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FREI
BETTO, EVANGELISTA.
Antonio
Carlos Ribeiro Fester
A
orelha da capa de Entre
todos os homens, o mais recente romance de frei Betto, editado
pela tica e j traduzido no exterior, informa que a redao
do romance iniciou-se em 1990, com uma pesquisa
histrico-exegtica que envolveu cerca de 40 livros, alm de
uma viagem Palestina em maio de 1997. Discordo da informao.
Ao que sei, o autor apaixonou-se pelo seu personagem, Jesus, desde
a mais tenra infncia. Uma paixo permanente, que levou-o a
entrar para o convento h quase trinta anos, tendo lido nestes
anos todos, com certeza, muito mais do que os quarenta livros do
perodo de elaborao da obra. Mas o que importa que o livro
narra a vida de Jesus, segundo frei Betto; portanto, segundo a
Teologia da Libertao, um Jesus que liberta porque livre. Os
que desconhecem a Teologia da Libertao, e mesmo alguns que a
conhecem, podero ter surpresas. No encontraro em Jesus um
ativista poltico. E como, para ao autor, Jesus um fato,
tampouco o encontraro romanceado. Romance, frei Betto o
constri em torno de Jesus.
Para
que todo seu pblico (os sem terra, inclusive) possa
compreend-lo, frei Betto sacrifica o estilo literrio de que
capaz. Grande autor e estilista, basta relermos o romance O
Dia de ngelo (talvez o seu melhor livro do ponto de vista
estritamente literrio, publicado pela Brasiliense em 1987) ou os
contos de A vida suspeita
do subversivo Raul Parelo (Civilizao Brasileira, 1979) ou
o antolgico Batismo de
Sangue - os dominicanos e a morte de Carlos Mariguella, que
inclui o dossi Frei Tito (Civilizao Brasileira, 1982) e muitos outros
dos trinta e sete livros que escreveu at agora. O ativismo de frei Betto, sua polmica figura religiosa e
poltica tem impedido que seja devidamente reconhecido, por
muitos, mesmo depois de ter recebido o Trofu Juca Pato como
Intelectual do Ano de 1986. Como forma e contedo so
inter-determinantes, em Entre
todos os homens, o autor escreve singelamente para melhor
evangelizar.
Jesus,
em frei Betto, como a prpria epgrafe do livro anuncia,
profundamente humano e surpreendente. apenas um homem simples,
que se envolve na luta pela felicidade dos homens de seu tempo e
que com o tempo vai descobrindo sua misso e sua identidade de
Filho de Deus e que por esta luta condenado morte, como o
tm sido todos os que pretenderam "subverter" as
condies scio-polticas-religiosas de suas comunidades, no
decurso da histria humana. No se trata de um homem, muito
menos de um super-homem, que j veio com o destino traado, que
nasceu sob a determinao de um Pai impiedoso para sofrer morte
infame e salvfica (como o v, por exemplo, Saramago), muito
menos atormentado e em dvidas (como em Kazantzakis), mas de um
homem que ama ao prximo e o ama gratuitamente, apenas pelo fato
de ser um semelhante, seja este homem ou mulher quem for.
Se
deliberadamente frei Betto deixa o preciosismo literrio em
segundo plano, deliberadamnete, tambm, ignora a moderna exegese
que v na matana dos inocentes ou na apario do cometa, por
exemplo, meros recursos literrios da poca para destacar a
importncia da Encarnao. Segue a Tradio. E se Jos
inquieta-se porque o arcanjo no avisou as demais famlias do
risco da vida de seus filhos frente ira de Herodes, o autor
parece apenas querer reiterar que os desgnios e o mistrio de
Deus so insondveis, impossveis de estar a servio das
nossas vontades ou do nosso entendimento.
Aps
os quarenta dias no deserto, Jesus pressente que nada mais poder apart-lo do Amor. E quando crucificado, brada
Meu Deus, meu Deus,
porque me abandonaste ?, est, como sempre esteve e
estar, em constante comunho com o Pai, pois apenas reza, em
voz alta, a primeira frase do salmo 22 (21), rezando mentalmente
as demais, transcritas pelo autor. At neste instante, Jesus
confia no Pai, segundo frei Betto, ao contrrio de muitos
exegetas que vm este brado como o ponto mximo da sua
encarnao, como a assuno da solido humana perante o
silncio de Deus.
Neste
romance, est presente a preocupao coma emancipao
feminina (por exemplo, na figura da profetisa Ana); em diversas
agens a sexualidade tratada com naturalidade, como busca
(da samaritana, por exemplo) ou expresso de amor (Zacarias e
Isabel). Na agem em que o centurio pede a cura de seu servo,
mas diz que no digno de que Jesus entre em sua casa, frei
Betto agrupa-se aos que vm uma ligao homossexual entre o
centurio e o servo, e adverte, atravs de uma fala de Jesus:
Andr, no julgues
ningum pela maneira de ser...Como nesta casa, em cada homem e
mulher coabitam o masculino e o feminino. Pginas antes, o
autor, atravs de um personagem, j nos advertira que o fanatismo
religioso mais perigosa forma de loucura.
notvel a abordagem de frei Betto quanto retribuio divina.
Se um escriba diz que a doena o salrio do pecado, Jesus
refuta este e outros preconceitos. Como
possvel crer que o Deus da vida nutre-se da morte?.
Mais adiante a questo retomada : Deus
no pune ningum com doenas ou desgraas, diz Jesus: Deus
amor. Frei Betto enfatiza que Deus liberta e o homem
livre. Jesus dana, humano como ns; vive
a vida como quem se alegra numa festa nupcial. Jesus sabe,
melhor que ningum, que a vida milagre, o dom maior de Deus.
Jesus
define-se: Onde enxergas
a letra, desvendo o esprito; onde acentuas observncia,
introduzo liberdade; onde exiges preceitos, instauro o amor. A
sacralidade que pretendes confinar ao Templo, eu a desloco para o
famlico. Este o verdadeiro templo de Deus. Estas
afirmaes encontram-se nos Evangelhos, na Patrstica e em
diversos santos e autores da Igreja. Mas constituem, tambm,
assertivas bsicas da Teologia da Libertao.
Com
referncia multiplicao dos pes, surpreende,
responsabiliza-nos e convoca, uma afirmao do autor, para quem
milagre dobrar o corao dos que tinham alimentos para si e se tornaram
capazes de partilh-los com os demais. Estes no esperam
sinais de Deus, ao contrrio, procuram tornar-se sinais do Pai.
Os milagres de Jesus, como diz frei Betto, so sempre sinais de
revitalizao, para que todos tenham vida em plenitude.
Por
tudo isto, este livro, fruto de uma vida, a obra prima de frei
Betto. Em Entre todos os
homens, Jesus nos surpreende por amar-nos gratuitamente,
por ser comivo aceitando-nos como somos e nada exigindo de
ns. Apenas nos ama. Neste movimento, no h como no am-lo
e isto que pode nos tornar melhores do que somos, diz-nos,
implicitamente, o escritor evangelista.
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