2t6f4f 
PRTICA
DA EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS.
Antonio
Carlos Ribeiro Fester[i]
1.
Algumas reflexes iniciais
2.
Histrico
3.
A Rede Brasileira de Educao em Direitos Humanos
4.
Contedos especficos da educao em direitos humanos
5.
Principais dificuldades
6.
Metodologia da Interdisciplinaridade
7.
Processo de construo coletiva da interdisciplinaridade :
8.
Sugestes
9.
O Professor
10
Dos resultados, at
agora
1.
Algumas reflexes iniciais.
Parece-me
que educao em direitos humanos uma expresso mais
abrangente e libertadora do que cidadania. Esta, como muitos
autores j mencionaram, um status- quo outorgado e retirado
(especialmente durante as ditaduras) pela classe dominante
sociedade em geral, de carter censitrio e machista[ii].
Cidadania termo manipulvel, inclusive do ponto de vista ideolgico.[iii]
Desde
os escritos bblicos e da patrstica, da Grcia e Roma antigas
at Rousseau, e deste at Paulo Freire e outros j
encontramos o que poderamos chamar de prticas de e em
educao em Direitos Humanos. A Histria, a histria dos
direitos humanos, a histria da educao e a histria da educao
em direitos humanos um processo, um processo que veio se
construindo e se concretizando atravs de teorias e experincias
que, articulando princpios e metodologias, constituram as prticas
atuais
O
dilogo a principal prtica da educao em direitos
humanos, no meu entender, mas dilogos entre sujeitos e no
entre sujeitos e objetos, seja entre as pessoas, grupos ou naes.[iv]
A
humanizao o seu principal objetivo. Humanizao, define
Antonio Candido, o
processo que confirma no homem aqueles traos que reputamos
essenciais, como o exerccio da reflexo, a aquisio do
saber, a boa disposio para com o prximo, o afinamento das
emoes, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso
da beleza, a percepo da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor[v]
2.
Histrico
O
Projeto Educao em Direitos Humanos da Comisso Justia e Paz
de So Paulo (CJP-SP) teve incio com duas reunies, em 1987,
em Recife e Petrpolis, de membros da Comisso com professores
das Universidades Catlicas do Rio de Janeiro, da Paraba, de
Pernambuco, e com representantes do Instituto Interamericano de
Direitos Humanos, sediado em So Jos da Costa Rica. Destas
reunies, entre outros frutos[vi],
resultou o Seminrio Internacional sobre Educao em Direitos
Humanos, que realizou-se em So Paulo, no ano seguinte. O Projeto
baseava-se nas idias de Paulo Freire e da Teologia da Libertao.[vii]
Para fins de sensibilizao do grande pblico,
organizamos trs ciclos de Palestras sobre Direitos Humanos[viii].
Especificamente
para professores, a Comisso promoveu, no perodo de agosto a
outubro de 1988, curso para professores e diretores da rede
estadual de ensino, em So Paulo, na FDE-Fundao para o
Desenvolvimento da Educao. Deste curso, resultou um projeto da
DRE-5 Leste, regio de Mogi das Cruzes, que veio a desenvolver o
trabalho em 48 escolas-piloto da regio, com resultados
significativos. De maio a junho de 1989, a Comisso ofereceu um
curso para a 19 Delegacia de Ensino, regio de Campo Limpo, na
capital de So Paulo.
2.1.O
Projeto na Secretaria de Educao do Municpio de So Paulo.
Tendo
Paulo Freire assumido a Secretaria Municipal da Educao, em
janeiro de 1989, nada mais natural do que a Comisso firmar um
termo de cooperao tcnica, uma vez que aquela istrao
comprometeu-se na construo de uma educao pblica popular
que tivesse como marca principal a educao como prtica de
liberdade.
A
concretizao desta educao exigiu repensar o currculo. E a
nova proposta curricular no seria imposta autoritariamente,
respeitando o trabalho educacional digno, mesmo se divergente, que
estivesse sendo conduzido; construindo-se gradativamente a partir
de experincias criticamente avaliadas em escolas-piloto e,
majoritariamente por atuao voluntria de setores da rede
escolar.
Os
eixos bsicos da reorientao curricular, na Secretaria
Municipal da Educao-SME, foram a construo coletiva; o
respeito ao princpio de autonomia da escola; a valorizao da
unidade teoria-prtica que se traduz na ao-reflexo-ao
sobre experincias curriculares; e a capacitao permanente dos
profissionais de ensino. Para tanto, criaram-se colegiados a
diversos nveis, que, por representao, comunicavam-se a nvel
vertical, garantindo a coletividade e efetivao dos trabalhos.
Entre estes colegiados, na qualidade de representante da CJP-SP,
integrei o Grupo de Assessoria Universitria (com professores da
USP, PUCSP e UNICAMP) e o Grupo de Reorientao Curricular pela
via da Interdisciplinaridade (constitudo por representantes das
NAES-Ncleos de Ao Educativa-antigas Delegacias de Ensino),
ora trabalhando em conjunto, ora em separado, a nvel do
Departamento de Orientao Tcnica-DOT, daquela Secretaria, com
reunies semanais de cada grupo, quando no mais.[ix]
Em 1990, dez escolas-piloto envolveram-se no Projeto de
Reorientao Curricular pela via da Interdisciplinaridade; em
1991, mais cem escolas aderiram ao Projeto.
Dentro
do Projeto de Formao Permanente de Professores, a SME-SP e a
CJP-SP oferecemos catorze cursos, alm de palestras avulsas ou
participao em seminrios, mesas-redondas etc. Sete desses
cursos atingiram, por representao, todas as escolas envolvidas
na reorientao curricular pela via da interdisciplinaridade.[x]
Diversos encontros com os alunos-educadores dos cursos foram
realizados para trocas de experincias e acompanhamento dos
trabalhos em andamento junto aos alunos em sala de aula. Um curso
foi oferecido ao pblico em geral na VI Conferncia Brasileira
de Educao-CBE, em 1991. Alguns NAES e algumas escolas
organizaram seus prprios cursos, multiplicando a sensibilizao
dos educadores para a educao em direitos humanos. Diversos
membros e amigos da CJP-SP participaram dos cursos e conferncias
promovidos, tanto pela DOT como pelos NAES.[xi]
Todos
os cursos oferecidos pela CJP-SP possuem trs momentos bsicos e
contaram com palestras de diversos de seus integrantes ou
simpatizantes. O primeiro trata da conceituao e histrico dos
direitos humanos; o segundo, de problemas brasileiros abordados
luz dos direitos humanos; e, o terceiro, da educao em direitos
humanos propriamente dita.
2.2.
O Projeto na Secretaria do Estado da Justia do Paran.
Em
1992 e 1993, trabalho anlogo foi realizado em Curitiba.
Assessorando o Centro Heleno Fragoso de Direitos Humanos e a
Secretaria do Estado da Justia e da Cidadania do Paran, que
desenvolveram o Projeto Educao em Direitos Humanos junto s
escolas estaduais daquele Estado, sempre na qualidade de
representante da CJP-SP, participei de reunies, assessorias e
proferi palestras ou aulas em eventos diversos.[xii]
Em outubro de 1993, diversos membros da CJP-SP participamos
do Congresso Latino-Americano de Direitos Humanos, realizado em
Curitiba pelos promotores do Projeto Educao em Direitos
Humanos daquele Estado. O Congresso contou com a participao de
Luiz Perez Aguirre, jesuita uruguaio com assento na UNESCO pelos
seus trabalhos em educao em direitos humanos. Naquela ocasio,
os relatos e mostra dos trabalhos efetuados em diversas regies
do Paran foram muito gratificantes. Em 1997, recomeamos o
trabalho em Curitiba, mas , agora, no mbito da municipalidade.
3.
A Rede Brasileira de Educao em Direitos Humanos.
Em
abril de 1995, fundou-se na Sede do Projeto Nova Amrica (RJ), a
Rede Brasileira de Educao em Direitos Humanos, sob a coordenao
de Margarida Genevois, filiada Rede Latino-Americana de Educao
em Direitos Humanos e ao CEAAL- Centro de Educao de Adultos
para a Amrica Latina.
Integram
a Rede, por enquanto (pois seu objetivo a expanso), alm dos
educadores da Comisso Justia e Paz de So Paulo, o Projeto
Nova Amrica (RJ), o Centro Heleno Fragoso de Direitos Humanos
(Paran), a Comisso de Justia e Direitos Humanos de Porto
Alegre (RS), o Grupo de Direitos Humanos de Iju (RS) e o Grupo
Regional de Educao em Direitos Humanos de Recife.
Em
Convnio com a Secretaria da Justia e da Defesa da Cidadania do
Estado de So Paulo, a Rede promoveu cursos junto Imprensa
Oficial do Estado, ao Servio Mdico Legal e participou da
organizao de Seminrio sobre o Preconceito, em abril-maio de
1996.[xiii]
Em maio de 1997, a Rede organizou o Congresso Brasileiro de
Educao em Direitos Humanos e Cidadania; e, em novembro do
mesmo ano, um encontro de educadores para melhor definir as metas
e metodologias de trabalhos da Rede. At agora, foram publicados
dois nmeros do Jornal da Rede. Em abril e maio de 1998, a Rede
organizou, em Convnio com a Secretaria Nacional dos Direitos
Humanos, dois cursos para o Servio Civil Voluntrio, realizados
em Braslia e no Rio de Janeiro.
4.
Contedos especficos da educao em direitos humanos.
Como
contedos especficos, temos a conceituao e histrico dos
direitos humanos, o conhecimento de todas as declaraes, pactos
etc, que vm aperfeioando a declarao de 1948 (entre os mais
recentes, lembremos a Declarao de Princpios da Tolerncia,
da UNESCO, em 1995, precedida pela Carta da Transdisciplinaridade,
que teve um comit de redao constitudo por Lima de Freitas,
Edgar Morin e Bassarab Nicolescu, em Portugal, em 1994.). Integram
ainda, os contedos especficos, o conhecimento das virtudes
democrticas (o amor igualdade, rejeio aos privilgios,
aceitao da vontade da maioria e respeito aos direitos da
minoria) e das virtude republicanas ( o respeito lei acima da
vontade dos homens, ao bem pblico acima do interesse privado,
responsabilidade no exerccio do poder, isto , o poder visto
como um servio e no como um privilgio)[xiv].
Acrescente-se o estudo da histria recente do respeito (criao
do Estatuto da Criana e do Adolescente, das delegacias de
mulheres, dos Conselhos de Defesa da Pessoa Humana e outros ) e do
desrespeito (chacinas, violncia, desigualdade, fome, ausncia
de direitos sociais etc) aos direitos humanos. No se trata de
uma disciplina, de momentos ou aulas reservadas aos direitos
humanos, mas de princpios e debates dos temas supra citados, que
devem permear toda a prtica escolar.
Educao
igual para todos = Dalmo Dallari diz ter medo da expresso
educao popular, porque geralmente significa educao para
pobre. Antonio Candido defende que todos tm direito leitura
de Guimares Rosa e que cada leitor o entenda como puder ou
quizer.
A
metodologia para concretizar tais princpios pressupe vivncia
global dos direitos humanos, uma conquista contnua e cotidiana;
a participao como mtodo, pressupondo respeito, colaborao,
tolerncia e pluralismo.
A
metodologia deve estimular a participao de todos os envolvidos, especialmente
dos alunos, no processo pedaggico; possibilitar a contradio;
abrir-se para uma viso
universal
que, respeitando as diferenas, transcenda estas mesmas diferenas
( de lngua, de cultura, de cor, de nacionalidades e outras) para
que todos se reconheam iguais enquanto seres humanos; garantir a
reflexo crtica, ativa e permanente (ensinar a pensar);
fortalecer os vnculos com a comunidade e com toda e qualquer
pessoa, a partir dos mais prximos; ter como referencial a
realidade.
Uma
metodologia, que busca a interdisciplinaridade, baseia-se na relao
entre os contedos e sua realidade; na realidade como objeto de
estudo, dando significado aos contedos; na procura de
contedos significativos que expliquem a realidade
concreta. Os contedos escolares devem ser no uma finalidade,
mas meios que explicam e desvelam a realidade, podendo modific-la.
O
conceito de interdisciplinaridade ainda est sendo construdo.
Ela pressupe a dialogicidade. A interdisciplinaridade dever
ser no apenas o intercmbio entre as disciplinas, mas,
especialmente, entre os temas, metodologias e procedimentos a
partir da atitude docente, planejados e executados luz dos
Direitos Humanos e rumo sua plena vigncia, formando o indivduo
para o pleno gozo da plenitude de suas potencialidades.
A
disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade
e a transdisciplinaridade so quatro flechas de um s e mesmo
arco : o do conhecimento, escreve Bassarab Nicolescu.[xv].
Creio podermos concluir que uma educao voltada para os
direitos humanos pode utilizar-se de diversas metodologias.
5.
Principais dificuldades
A
principal questo, corroborada por Fbio Comparato, a
dificuldade de lidar-se com o conceito de igualdade. O brasileiro,
bem ou mal, tem idia do que seja a liberdade, mas no tem a
menor noo do que seja a igualdade. Isto decorrncia de sua
formao escravocrata, onde o escravo era objeto e no ser
humano, uma vida descartvel; alm de consequncia da cultura
lusitana, mais voltada para a particular - a famlia e o cl -
do que para o pblico, o que explica, em nossa histria, a
permanncia do mandonismo local ( ACM o exemplo e Maria Isaura
Pereira de Queiroz a grande estudiosa da questo) Acrescente-se a
isto a segunda distribuio de renda mais injusta do planeta e
outros problemas anlogos, do conhecimento de todos, inclusive os
de ordem cultural, como se cultura e sabedoria fossem sinnimos.
Em uma sociedade injusta como a nossa, saber tambm torna-se uma
forma de poder (mandarinatos).
Nesta
linha de falta de noo de igualdade, h a dificuldade de
trabalhar-se em grupo, especialmente nas lideranas, onde
vaidades e pretenses, disputas de poder e outras caractersticas
da fragilidade humana, impedem uma construo realmente
coletiva, tnica fundamental de uma educao em direitos
humanos. Nas bases, frente s dificuldades da linha de frente, no
confronto direto com as questes de desumanidade, ainda que
presentes, estas questes interferem menos.
Acrescente-se
os problemas de competncia, formao, tica, disponibilidade
e vontade poltica, quando se sabe que os governos criam
"polticas em direitos humanos" sem destinar-lhes as
verbas necessrias, que as tornariam viveis.
Por
outro lado, a violncia exarcebada da sociedade em que vivemos,
seja pela violncia explcita, como a das ruas, seja a
estrutural, como o desemprego, no induz, na maioria das pessoas,
infelizmente, tendncias cooperao e solidariedade. Alm
da falta de noo de igualdade, o brasileiro, em geral, no tem
o hbito de racionalizar
5.1.
Algumas sugestes frente
aos problemas
H
que trabalhar-se com as mentalidades e ideologias. Entendo
mentalidade como forma de pensar, sentir e reagirm de maneira
expontnea e acrtica e ideologia como um conjunto de valores
que se evoca para defender o interesse de um grupo, geralmente da
classe dominante, portador de uma verdade particular que se
pretende universal. Como reiteram Alfredo Bosi, Chau, Claude
Lefort e outros, tanto a ideologia quanto a mentalidade podem ser
desmontadas atravs do contra-discurso, isto , atravs do
discurso que analise a ambas atravs do raciocnio crtico do
conhecimento. funo do intelectual desvendar os vus que
encobrem as relaes de poder no discurso competente.(Helenice
Ciampi). Lembramos que atitudes e comportamentos tambm
constituem, a seu modo, uma forma de discurso, pois significam.
Pode-se
ter mentalidade sem ideologia. o homem comum que representa a
mentalidade de sua comunidade. O sbio tem esprito cientfico,
o sbio burocrata tem mentalidade cientfica. Mentalidade tem a
ver com conscincia de classe. A mentalidade forma de
auto-preservao do grupo ou comunidade, chegando a tornar-se
agressiva, intolerante ou autoritria. A mentalidade cria
preconceitos, o empecilho maior para construo do conceito de
igualdade. A mentalidade dissimula-se a si mesma. Exemplo : a
mentalidade da Igreja tridentina que impede os avanos do
Vaticano II dentro da prpria Igreja.
Creio
ainda que o enfoque deve estar voltado para a construo do que
Herbert de Souza chamou de tica da resistncia democrtica:
aquela baseada nos princpios de liberdade, igualdade,
diversidade, participao e solidariedade
Esta tica, humanizadora, tem como caractersticas de ao
que o privado se subordine ao pblico, que o interesse comum da
maioria afirme-se com respeito minoria; que a lei exista para
produzir a igualdade entre todos e respeite a diversidade e a
liberdade como condies de exerccio da cidadania.
Escrevendo
sobre as razes subjetivas do projeto revolucionrio, o filsofo
contemporneo Castoriadis reivindica autonomia, igualdade,
liberdade e participao para todo e cada indivduo. Usando uma
linguagem psicanaltica, lembra que, na situao infantil, a
vida e a Lei so dadas. Permanece, na situao infantil, o
conformista ou o apoltico, pois aceita a Lei sem discut-la e no
deseja participar de sua formao. O que Castoriadis deseja,
desejando que desejemos tambm, poder assumir o seu ser e a
possibilidade de ser um com os outros. Desejo que o outro seja
livre porque minha liberdade comea onde comea a liberdade do
outro, e, sozinho, posso, no mximo, ser virtuoso na
infelicidade. Aceitar o princpio da realidade aceitar a
necessidade do trabalho, de uma organizao social do trabalho,
fazer a prpria vida, dar para a vida, dar a Lei para si mesmo.
5.2.
Algumas observaes frente aos problemas :
-
ningum se educa szinho
-
ningum educa ningum, os seres humanos se educam em comunho
-
todos somos agentes pedaggicos na medida em que praticarmos os
direitos humanos.
-
os direitos humanos no se aprendem de memria; vivem-se,
praticam-se ou, ao contrrio, morrem e desaparecem da conscincia
da humanidade.
-
ningum tem o monoplio dos elementos humanizantes : todos temos
algo a dar e a receber - Os seres educao em comunho
(cf Paulo Freire e Luiz Perez Aguirre)
-
educar no apenas informar, mas sobretudo formar, transmitir
convices, esperanas, afetos, desenganos e compromissos.
-
no educamos com o que sabemos e sim com o que somos (o professor
aceito ou no por seu comportamento, valor pessoal,
credibilidade e postura tica)
-
a liberdade s se ensina com a liberdade
-
o educador em direitos humanos aquele que, com sua presena,
desafia o outro a ser mais humano.
Currculo
- tudo o que acontece na escola e em torno dela.
O
currculo formal diferente do currculo oculto. Currculo
"como, porqu, o qu, para qu ?
5.3.
Principais temas
-
relao entre os contedos e sua realidade
-
a realidade deve ser o objeto de estudo, dando significado aos
contedos.
-
procurar contedos significativos que expliquem a realidade
concreta
-
os contedos escolares no
so uma finalidade, mas meios que explicam e desvelam a
realidade, podendo modific-la.
-
pens-los luz da interdisciplinaridade.
6.
Metodologia da Interdisciplinaridade
O
conceito de interdisciplinaridade ainda est, sob muitos aspectos,
para ser construdo.
A
interdisciplinaridade no se confunde com multidisciplinaridade,
pluridisciplinaridade, integrao etc.
Ela
pressupe a dialogicidade (capacidade
de A conversar com B de tal forma que ambos elaborem, a partir dos
conhecimentos A e B - que pode ser, A do aluno e B do professor -
novos conhecimentos C, D, E, F...isto , em que ambos saiam
recriados, transformados) . O dilogo costuma ser os monlogos
entre A e B, dos quais ambos saem como entraram.
6.1.Princpios
metodolgicos
-
vivncia
global dos direitos humanos
-
conquista contnua e cotidiana
-
a participao como mtodo, pressupondo respeito, colaborao,
tolerncia e pluralismo
-
transformar conceitos relativos aos direitos humanos em temas de
maior alcance
-
a dignidade individual traduzindo-se no respeito s minorias
-
relacionar justia pessoal com normas de convivncia entre as naes
-
segurana econmica do grupo seja a certeza de que ningum no
mundo e fome
-
a sntese cultural e a reflexo sobre os direitos humanos deve
integrar a reconstruo do conhecimento.
As
metodologias devem :
-
estimular a participao de todos os envolvidos, especialmente
dos alunos, no processo pedaggico
-
possibilitar a contradio
-
abrir-se para uma viso universal que, respeitando as diferenas,
transcenda estas mesmas diferenas ( de lngua, de cultura, de
cor, de nacionalidades e outras) para que todos se reconheam
iguais enquanto seres humanos
-
garantir a reflexo crtica, ativa e permanente (ensinar
a pensar)
-
fortalecer os vnculos com a comunidade e com toda e qualquer
pessoa, a partir dos mais prximos, pais, familiares, amigos,
colegas, etc.
-
ser abrangentes (currculo
amplo)
-
ter como referencial a realidade
Um
professor em direitos humanos deve adotar a teoria da ao dialgica
(Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido. Ver tambm Pedagogia
da Esperana e Pedagogia da Autonomia, esta a ltima obra de
Freire) : a colaborao, a unio, a organizao, a sntese
cultural, a reconstruo do conhecimento
Interdisciplinaridade
: no apenas o intercmbio entre disciplinas, mas,
especialmente, todos os contedos, metodologias e procedimentos a
partir da atitude docente, planejados e executados luz dos
Direitos Humanos e rumo sua plena vigncia, formando o indivduo
para o pleno gozo da plenitude de suas potencialidades.
7.
Processo de construo coletiva da interdisciplinaridade :
-
equipes multidisciplinares
-
colegiados em diversos nveis
-
assessoria universitria (especialmente para a reorientao
curricular).
-
redescoberta de cada um como sujeito do fazer educativo,
reassumindo sua prpria identidade e no como mero cumpridor de
contedos pr-estabelecidos
7.1.Princpios
e prioridades :
participao
x descentralizao =>
autonomia =>
poder compartilhado.
1)
Prdisposio do grupo-escola s mudanas, manifesta sob a
forma de adeso :
-
da equipe tcnica
-
da maioria dos professores (por srie ou por perodo)
-
do conselho da escola.
2)
Garantia de trabalho coletivo (atravs da organizao de
colegiados a diversos nveis e com horrio de trabalho coletivo
extra-classe)
3)
Formao permanente de professores, por representao.
7.2.Momentos
pedaggicos
(
Organizadores da prtica sistemtica do dilogo)
7.2.1)
o momento da fala do outro = Estudo
da Realidade (ER)
7.2.2)
o momento da fala do organizador (prope atividades para a
conquista do conhecimento) = Organizao do Conhecimento (OC)
7.2.3)
o
momento de juno da fala do outro com a fala do organizador (sntese)
= aplicao do
conhecimento (AC).
A
sntese entre
as duas diferentes vises do mundo ou, ao menos, da percepo
de sua diferena e finalidade. um momento em que uma fala no
predomina sobre a outras, mas, juntas, exploram as perspectivas
criadas, reforam os instrumentos apreendidos, fazem um exerccio
de generalizao e ampliao dos horizontes anteriormente
estabelecidos.
7.3.
Etapas para a organizao do programa :
a)
Levantamento preliminar da realidade local.
b)
Anlise interdisciplinar do material coletado
c)
Crculos de investigao temtica ( testam se os temas ou
situaes escolhidas so, de fato, significativas para a populao)
d)
Os temas possveis so vistos sob a tica de todas as
disciplinas, buscando-se a articulao entre as diferentes vises.
Aqui inicia-se o trabalho de reduo temtica.
e)
Os temas so trabalhados pelos professores que planejam suas
atividades e as confrontam com os outros professores da mesma srie.
Em seguida, discutem com os alunos, em sala de aula,
apresentando-lhes a lgica do programa elaborado, ainda aberto s
mudanas que se faam necessrias.
(Processo
necessariamente coletivo, programado e organizado com antecedncia)
8.Sugestes
:
-
os direitos humanos jamais podem constituir uma disciplina. Pois
so princpios que embasam ou deveriam embasar as mais diversas
reas do conhecimento do homem e do mundo, bem como a postura do
ser no mundo.
-
classes heterogneas (nada de classes dos fortes, adiantados,
fracos ou atrasados)
-
avaliao no comparativa, mas baseada no processo de
aprendizagem do prprio aluno, isto , o aluno avaliado em si
mesmo e a partir de si mesmo ( Vide Revista de Educao AEC -
Associao de Educao Catlica do Brasil. Ano 19, n 77 -
outubro/dezembro de 1990, artigo de Celso dos S. Vasconcellos :
Avaliao Escolar - Perverso dos direitos humanos, p.53)
8.1.Outras
sugestes :
A)
- as
trocas ou partilhas entre
os professores devem ser permanentes e peridicas (bimensais,
trimestrais...) :
-
troca de experincias
-
troca de materiais
-
cursos para os colegas (formas de sensibilizao)
-
ajuda mtua
-
grupos de estudo (apoio)
B)
- o
mesmo para a troca
ou partilha entre as escolas ( e assim que a escola-piloto
se divulga e se difunde) :
-
correspondncia entre alunos de diferentes escolas
-
teatro de uma escola para outra
-
coral da outra escola para a uma
-
feiras de trabalho sobre educao em direitos humanos
-
atividades, festividades, eventos conjuntos (por exemplo:
esportivos, excurses etc)
Objetivos
das trocas e partilhas : socializao, solidariedade, participao,
descentralizao => autonomia => poder compartilhado
9)
O PROFESSOR
Um
professor em direitos humanos deve adotar a teoria da ao dialgica
: a colaborao, a unio, a organizao, a sntese cultural,
a reconstruo do conhecimento.[xvi]
Os
grandes homens foram grandes servidores : Jesus (Humano assim
como ele foi, s podia ser Deus mesmo, Leonardo Boff) ,
Gandhi, Freud, Einstein, Martim Luther King, Che Guevara, Madre
Thereza, Betinho e outros.
Para
a dialogicidade precisamos saber ouvir, ouvir os que no tm
voz. Para
construirmos juntos os currculos, a interdisciplinaridade e uma
nova humanidade, precisamos apreender a ouvir. Ainda so poucos
os que falam em nome de muitos. Quando todos tiverem voz,
certamente teremos a democracia, a igualdade.
Na
medida em que a educao em direitos humanos se pretende uma
educao para a mudana de mentalidades:
-
o primeiro trabalho levar o professor a se auto-rever, a
efetuar uma auto-crtica da sua mentalidade, a conscientizar-se
-
a partir da, levar o professor compreenso e vivncia dos
direitos humanos, atravs das formas de trabalho na escola :
colaborao, respeito, pluralismo, responsabilidade, prestao
de contas, participao.
-
levar o professor constatao da presena ou ausncia de
quaisquer direitos humanos no cotidiano escolar
-
levar o professor constatao da defesa ou violao de
quaisquer direitos humanos no cotidiano escolar.
-
levar o professor a ver a realidade social, econmica, poltica
e cultural do meio, como referencial bsico
-
levar o professor compreenso efetiva da integralidade e
indivisibilidade dos direitos humanos, seu contexto histrico,
seu carter pblico e reclamvel.
Uma
tica para os direitos humanos um estilo de vida, um modo de
ser perante o acinte da pobreza extrema da Amrica Latina, um
compromisso por uma ao coletiva transformadora que entregue a
Histria na mo dos despossudos (Luiz
Perez Aguirre)
10.
Dos resultados, at agora.
Dos
resultados do trabalho desenvolvido, um fundamental: a modificao
das relaes humanas nas escolas envolvidas. Escolas
frequentemente depredadas deixaram de s-lo. O envolvimento com a
comunidade circundante foi essencial.
As comunidades foram levadas a descobrir que a escola pblica
no do Estado (entidade abstrata), mas dos cidados. Houve
significativa melhoria no aproveitamento escolar, com consequente
diminuio de repetncia e evaso.
Mas
a educao em direitos humanos, na medida em que cria prticas
alternativas, no pode ser avaliada pelos critrios da educao
em vigor. No se trata de resultados imediatos, estatsticos,
mas muito mais de resultados a serem alcanados a mdio e longo
prazo, porque o que se almeja a mudana das mentalidades, a
construo de uma mentalidade nacional solidria, igualitria,
democrtica; trata-se de uma educao para a paz, para o
respeito profunda dignidade de todo e qualquer ser humano, seja
ele quem for.
Os
trabalhos destes anos, expressam a convico de que esta educao,
muito mais do que contedos, uma questo de postura do ser no
mundo, de uma tica baseada nos princpios dos direitos humanos.
NOTAS
[i]
Mestre em Letras pela USP, membro da Comisso Justia e Paz
de So Paulo e da Rede Brasileira de Educao em Direitos
Humanos.
[ii]
CHAU, Marilena. Cultura
e democracia - o discurso competente e outras falas. SP,
Moderna, 1980.
______________.
Direitos Humanos e medo. In Fester.ACR (org). Direitos Humanos e.... Prefcio de D. Paulo Evaristo Arns. Diversos
autores. SP, Comisso Justia e Paz/ Brasiliense, 198, 1
vol.
DALLARI,
Dalmo. O que so
direitos da pessoa. SP, Brasiliense, 1981 (Col. Primeiros
os)
[iii]
Estou utilizando ideologia, neste texto, como a verdade de
grupos particulares, geralmente dominantes, que se pretendem
universais.
[iv]
Sobre o dilogo so fundamentais no s as idias de
Paulo Freire (o conceito de dialogicidade est presente em
diversos de seus livros), mas tambm as de Martim Buber,
Emmanuel Lvinas, Jacob Levy Moreno, Edgar Morin, Cornelius
Castoriadis e Jrgen Habermas (a razo comunicativa),
entre outros.
[v]
CANDIDO, Antonio. Direitos Humanos e Literatura, em Direitos
Humanos e...Vide nota 2, p. 117. Posteriormente, com o ttulo
"O direito literatura", Antonio Candido
republicou esta palestra, pronunciada em 28.4.88, em Vrios
Escritos - Terceira Edio Revista e Ampliada, SP, Duas
Cidades, p.235.
[vi]Os
livros Direitos Humanos
- Um debate necessrio, com diversos autores, em 2
vols.,, editados pela Brasiliense em 1988 e 1989 so exemplos
destes encontros.
[vii]Projeto
idealizado por Margarida Genevois e de autoria de Marco
Antonio Rodrigues Barbosa, aprovado por unanimidade pela
Comisso Justia e Paz de So Paulo, em 1988.
[viii]Destes
ciclos de palestras resultaram os dois volumes sob o ttulo Direitos
Humanos e..., com diversos autores, prefcio de D. Paulo
Evaristo Arns, tambm editados pela Brasiliense, em 1989 e
1992.
[ix]
Na Prefeitura de So Paulo, meu trabalho centralizou-se
especialmente no DOT- Departamento de Orientao Tnica, em
que tive como interlocutores privilegiados Ana Maria Saul,
Meire Venci Chieff e Edson Gabriel Garcia, alm de muitos
outros educadores. Para maiores detalhes, ver o livro Ousadia
no dilogo - Interdisciplinaridade na escola pblica,
organizado pela prof Ndia Nacib Pontuschka, da Edies
Loyola (SP, 1993), no qual quinze autores relatamos esta
experincia.
[x]
Vide Tema Gerador e a Construo do Programa.
Uma nova relao entre currculo e realidade.
Cadernos de Formao n 3. Srie Ao Pedaggica
da Escola pela via da Interdisciplinaridade. SP., SME-DOT,
1991.
[xi]A
Comisso Justia e Paz de So Paulo cedeu Municipalidade
cpia de seu acervo de vdeos, bem como apostilas e
bibliografia bsica. Desta, o livro Direitos
Humanos - Pautas para uma educao libertadora,
de Luiz Perez Aguirre e Juan Jos Mosca, da
Editora Vozes, foi adquirido para cada escola municipal, por
indicao da CJP-SP., por se tratar de livro bsico para
todos os educadores que queiram ocupar-se da questo.
[xii]
Este trabalho, no Paran, foi
coordenado por Wagner D'Angelis, do Centro Heleno Fragoso de
Direitos Humanos, e por Maria das Graas Espndola Corra,
pela Secretaria da Justia e da Cidadania do Estado do Paran.
Vide O
compromisso da educao com a cidadania, em Educar para
os Direitos Humanos (Coletnea de Textos) - vol.III,
Secretaria do Estado da Justia e da Cidadania - Curitiba,
1994, p.22; e ainda tica
e Direitos Humanos, em Educar
para os Direitos Humanos (Coletnea de Textos) - vol.IV,
Secretaria do Estado da Justia e da Cidadania -
Curitiba, 1994, p.28.
[xiii]
Deste Seminrio resultou o livro O
Preconceito, com diversos autores, tendo Jlio Lerner
como editor.
SP, Imprensa Oficial do Estado, 1996/1997.
[xiv]
Virtudes republicanas e democrticas segundo fala de Maria
Victria Benevides em reunio da Rede Brasileira de Educao
em Direitos Humanos.
[xv]
NICOLESCU, Bassarab.Transdisciplinaridade : nascimento
de um termo. In : RANDOM, Michel. La
pense transdiscilinaire et le rel.
Paris, ditions Dervy, s/d (Diversos autores).
[xvi]
A ao dialgica e o seu oposto, por parte dos professores,
est muito bem definida e clara em FREIRE,
Paulo, Pedagogia
do Oprimido. RJ, Paz e Terra, 1974.
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