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A
Indivisibilidade dos Direitos Humanos
Flvia
Piovesan
O
que so Direitos Humanos? Esta indagao remete a inmeras respostas possveis,
que buscam privilegiar os mais diversos valores, como a igualdade a liberdade,
a solidariedade ou a felicidade humana. Caminhando pela histria, percebe-se
que as denominadas modernas Declaraes de Direitos ( a Declarao
americana de 1776 e a Declarao sa de 1789) consagravam um discurso
liberal da cidadania, marcado pelo valor da liberdade, com supremacia dos
direitos civis e polticos e a ausncia de previso de qualquer direito
social, econmico ou cultural. J a Declarao do Povo Trabalhador e
Explorado da ento URSS, de 1817, ao contrrio, consagrou a tica social,
marcada pelo valor da igualdade material, como forma de combater a opresso e
a explorao econmica. Observe-se, assim, o quo dicotmica era a gramtica
dos Direitos Humanos, divorciando os valores da liberdade e da igualdade.
Foi
a Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 que introduziu,
ineditamente, uma linguagem renovada aos Direitos Humanos. Pela primeira vez,
o catlogo dos direitos civis e polticos conjugado ao elenco dos
direitos sociais, econmicos e culturais. A Declarao afirma que sem
liberdade no h igualdade possvel e, por sua vez, sem igualdade, no h
efetiva liberdade. Consolida a concepo contempornea de Direitos Humanos
de Direitos Humanos, que estabelece a natureza indivisvel, interralacionada
e interdependente desses direitos. A tensa dicotomia do ado busca ser
superada. Alm desta inovao, a Declarao enfatiza o alcance universal
dos Direitos Humanos que devem ser observados independentemente da diversidade
cultural, poltica, econmica, religiosa de cada sociedade. A Declarao
Universal, ao traduzir a mais significativa expresso do movimento
internacional dos direitos humanos, representar o amplo consenso alcanado
acerca dos requisitos minimamente necessrios para uma vida com dignidade. H
que se ressaltar que a Declarao nasce em 1948, como resposta s
atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Como resposta barbrie
do totalitarismo, que levou descartabilidade da pessoa humana, a Declarao
busca reconstruir o valor dos Direitos Humanos, como paradigma e referencial
tico a reger a ordem internacional. A crena de que a proteo dos
Direitos Humanos no deveria se reduzir ao domnio reservado do Estado,
implicou no apenas no processo de flexibilizao do antigo conceito de
soberania, como tambm na idia de que o indivduo deve ter direitos
protegidos na esfera internacional na condio de sujeito de direito.
Os
importantes avanos enunciados pela Declarao Universal, h quase
cinquenta anos foram reiterados na Conferncia Mundial de Viena de 1993. A
Declarao de Direitos Humanos de Viena afirma, no 5o pargrafo,
que "todos os direitos humanos so universais e interrelacionados
" trat-los globalmente, de forma justa e equitativa, em p de
igualdade e com a mesma nfase." Viena
reala, deste modo, o alcance
universal dos Direitos Humanos, bem como a sua natureza indivisvel e
interdependente.
Ressalte-se
que o Brasil subscreveu ambas as Declaraes, incorporando na Constituio
de 1988 a universalidade e a indivisibilidade dos Direitos Humanos. Deste
modo, a concepo de cidadania vem a ser alargada e redimensionada. Fundada
no valor da dignidade humana, a cidadania significa igualdade no exerccio
dos direitos fundamentais, sejam eles civis e polticos, como direitos
sociais, econmicos e culturais. Isto implica, por sua vez, na
responsabilidade dos agentes sociais e se orientam pela lgica democrtica e
humanista consagrada nos instrumentos internacionais de proteo dos
Direitos Humanos e reforada pela Carta constitucional de 1988.
Considerando
as marcas da realidade brasileira (que lanam o Brasil na posio mais
desigual do mundo, como tambm um dos mais violentos) e tendo em vista a onda
do "neoliberalismo econmico", que simboliza a perigosa tendncia
de esvaziamento dos direitos sociais, urgente clamar pela indivisibilidade
e universalidade dos Direitos Humanos. A onda neo-liberal, fruto do processo
de globalizao econmica, pode levar internacionalizao da misria,
mediante a negao de relevantes direitos sociais, econmicos e culturais.
Atravs deste processo, estaria rompido a indivisibilidade dos Direitos
Humanos e, consequentemente, violado o prprio valor da prevalncia dos
Direitos Humanos no h democracia possvel. Por isso, mais do que nunca,
hora de resgatar a indivisibilidade de nossos direitos.
Flvia Piovesan, Procuradora do Estado, coordenadora do Grupo de
Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo,
professora de Direitos Humanos e de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da PUC/SP, doutora em Direito Constitucional.
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