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Ao completar 55 anos de idade e 40 de
militncia poltica, Frei Betto conversa com Palavra sobre
homens e Deus, homens e homens. Numa trajetria de vida que
forjou um dos nossos mais ativos humanistas, aproveita o lanamento
de seu mais novo romance, Hotel Brasil, para dizer que est
mergulhando, de cabea, na fico, l, onde a alma humana faz
da vida um festim de contradies
Tonico Mercador
Fotos Paulo Laborne, Jorge
Butsuem, Mauricio Simonetti, Nair Benedicto, arquivo Frei Betto
Enquanto esperamos Frei Betto,
arranco a rolha de um bom vinho tinto e parto em dois um belo
exemplar de po italiano. Po e vinho. Corpo e sangue. E, por um
breve instante, comungo um dos mais deliciosos mistrios da
mitologia crist, o que mais se aproxima dos mitos selvagens e
politestas: a crena de que devorar o outro significa adquirir
suas qualidades.
Os amigos chegam, nos reunimos em
volta da mesa e juntos dividimos a ceia. A conversa eia por
mundos e espritos, conhecidos e desconhecidos. Finalmente, sem
que se oua qualquer aviso ou rudo, a porta se escancara e Frei
Betto surge do corredor puxando pela mo seu pequeno ba de
rodinhas cheio de lembranas, livros, fotografias. Entra na sala
como se estivesse descendo de um avio.
Para quem no o conhece, Frei
Betto no alto nem magro, nem forte nem fraco, nem gordo nem
magro. Seus traos finos podem inseri-lo, mesmo no sendo um gal,
no rol dos homens bonitos. Seus gestos esto longe de defini-lo
como um frade e a vida deixou nele as marcas de seus vcios, suas
fraquezas, suas virtudes. Afinal, ele um homem, no um anjo.
Olhando-o, da outra ponta da mesa, no consigo afastar da cabea
a idia de homens e anjos.
E a imagem de No conversando com
Deus no convs da sua arca, enquanto o mundo se afogava em lgrimas
divinas, me vem ntida, cristalina, como numa superproduo
hollywoodiana. Se querias que fssemos perfeitos, Senhor, por
que no nos fizeste anjos? E a voz de Deus era a voz de No,
porque Ele havia criado todas as vozes: Porque os anjos no
evoluem, no mudam, no melhoram. Os homens tm essa
possibilidade.
Cego por essa miragem, aguo os
ouvidos para ouvir vozes que falam da vingana dos anjos contra
os homens, porque ns temos alma e eles no; porque somos
dotados de sentimentos como generosidade, amor, compaixo, que
eles jamais experimentaram; porque sentimos o gozo da f e o gozo
da carne e porque somos os filhos prediletos de Deus, apesar de
todos os pecados e infmias cometidos em Seu nome.
Os gritos das taas erguidas para
o brinde me arrancam do pequeno xtase em que havia mergulhado.
Em estado de euforia, subimos para a sala do segundo andar. Ali,
entre bonecas de pano, quadros, figuras, estatuetas de barro,
imagens de So Jorge e a cara redonda da lua entrando pela
janela, nos sentamos para conversar e conhecer a histria de um
homem tocado pelo sentido de divindade como expresso mxima da
vida.
Uma vida que comea em Belo
Horizonte. Seu pai sempre fez questo de que filho seu fosse
mineiro. Minha famlia morava no Rio e subimos a serra para
que eu nascesse aqui. Com dois meses, me levaram de volta ao Rio
onde fiquei at os cinco anos... Meu pai foi um dos signatrios
do Manifesto dos Mineiros e isso colocou sua cabea a prmio...
A, voltamos definitivamente para Minas.
No primrio, Frei Betto
experimenta o escotismo. Vira lobinho e depois escoteiro. As
palavras comeam a fazer parte da sua vida. Os elogios dos
professores o estimulam a ler e escrever, faces da mesma moeda.
Durante cinco anos mistura caminhadas pelas matas, subidas a
montanhas, acampamentos debaixo de chuva e anotaes esparsas em
papis de sanduche. Era um garoto feliz e um pssimo aluno. Um
dia, o professor de portugus o chama fora da classe e lhe diz:
Voc s no ser escritor se no quiser.
Frei Betto chama a nossa ateno:
Vejam s a importncia que tem um elogio para uma criana!
Ouvir isso aos 11 anos!... claro que havia o exemplo l de
casa. Meu pai escreve, minha me escreve... O cachorro no
escreve, mas gosta muito de ler... Quer dizer... ter sido criado
num ambiente assim, tambm me influenciou...
Foi a que voc entrou para a
JEC?
Aos 13 anos... Para mim foi uma
experincia muito forte... Eu e o Henfil ramos muito novos e o
resto do pessoal nos chamava de pr-JEC, jardim da infncia...
Mas foi essa gozao que nos fez ficar firmes... A gente dizia
um para o outro: Vamos provar para essa gente que ns somos
fortes... E essa gente era o Betinho, Vincius Caldeira Brant,
Otvio Elsio, Paulo Haddad...
E o que era, exatamente, a JEC?
Esse tipo de ao catlica
surgiu um pouco antes da 2a. Guerra, quando a Igreja percebeu que
estava perdendo a classe operria para os movimentos ideolgicos.
Ento, criada a JOC -Juventude Operria Catlica. Depois
surgem as outras aes especializadas... A, E, I e U, ou seja,
JAC -Juventude Agrria Catlica; JEC -Juventude Estudantil Catlica,
para os secundaristas; JIC -Juventude Independente Catlica, para
professoras e profissionais liberais; JUC -Juventude Universitria
Catlica...
Foi o incio da sua militncia
poltica?
Sem dvida! A gente se reunia num
edifcio onde funcionava o Cine So Lus, no Centro de Belo
Horizonte. O cine foi desativado e ns amos a nos reunir no
convento dos frades dominicanos... A questo era a seguinte: a
gente tinha que se evangelizar atravs das estruturas da
sociedade... Ento era preciso entrar na poltica estudantil...
E ns ramos muito militantes... Aos 15 anos fui eleito primeiro
vice-presidente da Unio Municipal dos Estudantes Secundrios, a
Umes.
Voc foi um adolescente comum
ou era aquele chato, cdf, todo certinho?
Isso quem pode dizer so os meus
amigos... De qualquer maneira, acho que fui um cara normal... Fui
scio-atleta do Minas... nadava mil metros por dia... Adorava danar...
A gente procurava saber quais eram as festas daquela noite... Eu
colocava meu terno azul-marinho, nmero nico e a gente ia... No
fazia a menor diferena se eu tinha ou no sido convidado... A,
ns criamos o Clube dos Penetras. O desafio era conseguir entrar
nas festas inexpugnveis... nadar na piscina do Palcio da
Liberdade... essas coisas...
E como voc conciliava a formao
religiosa com essa baguna toda?
claro que batia a maior dvida.
Eu era muito namorador, muito festeiro... Ao mesmo tempo, a influncia
dos dominicanos era muito forte... Eles abriram para mim uma nova
viso do Evangelho, de Jesus Cristo... E me ajudaram a descobrir
a orao... Me ensinaram a rezar e a gostar de rezar... A orao
me fez ar de uma f sociolgica, familiar, intelectual, para
uma f afetiva... Comecei a experimentar Deus... A ter com Ele
uma relao de intimidade...
Ento, a sua vocao foi
surgindo naturalmente?
Creio que sim... claro que havia
algumas dificuldades... Na poca, meu pai era muito
anticlerical... exceo do padre Aguinaldo, nenhum outro
padre entrava em nossa casa... Meu pai sempre dizia na mesa de
jantar: Filho meu pode tudo, menos vestir saia! Isso tinha
duplo sentido: ser homossexual e ser padre...
E voc continuou na JEC?
Exatamente... Um dia, fui escolhido
para ser um dos dirigentes da JEC nacional no Rio... Era uma
equipe. Eu tinha apenas 17 anos. Por causa disso, houve uma briga
muito grande l em casa... Eu tinha resolvido ir morar no Rio e
meu pai falou: Voc vai, mas eu no te dou dinheiro, no! No
te sustento l! Negcio de Igreja eu sou contra. Os padres que
te sustentem! Nessa poca meu pai era contra tudo o que eu
fazia... Hoje ele est completamente diferente... Fico
impressionado com a capacidade que ele teve de se adaptar, se
renovar com uma certa idade... Ele era anticlerical, hoje
Leonardo Boff... Ele era de extrema direita, hoje contra o
neoliberalismo...
O ano: 1962. Com 18 anos e contra a
vontade do pai, Frei Betto vai para o Rio ser dirigente nacional
da JEC e depois dirigente nacional da Ao Catlica. Durante trs
anos, mora num pequeno apartamento que serve de base para receber
o pessoal que vai de Minas para o Rio. No raro ele chegar em
casa e encontrar dez sujeitos espalhados pelo tapete da sala.
Alguns boa-praa, outros folgados, uns famintos, outros nem
tanto. Boror dos folgados. Certa manh, Betinho, irmo do
Henfil, acorda e vai ao banheiro. Encontra Boror escovando os
dentes com a sua escova. Betinho abre os braos: P, Boror,
com a minha escova? E Boror, com a boca cheia de dentifrcio:
Qual o problema, Betinho? Eu no tenho preconceito... A
Betinho no resta seno rir da situao e esperar sua vez de
usar a prpria escova.
As histrias vo se sucedendo,
num misto de sonho, utopia, destino, solidariedade. Frei Betto
divide suas obrigaes de dirigente com os estudos, noite. D.
Maria, a santa empregada, ajuda como pode aqueles meninos, seus
meninos. A dureza tanta que ela gasta todo o seu salrio
comprando comida para seus patres. Uma dessas noites de
apartamento lotado, Frei Betto chega faminto da escola e vai
direto ao fogo pegar seu prato de comida que d. Maria deixava,
religiosamente, para ele. Abre o forno e encontra o prato vazio
com um bilhete grudado no resto de feijo: Irmo, cheguei com
fome, comi a metade. Como a fome era muita, comi a outra metade.
Desculpe. Madureira.
Durante esses trs anos, Frei
Betto percorre o Brasil inteiro, articulando a JEC, fazendo
palestras, incentivando a criao de novos ncleos. At que
chega 1964. No dia do golpe, ele est em Belm do Par,
participando de um encontro latino-americano de estudantes.
Hospedado na casa do arcebispo de Belm, Frei Betto acompanha o
noticirio. Na televiso, surge a figura do seu anfitrio,
agradecendo a N. S. Aparecida e a Deus pelo golpe que salvou o
Brasil do comunismo. No-satisfeito, o arcebispo ainda apresenta
uma lista completa dos padres que deveriam ser presos porque eram
comunistas ou suspeitos. Frei Betto est petrificado na poltrona.
D. Milton, o bispo auxiliar, chama
Frei Betto e o aconselha a sair j dali. Ele se muda para a casa
de um militante da JEC e no dia seguinte vai para o aeroporto. Sua
agem recusada: Ela no vale... Todas as agens
cedidas pelo poder executivo anterior esto canceladas..., diz
a moa da Varig. Frei Betto entra em pnico, um pnico que
desperta a lucidez da salvao. Ele rasga a capa da agem com
o carimbo de cancelada, entra em outra fila, apresenta a agem
para outra moa e pede que ela o mande para o Rio, via Recife.
Como por milagre, consegue embarcar. Em Recife, participa da posse
de d. Hlder Cmara e na manh seguinte segue para o Rio, em
companhia de d. Cndido, bispo responsvel pela Ao Catlica.
No aeroporto Santos Dumont, o
comandante do avio avisa que a Polcia Federal vai entrar para
revistar os ageiros. Frei Betto, cheio de papis e documentos
sigilosos, pergunta a d. Cndido: O senhor pode guardar estes
documentos para mim? Ele concorda e enfia a papelada dentro da
batina. A polcia entra, percorre o corredor, olha para d. Cndido
e diz: O padre pode sair... Ele sai com os papis. Frei
Betto revistado da cabea aos ps e depois liberado. Est
limpo como um beb Johnson.
Seis de junho de 1964, noite alta.
Frei Betto dorme junto com outros cinco, distribudos em trs
beliches que ocupam todo o quarto. s quatro da manh, Frei
Betto acorda com gritos pela casa e um cano de metralhadora
pressionando sua cabea. s um pesadelo, ele pensa e
vira para o lado. O cano bate com fora em sua nuca. Ele abre os
olhos e se levanta, tremendo dentro do pijama. Dali, so levados
para o Cenimar e depois para o quartel da ilha de Villegagnon.
Finalmente so despejados no aeroporto Santos Dumont. Um roteiro
para o inferno. So todos torturados. Os policiais esto
convencidos de que Frei Betto o Betinho. A ligao
natural: Beto, Belo Horizonte, JEC. Frei Betto e seus amigos ficam
presos alguns dias no quartel dos fuzileiros navais. Graas
interferncia da Igreja, so colocados em liberdade.
Frei Betto sorri. Hoje, para ele, o
episdio apenas mais uma matria de memria, uma ferida j
cicatrizada, algo do qual se lembra como uma piada ruim:
Betinho me agradeceu a vida toda por eu ter apanhado no lugar
dele. Eu no podia levar aquelas porradas, porque sou hemoflico.
Eu podia morrer, Beto. Voc salvou a minha vida...
Com o apartamento fechado, a polcia
de olho, o que voc fez?
Voltei para a faculdade, mas a vocao
estava cada vez mais forte... Eu tinha a sensao de que no
poderia chegar aos 40 achando que no tive coragem de assumir o
que Deus havia preparado para mim. E pensava: vou entrar para os
dominicanos e depois eu saio. Sou jovem, tenho a vida inteira pela
frente. Fao a experincia, vejo que no isso e saio...
Simples assim... Foi o que fiz. Em 65, decidi entrar para os
dominicanos e voltei para Belo Horizonte.
Para entrar, havia algum teste,
alguma entrevista?
Tinha uma seleo sim. Para ser
dominicano, preciso estar na faculdade ou ser formado. Os
dominicanos investem na qualidade e no na quantidade. Ns
sempre fomos uma ordem pequena, nunca fomos mais de 100 no Brasil.
E fiz o noviciado... O noviciado um tempo em que voc conhece
e conhecido... um perodo de observao mtua. Esse foi
o ano mais feliz da minha vida... Ficava trancado, lendo, orando e
cuidando da horta... Uma experincia fantstica...
Frei Betto, nada to
simples! Voc no sofreu? No sentiu essa mudana brusca?
A que entra o lado complicado.
Trs meses depois, eu perdi a f, deu um branco geral... Comecei
a duvidar das coisas, a achar que tudo aquilo era um grande
teatro... Ento, fui conversar com o frei Martinho, revelar o que
eu estava sentindo. Frei Martinho me olhou dentro dos olhos e
disse: Betto, se voc estivesse caminhando noite pela
floresta e a pilha da sua lanterna acabasse, voc continuaria
andando ou esperaria amanhecer? Eu respondi: Esperaria
amanhecer. Ele tocou meus ombros e me deu Santa Teresa de vila
para ler... Fiquei sete meses na noite escura, esperando
amanhecer.
A gente sabe que voc adora a
Santa Teresa de vila. O que voc leu dela que lhe tocou to
profundamente?
Realmente, sou apaixonado por ela.
Eu s no me casei porque no encontrei uma mulher melhor do
que ela. Na hora que eu encontrar, eu caso. Ela foi a nica
mulher que me virou do avesso... Li sua autobiografia, Livro da
Vida, depois li As Moradas... impressionante a santa
paixo dessa mulher por Deus. Nunca algum experimentou o amor
como essa mulher... muito forte, muito visceral... S lendo
para entender... Uma figura fascinante...
J que voc tocou no assunto,
e as mulheres?
As mulheres sempre aconteceram na
minha vida... Era inevitvel... S no me casei porque as
mulheres que me interessaram no se interessaram por mim e as que
se interessaram por mim, eu no me interessei por elas... Nunca
senti saudade da famlia que eu no tive... Gosto dessa independncia,
de viver assim, celibatrio. E apesar sozinho, me sinto muito
amado, tenho amigos no Brasil todo... Onde eu chego, sou bem
recebido...
Voltando a Santa Teresa de vila,
fale trs motivos da sua paixo por ela.
Ela era uma feminista, avant la
lettre, comea por a. Naquela poca s era possvel ser
feminista no convento, que era o nico espao de liberdade que a
mulher tinha... Em qualquer outro espao, ela estava submetida
autoridade do homem... Segundo, ela descobriu e desvendou a
subjetividade humana de tal maneira que chegou a pirar Freud,
Jung, todo mundo. Ela foi mais fundo do que qualquer outra pessoa
que conheo. E terceiro, ela arranca Deus do cu e O coloca no
centro do corao humano. Quando ela diz Eu sou a morada de
Deus, ela quer dizer que Deus mais ntimo de ns do que ns
de ns mesmos... Graas a Santa Teresa de vila, depois de sete
meses na escurido, tive a minha primeira experincia de Deus,
minha primeira experincia mstica... E isso me marcou
profundamente...
Como ter uma experincia mstica?
possvel falar disso?
como voc estar em permanente
estado de paixo, com uma diferena: na paixo humana, o objeto
do amor est fora e na paixo mstica, o objeto do amor est
dentro. Muda o conceito de tempo, voc sente uma euforia interna
maravilhosa e no sente necessidade de mais nada... Tudo suprfluo,
relativo... A experincia mstica um estado de absoluto...
E quanto tempo voc ficou nesse
convento em Belo Horizonte?
Fiquei um ano. Em 66, fui para So
Paulo, estudar filosofia e trabalhar como jornalista... Os
dominicanos sempre foram pobres no Brasil, nunca tiveram colgios,
editoras, bens... O nosso trabalho que sustentava a Ordem... E
eu tive a graa de comear a trabalhar onde a maioria das
pessoas pensava em terminar sua carreira: na revista
Realidade.
Mas, como foi que isso
aconteceu?
Eu explico... Sabem quem inventou a
imprensa nanica no Brasil? Foram os dominicanos, com um jornal
chamado Brasil Urgente, feito pelo frei Carlos de Josaf,
junto com o Roberto Freire e outros... Eles viviam no convento,
por causa do jornal e acabamos amigos... Ento, quando o Roberto
foi para a Realidade, eu arrumei emprego l... Depois, fui
chamado para refundar a Folha da Tarde, que hoje no tem
expresso alguma, mas at o AI-5 era muito sria, progressista
e apoiava a luta contra a ditadura... Era uma vida muito louca. Eu
estudava filosofia nos dominicanos, morava no convento e
trabalhava oito horas por dia no jornal. Fazia de tudo: de reprter
de polcia a variedades... Aos 23 anos, virei chefe de reportagem
do jornal. Aqui, entra o mais engraado... No-satisfeito com a
loucura da minha vida, conheci o Jos Celso Martinez Corra...
Ele me disse que estava pensando em montar uma pea do Oswald de
Andrade e precisava de algum que fizesse uma pesquisa sobre o
Brasil dos anos 20, 30... Perguntou se eu topava. Claro que topei!
Resumo: virei assistente de direo de O Rei da Vela.
E a sua experincia com teatro?
Parou no Rei da Vela?
Fiz algumas direes para teatro
amador. Mas isso mexeu muito comigo... Eu sabia que teatro era
incompatvel com a vida religiosa, porque tambm um sacerdcio...
Voc tem que entrar de cabea, ficar por conta o dia inteiro,
respirar teatro, ler teatro, viver teatro... Isso mexeu com a
minha cabea. Foi um momento de crise muito forte... A orao
que me sustentou, me deu foras para resistir. Nesse meio
tempo, eu j estava entrando na subverso.
Em 67, Frei Betto conhece Mariguela.
O acaso, pai de todas as coincidncias, fortunas e infortnios,
se incumbe de cruzar os caminhos de Mariguela e dos dominicanos.
No campus da USP, frei Osvaldo, que acabara de voltar para o
Brasil, conhece uma pessoa muito prxima do Mariguela, e juntos,
am a freqentar o convento. Ali, Mariguela se sente bem,
gosta do jeito como os dominicanos vem o mundo, a vida e a poltica
social. A relao se aprofunda. Ao mesmo tempo, Frei Betto
conquista um setor do jornal para a subverso. Comeam a sair
notcias em primeira mo, furos de reportagem, entrevistas
exclusivas com Wladimir Palmeira, repercusso de assaltos a
banco. Na verdade, tudo isso s era possvel porque Frei Betto
havia armado um esquema no jornal, que era o nico a saber o que
ia acontecer.
Em dezembro de 68, com o AI-5,
todos so demitidos do jornal. Mariguela prope a Frei Betto
montar um esquema no Rio Grande do Sul para fuga ou sada de
companheiros queimados, perseguidos, procurados. Em janeiro de 69,
Frei Betto desembarca em So Leopoldo, uma pequena cidade, ou
melhor, uma grande fazenda, para estudar teologia no convento de
jesutas, porque no havia dominicanos por l. Mal sabiam os
frades que Frei Betto estava, anglica e discretamente,
monitorando uma alta subverso. At que ocorre o seqestro do
embaixador americano e tudo deixa de ser discreto. O Brasil estava
em armas, beira de uma guerra civil.
Frei Betto respira. Juntar os cacos
da histria dos vencidos no fcil. Frustraes, perdas,
se misturam a interminveis interrogaes. At outubro de 69,
havia um enfrentamento possvel. De um lado, tticas de
guerrilha, ataques-relmpagos, clandestinidade, disfarces, clulas
que se multiplicavam dificultando o reconhecimento. De outro, o
poder de fogo e o poder, legal e ilegal, dos militares, a tortura,
o terror, as ameaas. O fim da resistncia comea a se desenhar
com a priso dos primeiros dominicanos no Rio de Janeiro, no dia
primeiro de novembro de 69. No dia quatro, Mariguela
assassinado em So Paulo, numa emboscada. O cerco da represso
ao movimento subversivo se fecha cada vez mais, como corda em
pescoo de enforcado. Frei Betto foge pelos fundos do convento e
chega a Porto Alegre. Procurei um padre, amigo meu, que me
levou para um stio de um sujeito importante, uma famlia riqussima.
S que o filho do sujeito foi l no stio, me viu, voltou
noite e me disse: Eu sei quem voc . Vi seu retrato no Jornal
Nacional.
Aqui, Frei Betto se debate com uma
sensao de fatalidade da qual vai tentar escapar. No por
medo, porque a perspectiva da morte no o amedronta. O sentimento
de que intil esboar qualquer reao que o deixa sem
foras. O rapaz volta no dia seguinte e diz: Olha, o stio
est queimado, eu sou universitrio, vou te levar para um lugar
seguro, para a minha casa em Porto Alegre e, l, uma pessoa vai
arrumar outro lugar para voc.
Frei Betto pressente que uma
cilada, mas como se o amor ao perigo o houvesse conquistado. A
vida feita de pequenos detalhes que desenham o todo, como uma
colcha de retalhos: Houve um momento em que ele parou o carro
para comprar cigarro e eu tive oportunidade de fugir. Mas estava
chovendo e eu tenho horror a chuva. Se no estivesse chovendo, eu
teria aberto a porta do carro e ido embora, tranqilamente. Eu
tinha dinheiro, aporte, tudo... Mas fiquei ali, olhando a
chuva batendo no vidro do carro...
Frei Betto dorme a sua noite da
traio. Pela manh, l pelas sete horas, um jipe do exrcito
chega em casa, bate porta, o rapaz abre e aponta o quarto. Frei
Betto arrastado preso e no porto, cruza com o jovem Judas que
treme como se a traio enregelasse seus ossos. Apesar de
tudo, muito obrigado, a voz de Frei Betto soa como chicotadas
na cara do traidor.
Voc foi preso em Porto Alegre
e ficou por l?
No... fui preso e condenado a
quatro anos de priso... Tinha juiz pedindo 15 anos de pena...
Mas a maioria votou por quatro. Desses quatro anos, dois eu ei
com presos polticos e dois com presos comuns... De novo, o que
me sustentou foi a orao... E pela segunda vez, tive uma experincia
mstica... A tambm comea a minha vida literria... No
que eu escrevesse livros... Eu escrevia cartas que foram reunidas
em livro, Cartas da Priso... A primeira edio desse
livro italiana. Depois, o nio Silveira montou um esquema e
lanou o livro no Brasil... Os trs mil exemplares se esgotaram
em nove dias...
Quando voc sai da priso, em
1974, voc foi para onde?
Quando eu fui solto, houve muita
presso da polcia e da famlia para eu sair do pas... Como
frade dominicano, eu poderia ir para qualquer lugar do mundo,
porque tem convento em Los Angeles, Melbourne, Paris... Mas eu s
tinha uma convico: no queria sair do Brasil. Na minha cabea
s cabia uma idia: a de que eu s poderia ajudar a mudar o
Brasil estando no Brasil. Ento fui morar em Vitria numa favela
no Morro de Santa Maria... Num barraco de madeira caindo aos pedaos
e que transformamos num simptico barraco cinco estrelas... Vou
dizer uma coisa: nunca vi tanta sujeira e tanto bicho em minha
vida... Rato, barata, pulga... Era tanta pulga que dava para
montar um circo! Tivemos que pr fogo no barraco, botar tudo
abaixo... Fiquei cinco anos em Vitria, ajudando a fundar as
comunidades eclesiais de base...
E o que voc fazia para viver,
sobreviver?
Bem, eu precisava fazer alguma
coisa para viver, claro! A pastoral no d dinheiro para ningum...
Ento, comecei a escrever e a publicar, na Civilizao
Brasileira, na Vozes tambm, e o a viver de direitos
autorais... Como no tenho famlia, meu custo de vida muito
baixo. O que ganhava, dava perfeitamente para o gasto l do
barraco... Com o trabalho das comunidades de base, acabei rodando
o Brasil todo... Viajando e escrevendo...
Quer dizer que voc nunca parou
o seu trabalho poltico?
Nunca!... Sou um ser religioso, por
isso sou poltico... Os cinco anos se am, chega 79 e eu comeo
a acompanhar o movimento operrio de So Paulo, os padres da
comunidade de base da Nicargua, conheo Ernesto Cardenal...
Comea um novo perodo na minha vida... Saio de Vitria e volto
para So Paulo... Estava encantado com aquele movimento operrio...
Acabo me tornando assessor da Pastoral do ABC, funo que cumpro
at hoje... ei a integrar o trabalho de educao popular em
So Paulo e fiquei muito ligado ao Paulo Freire, com quem tenho
um livro comum... ei a dar assessoria Nicargua
sandinista, na questo do marxismo e cristianismo... Isso abre um
campo totalmente novo para mim... Comeo a me enfronhar no
movimento sindical, participo da fundao da CUT, do PT... Fiz
viagens constantes para a Nicargua e, numa delas, acabei
conhecendo Fidel Castro... A gente ficou conversando madrugada
adentro... Na verdade, ei a noite toda falando e questionando
a relao Igreja-Estado em Cuba... Ento, ele me fez uma
proposta de ajudar nessa relao e eu ei dez, onze anos
fazendo esse trabalho... nesse meio tempo que escrevi e
publiquei Fidel e a Religio... Foi uma exploso... o
meu livro mais vendido... A partir dessa experincia em Cuba, fui
convidado a fazer o mesmo trabalho em outros pases
socialistas...
O que voc acha que no deu
certo na experincia socialista?
De alguma maneira, todos pecaram
pelo mesmo erro: tentar construir uma casa nova com material
velho... No se trabalhou a subjetividade humana... O esquema de
poder do partido comunista da Unio Sovitica era idntico ao
do czar... O czar tinha a carruagem, o Kremlin tinha a
gaivota, uma limusine que parecia um apart-hotel sobre
rodas... O socialismo caiu porque equacionou o problema da fome
mas no resolveu o problema da subjetividade...
Voc ainda acredita no
socialismo?
Eu continuo socialista... Mas no
quero reproduzir nenhum dos modelos que caram... Tampouco o
cubano, que eu respeito, defendo e sou solidrio... Olha, eu no
vejo sada para a humanidade fora da distribuio de renda, da
partilha de bens... Com a acumulao e a desigualdade, eu no
vejo como se pode criar uma humanidade...
Onde a experincia socialista
melhor sucedida no mundo?
Vou dizer uma coisa curiosa: a
experincia socialista mais bem-sucedida a do convento... Eu
sempre digo que acho estranho um religioso no ser favorvel ao
socialismo, j que ele prprio vive numa microssociedade
socialista, onde todos tm tudo e ningum tem o suprfluo... Eu
costumo dizer que o capitalismo tem uma vantagem perversa de
privatizar os bens materiais e socializar o sonho... O cara mora
na favela e acredita que aquela manso da novela um dia pode ser
dele... O socialismo cometeu o mesmo erro ao fazer o inverso:
socializou os bens materiais e privatizou o sonho... S o partido
podia sonhar... As pessoas no tinham sonhos, no podiam
sonhar...
Em algum momento, voc percebeu
que o modelo socialista vivel?
A revoluo cubana tem grandes
erros, na sua maioria, provocados pelo bloqueio americano, que
brutal... Veja bem, Cuba um pas pequeno, no tem nem rio. L
s d fim de sobremesa: tabaco, licor, acar, rum... E, no
entanto, o pas o segundo lugar nos Jogos Pan-Americanos...
Quer dizer, alguma coisa acontece l... No por medo de ser
fuzilado que o cubano ganha medalhas, no! porque l existem
80 escolas primrias para 80 modalidades diferentes de
excepcionais! Est l no Evangelho: O dom maior de Deus a
vida. Ento, do ponto de vista evanglico, as pessoas, l, tm
direito vida... muito fcil algum falar em liberdade,
quando ele e poucos so livres. Mas que liberdade essa de que
se fala no Brasil? O povo livre para morar, mas no tem onde
morar? livre para ter sade, mas no tem sistema social de sade...
Essa liberdade virtual para mim no est com nada... L em
Cuba, pelo menos, o cubano tem os trs direitos fundamentais:
alimentao, sade e educao... Se os seis bilhes de seres
humanos tivessem essas trs coisas, seria um milagre... O mundo
seria outro...
Aqui, Frei Betto se revela um entre
tantos homens que se debatem s portas do cu e do inferno, da
glria e do fracasso, entre a seduo do vcio e as agruras da
virtude, entre Deus e Diabo numa terra assolada, desolada pela
crueldade e no pela bem-aventurana, sangrada pela escassez e no
banhada pela abundncia. A procisso dos miserveis, dos excludos,
dos abandonados que se apegam f como a uma balsa do
desespero, e que se entregam ao Diabo por uma bolsa de po, monta
um quadro no qual Deus parece estar ausente.
Mas no para Frei Betto. Esse
mundo responsabilidade dos homens, no de Deus. Seu raciocnio
como uma tese cientfica a provar a existncia da divindade:
Cabe aos homens mudar essa realidade. S assim vo se
aproximar novamente de Deus. Lana sobre os mistrios da
religio uma luz to forte que chega a nos cegar. Para ele, ser
casto no condio para se atingir a revelao, mas um
corao puro, sim. Seus olhos se fecham como para encontrar a
imagem de Deus, quando diz que a Teologia da Libertao surge
para se contrapor Teologia da Servido, que pregava o Sagrado
Corao de Jesus aos ricos, para que abrissem seus cofres s
obras da Igreja, e aos pobres pregava o Jesus crucificado, para
que no se rebelassem contra a opresso.
Para a Teologia da Libertao, a
vida um dom de Deus e, portanto, para ser vivida em sua
plenitude na Terra. E a voz de Frei Betto provoca em ns um
estado de xtase quando diz que quanto mais humanos formos, mais
prximos da divindade estaremos: Humano assim, como Jesus foi,
s podia ser Deus mesmo.
E onde voc arruma tempo para
escrever?
Realmente, eu tenho uma atividade
muito grande, mas, como vital para mim escrever, eu criei
alguns mecanismos. Eu o 120 dias do ano, um tero do ano, s
para escrever... Claro que no so quatro meses seguidos... Como
eu sou muito disciplinado, eu consigo... Ento, vou para a casa
de um irmo, para casa de uma freira, para um stio. Eu
realmente desapareo... Como eu tambm gosto de cozinhar, eu
consigo ficar sozinho e, a, eu trabalho muito, numa boa...
Quantos livros voc j
publicou?
Ao todo, 41... No sou nenhum
best-seller mas d para viver de direitos autorais. Atualmente,
tenho um romance, editado pela coleo Sinal Aberto, da tica,
chamado Alucinado Som de Tuba, que o meu livro mais
vendido. E tenho um didtico, de OSPB, chamado Introduo
Poltica Brasileira, que j vendeu 800 mil exemplares...
Quando voc se despiu do
jornalista para se vestir de escritor?
Quando ousei partir para a fico...
Escrevi um livro de contos, que se chamava A Vida Suspeita,
mas que mudei para O Aqurio Negro... Depois fiz meu
primeiro romance, Dia de Gelo... A, vieram vrios textos
infanto-juvenis...
E o seu romance Entre Todos
os Homens? Como surgiu a idia?
Alguns amigos me diziam que liam os
Evangelhos e no entendiam, achavam confuso... Ento resolvi
fazer um romance baseado nos Evangelhos... Levei seis anos para
escrever. Li tudo de importante sobre a Palestina do sculo 1.
Depois fui at l pesquisar. Rodei aquilo tudo, andei por onde
Jesus andou e preenchi o resto com a imaginao... Acho que
consegui mostrar uma imagem mais humana de Jesus... O livro j
foi traduzido em Cuba e na Itlia... Aqui, j est na sexta edio.
Vamos falar do seu novo romance,
Hotel Brasil?
Na verdade, l se vo nove anos,
desde que comecei a pensar o projeto, a traar a trama...
Hotel Brasil pura fico... Um livro de suspense, com
ingredientes sociais... Um romance policial... Quando eu comecei a
escrever, eu sabia que haveria um crime e sabia dos sinais que ele
no deixaria... Um crime sem qualquer evidncia de violncia...
Isso eu tinha claro, s no sabia como resolver o problema...
Hotel Brasil um hotel de quinta categoria na Lapa, no Rio de
Janeiro. Um hotel de prostitutas, travesti, jornalista
esculhambado, assessor de poltico decadente... O interessante do
livro que quando o leitor acha que tudo est resolvido, a histria
toma outro rumo, outra vertente...
Hotel Brasil pode ser
visto como uma metfora do Brasil?
Quando eu escrevo uma fico
dessas, eu no estou pensando em mensagem alguma... Agora, todo
escritor escreve a partir de suas experincias de vida, a partir
das coisas que conhece... O submundo que est no livro, eu conheo
intimamente. A prpria editora percebeu que o livro um
caleidoscpio do Brasil... Agora, se uma metfora do pas, s
os leitores vo poder dizer.
E voc j tem outro livro no
gatilho?
Quero resgatar a histria da Minas
colonial, como romance... Sem compromisso com a historiografia...
Quero os personagens dessa Minas fantstica, onde foram feitas
oito expedies em busca da serra das Esmeraldas, que nunca
existiu.Isso ou no uma loucura?
A arte pode mudar o mundo?
Eu digo que a arte humaniza. Muda
certas pessoas que, por sua vez, mudam o mundo. Mas no nos
iludamos. Hitler era pintor e irava Wagner. Por isso, deve
haver uma conjugao, uma comunho entre texto -o lido-,
contexto -a pertir do qual se l-, e pretexto -os efeitos em
nossa sensibilidade e, portanto, na vida.
Hotel Brasil
romance indito - fragmento
O assalto
Ao ar, a viatura piscou os faris.
Soslaio conferiu a hora: 3h35min da madrugada. Barra limpa.
gil como um gato, saltou da rvore
para o muro. Na casa vizinha, um cachorro latiu para a lua,
paralisando-o. Manteve-se deitado, o rosto afilado espremido na
cal. Puxou do bolso a latinha e deu outra cheirada na cola.
Arrastou-se, esfolando os braos no cimento spero. Ficou de ccoras
e calculou intuitivamente a fora do impulso pela distncia
entre o muro e a varanda. Pulou decidido.
Com o p-de-cabra, abriu uma
brecha na porta de madeira treliada e destrancou-a.
Ingressou furtivo. Seus olhos
comiam a escurido, tentavam adivinhar contornos, ansiavam por
ampliar o campo de viso. Esbarrou num mvel, apalpou-o, sentiu
os dedos tocarem em vinil e vidro. Um televisor. Muito pesado. Ao
lado, uma pequena estante. Puxou as gavetas e acendeu um fsforo:
papis, um jogo de damas, fitas cassetes.
Tirou a sacola que trouxera colada
ao umbigo e abriu-a. Apanhou algumas fitas. Avanou na direo
da porta e esbarrou num pufe. Trincou os dentes numa reao
instintiva de quem espera abafar o rudo, retesou o corpo, fechou
os punhos.
No alto da escada, um vitral
refletia a luz esmaecida projetada pelo poste da rua.
Introduziu-se pela nica porta aberta - o banheiro. Aspirou o
perfume de sabonete. Junto pia, ao lado de escovas de dente, um
relgio de pulso.
Desceu a escada e, na sala,
recolheu castiais de prata, um relgio de mesa, um gravador e
uma escultura em acrlico. Lamentou no ter como levar o
aparelho de som.
Deixou a casa pelo mesmo caminho
que entrara.
Trs quadras acima, examinou as peas
sob a luz da marquise de uma farmcia fechada. O relgio de
pulso era um Rolex. Refluiu a barriga e escondeu-o dentro da
sunga. A viatura apontou na esquina.
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