm a Carta de Direitos de nosso Continente (ou Continentes,
se preferimos destacar, como continente autnomo, a Amrica do
Sul) assegura os princpios previstos nos artigos 5 e 6 da Carta
Universal de Direitos.
6. A
Declarao Universal dos Direitos dos Povos, os artigos 5 e 6
da Declarao Universal dos Direitos Humanos. A Declarao
Solene dos Povos Indgenas do Mundo e a aceitao implcita
dos artigos 5 e 6 da Declarao
Universal dos Direitos Humanos.
A
Declarao Universal dos Direitos dos Povos e Carta de
Direitos proclamada pelos Povos Indgenas do Mundo no se
referem, expressamente, a direitos individuais especficos,
como j tivemos ocasio de comentar.
Entretanto,
implicitamente, esses documentos abrigam, na dimenso csmica de
seus postulados, todos os Direitos Humanos particularizados na
Declarao Universal dos Direitos Humanos.
Esta
observao aplica-se aos artigos 5 e 6, que estamos estudando
neste momento.
7.
A luta universal contra a tortura. A Conveno das Naes
Unidas contra a Tortura. As Regras mnimas para o tratamento dos
reclusos. As Regras mnimas para a istrao da Justia de
Menores. A Declarao sobre princpios fundamentais de Justia
para as vtimas de delitos e do abuso de poder.
A
Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis.
Desumanas ou Degradantes foi adotada e aberta a adeses pela
Assemblia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1984. Sua entrada
em vigor ocorreu em 26 de junho de 1987.
A
"Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruis, Desumanas ou Degradantes definiu como tortura todo ato
pelo qual funcionrio ou pessoa no exerccio de funo pblica
inflija, intencionalmente, a uma pessoa dores ou sofrimentos
graves, com o fim de obter dessa pessoa ou de terceiro uma confisso,
ou com o fim de castigar, intimidar ou coagir. Esses sofrimentos
tanto podem ser fsicos, quanto mentais
Em
matria de direitos das pessoas submetidas a deteno ou priso,
vrios documentos internacionais foram aprovados.
As
"Regras mnimas para o tratamento dos reclusos foram
adotadas pelo "Primeiro Congresso das Naes Unidas para a
Preveno do Delito e o Tratamento do Delinquente (Genebra,
1955) As Regras mnimas foram aprovadas pelo Conselho
Econmico e Social da ONU, em resolues tomadas em 31 de
julho de 1957 e 13 de maio de 1977.
As
Regras mnimas para o tratamento dos reclusos estabelecem
princpios fundamentais de proteo pessoa presa, conforme j
vimos. Esses princpios previnem a tortura e o tratamento cruel
ou desumano de pessoas presas.
No
que se refere a menores infratores, o Stimo Congresso das
Naes Unidas sobre Preveno do Delito e Tratamento do
Delinquente (Milo, 26 de agosto a 6 de setembro de 1985)
adotou cuidados especiais. Editou Regras mnimas para a
istrao da Justia de Menores -.
A
filosofia dessas Regras est condensada em alguns de seus
Princpios Gerais, como os que determinam:
-
que se esforcem os Estados para criar condies que garantam ao
menor uma vida til na comunidade;
-
que todos os esforos comunitrios sejam mobilizados para
promover o bem-estar do menor;
-
que se conceba a Justia de Menores como parte integrante do
desenvolvimento nacional de cada pais, inistrada tendo como
marco fundamental a Justia Social.
Tambm
se preocupou a Assemblia Geral das Naes Unidas em definir
uma conduta tica para as pessoas que lidam com os presos. Neste
sentido, foram adotados:
-
um Cdigo de conduta para funcionrios encarregados de
fazer cumprir a lei;
-
Princpios de tica mdica aplicveis ao pessoal de sade,
especialmente os mdicos, visando proteo de pessoas presas
ou detidas, contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruis,
desumanas e degradantes
Esses
documentos comprometem esses funcionrios e profissionais na
obrigao de preservar os direitos e a dignidade do preso,
contra abusos que possam viol-los.
O
Cdigo de conduta para os funcionrios foi adotado em 17
de dezembro de 1979 e os Princpios de tica mdica em 18
de dezembro de 1982.
Ainda
as Naes Unidas cuidaram de adotar uma Declarao sobre
princpios fundamentais de Justia para as vtimas de delitos e
do abuso de poder. Essa Declarao foi recomendada pelo Stimo
Congresso das Naes Unidas sobre Preveno do Delito e
Tratamento do Delinquente (Milo, 1985) e adotada pela Assemblia
Geral da ONU em 29 de novembro de 1 985.
So
definidas como vitimas as pessoas que, individual ou
coletivamente, hajam sofrido danos, inclusive leses fsicas
ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou desprezo
pelos direitos fundamentais da pessoa, como consequencia de aes
ou omisses que violem a legislao penal, inclusive a que probe
o abuso de poder.
8.
A luta universal contra a tortura: informao sobre a ACAT.
Em
1974, funda-se na Frana a ACAT Action
des Chrtiens pour lAbolition de la Torture (Ao dos
Cristos pela Abolio da Tortura).
Esta
associao rene catlicos, ortodoxos e protestantes. Em
nome do Evangelho, seus filiados lutam pelos Direitos Humanos em
geral, mas muito especialmente pela abolio da tortura, em todo
o orbe terrqueo.
Como
a Anistia Internacional, um dos grandes instrumentos de
trabalho da ACAT a correspondncia internacional, utilizada
para sensibilizar e pressionar governos refratrios ao respeito
dos Direitos Humanos.
A
correspondncia tambm adotada como forma de levar
solidariedade e calor humano a pessoas que se encontram em
estado de solido ou at de desespero.
Nesta
hiptese, em alguns casos, a ACAT tem de vencer barreiras para
que as cartas cheguem aos destinatrios.
A
ACAT espalha-se hoje por 15 pases e rene 17.000 aderentes.
Uma
Federao Internacional de ACATs, sediada em Paris, procura
aglutinar o trabalho em nvel mundial.
9. A luta contra a tortura no Brasil.
No
Brasil. inmeros grupos de Direitos Humanos tm tido extrema
sensibilidade para com o problema da tortura.
A
tortura poltica acabou no pas, com a queda da ditadura
instaurada em 1964. Mas a tortura contra o preso comum prtica
diuturna nas delegacias, cadeias e prises em geral.
Centros
de Defesa de Direitos Humanos. Comisses de Justia e Paz,
Conselhos Seccionais e Comisses de Direitos Humanos das OABs,
Pastorais Carcerrias tm vigilado e denunciado com veemncia a
prtica da tortura nos presdios.
Dentre
os grupos que lutam contra a tortura existe um que faz da abolio
da tortura a sua razo de ser. o grupo "Tortura Nunca Mais.
Como
a "Anistia Internacional, o grupo "Tortura Nunca
Mais tem sees espalhadas pelo territrio brasileiro. Como
indicao, para referncia e informao, registramos o endereo
do grupo em So Paulo: Grupo Tortura Nunca Mais- Rua Frei
Caneca, 986, (fone-fax: 011.283-3082) 01307-003 So
Paulo/SP.
10.
0 sentenciado e seu direito reabilitao. A ausncia de um
programa de reabilitao caracteriza a pena como cruel e
degradante.
A
pena no tem o sentido de vingana. Ela deve buscar a
ressocializao do indivduo que delinquiu. certo que as
pesquisas realizadas no apontam numa direo otimista, em
matria de eficcia da pena restritiva de liberdade, como
instrumento de ressocializao. Ressocializar segregando trai
em si uma contradio. A esta concluso chegaram os estudos
de Fernando Tocora (que se debruou sobre a Amrica Latina),
Jacques-Guy Petit e Michel Foucault (na Frana) Giles Playfair e
de Derrick Sington (nos Estados Unidos), Arruda Campos (em face
da realidade prisional brasileira>, Teresa Miralles. Elizabeth
Sussekind, Maria Helena Piereck de S e Rosa Maria Soares de
Arajo (num trabalho especfico sobre o sistema prisional do Rio
de Janeiro).
Mesmo
na Sucia, uma pesquisa de UlIa V. Bondeson chega concluso
de que a priso gera o crime.
G.
Picca reflete sobre o carter dissuasivo da sano penal para o
delinquente e coloca forte dvida sobre esse suposto objetivo da
pena. Defende que se realizem pesquisas nesta matria.
Por
este motivo, modernamente, tem-se como assente que a priso deve
ser evitada ao mximo. Um elenco de alternativas deve reduzir o
aprisionamento aos casos extremos.
Mas,
de qualquer forma, se o Estado prende, o Estado tem o dever de
desenvolver todo o esforo possvel para que o sentenciado se
ressocialize.
Desenvolver
uma poltica de ressocializao do sentenciado constitui
obrigao do Estado. Essa poltica de ressocializao deve
ser levada a efeito, quer durante o tempo de priso, quer
depois da volta do sentenciado vida social. O "itinerrio
de volta, ou seja, o reingresso na vida comum, aps o
cumprimento da pena. um duro caminho que o sentenciado s tem
chance de trilhar com xito se tiver o amparo de instituies
e pessoas que o ajudem nos seus esforos de reinsero social.
Se
o Estado tem o dever de facilitar a ressocializao do preso e
do ex-preso. o sentenciado tem direito prestao desse
servio pelo Estado.
Com
acerto, Edgard Rotman diz que o sentenciado tem "direito
reabilitao e que a ausncia de um programa de reabilitao
caracteriza a pena como cruel e degradante.
11.
A defesa da criana contra os abusos explicitados pelos artigos
5 e 6 da Declarao
Universal dos Direitos Humanos.
A
proibio de tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante
protege tambm a criana, no interior das relaes
intrafamiliares.
A
Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana coloca a
criana como centro da vida social
Vulnervel,
a criana deve ser defendida contra toda violncia de que possa
ser vtima. Deve ser particularmente defendida, como observa Paul
Moreau, quando entram num estado de falncia as instituies e
tradies normalmente encarregadas de sua educao e proteo.
Os
direitos da famlia cedem aos direitos da criana quando esta
sofre violncia, vitima de abusos sexuais, quando exposta
a influncias perigosas ou quando 05 pais descuram de sua educao.
Nessas hipteses, como argumenta Paul Moreau, absolutamente
legtimo limitar 05 direitos da famlia. So
situaes em que os direitos da famlia atritam com os
direitos da criana.
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