Teologias da
Guerra
Frei Betto(*) x476q
Para Santo Agostinho, a paz o maior bem da cidade terrestre.
Para
defend-lo, justifica-se a guerra. o princpio da guerra
justa. Para
declar-la, requer-se que a causa seja justa, a autoridade legtima,
a
inteno reta e os danos limitados.
Toms de Aquino retomou a questo no sculo 13, afirmando que a
guerra e
o amor cristo se contradizem. Assim, todas as guerras so
injustas,
exceto quando se trata de legtima defesa, resguardada a limitao
de
danos. Isso significa evitar a morte de civis.
Na I Guerra Mundial (1914-1918), as vtimas civis corresponderam
a 5%.
Na II Guerra (1940-1944), a 50%. No Vietn, a 85%. Hoje, as
guerras de
limpeza tnica, como a da Bsnia, sacrificam quase 90% da populao
civil, sem que os militares, que atiram bombas do alto de seus avies,
sofram qualquer arranho.
Na I Guerra, o papa Bento XV assumiu posio pacifista,
condenando-a,
sem dar razo a ses ou alemes. Na II Guerra, Pio XII
considerou-a
injusta, embora reconhecendo o direito de autodefesa dos inocentes
agredidos.
Na encclica Pacem in Terris (1963), o papa Joo XXIII reafirmou
que a
guerra no justificvel em nenhuma hiptese, pois consiste
sempre num
ato contra a humanidade. E props o desarmamento como exigncia
de paz.
O Conclio Vaticano II atenuou tal posio, influenciado pelo
cardeal
Spelmann, capelo das Foras Armadas dos EUA que, naquele
momento,
bombardeavam o Vietn. O cardeal justificou a fabricao de
armas,
alegando que a nica maneira de assegurar a paz era pelo equilbrio
do
terror nuclear. Porm, o Conclio repudiou qualquer ao blica
que tem
em vista a destruio indiscriminada de cidades inteiras ou de
vastas
regies, com seus habitantes (Gaudium et Spes 80,4).
O Catecismo, aprovado por Joo Paulo II em 1997, ite que no
se
poder negar aos governos o direito de legtima defesa (2308),
retomando
o princpio da guerra justa. Condena, no entanto, como pecado
mortal, o
extermnio de um povo, de uma nao ou de uma minoria tnica
(2313).
No Snodo dos Bispos, reunido em outubro, em Roma, a condenao
ao
terrorismo e ao ataque dos EUA populao civil do Afeganisto
veio da
boca de dom Cludio Hummes, cardeal de So Paulo. Devido
presso dos
bispos dos EUA, que apiam o presidente Bush, o documento final no
assumiu uma posio mais contundente a favor da paz como fruto
da
justia.
Segundo o profeta Isaas, a paz no deriva do equilbrio de foras,
mas
fruto da justia (32,17). Hoje, ele faria eco ao papa Joo
Paulo II e
clamaria que no haver paz enquanto no for reduzida a
desigualdade
entre o Norte e o Sul do mundo, cancelada a dvida externa dos pases
mais pobres, reduzido o arsenal blico e a acumulao de
riqueza em mos
de poucos, protegido o meio ambiente e reconhecidos os direitos do
prximo. Porque a paz precisa ter sabor de po. Sem o po
nosso, a paz e
o Pai no viro at ns.
(*)Frei Betto escritor, autor de "A mula de Balao"
(Salesiana),
entre outros livros.
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