Gnese
dos
Direitos Humanos
Volume I
Joo Baptista
Herkenhoff
HISTRIA
DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
3m222p
24.
A luta do Povo Brasileiro pela
volta do Estado de Direito
A
luta contra o golpe de Estado desferido em 1 de abril de 1964 comeou
com a prpria instaurao da ditadura.
Desde
o primeiro momento, lideres polticos e da sociedade civil, acompanhados
por parcela pondervel da opinio pblica, compreenderam que se
suprimia o Estado de Direito, para um longo perodo de arbtrio.
Muitos
puderam verificar e compreender que o golpe no Brasil no era um lato
isolado. Localizava-se dentro de um projeto continental. Na verdade,
assistia-se a todo uni ciclo de regimes de exceo na Amrica Latina.
Documentos que vieram luz posteriormente, por fora de uma lei que
libera certos arquivos secretos norte-americanos, demonstraram que a
implantao das ditaduras latino-americanas era inspirada pela poltica
externa dos Estados Unidos para o Continente.
Outros
cidados, entretanto. supam que a interveno militar de 1964 seria
tini episdio ageiro. Teria como fundamento o exerccio, pelas Foras
Armadas, de um poder moderador. Esse poder moderador seria um
poder corretivo de eventuais desvios na rota poltica normal do pais. Tal
papel moderador estaria reservado aos militares, no Brasil e em outros pases
do Terceiro Mundo.
Os que
seguem essas idias apoiaram, num primeiro momento, o golpe militar de
1964.
O primeiro
grande desapontamento de muitos cidados que deram seu aval poltico ao
golpe aconteceu em 27 de outubro de 1965. Nesse dia. foi baixado o Ato
Institucional n. 2.
O
primeiro Ato institucional no tinha nmero, justamente porque a
proposta original dos revoltosos seria realizar um ato cirrgico de tempo
certo nas instituies polticas brasileiras. O Ato Institucional n.
2 j representava uma traio a esse propsito.
Em 1967, a
Constituio de 24 de janeiro tenta o arremedo de um Estado de
Direito. Tem a esperana de compatibilizar o regime militar com um mnimo
de civilizao jurdica.
O Ato
Institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968, elimina de vez qualquer
nuance de Estado de Direito que se pretendesse dar ao regime. O
regime assume confessadamente sua face de ditadura selvagem. Suprime-se
todo trao de Direito, qualquer sinal de juridicidade que se pudesse
vislumbrar nas instituies polticas e sociais do pas. E a lei do co.
um retrocesso que nem mesmo o Estado Novo (1937) conheceu.
A cada
aprofundamento do arbtrio, o regime de 1964 perdia apoio.
Os liberais
que apoiaram o golpe. em nome de uma interveno militar cirrgica.
deixaram a nau do regime em 27 de outubro de 1965, com a condio do Ato
institucional n. 2.
Em 13 de
dezembro de 1968 j no eram apenas os liberais que se desligavam da
aventura liberticida levada a efeito pelos que se apoderaram do pas. Na
verdade, s ficaram com o AI-5 os que apoiavam para o Brasil um regime de
ndole fascista, isto , um regime antiliberal, antidemocrtico de um
nacionalismo falso e at mesmo com traos imperialistas.
Esta ltima
caracterstica era traduzida pelo projeto de tini Brasil Gigante. Esse
Brasil Gigante seria construdo, em aliana com os Estados Unidos, sob a
batuta da Lei de Segurana Nacional. Dentro desse projeto. o Brasil
receberia delegao para exercer um papel imperialista junto aos
vizinhos da Amrica do Sul.
Um slogan
resumia a mentalidade vigente: Brasil, ame-o ou deixe-o. Este
slogan era traduzido assim: ame o Brasil, de acordo com a frmula de
Brasil pretendida pelo regime. Se voc no concorda com essa frmula, no
concorda com o regime, voc no tem direito de viver em seu pas.
Por todas
essas razes, medida que crescia o arbtrio, crescia tambm a resistncia
ao arbtrio.
Somavam-se
as lutas de inmeros segmentos sociais:
a) a dos
trabalhadores, contra a poltica de arrocho salarial, contra a interveno
nos sindicatos, contra a Lei de Segurana Nacional que enquadrava nos
seus artigos os operrios que pugnavam por melhorias econmicas e
sociais;
b)
a de presos e perseguidos polticos, com apoio de lideres da sociedade
civil em geral, em prol da Anistia;
c) a dos
estudantes contra acordos que subordinava a poltica educacional
brasileira a exigncias norte-americanas, contra as punies arbitrrias
de estudantes e professores, contra a polcia poltica instalada dentro
das universidades;
d) a dos
intelectuais, jornalistas, artistas contra a censura e as medidas
restritivas em geral;
e) a de lderes
religiosos de diversas confisses, pela Justia Social. pela Liberdade,
contra a tortura;
Todas essas
lutas desembocaram:
a) na luta
pela Anistia ampla, geral e irrestrita;
b) na luta
pela convocao de uma Assemblia Constituinte livre e democrtica,
com participao popular.
25.
A Conquista da Anistia
A Anistia
foi conquistada em 1979. Consubstanciou-se na Lei n. 6.683, de 28 de
agosto de 1979.
No foi to
ampla, geral e irrestrita quanto se desejou. E anistiou no apenas os
perseguidos polticos mas tambm os que praticaram crimes, em nome do
regime. Chegou mesmo a anistiar torturadores, o que bem chocante. A
essa anistia de perseguidos e perseguidores chamou-se de anistia recproca.
De qualquer
forma, a anistia representou uma conquista do povo.
A luta dos
presos polticos, no interior das prises, as denncias feitas por
estes, rompendo o cerco de ferro dos carcereiros, as greves de fome. tudo
isto foi essencial para que se alcanasse a Anistia, como vitria da a
nu brasileira.
Ao mesmo
tempo em que os presos resistiam, os exilados movimentavam-se fora do
pais. E dentro do Brasil inmeras vozes, inteligncias e coraes
pleiteavam a Anistia.
Devo dar
meu depoimento pessoal porque um livro, como este, no pode ser apenas um
relato objetivo. A subjetividade humaniza e enriquece o tratamento de um
tenta como o dos Direitos Humanos.
Como
magistrado da ativa, no Esprito Santo, eu participei da luta pela
Anistia. Meus discursos em atos pblicos, pregando a Anistia, e minha
participao na fundao do Comit Brasileiro pela Anistia no foram
compreendidos por alguns. Recebi crticas incisivas. Estranhavam: como
pode um juiz tratar de um tema poltico? A atividade poltica no
proibida ao juiz.
Havia uma
diferena de entendimento do que devia ser a tica do oficio de
juiz. Sem dvida, a atividade poltico-partidria vedada ao
magistrado. Sempre tive conscincia da importncia desse princpio que
no apenas um preceito legal. E tambm uma questo moral e lgica.
Como pode um juiz. que preside eleies, ter militncia partidria.
Essa militncia levaria ao descrdito de sua imparcialidade.
Mas a questo
da Anistia no era urna questo partidria. Via, naquela poca, como
ainda vejo hoje: o significado da Anistia corno bandeira tica. A Anistia
era um tema humanitrio e de Justia, com carter suprapartidrio. A
Anistia permitiria o reencontro dos brasileiros. No o reencontro para a
unanimidade, que isto s existe nas ditaduras. O reencontro para a luta
poltica, a divergncia explicitada. as contradies criadoras. Por
essa razo. Honrava-me, como magistrado, engrossar o coro de conscincias
morais que bradavam pela Anistia.
A
luta pela Anistia foi uma das pginas de maior grandeza moral escrita na
Histria contempornea do Brasil.
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