Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

2k3q71

A Violao dos Direitos Fundamentais
da Criana e do Adolescente no Brasil
O distanciamento entre a lei e a realidade vivida

27 Sesso:

"A Violao dos Direitos Fundamentais da Criana e do Adolescente no Brasil-
Distanciamento entre a lei e a realidade vivida"

So Paulo, Brasil, 17 a 19 de maro de 1999.
Secretaria da 27a. Sesso: Ordem dos Advogados do Brasil, Seco de So Paulo.
Praa da S, 385, 2o. andar, Telefax: 5511 3104-0839

Coordenao Brasileira
Deputada Federal Luiza Erundina de Sousa Dr. Roberto Vmero Mnaco
Sr. Maria Teresita Espins de Souza Amaral Sr. Muna Zeyn Sr. Armando de Souza Amaral

Agradecimentos:

No dispondo o Tribunal Permanente dos Povos fundos prprios para financiamento da sesso principal e das sesses preparatrias, as diferentes regies do Brasil envolvidas no trabalho buscaram apoio financeiro que preservasse sua autonomia de atuao e de deciso. A sesso conclusiva, no mesmo esprito, contou com o apoio financeiro das seguintes instituies:

Ordem dos Advogados do Brasil Seco de So Paulo Conselho Federal de Psicologia Conselho Federal de Servio Social Central nica dos Trabalhadores CUT/Nacional Social Democracia Sindical SDS/Nacional Conselho Regional de Psicologia CRP/6 Regio So Paulo Conselho Regional de Servio Social CRESS/9 Regio So Paulo Universidade So Francisco Instituto de Estudos Especiais IEE/PUC/SP

Meno especial s Centrais Sindicais Italianas:

CGIL e CISL-UIL, e RETE RADI RESCH .

Os organizadores desta Sesso do Tribunal agradecem s entidades promotoras que, com empenho e dedicao, contriburam para sua realizao.

Agradecem, tambm, ao artista plstico Elifas Andreato, que cedeu sua obra "A Me", adotada como smbolo desta 27 Sesso.

Externam especial agradecimento s presenas de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal Emrito de So Paulo, e de Frei Beto, figura notvel de Dominicano, que, com suas palavras de otimismo e esperana, inspiraram os trabalhos desta sesso do Tribunal.

Destacam, ainda, a festejada presena do Dr. Reginaldo de Castro, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Presidentes:
Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari,
Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo So Paulo/Brasil,
Dr. Rubens Approbato Machado,
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de So Paulo/Brasil,
Dr. Lus Moita,
Vice-Reitor da Universidade Autnoma de Lisboa/Portugal

Secretrio Geral:
Dr. Gianni Tognoni,
Secretrio Geral do Tribunal Permanente dos Povos

Acusao:
Promotor Dr. Clilton Guimares Santos,
Promotor de Justia da Cidadania da Capital So Paulo/Brasil,
Advogado Dr. Camilo Augusto Leite Cintra,
Secretrio Executivo do Instituto para o Desenvolvimento Integral da Criana e do Adolescente - INDICA

Defesa:
Advogado Dr. Roberto Vmero Mnaco,
Membro da Comisso de Direitos Humanos da OAB/SP

Jurados:
Dr. Philippe Texier , Magistrado e Membro da Comisso Nacional Consultiva dos Direitos do Homem, Frana. Dr. Giorgio Gallo, Engenheiro e Porta-Voz da Rete Radi Resch, Itlia. Dr. Maria Catalina Batalha Pestana, Doutora em Psicologia Educacional e Diretora do Plano para a Eliminao do Trabalho Infantil do Ministrio do Trabalho e da Solidariedade, Portugal. Dr. Melita Cavallo, ex-presidente da Associao Italiana dos Magistrados pelos Menores e pela Famlia, Professora, Itlia. Deputada Federal Luiza Erundina de Sousa, ex-prefeita do Municpio de So Paulo, Professora Universitria de Servio Social, Brasil. Dr. Dirceu Aguiar Cintra Junior, Magistrado, Presidente da Associao Juzes para a Democracia, Brasil. Sr. Margarida Genevois, ex-presidente da Comisso Justia e Paz da Arquidiocese de So Paulo, Membro da Comisso Brasileira de Justia e Paz da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, Brasil. Dr. Idibal Piveta, advogado e teatrlogo, membro da Comisso de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de So Paulo, Brasil. Dr. Edson Ulisses de Melo, advogado e ex-presidente da Seccional de Sergipe da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasil. Pe. Joacir Della Giustina, padre e Coordenador Geral da Pastoral do Menor da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, Brasil.

Sesses Regionais:

Regio Sudeste Realizada em 16 de abril de 1998, sediou-se em Belo Horizonte, Estado e Minas Gerais, julgou a situao dos Meninos e Meninas de Rua e na Rua. Foi presidida pelo Dr. Aristides Junqueira Alvarenga, membro da Comisso Brasileira Justia e Paz e ex-Procurador Geral da Repblica, e, na qualidade de rgo acusador, atuaram a Deputada Federal Rita Camata e o Deputado Estadual Joo Leite, tendo atuado na defesa o Dr. Carlos Victor Muzzi, Presidente da Comisso de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seco de Minas Gerais.

Regio Nordeste Realizada em 25 de maio de 1998, com sede em Aracaju, Estado de Sergipe, onde foi julgada a Violncia e Abuso Sexual Contra Crianas e Adolescentes, sendo presidida pelo Dr. Herman Assis Baeta, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e secretariada pela Sra. Andra Dipiere, tendo atuado na qualidade de Promotor o Dr. Paulo Lopo Saraiva, sendo responsvel pela defesa o Dr. Saulo Menezes Calazans Santos.

Regio Norte Com sede em Manaus, Estado do Amazonas, em 29 de maio de 1998, o julgamento foi sobre o tema Crianas e Adolescentes Vtimas de Drogas. Presidida pelo Dr. Lus Fernando Barros Vidal, magistrado e membro da Associao Juzes para a Democracia, a Promotoria esteve a cargo do Dr. Paulo Figueiredo, exercendo a defensoria a Sra. Graa Soares Prola.

Regio Centro-Oeste Em 30 de maio de 1998 e com sede em Cuiab, Estado de Mato Grosso, julgou o tema Explorao de Mo-de-Obra Infanto-Juvenil. Presidida pela Dr. Betsey Polistchuk de Miranda, membro da Comisso de Direitos Humanos da Seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo atuado como Promotora a Dr. Lilia Alves Ferreira e, na defesa, o Dr. Walter Santana.

Regio Sul - Com sede em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, o tema julgado em 29 de julho de 1998 foi Mortalidade Materno-Infantil, sendo presidida pelo Dr. Lus Carlos Levenzon, presidente da Seccional do Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil e secretariada pelo Dr. Jayme Paz da Silva, servindo como Promotores o Dr. Nereu Lima e a jornalista Tlia Negro, e, na defesa, os Drs. Tito Montenegro Barbosa e Carmen Mazzaro.

Sesso Conclusiva So Paulo, Estado de So Paulo,
de 17 a 19 de maro de 1999

Sesso Conclusiva

Organizao e composio do Tribunal:

1. O Tribunal Permanente dos Povos reuniu-se na cidade de So Paulo, Brasil, de 17 a 19 de maro de 1999, em Sesso Conclusiva aps cinco Sesses Regionais, realizadas em diferentes partes do Brasil, para julgamento do governo brasileiro e de sua poltica em relao criana, tendo em vista reiteradas denncias de violaes graves e continuadas dos direitos dos menores e uma solicitao expressa e formal da Ordem dos Advogados do Brasil, Seco de So Paulo. Paralelamente s informaes sobre as violncias, o Tribunal, assistido por eminentes juristas brasileiros e estrangeiros, teve cincia de que a Constituio e as leis do Brasil, especialmente o Estatuto da Criana e do Adolescente, alinham-se entre os sistemas legislativos mais modernos relativamente aos direitos dos menores, alm do que o Estado brasileiro j formalizou sua adeso a praticamente todos os principais tratados, pactos e convenes de Direitos Humanos.

Desse modo, as denncias, baseadas em fatos e circunstncias muito precisos, configuravam, em tese, desrespeito aos princpios bsicos do Estado Democrtico de Direito -que como o Estado brasileiro se define em sua Constituio - e descumprimento de compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil. Isso com manifesto prejuzo para a dignidade de milhes de seres humanos, especialmente crianas e adolescentes, na maioria pobres e socialmente discriminados, configurando-se ofensa grave s exigncias ticas e jurdicas dos Direitos Humanos.

2. Foram organizadores e membros do Tribunal pessoas altamente qualificadas, com amplo conhecimento das circunstncias de fato e de direito que caracterizavam violaes graves dos direitos das crianas e dos adolescentes. A par disso, foi efetuado um levantamento minucioso e preciso das violaes mais freqentes e constantes, colhendo-se dados, ouvindo-se testemunhas diretamente envolvidas na defesa dos direitos desses menores, obtendo-se tambm o depoimento de especialistas em diferentes reas cientficas que se dedicam ao estudo da criana e do adolescente no Brasil.

As Sesses preparatrias foram organizadas em diferentes Estados da federao brasileira, com o objetivo de obteno de dados mais completos e precisos sobre a ocorrncia de violncias reiteradas e graves contra crianas e adolescentes, sem que nada esteja sendo feito pelos respectivos governos e sociedades visando implantar e assegurar o respeito aos direitos e dignidade humana. Os temas fixados para cada Sesso preliminar foram sugeridos pela incidncia maior ou mais visvel de certo tipo de violncia, sem ignorar que outras tambm ocorrem e so igualmente graves. Com esse procedimento foi consideravelmente enriquecida a produo de provas, fornecendo elementos substanciais para a formao do convencimento dos membros do jri, que ainda receberam outros elementos para fortalecer sua convico a respeito do tratamento injusto, imoral e ilegal de que vm sendo vtimas as crianas e os adolescentes no Brasil.

Na Sesso conclusiva foram ouvidos agentes sociais que, por sua militncia, conhecem as circunstncias individuais e sociais em que nascem e vivem as crianas pobres brasileiras , bem como as graves e profundas conseqncias resultantes de reiteradas polticas governamentais que ignoram a pessoa humana e as exigncias sociais, direcionando os recursos pblicos para a manuteno de uma ordem social manifestamente injusta, causa evidente de discriminaes e marginalizaes.

3. A sesso solene de abertura teve sua mesa presidida pelo Dr.Rubens Approbato Machado, Presidente da OAB/SP, pela Deputada Federal Luiza Erundina de Sousa, Gianni Tognoni, Secretrio Geral do Tribunal Permanente dos Povos, que convidaram a fazer parte da mesa o Dr. Dalmo de Abreu Dallari, o Dr. Lus Moita e o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns. Todos fizeram uso da palavra e, a seguir, o Dr. Rubens Approbato Machado deu por encerrada a sesso.

Dando incio aos procedimentos deste tribunal, em 18 de maro foram lidas as sentenas proferidas nas regies como segue:

Regio Sul Dr. Jayme Paz da Silva e Dr. Lus Carlos Levenzon Regio Sudeste Pe. Plnio Possobom Regio Centro-Oeste Dr. Betsey Polistchuk de Miranda e Dr. Walter Santana Regio Norte Irm Giustina Zanatto Regio Nordeste Dr. Cezar Brito e Dr. Ulisses Edson de Melo.

Na sequncia, foi feita a leitura do "Libelo Acusatrio", pelo Pe. Jlio Lancelotti, que sugeriu delegao estrangeira de jurados do Tribunal Permanente dos Povos uma visita Unidade de Internao Provisria UAP da FEBEM Fundao Estadual para o Bem Estar do Menor de So Paulo.

Testemunhas sobre temas especficos, ouvidas na Sesso conclusiva


Tema: Mortalidade Infantil

Dr.a Ana Volochko
Dr. Zilda Arns Neumann

Tema: Meninos e Meninas de Rua e na Rua
Irm Maria do Rosrio Leite Cintra
Prof. Rodrigo Stumpf Gonzales

Tema: Violncia e Explorao Sexual contra Crianas e Adolescentes,
Dr. Albertina Duarte Takiuti
Prof. Myriam Gomes da Silva
Tema: Explorao de Mo-de-Obra Infanto-Juvenil,
Prof. Irandi Pereira
Sr. Suzana Sochaczewski
Tema: Crianas e Adolescentes Vtimas de Drogas
Dr. Auro Danny Lescher
Sr. Francisco Rodrigues

Documentos de Referncia, considerados pelo Tribunal:

Constituio da Repblica Federativa do Brasil - CF/88 Estatuto da Criana e do Adolescente - ECA/90 Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana - 20/11/89 Conveno n 138 da Organizao Internacional do Trabalho - 1973 Plano Nacional de Direitos Humanos - 1996

Outras fontes de direito interno e internacional, especificamente utilizadas nesta sesso, encontram-se mencionadas ao longo do texto.

Os jurados tambm utilizaram, como textos de referncia, os informes da UNICEF de 1997, 1998 e 1999, sobre o Estado da Infncia no Mundo.

Os integrantes estrangeiros do jri realizaram visita oficial a um dos estabelecimentos da Fundao para o Bem Estar do Menor-FEBEM, em So Paulo, para verificao direta das condies de internamento de menores sem famlia ou em situao de abandono, ou dos que so considerados infratores da lei. O relato formal dessa visita foi efetuado pela Dr. Melita Cavallo.

Foi, ainda, apresentado ao Jri um informe tcnico sobre o quadro situacional dos Conselhos dos Direitos e dos Conselhos Tutelares, a cargo dos conselheiros Padre Plnio Possobon, Irm Miriam e Sr. Odete Vieira.

Sntese da Acusao e das Provas

Conforme constou no libelo acusatrio, com pormenores de fatos e indicao de fundamentos jurdicos, foi proposto o reconhecimento da responsabilidade dos poderes constitudos, incluindo governos federal, estaduais e municipais, vista de notrias e comprovadas omisses ou de abusos de autoridade, com respeito a:

a.abuso e explorao sexual de crianas e adolescentes (pontos 1 ao 7 do Libelo); b.mortalidade materno-infantil e suas relaes com os padres mnimos de subsistncia e de prestao de servios de sade (pontos 8 ao 11); c.explorao do trabalho infantil (pontos 12 ao 15); d.trfico de drogas e programas de preveno e atendimento especializado criana e ao adolescente (pontos 16 ao 19); e.meninos e meninas de e na rua, com referencia s medidas preventivas de atendimento, identificando a excluso social e moral e mesmo a tolerncia e a existncia de ilegalidades (pontos 20 ao 26); f.desrespeito aos Conselhos de Direitos e Tutelares (pontos 27 ao 30).

Violncias especficas

Mortalidade Materno-Infantil

Em aberta contradio com os indicadores econmicos que colocam o Brasil entre os primeiros pases do mundo, os indicadores sobre o nvel de vida das crianas e, mais especificamente, os de mortalidade materno-infantil, definem para o Brasil uma posio muito desfavorvel em relao s estatsticas mundiais. Importante , ainda, ressaltar alguns aspectos quantitativos mais contundentes:

a.a mortalidade materna de 30 a 50 vezes mais alta que aquela identificada nos pases do primeiro mundo; b.a mortalidade infantil continua sendo, em mdia, quatro vezes maior que aquela presente nos ndices dos pases capitalistas ocidentais e dos de Cuba. Todavia, os documentos e os testemunhos apresentados no TPP revelam que os problemas estruturais da sociedade brasileira indicam uma complexidade muito alm do que as estatsticas podem demonstrar:

A dominao de um modelo assistencial patologicamente concentrado sobre as internaes mdicas no parto (a freqncia de cesarianas de 52% no Estado de So Paulo), e a escassa ateno dada s prticas de preveno como a educao;

A utilizao indiscriminada desta prtica mdica, que marca o comeo da vida com a separao violenta entre me e filho vista de sua natureza cirrgica, promove o desperdcio de recursos pblicos (quando o evento atendido pelo SUS) ou, ainda, impeditiva da ateno dada a sua caracterstica excludente (nas ocasies em que a famlia da parturiente no dispe dos recursos para custe-la), e sua nefasta conseqncia expor a fatores de risco e de complicaes mulheres e crianas mais pobres;

A centralidade de fatores de risco, principalmente scio-econmicos, que se expressam de maneira dramtica em algumas regies (falta de gua potvel, de condies mnimas de moradia, de higiene e educao sanitria);

Durante a Sesso do Tribunal foram apresentadas, por outro lado, experincias muito bem fundamentadas (desenvolvidas principalmente por entidades no-governamentais) sobre a possibilidade de evitar tais violaes costumeiras e numerosas do direito vida de me e filho, quando se reconhece e se pratica a prioridade da preveno, se substitui a agressividade com a participao das mulheres e da comunidade, se faz da reproduo da vida uma ocasio para uma pedagogia de direitos: a sade de me e filho vem a ser um instrumento de conscincia e de autonomia de toda comunidade para respostas aos seus problemas.

Violncia e Explorao Sexual

O Tribunal recebeu contundentes testemunhos orais e documentao escrita sobre a extenso crescente da violncia e da explorao sexual que vitimam principalmente as meninas e as adolescentes. Uma informao derivada das estatsticas oficiais e, por isso, provavelmente subestimado, um indicador dramtico de uma situao de violncia que tem suas razes nas mesmas famlias, em uma cultura do corpo da mulher como objeto de mercado, favorecida pelos meios de comunicao que se dirigem especificamente s geraes mais jovens: as 31.000 meninas de 10 a 14 anos que do entrada nas maternidades em um ano so o indicador dramtico (pelo fato de que nenhuma destas gestaes pode ser considerada uma opo consciente) de uma realidade indubitavelmente bem mais ampla, que termina muito freqentemente de maneira trgica, produzindo nas meninas e adolescentes conseqncias dificilmente reversveis.

Nesse contexto, preciso destacar o absurdo de uma interpretao recente do Superior Tribunal de Justia que declarou no punvel o estupro, ocorrido na relao entre pai e filha (incesto), pelo fato de a vtima ser maior de 14 anos, sendo, portanto, capaz de consentir, segundo o Tribunal. Essa jurisprudncia contrariou as disposies constitucionais e legais sobre a responsabilidade paterna e contribuiu para legitimao de um estado de violncia sexual domstica.

Nesse quadro de violncia, a centralidade da prostituio, que foi objeto especfico de uma das sesses regionais, at dispensaria uma documentao com outros dados quantitativos. Segundo a confirmao de um informe oficial apresentado em nvel internacional nos mesmos dias do TPP, o mapa quali-quantitativo reflexo das caractersticas econmicas e sociais das diferentes regies do pas. As formas de explorao das meninas e adolescentes so diversas, variando de acordo com o perfil de sua sinistra "clientela" (garimpeiros, turistas, "pessoas comuns", etc.), mas reconhecem padres muito similares: o corpo de meninas e adolescentes matria-prima, mercadoria que serve sobrevivncia delas e de suas famlias (a prostituio as vezes a continuidade da violncia domstica), constituindo, ainda, instrumento de ganncia para grupos organizados. As medidas legislativas e judicirias que vm sendo tomadas para controlar este "mercado" parecem totalmente insuficientes: no h capacidade de controle real e nem vontade efetiva (pelo menos com respeito ao turismo sexual). A prostituio infanto-juvenil uma expresso abrigada numa sociedade caracterizada por um mal-estar econmico e social que os ajustes estruturais e istrativos, inspirados apenas em objetivos econmicos, iro fatalmente agravar.

Trabalho Infantil

Sobre a explorao de mo-de-obra infanto-juvenil, o depoimento das testemunhas evidenciou que, alm dos trabalhos danosos ou perigosos, formalmente condenados por todos, h tambm uma grande quantidade de exploraes laborais que so consideradas leves e, por isso, toleradas, sendo at incentivadas algumas vezes. Segundo alguns, estes trabalhos serviriam para educar as crianas e, principalmente, constituir-se-ia no fator que possibilita a retiradas das crianas das ruas.

Em realidade, todos os trabalhos realizados por crianas so danosos: sempre constituem uma explorao e uma forte violncia ao seu desenvolvimento psicossocial. As crianas que trabalham, ainda que consigam freqentar a escola, raramente alcanam rendimento favorvel (fator importante na evaso escolar). Chamou, ainda, a ateno dos pesquisadores o fato de os professores desconhecerem ou, ainda, no manifestarem preocupao com o fato de seus alunos trabalharem. H, portanto, um problema cultural que exige transformao de mentalidade, para fazer a sociedade compreender o prejuzo e a violncia que para a criana a perda da infncia.

Ficou evidenciado tambm que o trabalho infantil uma expresso da dificuldade de sobrevivncia da famlia; este , em muitos casos, a nica opo para aumentar a renda familiar (Ver indicador de renda familiar, Situao mundial da Infncia 1997, UNICEF, p. 80).

A fonte supra referida apurou em pesquisa cientfica que, segundo dados de 1995, em todo o Brasil, h 583.000 crianas entre 5 e 9 anos que trabalham. Em So Paulo, cerca de 1/3 das crianas que trabalham, cumprem uma jornada diria de 7 a 11 horas.

Meninos e Meninos de Rua e na Rua

A histria dos meninos e das meninas da rua e na rua , talvez, uma sntese da histria social do Brasil:

de sua urbanizao acelerada e que tem levado a mltiplas realidades urbanas com fenmenos macios de marginalizao scio-econmica; da condio de trabalho e de vida precria e instvel de um nmero extremado de famlias; de uma situao de violncia intrafamiliar (conseqncias muitas vezes de dificuldades econmicas dramticas e por deficincias culturais ainda maiores). da ausncia de projetos pedaggicos que atendam especificidade e diversidade dos educandos oriundos de diferentes extratos sociais, agravada pela ausncia de fiscalizao e de respaldo econmico e institucional para as escolas;

No somente foram apresentados ao Tribunal, analtica e criticamente, dados relevantes que descrevem a complexidade e a extenso do problema, mas tambm informaes que comprovam o grau crescente da violncia e a marginalizao originada na sociedade destes meninos e meninas.

H uma tendncia identificada (no estimulada pelas aes das autoridades competentes, mas freqentemente incentivadas por uma parcela dos meios de comunicao que mantm o preconceito) a considerar estes meninos e meninas como agressores, que necessitam mais de represso do que de direitos. Os cortes macios dos oramentos da Unio, dos Estados e dos Municpios, destinados implementao dos ditames obrigatrios do ECA, so indicadores da ausncia de um projeto de longo prazo para esta populao, que, por vezes, protagonista de violncias, mas que sofre principalmente por ser a vtima de um modelo de sociedade e de autoridade de governo que, invertendo a tica, culpabiliza os prprios excludos pela manuteno do estado de marginalizao, criminalizando-o .

Crianas e Adolescentes Vtimas de Drogas

O Tribunal ouviu os testemunhos de responsveis por programas de interveno e ajuda para esta parcela de crianas e adolescentes, vtimas de drogas, que particularmente afetada pelas violncias da rua e que so txico-dependentes. A criminalizao, mais que a preveno e a reduo do dano, continua sendo a regra mais comum por parte das autoridades. Essas mesmas autoridades destinam, por outro lado, recursos muito escassos para as iniciativas institucionais e no-governamentais que trabalham para a reverso deste quadro.

Os programas de reverso, por sua prpria natureza, so de longo prazo, para ter ao menos uma probabilidade mnima de influenciar positivamente uma situao to degradada e controlada extensamente por grupos ilegais que dominam territrios excludos do poder estatal.

violncia do crcere pessoal, representado pela drogadio, se soma para estes meninos e adolescentes violncia to freqentemente fatal de serem "clientes cativos" de um mercado que as autoridades competentes no parecem poder ou querer reprimir seriamente.

Constatao "in loco" por membros do jri

As implicaes globais e verdadeiramente trgicas da situao de ausncia de um projeto positivo para as crianas e os adolescentes somadas ao desrespeito das obrigaes bsicas previstas pela legislao brasileira, tornaram-se evidentes para os membros europeus do Tribunal Permanente dos Povos, por ocasio de uma longa visita em uma das estruturas da FEBEM (Fundao Estadual do Bem Estar do Menor), atendendo a sugesto do Padre Jlio Lancelotti, antigo o determinado militante a favor dos direitos da criana e do adolescente e profundo conhecedor dessa realidade..

A superlotao da estrutura 1600 adolescentes entre 14 e 18 anos, no lugar de 350 previstas o produto de uma poltica de penalizao injusta, que exprime por sua vez uma resposta do poder poltico e judicial presso de parcela da sociedade civil que privilegia a manuteno da segurana para seus direitos patrimoniais, em detrimento do respeito bsico pelo direito das pessoas. As condies de deteno que superam o mximo previsto de 45 dias podem ser classificados somente como sub-humanas; os adolescentes so obrigados a ficarem sentados no cho em posio fixa o dia inteiro; de 12 a 15 pessoas dormem em quartos sem ar nem luz suficientes, quando deveriam abrigar duas pessoas. Os juizes do Tribunal Permanente dos Povos constataram que prticas de penas corporais e de tratamentos "degradantes" classificados como tortura so experincias dirias.

Por outro lado, a existncia de uma experincia piloto de reabilitao social progressiva dos adolescentes privados de liberdade serve somente para colocar mais em evidncia o grau de violao intolervel dos direitos, definidos em lei como inviolveis, que ocorre ali, e talvez em outras estruturas destinadas ao abrigo de adolescentes.

O Tribunal tomou conhecimento que a FEBEM j foi objeto de inmeras denncias e investigaes parlamentares, sendo certo que recentemente fora palco de acontecimentos trgicos para os adolescentes que estavam encarcerados. Esta realidade expressa a prpria essncia do libelo e possibilita culpabilizar todos os responsveis institucionais, direta ou indiretamente, pela manuteno deste quadro estarrecedor.

A priso da FEBEM a expresso, ao mesmo tempo simblica e tragicamente real, dada a sua manuteno no centro do Estado que produz 40% da riqueza do Brasil, pas que um paraiso legislativo para crianas e adolescentes, sendo intolervel que possam na realidade viver em um campo de concentrao que s poderia ser imaginado num pesadelo.

Limitaes Oramentrias Agravadas

O Tribunal tomou conhecimento de dados que documentam a extenso de substanciais cortes oramentrios, adotados recentemente no Brasil para ajuste das contas pblicas ao modelo do Fundo Monetrio Internacional, sem qualquer considerao pelas obrigaes constitucionais do governo e pelos efeitos sociais altamente danosos dessa poltica. Esses cortes j atingiram, de modo substancial, as verbas destinadas proteo e promoo dos direitos da criana e do adolescente. Tais cifras so a demonstrao atualizada, baseada em elementos concretos, da negao do princpio da prioridade absoluta de crianas e adolescentes, estabelecida no artigo 227 da Constituio brasileira e confirmada pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que lei federal. Caracteriza-se, a, claramente, a responsabilidade do governo brasileiro por uma grave violao de direitos.

Alm desses cortes oramentrios, a transferncia de recursos, originalmente destinados a programas de atendimento criana e ao adolescente, para atividades de custeio da Polcia Federal, assume maior gravidade, vista da inexistncia de uma organizao policial institucionalmente competente ou, pelo menos, especificamente formada para dar atendimento s situaes vividas por crianas e adolescentes. Agrava-se, assim, a responsabilidade dos agentes governamentais que determinaram tais cortes e transferncias.

Seguem alguns dados e informaes testemunhais:

O Departamento da Criana e do Adolescente do Ministrio da Justia que, em 1995, tinha uma dotao oramentria no montante de R$ 97.500.000,00 (noventa e sete milhes e quinhentos mil reais), no exerccio de 1998 ou a ter R$ 19.300.000,00 (dezenove milhes e trezentos mil reais) e, em 1999, sofreu nova reduo, estando previstos apenas R$ 16.300.000,00 (dezesseis milhes e trezentos mil reais).

Na dotao oramentria do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educao, que aparentemente apresenta um acrscimo - apenas em razo da incluso da merenda escolar neste elemento de despesa (de 633 milhes para 903 milhes de reais), h cortes significativos, entre 10,45 e 13,5%, nos programas voltados para a Educao: "desenvolvimento da educao pr-escolar", "distribuio de livros e bibliotecas", "sade escolar", "produo de programas educativos" e "programa de combate ao analfabetismo".

Um corte de 13,98% de recursos afetou a democratizao da gesto escolar conquistada nos ltimos anos com o Fundo de Municipalizao do Ensino Fundamental e Valorizao do Profissional da Educao.

A poltica de combate explorao da mo-de-obra infanto-juvenil foi afetada: o "programa de combate ao trabalho infantil" sofreu corte de 50%; a "assistncia integral criana e ao adolescente no enfrentamento pobreza" tem 79,21% menos recursos do que em 1998, e o "projeto de renda mnima", que prev o pagamento de bolsa -escola em todo o pas, aprovado em 1997, teve corte de 83,13%.

Programas que afetam significativamente a criana e o adolescente como os programas de "habitaes urbanas"e "saneamento em geral" tiveram cortes de 69% e 58% respectivamente.

Em 7 de janeiro ltimo foi aprovado pelo Banco Mundial o "Projeto Rede de Proteo Social" que tem como objetivo apoiar programas de proteo social para crianas de famlias pobres, famlias que necessitam servios de sade pblica e de desempregados. O Projeto de US$ 252.520.000. Os testemunhos do Tribunal declararam que o Ministrio da Fazenda, na mensagem enviada ao Senado, destaca a inteno do Governo de utilizar parte dos recursos para o pagamento do servio da dvida externa.

Pelo decreto n 43.591, de 26 de outubro de 1998, do Governo do Estado de So Paulo, foram bloqueados R$ 876.823,00 do Fundo Estadual dos Direitos da Criana e do Adolescente, quantia esta que foi desviada para o pagamento de pessoal e encargos sociais.

Leis e compromissos jurdicos internacionais violados

Em 26 de janeiro de 1990, o Brasil assinou a Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana ratificada por decreto legislativo a 14 de setembro de 1990.

Em 13 de julho de 1990, foi sancionado o Estatuto da Criana e do Adolescente. No mesmo ano, o Brasil assumiu compromissos simultaneamente internacionais e nacionais que o obrigam a assegurar a "proteo integral da criana e do adolescente" (artigo 1 do Estatuto).

O artigo 4 do Estatuto estabeleceu como prioridade absoluta para a famlia, a comunidade, a sociedade em geral e os poderes pblicos a tarefa de assegurar a concretizao dos direitos que se referem vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria.

Sobre o direito vida e sade:

A taxa mdia de mortalidade infantil, muito expressiva, bem como os elevados ndices de desnutrio infantil e mortalidade materna comprovam a insuficiente ateno por parte da Unio, dos Estados e dos Municpios em face dos limitados recursos financeiros disponibilizados para o conjunto de polticas pblicas que devem ser implementadas como traduo efetiva da prioridade absoluta. O carter insuficiente desta ateno constitui uma violao do direito vida, sade e alimentao tal como previsto nos artigos 3 e 25 da Declarao Universal dos Direitos do Homem, os artigos 11 e 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos Sociais e Culturais, o artigo 6 da Conveno sobre os Direitos da Criana e, no plano interno, o artigo 227 da Constituio Federal e do artigo 4 e do captulo 1 do Estatuto da Criana e do Adolescente.

De igual modo, o artigo 24 da Conveno sobre os Direitos da Criana e o artigo 227, pargrafo 1, da Constituio Federal que prevem, um como o outro, o estabelecimento de programas de assistncia concebidos para assegurar a sade da criana e do adolescente no foram respeitados. O artigo 10 do Pacto dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais prev igualmente cuidados especiais para as crianas e adolescentes.

Nos termos dos artigos 30, pargrafo VII, e 195 da Constituio Federal, a Unio e os Estados tm o dever de disponibilizar aos municpios uma cooperao tcnica e financeira capaz de assegurar os servios de sade. Os testemunhos e relatrios originais provaram que esta cooperao no atingiu nveis que se possam considerar satisfatrios.

Sobre os meninos da rua e na rua:

A amplitude do problema ficou substancialmente demonstrada atravs dos diversos testemunhos. Tal implica a violao de numerosos direitos, na primeira linha dos quais o direito educao (artigos 13 e 14 do Pacto dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, os artigos 28 e 29 da Conveno sobre o Direito da Criana, artigos 53 a 59 do Estatuto da Criana e do Adolescente). Mas expem ainda a criana e o adolescente a todas as formas de violncia fsica e moral - artigo 19 da Conveno sobre os Direitos da Criana.

Mas, acima de tudo, o Estado tem o dever de garantir criana proteo e apoio especial, em particular "proteo de realojamento de acordo com a legislao nacional" - artigo 20 da Conveno sobre os Direitos da Criana. Precisamente, o Estatuto da Criana e do Adolescente previu, no seu captulo II, Ttulo II, medidas especficas de proteo, de um modo particular no mbito do seu artigo 101. A persistncia de um nmero elevado de meninos e de meninas de e na rua atesta a negligncia do Estado, em seus vrios nveis, relativamente ao seu dever de criar de condies favorveis manuteno de laos necessrios criana e ao adolescente com instituies sociais, em especial a famlia e a escola. O conjunto de textos acima referidos, bem como o artigo 227 da Constituio Federal no so respeitados.

Sobre a violncia e o abuso sexual contra as crianas e os adolescentes:

A violncia e os abusos sexuais assumem diversas formas e acontecem no seio da famlia, assim como na sociedade e implicam tanto nacionais como estrangeiros (pedofilia, turismo sexual). Todas elas configuram violaes graves tanto das convenes internacionais como dos textos nacionais. A Conveno sobre o Direito da Criana condena em primeiro lugar a violncia para com as crianas sob todas as suas formas (artigo 19) e a explorao e violncia sexuais em particular (artigo 34). De igual forma, o artigo 227 da Constituio Federal e o artigo 5 do Estatuto da Criana e do Adolescente condenam tais violncias.

Ficou demonstrado que o poder executivo federal no aplica os meios necessrios para prevenir e reprimir a explorao sexual de crianas e adolescentes, a qual deve, de acordo com o pargrafo 48 da Declarao de Viena, ser ativamente combatida.

No que toca ao turismo sexual, o Estado tem o dever de implementar medidas restritivas e o de impedir uma prtica que envolve essencialmente estrangeiros.

Sobre as crianas e os adolescentes vtimas de drogas:

O Estado, a sociedade e, em certa medida, a famlia, so responsveis, na medida da sua negligncia e ineficcia, relativamente a um problema que constitui um atentado contra a sade e por vezes mesmo contra a vida das crianas e dos adolescentes. Ainda que a interveno do Estado se manifeste atravs da atuao de numerosos agentes fortemente empenhados na defesa dos direitos das crianas e dos adolescentes, no deixa de ser muitas vezes inadequada, na medida em que reduz o problema ao seu aspecto repressivo, em vez de o tratar atravs de uma metodologia de abordagem preventiva multidisciplinar e, por outro lado, revela-se insuficiente dada a escassez de recursos financeiros disponibilizados e a falta de ateno da sociedade.

Alm do mais, a Unio e a Polcia Federal no implementaram uma poltica eficaz de preveno e de represso do trfico internacional e nacional de drogas. No existem programas de preveno e de atendimento especializado para crianas e adolescentes dependentes de estupefacientes, o que contraria o disposto no artigo 227 da Constituio Federal. O Poder Judicirio e o Ministrio Pblico no aplicam, de forma adequada, as medidas scio-educativas, como remdio legal prprio diante da constatao da autoria de ato infracional.

Sobre a explorao da mo-de-obra infanto-juvenil:

Ainda que as convenes 5 e 138 da OIT sobre a idade mnima para o trabalho das crianas tenham sido contempladas na legislao interna do Brasil, elas no se encontram ratificadas. A idade mnima para o trabalho infantil est fixada em 16 anos pelo artigo 7 , inciso XXXIII, da Constituio Federal, que probe ainda o trabalho noturno, perigoso e insalubre aos menores de 18 anos, itindo, por exceo, o trabalho na condio de aprendiz, a partir de 14 anos. O Estatuto da Criana e do Adolescente consagrou um captulo especial a questo do trabalho, o captulo V, e a Consolidao das Leis do Trabalho, no seu artigo 401 e seguintes trata igualmente da proteo do trabalho das crianas e dos adolescentes.

Mas, foi abundantemente demonstrado no s a existncia de numerosos casos de crianas e adolescentes menores de 16 anos a trabalhar, mas que eles eram muitas vezes empregados em trabalhos noturnos, insalubres ou penosos e que, sob a capa de aprendizagem autorizada pela Constituio, crianas eram inseridas na realidade do trabalho a partir dos 12 anos. Estas prticas vo contra numerosas convenes da OIT, em particular as convenes 5 e 138 (idade mnima), 6 (trabalho noturno), 29 (trabalho forado) e artigo 10 do Pacto sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, alm do artigo 32 da Conveno sobre os Direitos da Criana.

Ainda aqui grande a distncia entre o direito (internacional e nacional) e a realidade concreta.

Sobre as crianas e os adolescentes face justia:

Este tema encontra-se abundantemente tratado pelas normas internacionais e nacionais. Para citar apenas alguns exemplos, a Declarao Universal dos Direitos do Homem consagra-lhe os seus artigos 8 a 11; o Pacto sobre os Direitos Civis e Polticos, os seus artigos 14 e 15; a Conveno sobre os Direitos da Criana, o seu artigo 40 que prev a adoo de procedimentos e a criao de instituies especialmente concebidas para as crianas.

De igual modo, a ONU previu regras especiais para a proteo dos jovens privados de liberdade (Resoluo 45/113 da Assemblia Geral, de 14 de dezembro de 1990) e regras mnimas no que respeita istrao da justia juvenil (Regras de Beijing, Resoluo 40/43 da Assemblia Geral, de 29 de novembro de 1985).

No plano interno, o Estatuto da Criana e do Adolescente prev um sistema particularmente protetor do adolescente autor de ato infracional (Ttulo III do Livro II Parte Especial), determinando nomeadamente o princpio da liberao imediata (artigo 107), a limitao do internamento preventivo a 45 dias (artigo 108), a assistncia obrigatria de um advogado (artigo 111), a necessidade de privilegiar medidas scio-educativas (artigos 112 a 120), e o carter excepcional da internao (artigo 121).

De forma semelhante, o ttulo VI da Parte Especial consagrado ao o justia: assistncia jurdica gratuita (artigo 141), designao de um curador especial (142), juzes especializados (145 e seguintes), centros educacionais especializados de internao (185), policiais especializados (172).

Se um tal regime fosse aplicado, a situao do adolescente face justia e polcia seria ideal. A realidade muito distante disto: a polcia mantm-se como polcia militar e no integra unidades especializadas, ou seja, formadas no tratamento de crianas e adolescentes e na preveno. O Ministrio Pblico no dispe de meios suficientes para tratar de forma adequada a delinqncia juvenil, apesar da sua vontade de o fazer. A defesa obrigatria de cada adolescente no se encontra assegurada de forma satisfatria por falta de meios. Os juzes recorrem de forma demasiado sistemtica internao de adolescentes, em vez de medidas alternativas ou de libertao por delitos de menor gravidade.

O Tribunal pde verificar, por ocasio da visita FEBEM de So Paulo, as seguintes anomalias graves:

superlotao de uma unidade cuja capacidade de atendimento para 350 adolescentes e que alojava, de fato, 1600; ultraagem do limite mximo de tempo de internao provisria (45 dias), pois um grande nmero de adolescentes est naquela unidade h 3, 4 ou 5 meses; condies de higiene inissveis; ausncia de atividades educativas; sanes assemelhadas a tratamentos brutais, desumanos ou degradantes (tortura).

Este conjunto de constataes expressa violao grave e repetida das normas internacionais e nacionais em matria de justia da infncia e juventude.

Causas e responsabilidades

O crescente nmero de violaes dos direitos da criana e do adolescente na sociedade brasileira explica-se pelo agravamento das condies de vida de largas camadas da populao. As classes mdias so afetadas pelo progressivo empobrecimento, enquanto os grupos sociais mais desfavorecidos que tinham se beneficiado com a poltica de estabilizao monetria no aspecto especfico do poder aquisitivo em relao s necessidades bsicas so de novo atingidos no seu padro de vida. A concentrao da riqueza tem como dramtica contrapartida o agravamento da excluso social.

A desativao de amplos setores da economia, em razo da poltica de juros altos, e a incorporao de tecnologias avanadas provocam desemprego em massa, donde resultam novos fatores de desagregao da famlia. Ora, a desestruturao da famlia, designadamente nas grandes concentraes urbanas, justamente causa relevante da marginalizao de crianas e adolescentes, atirados rua em condies degradantes.

As imposies externas, protagonizadas pelo Fundo Monetrio Internacional no quadro das polticas de ajuste estrutural, bem como as correntes liberais dominantes, levam a programas de privatizao de setores econmicos estratgicos. Tais privatizaes no s tm alienado parcelas importantes do patrimnio nacional, como tm gerado efeitos perversos, pois, objetivamente, os custos absurdos dos servios das dvidas externa e interna e a poltica irresponsvel de manuteno da ncora cambial (esta ltima at janeiro de 1999) consumiram todas as receitas decorrentes das alienaes do patrimnio pblico. A privatizao do sistema de telecomunicaes, bem como a de certas empresas do setor energtico, demonstra saciedade os custos econmicos e sociais de polticas desastrosas.

Simultaneamente, promove-se o redimensionamento do Estado, restringindo-se o seu papel como regulador dos mecanismos do mercado. Reduzem-se drasticamente os montantes destinados s polticas sociais, levando perda de garantias duramente conquistadas, a exemplo da limitao do reembolso do salrio maternidade pela Previdncia Social, o que acarreta graves conseqncias empregabilidade das mulheres.

Reaparecem, em frustrante tentativa de compensao, polticas de pendor assistencialista. Ao mesmo tempo, o poder poltico se concentra ao nvel da Unio, fragilizando o poder estadual e, mais ainda, o poder municipal, dos quais este ltimo est diretamente confrontado com as demandas sociais. No ira que, neste contexto de esvaziamento das polticas sociais, os direitos das crianas e dos adolescentes sejam violados com maior freqncia.

Esta , afinal, mais uma manifestao de um processo que domina a atualidade: o processo, aparentemente contraditrio, de maior integrao dos espaos humanos na economia de mercado, ao mesmo tempo em que grandes multides so excludas dos seus benefcios mnimos. A lgica do mercado mundial tende a absorver novos contingentes de consumidores, ao mesmo tempo em que marginaliza os segmentos da populao que no disponham de poder aquisitivo dos bens e servios ofertados pelo "mercado global". A integrao gera tambm excluso. Da os crescentes custos sociais e humanos da atual conjuntura mundial, afetando com peculiar gravidade os grupos mais vulnerveis e, entre eles, as crianas e os adolescentes.

Culpa do governo e da sociedade

O quadro acima exposto configura uma vasta teia de interesses, nacionais e internacionais, cuja ao concertada no hesita em desprezar os direitos mnimos de vastas camadas das populaes. Mas o carter genrico e annimo desses agentes produtores de excluso social no pode fazer esquecer a responsabilidade pessoal dos que tomam decises estratgicas para o futuro das comunidades humanas.

A persistncia e a gravidade das violaes dos direitos de crianas e adolescentes no Brasil no permitem silenciar sobre a responsabilidade dos detentores do poder poltico, nas suas trs vertentes: legislativo, executivo e judicirio, e nos seus trs nveis: federal, estadual e municipal.

Uma das manifestaes do bloqueio, movido por decises polticas, s medidas favorveis infncia e adolescncia verifica-se no que concerne aos Conselhos dos Direitos e aos Conselhos Tutelares. A proteo integral da criana e do adolescente (conceito nuclear para a estruturao das normas contidas no ECA) pressupe uma articulao de fatores e uma mudana cultural na qualidade da relao de todos os agentes entre si e destes com as crianas e os adolescentes, definindo novos paradigmas e rompendo os critrios restritivos e as intervenes pontuais voltadas para clientelas especficas. Neste terreno, porm, assistimos ao agudizar de conflitos entre as entidades governamentais e as representaes da sociedade civil, paralisando a introduo de novos paradigmas e a aplicao criteriosa dos dispositivos legais em vigor.

Por sua vez, o prprio Poder Judicirio, bem como o Ministrio Pblico revelam, em certas circunstncias, fraca permeabilidade participao direta da sociedade, alm do que subsistem tendncias para a criminalizao excessiva das condutas de adolescentes, os quais, com demasiada facilidade, so enviados para instituies de internao.

Nestas instituies, alis, podem verificar-se persistentes e sistemticas violaes de direitos humanos, que o Tribunal Permanente dos Povos condena com a maior veemncia. Crianas e adolescentes so objeto de prticas de tortura e de tratamentos cruis, degradantes e humilhantes. Os agentes polticos, em todos os escales da hierarquia do Estado, tm de ser responsabilizados por semelhantes atentados aos requisitos mnimos de dignidade da pessoa humana. Com igual veemncia, o Tribunal denuncia e condena a trgica facilidade com que as foras policiais agridem e matam crianas e adolescentes na rua, no apenas em massacres coletivos espordicos, como ainda em assassinatos freqentes.

O poder executivo nos vrios nveis federal, estadual e municipal ainda culpado por omisso ao no colocar em prtica imperativos constitucionais e prescries legais que obrigam a atribuir prioridade proteo integral da criana e do adolescente. Mas no se pense que suas responsabilidades se situam apenas no domnio da omisso. A adoo concreta de medidas polticas gravemente danosas para a infncia e a adolescncia constitui um retrocesso face a orientaes anteriores e sua denncia no pode ser silenciada. Basta ver, a ttulo de exemplo, o que j foi referido quanto a cortes oramentrios em programas sociais ou ao congelamento de verbas para sua implementao. Tais medidas no podem ser consideradas como receitas conjunturais de efeitos ageiros. Pelo contrrio, elas indicam a ausncia de polticas sociais sustentadas e a opo dos responsveis no sentido da transferncia de recursos em detrimento dos mais vulnerveis.

O prprio poder legislativo no est isento de responsabilidade neste domnio. verdade que a legislao brasileira atinge um alto grau de exigncia nas suas formulaes, no que se refere proteo de crianas e adolescentes. Mas os parlamentares eleitos pelo povo tm manifestado inrcia ao no complementarem as leis bsicas com sua necessria regulamentao. Alm disso, tem autolimitado sua celeridade de fiscalizao do cumprimento das leis pelo executivo e tm sido coniventes com as medidas oramentrias que restringem deliberadamente as verbas para a aplicao de polticas sociais.

Por fim, pode-se dizer que a sociedade civil brasileira, no seu conjunto, tem sua quota de responsabilidade na continuada violao dos direitos da criana e do adolescente. Quanto mais no seja por ividade, a sociedade conivente com os fenmenos de excluso, estigmatizando aqueles que ela prpria marginaliza, e torna-se cmplice nem que seja pelo silncio dos atentados dignidade de crianas e adolescentes.

Medidas sociais necessrias

O Jri do Tribunal Permanente dos Povos, ao apreciar a situao das violaes dos direitos das crianas e dos adolescentes no Brasil, no se limita a proferir uma sentena condenatria, mas preocupa-se igualmente com a formulao de propostas tendentes introduo de melhorias na situao vigente.

Face aos fatos com que foi confrontado, o Tribunal tem conscincia da complexidade das medidas a tomar para a eliminao das violaes dos direitos das crianas e dos adolescentes e para o cumprimento dos compromissos internacionais do Brasil nesta matria, como - alis - para o cumprimento da sua prpria legislao interna. Todavia, parece possvel delinear traos de uma estratgia para a aplicao dos princpios em causa.

Uma primeira linha de interveno deveria privilegiar as vertentes de sensibilizao, educao e formao dos diferentes agentes da sociedade civil e da istrao pblica. Desde os pais, professores, trabalhadores sociais e at os magistrados e os empresrios, ando logicamente pelos agentes policiais, todos deveriam ter disposio meios formativos e instrumentos de sensibilizao, tanto nos aspectos cvicos e ticos, quanto nos tcnicos e metodolgicos. Conhecer para intervir corretamente afigura-se como uma necessidade imediata. Aqui tambm se deve colocar esforos no sentido de impedir a reduo da idade para a imputabilidade dos adolescentes.

Uma segunda linha de interveno deveria estar centrada nas medidas de tipo preventivo das situaes de risco. Polticas estruturais que garantam renda mnima para as famlias so seguramente inadiveis e indispensveis. A efetiva instalao dos Conselhos Tutelares seria uma condio para a poltica coerente de preveno. A universalizao do Sistema nico de Sade, a reestruturao do sistema educacional pblico, tendo como objetivo a construo da escola inclusiva, as medidas articuladas de combate ao trfico de drogas e ao tratamento dos txico-dependentes, a implementao de normas ticas para a publicidade - designadamente no que toca ao setor turstico - so medidas de curto, mdio e longo prazo que se impem como fatores preventivos.

Em terceiro lugar, so necessrias medidas imediatas de enfrentamento de alguns dos fenmenos mais gritantes de que o Tribunal tomou conhecimento, destacando entre elas: a eliminao da explorao do trabalho infanto-juvenil; a supresso dos tratamentos cruis, degradantes e vexatrios nas instituies de internao, comeando por impedir sua superlotao; o abandono da prtica abusiva dos partos por cesrea - a que recorrem s parturientes a fim de obterem cama num hospital pblico - em prejuzo das mes e das crianas; a represso pedofilia e violncia sexual contra crianas e adolescentes, inclusive no mbito familiar. Logicamente estas medidas de enfrentamento exigem e multisetorial e multiprofissional, capacidade pragmtica e avaliao sistemtica.

O conjunto dos fatos apresentados e comprovados perante o Tribunal Permanente dos Povos configura uma situao aflitiva a que urge por fim. Mas os fenmenos em anlise devem deixar de ser considerados como um flagelo nacional para serem assumidos como causa nacional. Acerca deles poderia existir uma espcie de contrato social ou de pacto de regime, resultando de um consenso amplo entre os agentes polticos e a sociedade civil, de forma a que as polticas em causa tivessem aplicao garantida e continuidade assegurada para alm das oscilaes eleitorais e da alternncia democrtica do poder.

Urge, pois, que a sociedade civil brasileira delimite um programa de ao que inclua, entre outras iniciativas, a formulao de projetos de alterao legislativa com medidas pontuais de alta eficcia, a exemplo de sanes duras para as empresas e sociedades que explorem o trabalho infanto-juvenil, determinando o cancelamento de seus alvars ou licenas de funcionamento, a tipitificao precisa do crime de pedofilia, qualificando-o como hediondo, alm de medidas determinantes para o combate decisivo veiculao de pornografia infantil pelas redes de comunicao, a exemplo da "Internet".

DECISO

1. Por tudo o que foi acima exposto, verifica-se que o Tribunal Permanente dos Povos realizou sua 27a. Sesso pautando-se pelo mais absoluto respeito aos princpios gerais de direito, partindo de acusaes precisas e desenvolvendo grande esforo no sentido de obter dados concretos e plenamente confiveis que confirmassem ou desmentissem os fatos constantes da denncia.

Como j foi assinalado, os fatos constantes da denncia que embasou o pedido de realizou de uma Sesso do Tribunal Permanente dos Povos no Brasil, enfocando o problema da violao dos direitos fundamentais da criana e do adolescente e considerando o distanciamento entre a lei e a realidade, configuravam violaes graves dos direitos desses menores. Os elementos que acompanhavam o pedido eram manifestamente idneos e justificavam plenamente a realizao de uma Sesso do Tribunal, sendo compatvel com sua finalidade de trabalhar em favor dos direitos dos povos, buscando a construo de uma sociedade justa, sem o que a humanidade no conseguir viver em paz.

Por tais motivos e fundamentos foi decidida a realizao, no Brasil, da 27a. Sesso do Tribunal, o que se concretizou graas colaborao extremamente valioso de muitas pessoas e entidades brasileiras comprometidas com os valores espirituais da pessoa humana e preocupadas, de modo especial, com a proteo e promoo da dignidade das crianas e dos adolescentes, que por sua fragilidade natural necessitam de apoio permanente. Sesses preliminares foram realizadas em diferentes partes do territrio brasileiro, com a mais ampla publicidade, assim como aconteceu com a Sesso conclusiva, de tudo sendo inteiradas previamente as autoridades responsveis.

A colaborao de especialistas estrangeiros, colaborando na organizao da Sesso e participando do corpo de jurados, contribuiu tambm para o aprofundamento das anlises numa perspectiva universal, tudo isso contribuindo para a legitimidade das concluses.

2. De acordo com os princpios gerais de direito e em respeito ao elementar direito de defesa, o Tribunal Permanente dos Povos deu cincia ao governo brasileiro de que seria realizada na cidade de So Paulo sua 27a. Sesso, dedicada ao tema "A Violao dos Direitos Fundamentais da Criana e do Adolescente no Brasil - O distanciamento entre a lei e a realidade vivida". Foi transmitida ao governo, atravs da presidncia da Repblica, uma cpia do libelo acusatrio, com o convite para que indicasse defensor e encaminhasse ao Tribunal as informaes e os documentos que considerasse oportunos. O governo foi informado de que, caso no fizesse a indicao -como efetivamente no fez -seria indicado defensor dativo, conforme prev o estatuto do Tribunal.

Foram ouvidos os depoimentos das testemunhas, incluindo estudiosos e pesquisadores, bem como dirigentes e militantes de Organizaes No-Governamentais que se ocupam do menor sob diversos ngulos. Essas testemunhas apresentaram fatos concretos, de que tinham conhecimento direto, adicionando dados e informaes comprobatrios da realidade das violncias contra os direitos dos menores e sua dignidade humana, dando conta da gravidade e extenso de tais violncias. O corpo de jurados fez indagaes s testemunhas, para complementao e esclarecimento de alguns pontos relevantes das acusaes. Para conhecer com mais preciso a situao de menores sem famlia ou infratores, internados nos estabelecimentos da Fundao Estadual do Menor-FEBEM -instituio pblica responsvel por esses menores, fortemente acusada por quase todos os depoentes pelos maus tratos aos menores ali internados- os membros do jri visitaram um desses locais, nas proximidades de So Paulo. Ali puderam obter informaes muito precisas e verificar concretamente a situao degradante em que vivem os menores naquela instituio.

Com base em todos esses elementos o Tribunal considerou comprovadas as denncias, relativamente s infraes graves de direitos, reconhecendo que o governo brasileiro tem obrigaes jurdicas que no est cumprindo, caracterizando-se a culpa do governo por dolo e negligncia, estando comprovados tambm os prejuzos decorrentes desse comportamento contrrio ao direito. Os fundamentos dessa concluso sero apontados em seguida, de modo especfico.

3. Atravs das informaes transmitidas e dos relatos de experincias pessoais das testemunhas, foi confirmado que em todas as grandes e mdias cidades brasileiras elevado o nmero de menores, meninos e meninas, vivendo na rua dia e noite em situao de abandono, sem famlia, sem proteo, sem assistncia, sem receber educao e cuidados de sade, sem qualquer espcie de apoio para a integrao social e sem orientao para o desenvolvimento pessoal e para a convivncia tica e pacfica. So alguns milhes de crianas e adolescentes que no tm o reconhecimento e o respeito de seus direitos bsicos de seres humanos e que, a partir de tal situao, no tm condies para gozar de qualquer direito e ficam sujeitos a todas as formas de violncia, fsica, psquica e moral.

O direito ao reconhecimento como pessoa e proteo especial pela condio de pessoa em formao, inerente idade, decorre tratados e convenes internacionais e de disposies expressas da Constituio brasileira, que contm um captulo dedicado aos direitos da criana, atribuindo aos governos a obrigao de dar prioridade criana, alm de responsabilizar a famlia e a sociedade. Essa responsabilidade do governo brasileiro decorre tambm, expressamente, das normas do Estatuto da Criana e do Adolescente, que lei aprovada pelo Parlamento, assim como de vrios instrumentos jurdicos internacionais aos quais o Brasil deu sua adeso formal, como os Pactos de Direitos Humanos e a Conveno Internacional sobre os Direitos das Crianas.

evidente que o governo no assumiu sua responsabilidade e no vem cumprindo seu dever legal, o que fica patente pelo simples fato de haver to elevado nmero de crianas vivendo nas ruas e de no existirem planos consistentes nem organizaes pblicas nacionais, cuja eficincia se comprove pelos resultados, visando correo dessa grave anomalia humana e social. A situao encontrada no estabelecimento da FEBEM visitado pelos membros do Tribunal uma demonstrao concreta dessa negligncia e comprova o que foi dito por vrios depoentes, ou seja, que no existem instituies oficiais bem estruturadas, com recursos humanos e condies materiais adequados e suficientes para promover a integrao da criana na famlia e na sociedade. Atravs de instituies como essa e, como foi informado aos julgadores, usando tambm a Polcia, que preparada para combater criminosos e no para apoiar crianas, os governantes brasileiros, de modo geral, privilegiam a represso, quase sempre violenta, como forma de enfrentar os reflexos sociais negativos resultantes da situao de abandono de to grande nmero de crianas e adolescentes.

Como previsvel e inevitvel, o resultado de tal situao de abandono material, psquico e espiritual um conjunto de prejuzos de mxima gravidade, que atingem os menores imediatamente, provocando sua degradao, obrigando-os a ar sofrimentos fsicos e situaes humilhantes, impedindo que eles desfrutem dos benefcios proporcionados pela sociedade e que vivam com despreocupao e alegria, como seria prprio de sua idade. Mais do que isso, entretanto, a situao de marginalizao social, as constantes ameaas e a represso efetiva matam o futuro dessas crianas. Na realidade, o futuro para elas no existe, porque constantemente preocupadas com sua prpria sobrevivncia fsica elas no tm projetos de vida, nem esperana nem sonhos. O prejuzo causado pelo desrespeito aos direitos agora projeta-se no futuro, pois o menor abandonado, entre outras coisas, no recebe educao nem preparao para o exerccio de uma profisso..

Tudo isso, que configura uma tragdia humana, ficou demonstrado atravs dos depoimentos e tem confirmao nas estatsticas. Fica na casa dos milhes o nmero de crianas sem famlia, sem escola e sem os cuidados bsicos de sade. So igualmente estarrecedores os nmeros relativos mortalidade infantil, s violncias sexuais e prostituio de crianas e adolescentes, explorao de menores no mundo do trabalho, devendo-se adicionar a existncia de situaes de escravido ou semi-escravido e a impossibilidade de freqentar escola, de ter recreao e de gozar da convivncia afetiva no mbito da famlia. igualmente muito elevado o nmero dos meninos e meninas consumindo drogas, iniciando-se como traficantes, conhecendo muito cedo os caminhos da criminalidade e sendo explorados por criminosos adultos.

Sem nunca terem sido tratados como seres humanos esses menores no tm conscincia de que existem direitos inerentes condio humana. Nunca tendo sido respeitados como pessoas no chegou at eles a noo da pessoa humana como um valor, sendo fcil, desse modo, que recorram violncia. Da mesma forma, pelo fato de jamais terem tido patrimnio, lgico e compreensvel que procurem apropriar-se daquilo que lhes d prazer ou que poder ser til para a satisfao de suas necessidades, no chegando at eles a noo de direitos patrimoniais. Esse comportamento dos menores desperta a reao indignada da sociedade, que, sem assumir sua responsabilidade legal pelo cuidado das crianas e sem demonstrar solidariedade, a no ser em raros casos, exige do governo uma ao repressiva mais forte contra os menores, o que se faz, freqentemente, de modo arbitrrio e com violncia, agravando-se ainda mais as ofensas dos direitos desses menores.

4. Os argumentos do defensor do governo, que foram aqueles habitualmente utilizados pelo prprio governo para eximir-se de responsabilidade, limitaram-se a quatro pontos: 1o. os problemas no so de agora mas vm sendo acumulados atravs das geraes, no se podendo culpar o atual governo por esse desrespeito aos direitos, que j muito antigo; 2o. o governo vem fazendo o que pode mas no existem recursos financeiros suficientes, pois o nmero de menores muito grande, ao mesmo tempo em que existem outros problemas sociais exigindo a destinao de recursos financeiros. Alm disso, o Brasil vem lutando com dificuldades para satisfazer as obrigaes financeiras relativas sua elevada dvida externa, devendo honrar os compromissos com os credores internacionais para no comprometer sua imagem e no afastar investimentos; 3o. no se pode culpar o governo federal, pois a Constituio brasileira consagra a forma federativa de Estado e a separao de poderes, havendo, portanto, uma diluio das responsabilidades; 4o. a sociedade brasileira deve assumir suas responsabilidades em relao s crianas e adolescentes, como estabelece a Constituio, cabendo iniciativa privada dar soluo ao problema dos menores abandonados, em lugar de esperar as iniciativas do governo, j sobrecarregado.

Quanto ao primeiro argumento -a antigidade do problema- verdade que a existncia de menores abandonados fato antigo no Brasil, mas isso no justifica a atitude de negligncia do atual governo brasileiro, que no d prioridade criana e ao adolescente e quase nada tem feito para correo dessa anomalia antiga. Conhecendo suas obrigaes jurdicas, decorrentes da Constituio e das leis nacionais, assim como de compromissos jurdicos internacionais, o governo est obrigado a enfrentar o problema, estabelecendo um plano para correo gradativa da situao, mas de modo concreto e no se limitando apenas publicao de programas teoricamente corretos e sem conseqncias prticas. O governo deve estabelecer planos efetivos, prevendo e comprometendo os meios, fixando cronogramas, sem ficar na declarao de propsitos genrica e abstrata, condicionada improvvel sobra de recursos oramentrios.

Os programas do governo nessa rea devem ter a natureza de compromissos jurdicos, para permitir o acionamento do Judicirio em caso de descumprimento. oportuno lembrar que o atual presidente da Repblica do Brasil foi eleito e reeleito pelo povo, em eleies diretas. Assim sendo, alm de ter o dever constitucional de cumprir as funes inerentes ao seu cargo de chefe do governo federal, lgico afirmar que o presidente tinha pleno conhecimento da existncia do problema do menor abandonado e de seu dever de enfrent-lo, quando props, por duas vezes, sua candidatura. Assim, pois, no ten consistncia jurdica o argumento da antigidade do problema, como justificativa para exonerar de responsabilidade o atual governo..

O segundo argumento -o grande nmero de menores abandonados e a existncia de outros problemas sociais, demandando elevados recursos financeiros, inexistentes por causa da dvida externa- pe em evidncia a questo central do problema e exige vrias consideraes. Em primeiro lugar, os analistas polticos e econmicos registram a adeso do atual governo brasileiro poltica do Fundo Monetrio Internacional, traduzida em termos tericos como neoliberalismo e, na essncia, significando a verso mais moderna do capitalismo atico e voltado exclusivamente para objetivos econmico-financeiros. Isso exclui a prioridade para objetivos sociais e determina a obedincia s "leis do mercado", pondo em segundo plano as normas e limitaes jurdicas. Isso explica a prioridade dada pelo governo brasileiro aos credores internacionais, deixando de cumprir seu dever constitucional de respeitar a Constituio e dar prioridade aos direitos e interesses do povo brasileiro. Do ponto de vista jurdico os direitos e interesses dos credores internacionais esto em plano inferior.

A alegao da necessidade de honrar os compromissos com os credores internacionais para manter o fluxo dos investimentos, que seria de interesse do povo brasileiro e justificaria a sonegao dos recursos destinados s crianas, um argumento antitico e juridicamente inaceitvel, alm de ser extremamente duvidoso do ponto de vista prtico. Antes de tudo preciso lembrar que os tratados, pactos, convenes e demais acordos internacionais de Direitos Humanos, assinados por representantes do governo e homologados pelo Congresso Nacional, so compromissos assumidos pelo Estado e pelo povo brasileiro perante os demais povos e demais Estados. So compromissos que devem ser honrados, sob pena de desmoralizao do Brasil perante os outros povos, o que, evidentemente, no do interesse do povo brasileiro. Alm disso, so compromissos assumidos em benefcio da humanidade, como tambm, de modo especfico, do prprio povo brasileiro, objetivos prioritrios em relao aos interesses dos investidores.

A par disso tudo, oportuno assinalar que o investidor financeiro, obediente apenas s leis do mercado, s atrado se houver segurana para os investimentos e alta rentabilidade. Hoje est muito claro, inclusive para os investidores potenciais, que as injustias e os desequilbrios sociais geram conflitos, extremamente perigosos para a estabilidade poltica e, por conseqncia, para a segurana dos investimentos. Ademais desses aspectos prticos, sempre oportuno lembrar que antitico e antijurdico sonegar recursos aos objetivos sociais para garantir os lucros de investidores privados.

Ainda em relao ao argumento de que os recursos so necessrios em outras reas e no sobram para os objetivos sociais, a imprensa brasileira tem registrado que mesmo os membros do partido do presidente, assim como seus aliados no Congresso Nacional, j manifestaram sua oposio a essa orientao do governo, que inconstitucional e vem trazendo graves prejuzos s camadas mais pobres do povo brasileiro. J foi assinalado tambm que o governo vem usando o artifcio de propor ao Parlamento um projeto de lei oramentria contemplando com bons recursos financeiros os setores sociais. Entretanto, obtida a aprovao do Congresso o presidente no utiliza esses recursos, alegando que a aprovao da lei apenas uma autorizao para a despesa e no contm a obrigao de realiz-la. Do ponto de vista jurdico essa mais um desrespeito lei, pois a lei oramentria tem todos os componentes de uma lei e, desse modo, todos os seus dispositivos so de cumprimento obrigatrio para o Executivo, a menos que ocorra uma catstrofe ou que a arrecadao de tributos seja muito menor do que a prevista. Mas ainda que ocorram essas hipteses, e a no ser para as emergncias da catstrofe, a despesa autorizada deve ser prioridade e continua sendo uma obrigao legal do Executivo, reduzindo-se os gastos apenas na proporo da reduo da arrecadao. Tudo isso demonstra que tambm esse argumento da defesa no pode ser acolhido.

O terceiro argumento -a diluio das responsabilidades pelo federalismo e pela separao de poderes - tambm no pode ser aceito, porque no juridicamente verdadeiro. Embora o Brasil esteja organizado como Estado Federal, a Constituio d preponderncia ao governo federal em termos de fixao de normas gerais, obrigatrias para os governos estaduais e municipais, dando tambm ao Supremo Tribunal Federal, que rgo da Unio, a competncia para guarda da Constituio e para o judicial review, o que implica a interpretao da Constituio e o controle da constitucionalidade de todas as leis e dos atos jurdicos praticados em qualquer esfera de governo. Basta lembrar que o Estatuto da Criana e do Adolescente lei federal, obrigatria para todos, cabendo ao governo federal o dever de zelar pelo cumprimento dessa lei, tanto pelas autoridades federais quanto pelas estaduais e municipais. Na realidade, nem o governo federal vem cumprindo todas as determinaes do Estatuto, mas, alm disso, vem sendo negligente quando aceita ivamente, sem tomar qualquer iniciativa, o desrespeito daquela lei federal por outros governantes. Uma das obrigaes constitucionais do presidente da Repblica cumprir as leis federais e cuidar para que elas sejam respeitadas por todos.

Quanto ao Supremo Tribunal Federal, tem sido registrada por eminentes juristas brasileiros a posio conservadora, e por muitos considerada contrria Constituio, do mais alto tribunal brasileiro. Especialmente quanto aplicao interna das normas internacionais de Direitos Humanos a jurisprudncia do Supremo Tribunal tem sido excessivamente restritiva. Assim, por exemplo, em relao a tratados de Direitos Humanos em que o Brasil signatrio e cuja adeso j foi homologada pelo Congresso Nacional, como prev a Constituio, o Supremo Tribunal Federal considera isso insuficiente para a integrao das normas internacionais ao sistema brasileiro de direito positivo, embora tenham sido cumpridas todas as formalidades previstas na Constituio. Isso tem ajudado o governo brasileiro a resistir aplicao das normas internacionais que acarretam obrigaes, o que tem prejudicado, em muitas situaes, a promoo e proteo dos direitos das crianas e dos adolescentes. Em concluso, nem o federalismo nem a separao de poderes retiram ou diminuem a responsabilidade do governo federal pelo desrespeito aos direitos das crianas e dos adolescentes.

Por ltimo, resta o argumento da responsabilidade da sociedade, que deveria tomar iniciativas, criar organizaes, preparar e desenvolver programas visando a integrao social dos menores e, mais que isso, evitar que continuasse a ocorrer prtica do abandono, trabalhando no sentido de interromper o fluxo histrico dessa ocorrncia imoral, injusta e contrria aos princpios fundamentais do direito. Na realidade, a existncia de grande nmero de menores abandonados em todo o pas e a continuidade dessa ocorrncia so fatos pblicos e notrios, amplamente noticiados pela imprensa, como tambm so do conhecimento de todos as prticas ilegais das autoridades, omitindo-se no cumprimento das leis que determinam a proteo e a promoo humana desses menores e ainda agindo arbitrariamente contra eles.

A sociedade brasileira parece considerar naturais e inevitveis essas ocorrncias ou ento no reconhece sua responsabilidade, esperando as iniciativas do governo. Esse comportamento, claramente injusto, revelador de que os sentimentos de solidariedade do povo, muitas vezes demonstrado em situaes especficas e momentneas, seletivo e no permanente, devendo ser despertado e estimulado por campanhas educativas que devem ter como ponto de partida iniciativas governamentais. A falta de aes solidrias permanentes um fato, mas tambm no exonera o governo de suas responsabilidades, sendo tambm inconsistente esse ltimo argumento, do ponto de vista jurdico, para eliminar a culpa do governo.

5. Por tudo o que foi dito e comprovado durante a sesso de julgamento, pela quantidade e solidez das provas apresentadas, bem como pelos argumentos aqui expostos e pelos fundamentos j invocados, o Tribunal Permanente dos Povos julga o governo brasileiro culpado, tanto por suas aes contrrias aos direitos dos menores quanto por negligncia. O governo vem desrespeitando, sistematicamente, os direitos fundamentais de crianas e adolescentes, deixando de cumprir suas obrigaes constitucionais e ignorando leis e tratados que fazem parte do sistema jurdico positivo brasileiro. Como j foi assinalado, os tratados, pactos e acordos internacionais assinados e homologados so compromissos jurdicos, alm de ticos, que devem ser cumpridos.

Um ponto muito importante, que deve ser aqui assinalado, que, a par do reconhecimento, na teoria e na jurisprudncia internacional, de que os tratados de Direitos Humanos constituem categoria especial e so sempre auto-aplicveis, a Constituio brasileira determina expressamente essa aplicao imediata, considerando parte das normas constitucionais de Direitos Humanos as normas contidas nesses instrumentos jurdicos internacionais. Assim, pois, o Brasil tem a obrigao jurdica de aplicar esses preceitos e a atitude do governo brasileiro, agindo em sentido contrrio ou omitindo-se, ofende o direito nacional e internacional.

Com relao aos efeitos prticos, est claramente comprovado que esse comportamento do governo, contrrio tica e ao direito, vem prejudicando gravemente os direitos e interesses das crianas e dos adolescentes brasileiros, especialmente daqueles que, nascidos na pobreza, so marginalizados desde o incio de sua existncia. Sem efetiva integrao na sociedade, esses menores no recebem a proteo e o apoio necessrios para poderem sonhar com um futuro livre de privaes e de violncias, em que, como todos os seres humanos, sejam livres e iguais em dignidade e direitos.

Por todos esses fatos e fundamentos, o Tribunal Permanente dos Povos condena o governo brasileiro a assumir suas responsabilidades ticas e jurdicas para com a criana e o adolescente, respeitando a Constituio, as leis e os tratados, pactos, convenes e demais instrumentos internacionais em que o Brasil parte, cumprindo e fazendo cumprir as determinaes contidas nesses instrumentos jurdicos. Essa uma exigncia tica e jurdica, que deve ser atendida para que as crianas e os adolescentes do Brasil possam viver com justia e dignidade desde o momento de seu nascimento e para que consigam seu pleno desenvolvimento material, psquico, moral e intelectual, podendo contribuir para a valorizao da pessoa humana e para que haja paz entre todos os povos.

So Paulo, 19 de maro de 1999.
Presidentes da Sesso:
Dr. Dalmo de Abreu Dallari
Dr. Rubens Approbato Machado
Dr. Lus Moita

TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS
Secretaria Geral: Via della Dogana Vecchia, 5 0186
ROMA, ITALIA Tel. 68 80 14 68 Fax 68 77 774.
http://www.grisnet.it/filb

Presidente:
FRANOIS RIGAUX (BELGICA)

Vice-Presidente:
AMAR BENTOUMI (ARGLIA)
SUSY CASTOR (HAITI)
MAKOTO ODA (JAPO)
GEORGE WALD (ESTADOS UNIDOS)
RUTH FIRST (AFRICA DO SUL)
antiga Vice-Presidente

Secretrio Geral:
GIANNI TOGNONI (ITLIA)

Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim