|
2t6f4f
PROTEO,
PROMOO E VIOLAO DOS DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS:
a responsabilidade do estado no direito interno e no direito
internacional
Inicialmente, agradeo a todas as entidades que proporcionaram
este evento e ao convite da Professora Flvia Piovesan para dele
participar.
O ttulo da minha fala, Conflitos Sociais, Linguagens
Transgressoras e o Desmonte dos Direitos de Cidadania, no
poderia ter encontrado melhores interlocutores do que meus
companheiros neste : Jos Rainha, liderana do MST,
movimento social de maior expresso atualmente no pas e o
Professor Fbio Konder Comparato, jurista que eu iro muito e
que me antecedeu neste .
Digo isto,
pois exatamente um artigo do Professor Comparato, publicado na
Folha de So Paulo, em maio de 1998, que fornece o eixo principal
das consideraes que trago a vocs. Naquele artigo, o
Professor Comparato afirmava com vigor: No sejamos ridculos.
A Constituio de 1988 no est mais em vigor. O autor
referia-se ao limbo da inutilidade em que a Constituio foi
jogada pela prtica autoritria do governo FHC de solapar seus
princpios, governando principalmente atravs de medidas provisrias.
Ao mesmo tempo, chamava a ateno para a semelhana com o
totalitarismo nazista, lembrando que a Repblica de Weimar fizera
o mesmo com sua Constituio. A viso totalitria implcita
nessa desconstitucionalizao de direitos a que estamos
assistindo permitia, ento, ao autor, estabelecer a relao
cristalina com a barbrie nazista. Dizia ele no artigo:
Hitler, afinal, no precisou revogar a Constituio de
Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbrie nazista:
simplesmente relegou s traas aquele pedao de papel.
(Uma morte espiritual, Folha de So Paulo, de 14.5.1998, p. 1-3).
Pelo tom
decisivo que ia alm da pura indignao e trazia para o debate
pblico a atualidade do nosso desmantelamento
constitucional, o artigo do Professor Comparato instigou-me
naquele momento circunscrito a maio de 1998 a dirigir um outro
olhar para as imagens, linguagens e prticas da ao coletiva
que pontuavam os jornais e, no caso especfico, o jornal Folha de
So Paulo. Seguindo as pistas de um filsofo poltico, Walter
Benjamin, procurei retomar imagens, linguagens e prticas
coletivas de protestos pblicos ento encenados nas ruas das
principais cidades do pas. Essas imagens aparentemente dspares,
desde que conectadas a uma montagem dialtica, poderiam,
ainda segundo Benjamin, fornecer caminhos importantes, tanto para
resgatar a memria das lutas por direitos neste pas, quanto
para entender o atual desmonte dos direitos sociais. Ou melhor,
aquilo que no Ncleo de Estudos dos Direitos da Cidadania, do
qual participo como pesquisadora, estamos denominando de
desmanche da ordem jurdico-poltica.
Apenas para
dar um quadro impressionista a vocs deste maio de 1998, assinalo
algumas imagens e linguagens que irrompem no cenrio poltico
brasileiro com enorme tenso social, pela volta s ruas de
movimentos sociais e protestos os mais diversos encenados pelos
sem os sem teto, os sem comida, os sem empregos e os sem
direitos. Ao ocuparem ruas, praas, estradas e reas rurais,
regies centrais de reas metropolitanas, prdios pblicos em
pequenas, mdias e grandes cidades, supermercados e feiras
regionais, tornavam pblica a enorme crise social que corta o pas,
em torno da chamada questo social, compreendendo a
desigualdade, a pobreza, o desemprego, a misria e a violncia,
entre outros.
O grande
pano de fundo em maio de 1998, sem dvida, era dado pelos saques
de alimentos pelos quais os sem terra rurais e flagelados
conferiam visibilidade aguda fome e misria.
interessante, no entanto, assinalar que a onda de protestos e
mobilizaes no permanecia apenas circunscrita fome,
seca e aos saques no Nordeste. So Paulo, maior metrpole
brasileira, contava ao findar a primeira quinzena do ms
com um saldo de pelo menos 17 mobilizaes entre greves, atos pblicos
e eatas nas principais avenidas e ruas centrais, incluindo a
ocupao de ptios de estacionamento em frente a grandes
supermercados.
Quais os
personagens que ocupavam as ruas?
Tnhamos desde funcionrios pblicos que, lutando pelo no-desmonte
de direitos sociais, dirigiam sua agenda a protestos contra o
desemprego e a precarizao, a ameaa de demisses, o no-cumprimento
de acordos e garantias de permanncia no emprego, reajustes
salariais e a oposio s privatizaes de empresas do
governo estadual, incluindo professores estaduais do ensino de
primeiro grau, professores universitrios federais (em greve
nacional), motoristas de nibus, cobradores, metrovirios,
funcionrios de duas empresas estaduais de saneamento bsico
(contra a privatizao de uma delas) e ferrovirios da Cia.
Paulista de Trens Metropolitanos. A eles se agregavam, entre
outros, os protestos de perueiros, de camels que
disputavam o espao da cidade num cenrio de desemprego
crescente e total ausncia de polticas sociais para enfrentar a
excluso social, de aposentados lutando contra a reforma da
Previdncia (e aqui lembro que foi exatamente no dia 12.5 que o
presidente chamara aqueles que trabalham desde muito cedo de
vagabundos), de grupos de sem-teto protestando em frente ao
palcio do Governador, exigindo cumprimento de planos
habitacionais elaborados pelos prprios movimentos com tcnicos
do CDHU e outros rgos do governo estadual. No por acaso, na
segunda quinzena do ms, a fome, a ausncia de polticas
sociais e o desmonte de direitos sociais bsicos tornaram-se
itens bsicos de uma agenda de protestos que impulsionou uma
grande mobilizao nacional que em 20.5 levou 20 mil pessoas
Braslia, na Jornada Nacional por Empregos e Direitos Sociais.
Dela participaram vrios movimentos e entidades civis, entre os
quais o Movimento Nacional de Direitos Humanos, um dos
organizadores deste seminrio aqui na PUC, sobressaindo-se, no
entanto, os trs maiores movimentos organizados do pas: o MST,
a CUT e a Central de Movimentos Populares.
No o caso de detalhar o relato desta Jornada, atravessado por
acontecimentos complexos e tumultuados, lembrando apenas a vocs
a ocupao do saguo da Caixa Econmica Federal por 200 sem
tetos, pertencentes a movimentos de moradia que aguardavam h
mais de quatro anos serem recebidos pelos diretores da Caixa. A
ocupao confrontada com enorme aparato de represso
visava pressionar pela aprovao de um projeto de lei de
iniciativa popular enviado Cmara Federal, em 1991, em que se
solicitava a criao de um Fundo Nacional de Moradia Popular e
outras polticas de habitao para a populao de baixa
renda.
Ora, o que
talvez seja importante ressaltar no quadro impressionista aqui
esboado so as linguagens emanadas dos centros de poder
que reatualizam imagens to antigas e de forte tradio na
sociedade brasileira. Sobretudo aquelas provindas de reaes
virulentas que, fortemente ancoradas na mdia, encenam os pobres
e aqueles que ousam ir s ruas fazer falar os direitos como
classes perigosas desqualificando, dessa forma, os conflitos
sociais em torno das desigualdades sociais e da eroso de
direitos.
Neste
sentido, vou ler brevemente trechos recortados por mim de trs
editoriais da Folha de So Paulo, de longe o jornal de menor
furor conservador. Todos eles apontam para a forma como os
centros do poder e a mdia tentam solapar a perspectiva da
universalizao de direitos econmicos, sociais e culturais. O
primeiro deles, intitulado, MST Multimdia, de 7.5.1998
(referindo-se s invases, ocupaes e saques, bem como ao
MST), ressalta: Atos violentos contra o direito; em suas
aes por obter terra [visam] enfraquecer o governo ou
mesmo abalar a ordem so-cial; baderna execrvel e
criminosa; difunde o princpio da desordem e desrespeito
propriedade; inegvel e perigosa ameaa democracia.
Uma das tticas do MST organizar os excludos (...)
oferecendo a perspectiva de terra, teto ou comida (...) Com tais
atitudes [o MST] alm de suas organizadas marchas nacionais,
pretende dar visibilidade dramtica a sua poltica e questo
social. [So responsveis] pela fuga dos investidores
externos, sem os quais o Brasil no poder continuar sua trajetria
rumo modernidade.
O segundo, intitulado Radicalismo Criminoso, de 15.5.1998, revela
o Refluxo poltico da esquerda (...) os movimentos
oposicionistas viram diminuir, nos ltimos anos, sua capacidade
de mobilizar a populao (...) exceo do MST e sua
intolervel poltica movida a ilegalidades, invases e
saques; (...) A CUT e outros movimentos, como os sem-teto,
enxergaram nas tticas do MST uma maneira de voltar a insuflar o
protesto social(...). Os investidores esto mais do que
nunca sensveis a turbulncias polticas, e o Brasil depende de
capital externo para poder fazer crescer sua economia (...).
Finalmente,
o terceiro deles, O impacto poltico da crise, de 24.5.1998,
aponta para: (...) O fato de que tais entidades [referindo-se
ao MST, CUT e CMP] venham conseguindo articular, por meio de aes
irresponsveis, problemas em grande medida distintos, como a misria
nordestina e a falta de emprego nos centros urbanos, um sintoma
de que o mal estar social, por ora ainda difuso, mas crescente,
pode causar um efeito
domin (...).
Correndo o risco de ter me alongado demais nestes exemplos, penso
que sua importncia simblica pode ser apontada em trs
conjuntos de questes importantes para a reflexo.
O primeiro
deles aponta para a (re)atualizao da questo social como
questo de polcia, remetendo a discursos clebres como os
do ento presidente Washington Luiz (1926-1930) que durante a 1
Repblica assim se referiu s greves e conflitos operrios e s
mobilizaes de pobres e outros grupos marginalizados que
lutavam por melhores condies de vida e trabalho. De fato, os
exemplos citados remetem herana caracterstica da entrada do
Brasil na modernidade (principalmente desde meados do sculo
XIX), em que se forjou uma sociabilidade autoritria no interior
de uma combinao peculiar de idias liberais burguesas prprias
das matrizes europia e norte-americana com o arbtrio e a
violncia advindos de sua longa e penosa experincia de escravido.
Prticas paternalistas, do favor, da tutela, do clientelismo
misturavam-se a um enorme aparato de violncia que sempre
recortou nossa sociedade, seja no campo ou nas cidades. Sobretudo,
interessa destacar que essa foi uma sociedade que, ao transitar
para a ordem republicana e capitalista, construiu uma
sociabilidade poltica autoritria ao repor hierarquias,
desqualificar as diferenas de classes e grupos sociais e
legitimar as desigualdades so-ciais. Atravs de um imaginrio
moderno-conservador que colocava trabalhadores e no-trabalhadores
no mesmo campo semntico de classes perigosas, a
estigmatizao com que a sociedade brasileira sempre encarou as
lutas e conflitos sociais revela as dificuldades em lidar com
a ao das classes dominadas, quando estas tentavam instaurar
espaos pblicos de elaborao, interlocuo e negociao
de direitos, sobretudo os sociais. Estas caractersticas
persistem de forma exasperante, mesmo a partir dos anos 30 na
chamada era Vargas quando os direitos sociais emergem no
interior de uma cidadania regulada (este conceito, j clssico,
do socilogo Wanderley Guilherme dos Santos), cidadania esta
restrita apenas queles inseridos no mercado formal de trabalho
industrial.
O segundo eixo de questes derivado de trechos dos editoriais
apontados refere-se aos discursos do poder que visam desqualificar
e (des)historicizar um outro momento importante de nossa trajetria
aquele que, nos anos 70 e 80, (re)encenou novos movimentos
sociais e entidades civis mobilizando-se pelas demandas e
reivindicaes em torno de direitos de cidadania. No posso
aqui me deter na trajetria de movimentos contra o aumento do
custo de vida, por creches, por sade, por moradias, o movimento
do novo sindicalismo etc., mas apenas destacar que o direito a
ter direitos (expresso de Hannah Arendt), fortemente
reivindicado por esses movimentos, significava, naqueles anos, um
novo lugar de onde se encenava uma linguagem de classes e grupos
populares enunciando a prpria capacidade de participar, julgar,
negociar e deliberar sobre polticas pblicas que incorporassem
direitos novos e outros, (re)interpretados, porm nunca
efetivados para a maioria da populao. E, apesar da
visibilidade e mobilizao desses movimentos obedecer a vrios
refluxos ao longo desse perodo, pode-se assinalar que a
partir de 1986, principalmente, naquilo que ficou conhecido como
momento constitucional brasileiro, que movimentos os mais
variados e outras entidades civis deslocam a linguagem dos
direitos das ruas para o Parlamento, inscrevendo na Constituio
de 1988, no apenas direitos econmicos, sociais e culturais
importantes, mas, sobretudo, criando espaos pblicos que
apontavam para novos significados entre esses movimentos e o campo
jurdico-institucional. Dessa forma, apontavam para o fato de que
capacidades legislativas no se restringiam apenas queles
cujo discurso competente (expresso da filsofa Marilena
Chau) s pode ser emanado dos centros decisrios do poder.
Estou falando aqui de uma gama muito grande de experincias que
vai desde os Conselhos Populares, a pela assessoria jurdica
dos estudantes de direito aos movimentos sociais, na elaborao
de iniciativas populares de projetos de lei e, aqui na PUC
existe uma histria interessante sobre isto at outras instncias
de negociao de direitos como o exemplo, mais conhecido
nacional e internacionalmente, da experincia do Oramento
Participativo de Porto Alegre. Tentava-se, em todo caso, resgatar
uma noo de res publica, de coisa pblica, de fato desde
sempre precria e inacabada, em nosso imaginrio
poltico.
importante lembrar sem poder me deter muito nisso que essa
participao popular na Constituinte de 88 teve um carter
multifacetado, polissmico, permeado de ambigidades entre
virtualidades e limites. Hoje, possvel dizer que aquele
momento constitucional abriu-se para um novo campo de conflitos
criando novos direitos, fazendo emergir os novos sujeitos
coletivos de direitos, mas, tambm, direitos que aram por
um processo perverso de retroao e destituio (o caso da
Reforma Agrria um, dentre muitos), e outros que aram a
letra morta da lei, pois jamais foram regulamentados. Por
outro lado, tambm, se inseria a um desafio s aes de
movimentos sociais e grupos populares e que pode ser explicitado
pela metfora do dilema entre falar os direitos e fazer
falar os direitos, ou seja, efetiv-los. Na ao de alguns
movimentos era possvel detectar uma tica restrita dos direitos
de cidadania naquilo que estudiosos chamam de localismos das
demandas especficas, ou o encapsulamento de uma perspectiva
de universalizao de direitos em horizontes privatistas, ou
ainda, em outros casos, uma ao que sucumbia s armadilhas da
participao jurdico-institucional. Isto num pas que, como
todos sabem, atravessado por uma tradio frgil de
democracia, revelando a (re)atualizao de velhos mandonismos e
a criao de outras formas de clientelismo, em que, por vezes, no
se consegue sobrepor a dimenso pblica a uma experincia de
trabalho coletivo, fragilizando a noo de responsabilidade pblica.
Tais prticas acabam operando como armadilhas, transformando
incessantemente as energias emancipatrias em perversas
formas de regulao que travam suas virtualidades.
Finalmente, o terceiro conjunto de reflexes suscitadas pelo
recorte dos editoriais diz respeito ao atual momento de desmonte
de direitos so-ciais bsicos. Inicialmente, trata-se da
flexibilizao da legislao trabalhista comandada pela
ideologia neoliberal e aqui referida, amplamente, pelo Professor Fbio
Comparato. Basta apenas mencionar rapidamente: o trabalho a tempo
parcial, as medidas sugeridas de suspenso temporria dos
contratos de trabalho, o afastamento dos sindicatos das negociaes,
o desmonte das cmaras setoriais enquanto instncias de debate
em torno de polticas pblicas, a reduo da jornada de
trabalho proposta no atravs de um processo negociado com
trabalhadores, mas imposta de cima, por medidas provisrias, e
por a vai. Se olharmos para outros direitos que compem o
chamado estado de bem-estar social que, diga-se de agem, entre
ns, significou bem mais um estado de mal-estar social, pode-se
apontar para o desmantelamento da Seguridade Social como um
direito social bsico e universalizante, inscrito na Constituio
de 1988 por toda uma ampla movimentao da sociedade civil. A
sua substituio por programas de cunho assistencialista como o
Comunidade Solidria, para alm de deslocar a real
representatividade da sociedade civil, opera uma inverso ideolgica
perversa que joga para a esfera das empresas privadas, doravante
denominadas de OS organizaes sociais, muitas delas
auto-intituladas empresas-cidads, a funo de garantir
direitos sociais bsicos como sade e educao, por exemplo.
Pode-se registrar, ainda, o aumento dos ndices cruis de
desigualdades sociais, tanto no campo como nas cidades, revelando
o desprezo por polticas sociais fundamentais como as das
reformas agrria e urbana, entre outras, quando no, a demisso
do Estado em garanti-las como direitos sociais bsicos.
Penso que seria importante ressaltar nesse desmonte de direitos
so-ciais e muitos outros exemplos mereceriam ser mencionados e
aprofundados, no fosse o meu tempo que vai se esgotando a
emergncia daquilo que, no NEDIC, estamos chamando de
deslocamento do campo de conflitos e dos sujeitos coletivos de
direitos nele inseridos. Ou seja, trata-se das tentativas de
isolamento e fragmentao desses movimentos pelos centros e
linguagens do poder, fortemente ancoradas no aparato meditico
(de longa tradio na histria brasileira),e que operam a (des)historicizao,
a deslegitimao, a despolitizao e a desqualificao dos
conflitos sociais e das causas dos protestos, mobilizaes e
lutas contra o desmanche de direitos sociais.
Certamente, essa no uma caracterstica apenas da sociedade
brasileira. O que parece peculiar ao processo poltico brasileiro
atual o que o socilogo Francisco de Oliveira vem denominando
de sociabilidade da apartao, que no apenas
restringe-se aos mecanismos excludentes do mercado e aqueles
advindos do desmantelamento de polticas pblicas que asseguram
um mnimo de direitos. O que a sociabilidade da apartao
destila como mais perverso, segundo o autor, a subjetividade
e a sociabilidade antipblicas, ou seja, as prticas,
linguagens, imagens e chaves discursivas que tentam anular o lugar
da fala, da contestao e do dissenso.
Para
finalizar, penso ser importante lanar um novo olhar para novas
formas de expresso poltica, pelas quais movimentos sociais e
outros grupos populares vm construindo as linguagens
transgressoras comuns em torno do desmonte dos direitos sociais,
econmicos e culturais. Por novas formas de expresso poltica
entendo alguns acontecimentos de forte carter simblico, como
as marchas organizadas, protestos pblicos, mobilizaes pelas
cidades do pas, tribunais populares, os gritos dos ex-cludos
(impulsionados pela Igreja Catlica inspirada na Teologia da
Libertao), a revitalizao de ocupaes de prdios pblicos
pelos sem-tetos etc., articulados aos movimentos sociais citados,
MST, CUT e Central de Movimentos Populares, e envolvendo, tambm,
entidades importantes como a CNBB, Movimento Nacional de Direitos
Humanos etc. Certamente, essas novas formas de expresso poltica
encontraram sua inspirao maior no marco simblico
representado pela Marcha pela Reforma Agrria, Emprego e Justia
Social, impulsionada pelo MST, em abril de 1997.
Talvez possamos ler nessas novas formas de contestar o
desmantelamento de direitos sociais a criao de espaos pblicos
importantes que ocupam as ruas e principais praas das cidades,
dando visibilidade ao enfrentamento das polticas neoliberais em
curso. Mas, alm disso, pode-se ler nesses acontecimentos a poltica
sendo instituda por um conflito que se enuncia atravs de
assuntos comuns, por meio de articulaes importantes que tentam
ultraar as demandas especficas de cada movimento ou grupo
social neles envolvidos. Cabe lembrar, entre muitos outros
exemplos, que a Marcha do MST, em 1997, tambm mobilizou
reivindicaes e protestos presentes em outros eventos polticos
de grande tenso social naquele momento a oposio de
amplos segmentos da sociedade s reformas istrativa e da
seguridade social, e a privatizao, ilegtima, de uma das mais
importantes empresas estatais, a Companhia Vale do Rio Doce.
A importncia
da volta s ruas para fazer falar os direitos no pode ser
desprezada. Ao enunciarem uma agenda que aponta para o
encolhimento de direitos sociais universalizantes, centrada nas
desigualdades e injustias sociais, o que essas linguagens
transgressoras parecem conter como virtualidade a possibilidade
desses sujeitos de direitos coletivos virem a ocupar um
outro lugar, que no aquele que as linguagens do poder
associadas ao aparato da mdia tentam atribuir para a ao
coletiva o do isolamento, da fragmentao, da desqualificao
e da despolitizao dessas aes, secretadas pela
subjetividade e sociabilidade antipblicas, de que nos fala
Francisco de Oliveira.
Dessa forma, pode ser interessante introduzir algumas consideraes
de maneira muito breve e que poderamos depois retomar no
debate sobre aquilo que o filsofo poltico Jacques Rancire
entende como prticas do dissenso ou do desentendimento, ao
constiturem a poltica pelo conflito. Diz ele: Trata-se da
construo de uma cena comum, em torno da existncia e da
qualidade daqueles que esto ali presentes, que insti-tuem uma
comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano (...) que nada
mais do que a (...) contradio entre o mundo onde h algo
entre eles e aqueles que no os conhecem como seres
falantes e contveis. Para o autor, a comunidade poltica
existe quando dividida por um litgio fundamental, o que permite
sua visibilidade e contagem. No se trata, continua ele, de que
as pessoas se ocupem de seus assuntos comuns, mas de que
a parcela dos sem-parcela se ocupe transgressivamente de
seus assuntos comuns (Rancire, J. O desentendimento. So
Paulo: Ed. 34, 1996).
sempre bom lembrar o carter complexo da anlise dessas novas
formas de expresso poltica, pois se desdobram num espao
importante de questionamento de sua representatividade, para alm
do prprio acontecimento. Mas cabe ressaltar que, longe de serem
vistos como meros acontecimentos sem rumo (como recentemente
querem nos fazer crer), carregam o potencial de rupturas crticas
importantes aos parmetros do desmonte dos direitos de cidadania.
Da ser possvel entender a violncia concreta com que se
mobilizam os aparatos da represso em torno desses
acontecimentos, e/ou a violncia simblica em relao
contestao articulada por movimentos sociais importantes, cujos
exemplos constam dos trechos dos editoriais citados anteriormente.
Na seqncia,
talvez Jos Rainha tenha outros elementos importantes a
acrescentar a estas consideraes muito frgeis, ainda, pois
fazem parte de um projeto de pesquisa em formulao. Para
terminar meu tempo se esgotou gostaria de chamar ateno
para o fato de que essas novas formas de expresso poltica
talvez estejam exigindo uma nova leitura para escavar nelas as
rupturas crticas ao encolhimento de sociabilidades democrticas.
Para isto preciso que se mobilize a crtica radical que deve
envolver no apenas aqueles intelectuais que mantm uma
interlocuo e aprofundam o estudo e o debate conjunto com a
luta por direitos, neste pas, mas, sobretudo, que envolva, de
forma mais consistente, a Universidade e muitos de seus
intelectuais, ausentes ou indiferentes a este debate. Falo da crtica
radical ao desmonte de direitos sociais, econmicos e culturais,
tal como aquela realizada pelo Professor Fbio Comparato, tanto
na fala que precedeu minha, quanto no artigo citado em que
comparava a atual desconstitucionalizao de direitos com
a Constituio da Repblica de Weimar. Trata-se, portanto, de
compreender as novas linguagens dos direitos enquanto
possibilidades ou disputas em torno de horizontes crticos que
podem apontar para as questes da emancipao e transformao.
Pois, pensar estas questes ainda instiga bastante a imaginao
sociolgica... pelo menos a minha. Obrigada!
Fbio Konder Comparato
Muita
alegria de estar com vocs porque, infelizmente, so poucos
aqueles que ainda guardam esperana no seu corao e eu sou
daqueles que acreditam na possibilidade de uma transformao do
mundo pela esperana esperana e confiana. Eu devo dizer a
vocs que, medida que eu envelheo, eu me sinto mais radical
e, provavelmente, se eu tiver alguns anos a mais de vida, eu vou
estar numa posio digna de sofrer uma perseguio policial em
todos os nveis. Eu queria tentar raciocinar, refletir com vocs
todos sobre um problema que me parece o mais grave do nosso fim de
milnio e que sem dvida um problema de crise de civilizao.
E quando eu falo em refletir, no estou usando uma figura de retrica,
eu estou querendo sentir de sua parte alguma repercusso, ainda
que muda, para que essas idias que esto germinando na minha
cabea possam vir a produzir algum fruto. Vamos partir de uma
observao histrica fundamental: a criao do sistema de
Direitos Humanos na histria moderna foi feita por etapas
sucessivas e cada uma delas representa uma resposta de defesa da
dignidade humana contra um problema crucial do momento histrico.
No final do sculo XVIII, foi certamente a tomada de conscincia
de que a organizao da sociedade sob a forma de estamentos
privilegiados e a organizao do poder poltico absoluto na
pessoa do monarca estavam levando ao abafamento de todas as
potencialidades do ser humano. E os Direitos Humanos surgiram ento
como reivindicaes das mais fortes, das mais ardentes atravs
de duas revolues, pela liberdade individual. Mas logo depois
verificou-se que na prpria lgica da afirmao desta
liberdade individual, com a eliminao do abuso de poder
estatal, havia um perigo grave, que foi justamente a possibilidade
de na organizao social criar-se j no mais um estamento, ou
seja, j no mais um grupo social com direito prprio, mas uma
classe social que ou aos poucos a monopolizar a riqueza, a
propriedade e, inevitavelmente, o poder poltico. Essa classe
tomou conta da sociedade civil e aos poucos substituiu o poder do
Estado pelo seu poder econmico. As conseqncias dessa mudana
estrutural fizeram-se sentir desde logo. A organizao da
economia em regime capitalista provocou mudanas drsticas no
modo de vida nas sociedades europia e norte-americana de incio,
e depois se expandiu para todo o mundo, como todos sabem. Essa
modificao do sistema de vida consistiu num desarraigamento
progressivo. As pessoas viviam h geraes numa determinada
regio, trabalhavam, tinham o seu ambiente, o seu horizonte de
vida todo marcado por uma determinada regio elas foram
desarraigadas e levadas a se concentrar em locais de produo,
que eram as primeiras fbricas capitalistas. As conseqncias
de ordem so-cial, por exemplo sanitria, foram surpreendentes: a
concentrao urbana provocou um processo epidmico de doenas
que estavam mais ou menos larvadas, ou que se propagavam
lentamente, e que explodiram nas grandes aglomeraes urbanas,
como a tuberculose, devastando populaes inteiras. Ao mesmo
tempo, os trabalhadores foram despojados daquilo que representava
o mnimo de segurana para sua vida , que era a terra eles
eram servos, mas servos ligados terra, a terra no lhes podia
ser tirada, no havia alis nenhum estmulo a que isso
ocorresse, porque os senhores feudais no queriam e no podiam
cultivar diretamente. Eles tinham os instrumentos de trabalho,
tudo isso lhes foi tirado. Sobrou o qu? Sobrou a capacidade de
gerar a prole, ou seja, criou-se o proletariado: a nica riqueza
a produo de filhos em srie e quanto mais melhor,
porque as doenas infantis e a possibilidade de natimortos eram
muito grandes. O fato que logo nas primeiras dcadas do sculo
XIX a Europa Ocidental acordou num determinado dia e verificou que
uma frao importante, uma parcela importante, vivia em uma nova
situao de misria, desconhecida at ento. E este ato deu
origem, atravs do movimento socialista, reivindicao de
algo que era uma contradio, um movimento contraditrio,
aquele que presidiu a criao dos primeiros direitos e
liberdades individuais. Que movimento foi esse? Foi o de reforo
do poder estatal. O que se percebeu que, sem a organizao de
um poder estatal razoavelmente forte, era impossvel enfrentar
esses problemas, porque os problemas oriundos da misria,
consubstanciados em falta de habitao, falta de educao,
falta de sade, falta de previdncia contra os riscos habituais
da existncia humana, s podiam ser enfrentados atravs de polticas
pblicas, que so programas de ao governamental. No havia
como enfrent-los de outra maneira. Uma revoluo no poderia
subitamente eliminar a doena, a fome, a misria. Tudo isso
teria que ser construdo programadamente, planejadamente, e s
poderia ser feito pelo Estado. Ento esta nova etapa de criao
de Direitos Humanos marcadamente anticapitalista: os direitos
econmicos, sociais e culturais foram criados contra o
capitalismo, porque a lgica do sistema capitalista de se
fundar na liberdade de apropriao da riqueza e de organizao
de ncleos de produo com a concentrao crescente do
capital se no houver a concentrao de capital no h a
possibilidade de concorrncia e aquele que vencido na concorrncia
sai do mercado. O que significa que a lgica do sistema
capitalista leva, necessariamente, a um mundo bipolar e oligrquico.
Tudo se encaminha para uma progressiva concentrao da riqueza e
controle, ou seja, o poder de dominao sobre a produo
concentrado numa minoria e a concentrao da misria e da
necessidade na maioria da populao. claro que esta situao,
graas ao movimento socialista, no pde prosseguir
naturalmente no seu ciclo lgico, na sucesso das suas etapas lgicas.
A partir de 1914 houve um interregno: duas guerras mundiais 14
a 18 e 39 a 45 e a criao de dois Estados no-capitalistas
em regies importantes do mundo: na Rssia, transformada em Unio
Sovitica, e na China. Ns somos filhos desse momento de
interregno, por isso que a nossa viso da histria, a nossa
viso do capitalismo muito deformada. S agora com a
derrocada dos Estados comunistas que ns comeamos a perceber
que o mundo, que a organizao capitalista volta a todo vapor a
tomar conta da humanidade. Pois bem, de qualquer forma, quando eu
falo em poder oligrquico, isto significa que para o capitalismo
a democracia uma palavra retrica, porque democracia significa
soberania do povo e garantia dos direitos fundamentais da pessoa
humana. A democracia incompatvel com o poder poltico
supremo atribudo a uma minoria e exatamente o que ns temos
em todos os pases subdesenvolvidos. O capitalismo comps-se com
a democracia representativa, porque foi atravs da explorao
da representao popular, da manipulao dos mecanismos de
representao, que se criou um regime poltico novo na histria
da Humanidade, em que o povo reina mas no governa ele
como a rainha da Inglaterra. De qualquer forma, hoje, estamos
diante desta realidade: cessado o interregno de 1914 at o final
dos anos 80, o capitalismo retomou todo o seu vigor como uma velha
doena que estava em estado larvar ou que tinha sido mais ou
menos controlada atravs de antibiticos sociais, que eram os
direitos econmicos, sociais e culturais, mas que agora volta com
toda a sua virulncia, e isso que se percebe na progressiva
eliminao desses direitos do quadro dos atuais sistemas jurdicos.
Por que isto? porque, repito, a lgica dos direitos econmicos,
sociais e culturais totalmente contrria lgica
capitalista. Vamos tentar resumir em dois planos: no plano
nacional e no plano internacional. No plano nacional o objetivo
maior do sistema de direitos econmicos, sociais e culturais
estabelecer uma igualdade bsica de condies de vida; se para
mim, que perteno classe alta, importante ter uma casa
decente para morar, importante ter um trabalho, a garantia de
um trabalho remunerado, importante ter um plano de sade,
importante que meus filhos tenham uma educao adequada, ns
temos que reconhecer que isso indispensvel a toda a populao.
Na medida em que ns no organizamos isso, estamos roubando a
populao majoritria. Ora, isto s se realiza, repito, atravs
de um trabalho de programao, de reconstruo da sociedade
atravs de polticas pblicas. O que aconteceu, uma vez cessado
esse interregno que vai dos anos 14 at o final dos anos 80 no
plano nacional? a emasculao do poder estatal atravs da
desregulamentao da economia o Estado no pode mais
intervir no jogo econmico. Se ele intervier, est prejudicando
o mecanismo normal de distribuio de recursos econmicos. Da
porque o Estado absolutamente impotente diante, por exemplo,
das novas empresas que exploram servios pblicos. Quando no mximo
ele ameaa aplicar uma multa, essas empresas, que so na maioria
estrangeiras, apelam para os Estados aos quais elas se vinculam, e
o Presidente da Repblica chamado pelo telefone e convidado a,
rapidamente, cancelar essas multas. Isto significa tambm macia
privatizao das empresas estatais, significa o endividamento pblico
em substituio cobrana de impostos. Por qu? Porque a
cobrana de impostos s pode ser feita contra aqueles que tm
dinheiro, que tm recursos. Veja-se o problema grave da Previdncia
Social. Na medida em que cai a ocupao formal de trabalho, num
sistema contributivo as receitas caem. medida que os salrios
mdios vo caindo cai tambm a arrecadao de contribuies.
Para cobrir o dficit da previdncia sobra a seguinte
alternativa: ou jogar todo mundo para o campo privado, ou seja,
quem tem dinheiro paga e quem no pagar prmio de seguro ou prmio
de plano de sade danou como dizem os nossos jovens ou
ento o Estado vai ter de arrecadar tributos, arrecadar recursos
atravs da via fiscal. Mas de quem? Obviamente de quem tem
dinheiro. Para evitar isso, o Estado se endivida. Hoje o Brasil
est numa posio de endividamento irrecupervel, o que ns
podemos fazer o que sempre fizemos: continuar empurrando isso
com a barriga e conseguir um creditozinho adicional do FMI para no
cumprirmos as metas. Essa situao de enfraquecimento do Estado
corresponde a uma concentrao capitalista e a concentrao
capitalista acarreta no apenas, como imaginou Marx, a explorao
dos trabalhadores, mas algo muito pior: a dispensa da fora-trabalho.
Hoje, a concentrao capitalista se assenta tambm na explorao
sistemtica do consumidor, como estamos vendo em matria de
produtos farmacuticos. No plano internacional, estamos
assistindo hoje a dois movimentos da maior importncia. Um deles
a supresso das barreiras alfandegrias. O outro, pouco
perceptvel porm mais virulento o transnacionalismo. A
supresso de barreiras alfandegrias pressupe a existncia de
territrios com fronteiras e o transnacionalismo a por cima
das fronteiras. Hoje j possvel fazerem-se todas as transaes
financeiras seja com moedas, seja com valores mobilirios, ndices
ou derivativos sem ar por fronteira alguma. As Bolsas de
Valores, os Balces de Distribuio de Valores funcionam 24
horas por dia. Qualquer pessoa em sua casa, com um computador,
pode jogar em todas as Bolsas, em todos os mercados do mundo.
Calcula-se que por dia circulam no mundo US$ 1,5 trilho. Dessa
soma inimaginvel de dinheiro, nem 10% so aplicados em
investimentos. E o transnacionalismo cresce agora em matria
comercial as empresas compram e vendem atravs da Internet.
Isto tem preocupado alguns Estados por causa da arrecadao de
tributos, mas o problema muito mais grave. A conseqncia
disso que no plano internacional tambm h um agravamento da
situao de concentrao de riqueza e concentrao de misria.
A Organizao das Naes Unidas, no Relatrio de
Desenvolvimento Humano de 1998, deu algumas informaes que nos
deixam perplexos: o patrimnio conjunto das 225 pessoas mais
ricas do mundo eqivale renda anual da metade mais pobre da
humanidade, ou seja, 2,5 bilhes de pessoas. A partir de 1960, a
parcela da riqueza apropriada pelos 20% mais ricos da humanidade
ou de 70% a quase 90% 89,6%, enquanto a parte deixada aos
20% mais pobres da humanidade caiu de 1,4% a 1%. Um esclio, um
comentrio, a deduzir dessas cifras a relativa insignificncia
das classes mdias ou camadas mdias. Ora, como todos sabem,
com base nas chamadas camadas mdias que hoje se anuncia a todos
os ventos a abertura de uma terceira via. Pois bem, quais as solues?
Temos que lembrar que a nica coisa incompatvel com o clculo
e a preciso cientfica a liberdade humana e justamente na
liberdade humana que ns vamos nos fundar para esboar um plano
de combate. Ns estamos numa situao de guerra mundial, no
declarada, at no sentida. preciso portanto um brado de
alerta para que ns nos movamos, nos levantemos contra esta situao,
segundo uma estratgia. Eu diria que a estratgia comporta no
duas fases, mas, dois enfoques: ou ns caminhamos para estratgias
parciais e precrias ou para estratgias globais e permanentes.
Mas possvel combinar ambas estas perspectivas. Eu vou
explicar melhor o que quero dizer. Vamos imaginar que a situao
de dominao capitalista permanea durante um tempo difcil de
calcular, em cada um dos nossos pases e no mundo como um todo.
preciso ento trabalhar com este dado, dado importante: ns
precisamos combinar solues no plano nacional e internacional,
mas levando em considerao que cada vez menos a ao dos
Estados nacionais independente, cada vez mais os Estados
nacionais dependem do contexto internacional. Portanto, aquilo que
foi no comeo do sculo uma utopia e um brado de alerta do
movimento socialista levar internacionalizao do
socialismo hoje uma necessidade bvia! E aqueles grupos
que, felizmente para a defesa da nossa dignidade, esto hoje em
Seattle protestando contra a Organizao Mundial do Comrcio,
esto nos dando uma perspectiva de combate. Ns s poderemos
resolver os nossos problemas nacionais na medida em que levarmos a
nossa luta para o plano internacional: o que representa uma
reorganizao do nosso plano de batalha. Mas apenas para efeito
didtico vamos dividir as solues em dois planos: nacional e
internacional. No plano nacional eu poderia citar e oferecer a vocs
vrias propostas que se-riam talvez objeto de teses acadmicas,
que os professores lem e depois jogam no lixo, mas devem ser
objeto de estudo, de reflexo das foras polticas. Por
exemplo, estender largamente s organizaes no-governamentais
a legitimao para o ajuizamento de aes civis pblicas. A
Professora Flvia Piovesan, que uma excelente advogada pblica,
ou seja, advogada do povo, pode lhes dizer com certeza o que isto
significa. dar instrumentos de ao judicial ao povo e no
deixar isto concentrado apenas no Ministrio Pblico, embora o
Ministrio Pblico seja indispensvel defesa do povo. Alm
disso, criar uma ao direta de inconstitucionalidade de polticas
pblicas que se opem aos direitos econmicos, sociais e
culturais constitucionalmente reconhecidos. E uma ao direta
que pode ser acoplada com uma ao de anulao de oramentos
pblicos, porque o oramento nada mais do que um miniplano,
um plano para o ano fiscal. Hoje ns temos uma ao direta de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos do poder pblico.
Mas como eu disse, os direitos econmicos, sociais e culturais se
realizam atravs de polticas pblicas. O Estado contemporneo
no mais o Estado da lei. A produo do Estado contemporneo
sobretudo de polticas, ou seja, de programas de ao
governamental. Pois bem, preciso que a constitucionalidade
dessas polticas e a ser aferida, tal como a
constitucionalidade de leis isoladas. preciso tornar obrigatria
a participao direta do povo na elaborao de oramentos pblicos.
Estou me referindo a algo que j est em andamento no nosso Pas
mas que precisa ser estendido e tornado obrigatrio. preciso
extinguir o instituto da concesso istrativa de servio pblico.
O servio pblico no pode ser gerido com intuito lucrativo,
porque h uma incompatibilidade evidente entre a busca do lucro
para acumulao de capital e o atendimento das necessidades ou
mesmo utilidades pblicas. No plano internacional v-rias outras
medidas eu poderia sugerir. Por exemplo: atribuir Comisso de
Direitos Humanos das Naes Unidas a incumbncia de fiscalizar
o cumprimento pelos Estados dos deveres impostos pelo Pacto
Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de
1966. Esses Pactos foram uma concesso feita por ambos os lados
o lado sovitico e o lado capitalista em 1966 para se
chegar a um certo consenso mnimo. No bojo dessa transao, o
cumprimento dos direitos civis e polticos ou a ser
fiscalizado pela Comisso de Direitos Humanos das Naes
Unidas. Mas os direitos econmicos, sociais e culturais no
tiveram este acrscimo a segunda parte do Pacto de 66 sobre
os direitos econmicos, sociais e culturais prev apenas o envio
de relatrios dos Estados ao Conselho Econmico e Social das Naes
Unidas. preciso, portanto, reforar o poder da Comisso de
Direitos Humanos das Naes Unidas no s na parte de direitos
civis e polticos, mas tambm sobretudo nesta parte de direitos
econmicos, sociais e culturais, para tornar claro o fato de que
o compromisso internacional com esses direitos srio e no
apenas uma medida de retrica ou de propaganda poltica. Para se
combater o flagelo da fome no mundo, parece til atribuir FAO
a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e
Alimentao a competncia para declarar situaes de
fome, que no apenas de subnutrio crnica, e, detectadas
essas situaes de fome, identificar pases que tenham estoques
alimentares. A Unio Europia concentra a maior parte dos
estoques alimentares do mundo, e estes estoques so concentrados
unicamente para manter os subsdios agricultura em todos esses
pases. Uma vez detectada a existncia desses estoques, a FAO
deveria poder, por intermdio do Secretrio Geral das Naes
Unidas, requisitar estes estoques. Em terceiro lugar, a sade:
hoje a situao de tratamento de molstias tropicais catastrfica
de 1975 a 1997 foram patenteadas no mundo 1.233 frmulas
medicamentosas. Dessas 1% apenas, ou seja, mais exatamente 13, so
de remdios para tratamentos de doenas tropicais. Hoje os
grandes laboratrios dispendem de 300 a US$ 500 milhes para a
produo de um remdio novo a ser lanado no mercado.
Evidentemente o retorno desse investimento no pode ser feito em
mercados onde predomina a misria endmica. Assistimos a esta
situao absolutamente escandalosa: investem-se de US$ 300 a US$
500 milhes para produzir um remdio que faa um americano
obeso perder peso em questo de semanas, ou para que um europeu
decrpito possa ainda manter erees depois dos 70 anos. Mas as
doenas tropicais que matam 6 milhes de pessoas por ano ficam
fora do sistema de investimentos capitalista, pois esse sistema
funciona com objetivo de lucro, o que significa a possibilidade de
retorno do capital investido. , portanto, indispensvel
organizar-se um sistema pblico para o investimento em pesquisa e
desenvolvimento, por exemplo, de
medicamentos. Isto quanto s doenas tropicais. Mas os jornais
de hoje dizem que o Ministro da Sade reclama que estamos
gastando cada vez mais com medicamentos para tratar AIDS, e sendo
remdios estes fabricados por laboratrios particulares, com
lucros crescentes. Pois bem, quando ns mudamos a nossa lei de
patentes por presso americana e suprimimos a proibio de
patenteamento de medicamentos, por presso americana, tivemos num
segundo momento a idia de que talvez fosse possvel, por meio
de um decreto presidencial prever a hiptese de licenciamento
obrigatrio de patentes. Pois bem, j existe uma ameaa de
reclamao Organizao Mundial do Comrcio por parte de
laboratrios americanos contra este decreto governamental. Agora
chego ao final. Todas as solues que estou apresentando so
parciais, so precrias, porque o direito oficial depende da
estrutura de poder na sociedade. Quando a estrutura de poder
oligrquica, dificilmente se pode, pelos mecanismos do direito
oficial, conseguir alguma soluo. O nosso objetivo final,
aquele que deve estar na agenda de todas as organizaes que se
preocupam com a tica, a comear pelas organizaes
religiosas, s pode ser este: ns temos que nos engajar numa
luta de morte contra o capitalismo. Isto significa ter as idias
claras. Entre o bem e o mal, entre o domnio do capital e o da
dignidade humana no h terceira via. Falo queles que tm
alguma formao crist. Abram de novo o Evangelho No
podeis servir a dois senhores. No podeis servir a Deus e ao
dinheiro, no existe compromisso a. Ns nos preocupamos muito
neste interregno de 14 at final dos anos 80 com o comunismo, e
por causa da supresso das liberdades individuais, mas no
soubemos reconhecer que este era um mal que tomava conta do nosso
corpo, no da nossa alma. O capitalismo, ao contrrio, toma
conta da nossa alma. Ns todos fomos infeccionados, com uma
rapidez impressionante, pela propaganda neoliberal e agora, para
impedir a septicemia, dificlimo. Portanto, o trabalho final no
apenas jurdico, tcnico a ser desenvolvido pelos
especialistas. um trabalho tico, que tem de ser desenvolvido
por todos. Ns temos de abrir uma guerra total contra a
imoralidade do sistema capitalista.
Jos Rainha Jnior
Primeiramente gostaria de agradecer o convite que foi feito a ns
e dizer que o companheiro Gilmar Mauro, que deveria estar aqui,
por outra circunstncia no pde estar, ento eu vim c
substitu-lo, no sei se vou responder altura. Segundo,
gostaria de dizer que depois de ouvir o Professor Konder falar e a
professora, fica difcil at a gente aprofundar um tema to
importante como esse. Ento eu no vou ficar um pouco nessa
questo tcnica como ele, seno vou acabar me perdendo. Eu vou
tentar traar trs questes que para mim so fundamentais ao
falar do direito eu quero falar no nosso direito, o direito
dos pobres, talvez a minha prtica do dia-a-dia, de estar junto
com esse pessoal. Essa uma questo de direitos e dos direitos
dos pobres eu quero falar do chamado humano, o ser. O segundo
aspecto que quero tratar o da violncia do Estado de direito e
poder da mdia hoje, tentar entrar nesse aspecto e, no ltimo,
quero falar da luta, quero falar da organizao, daquilo em que
eu acredito: na possibilidade da gente poder um dia ter uma
sociedade diferente, uma sociedade com que a gente sonha, onde o
homem esteja colocado em primeiro lugar. Eu parto desse princpio.
Dizer que o direito do cidado, que ns temos os direitos dos
pobres, e que temos esse direito nessa so-ciedade capitalista, que
sempre foi negado. Ele no ser dado por ningum e no ser
construdo dentro dessa chamada democracia burguesa, onde uma
minoria compartilha, dividindo aquilo tudo que produz e onde a
ampla maioria no tem o mnimo dos seus direitos respeitados. Eu
quero falar no direito vida, eu quero falar no direito
cidadania, no direito de comer, no direito de estudar, no direito
de trabalhar, no direito de ter terra, no direito de ser gente! E
o sistema como est montado, e o projeto neoliberal, o
capitalismo no vai dar esse direito aos pobres nunca, porque o
Estado foi constitudo para essa gente no obter esse direito. E
quando eu falo disso, falo do nosso dia-a-dia da nossa vida e
olhando para ns, olhando para o Brasil, olhando para a nossa
gente e olhando para a nossa histria, porque a gente no pode
ficar falando de direitos, discutir esse tema de direitos humanos
e a gente tem que voltar aqui para dentro, porque muito fcil
a gente ficar olhando para fora do Brasil e no v a histria
desse Pas, o que eles fizeram aqui nesses 500 anos. E no final
do milnio aonde chega o Pas da maior dimenso que temos em
terras produtivas, um parque produtivo onde o povo brasileiro
deveria ser o povo mais civilizado no aspecto de ser mais
respeitado, onde o povo poderia ser livre, ter maior liberdade e a
gente v o que acontece... O que aconteceu nessa trajetria de
histria e recentemente com a nossa gente, o nosso povo?
inissvel a gente falar de um pas onde, com uma dimenso
dessa, com tanta oportunidade que poderia dar ao cidado um pedao
de terra para trabalhar e o que comer, e a gente v uma cidade a
cada dia que cresce, o nosso povo, a nossa criana, a nossa gente
morando debaixo das pontes, comendo lixo, que a classe mdia ou a
burguesia joga fora, para tentar sobreviver, morando na beira dos
brejos. E mais: inconcebvel ver o outro lado em que sobram
casas vagas, vazias, o que construdo com o dinheiro pblico,
roubalheira, e esse cidado desassistido. E eu no quero entrar
no direito de lei porque isso pior ainda, esse cidado no
sabe nem o que lei nem o direito que ele tem, porque nem
oportunidade de chegar a exercer esse direito ele tem. A gente v
nesse Pas grandes casas Febems, onde os nossos menores que
poderiam estar na escola se tornando gente, para amanh ser cidado,
para estar num lugar decente, esto amontoados num lugar chamado
Febem, porque o espao desse cidado foi negado quando ele
nasceu, no tinha o direito nem de comer, nem de tomar um copo de
leite e de caf sequer para crescer como gente, ele no pode
pensar como cidado. Depois, quando ele se torna um adolescente,
jovem, ele amontoado porque ele perigoso para a sociedade.
Que sociedade? Ento ele no tem direito de viver como gente,
crescer como gente no Pas? O Estado de direito no d
oportunidade a esse ser brasileiro de ser gente! A palavra ter,
ter, ter, e a palavra ser est esquecida. Este cidado, esse
jovem, essa criana no pode ser gente! Ele tem que ser excludo!
Haja vista tambm as nossas cadeias, quem que est l
dentro? Quem que vive enchendo as cadeias? O nosso povo, os
pobres, os membros marginalizados. Essas cadeias esto cheias,
quer dizer, esse direito s serve para meia dzia, no serve
para ns! Esse Estado que est a um Estado que atende o
cidado, o ser humano, no o povo em primeiro lugar. Ento
esta realidade que ns estamos vivendo precisa ser refletida, vai
chegar no final de milnio para discutir Direitos Humanos. Que
Direito Humano que ns temos? Quando d, at quando vocs
acham ou ns pensamos que esse cidado vivendo numa situao
dessas continuar sendo assim? E a quando a gente se rebela
contra esse Estado que est a, que tem o direito e o dever e
para isso ele arrecada de ns os impostos nossos para dar a esse
cidado o direito de comer, o direito de viver, o direito de
morar, o direito de ser gente, quando a gente se rebela e a
a professora, coloca ela muito bem, essa gente que comanda o
Estado, esse Estado repressivo, esse Estado a tem lei rpida
e eficiente para poder prender, para poder condenar. Quando o
limite da cadeia no serve para educar, segundo eles esse cidado
a eles matam porque depois eles no tm, so todos impunes. E
olha o resultado de Eldorado de Carajs, onde o cidado ousou
dizer aqui nesse sul do Par tem terra frtil, ns estamos
na beira da Transamaznica e o governo jogou os pobres l, os
posseiros depois tiraram as terras deles. Eles voltam tempos
depois, se organizam, e querem ter a terra para produzir, morar e
viver como gente, vo luta, o Estado patrocina o massacre,
manda matar, assassinos, e depois o prprio Estado e o Tribunal
de Direito vai l e absolve esta gente o caso que
aconteceu. Daqui a pouco eles vo ter que condenar e vai ser
aquele suim quem vai para a cadeia, no os defuntos,
n?!
Mas bem capaz de ir os pobres dos sem terras, os baleados, os
miserveis, que esto paralticos, esto cegos daquela brutal
violncia, capaz de ser condenado num processo de jri. No
quero nem comentar o meu caso, dispensa comentrios para no
ficar me atendo a minha pessoa, mas dizer dos outros militantes do
movimento sem terra. Isso um fato do desrespeito ao direito do
cidado como que esse Estado age contra gente que ousa querer
tudo isso que eu falei que era s isso que o povo queria,
nada mais ele queria. Ns assistimos recentemente mais essa
brutal violncia no Estado do Paran olha, voc pega a
Constituio e pega a lei, brilhante ver o que est escrito,
uma coisa bonita que est ali esse Estado est cometendo
a maior violncia contra os trabalhadores, a Polcia que ganha o
dinheiro nosso e que para dar proteo ao cidado, essa
comete os abusos dos despejos violentos como ns vimos
recentemente por esse Governo Jaime Lerner, que diga-se de
agem como os mtodos desse Governo foi igualzinho o ditador
chileno. Espero que um dia a histria reserve para esse cidado
o que est reservando para o Pinochet! Que certamente vai
reservar para ele o mesmo destino. O mtodo de violncia que
usou contra criana, contra jovem, contra mulher naquela praa,
que queria o cumprimento de um acordo feito para ter terra para
trabalhar, no queriam ficar na capital, eles que-riam trabalhar.
E ainda no pior esses abusos. Aqui em So Paulo tambm no
diferente porque os mesmos da quadrilha armada do bando que esto
no Pontal do Paranapanema so os mesmos que esto l! Agora
eles montaram as milcias armadas porque a Polcia Militar no
d conta de despejar e de cumprir a ordem, a lei para tirar, os
miserveis, os violentos assassinos sem terras das propriedades.
Primeiro as propriedades que eles esto dizendo so aquelas que
foram desapropriadas pela lei, porque no produzem e foram para a
reforma agrria, j existe uma medida de lei que so terras
desapropriadas. As milcias armadas cometem violncia,
assassinam jovem, criana e esto l armadas para todo mundo
ver, enquanto a prpria Constituio diz que isso proibido,
no pode ter milcia, no pode ter grupo paramilitar para
eles pode! No Paran pode! No Pontal do Paranapanema pode! Est
l e a tal da Justia, a tal da lei que serviria para fazer
alguma coisa, no serve, nesta hora no. Mas l no Pontal, l
no Paran essa mesma lei botou mulher, jovem, liderana na
cadeia! Porque esto formando um bando de quadrilha para poder
ocupar terra e as quadrilhas armadas e violentas esto soltas!
Para quem quiser ver na luz do dia isso mais vergonhoso. E est
l, continua esta prtica. Ento falar de Direitos Humanos
olhando uma realidade dessa, que Estado esse que ns temos,
como que pode querer cobrar de ns que respeite esse Estado,
que respeite essa Lei. Ns nascemos para negar isso a porque
ela no serve para ns, e se um dia quiser construir o direito
desse povo que eu estou falando de ter vida, ter escola, ter educao,
ter comida, o direito de ser do ser humano ns vamos ter que
romper com tudo isso no tem outro jeito. O Estado
patrocinador da violncia, um absurdo o que ns estamos vendo
no dia-a-dia como que esse Estado de direito patrocina a violncia.
Todo dia engendrada na nossa cabea, quando no nas
novelas, quando no nos filmes, em qualquer programa de
televiso nos horrios nobres como que eles patrocinam, como
que eles promovem a violncia. E como que querem que o
cidado da cidade, como que voc diminui violncia e fala
num programa de paz se todo dia a relao das personagens das
novelas, que colocaram para esse cidado que chega em casa
cansado e senta com a sua famlia para ver televiso, o
patrocnio da guerra e da violncia! Armada! Como que vocs
querem que o povo se eduque diferente, ele tem que educar na violncia.
Ento se patrocina, no tem o mnimo de respeito a ningum, o
poder da ganncia do dinheiro do imprio dessas redes de televiso!
Como que ns vamos construir a democracia e o direito do cidado
com esse padro que ns estamos vivendo, que esto patrocinando
a cada dia que a para ns. Como que se educa esse povo e
como que diminui essa violncia urbana e vocs sofrem na
pele muito mais do que a gente que vive no meio rural. Como que
vocs acham que ns vamos resolver esse problema se ns no
entrarmos tambm para discutir o poder da mdia e dos meio de
comunicao dentro do Estado democrtico? Como que ns
vamos fazer isso? E essa gente no est preocupada. Vocs acham
que algum programinha, algum espao aqui na televiso preocupado
se est morrendo pobre ou est ando fome ou violncia? No,
esto preocupados quanto vo ganhar de dinheiro, quantos
milhes de dlares vo entrar no seu bolso e o resto que se
dane! As disputas vergonhosas que h nos programas de massa de
televiso no domingo, vergonhoso! E no h uma lei que
regule esses programas, que impea que isso chegue na casa do
cidado. Ento eu quero dizer nessa segunda parte, esse Estado
em que ns vivemos, essa democracia que ns falamos. democrtico!
Democrtico! O que mesmo? Nossa concepo de democracia
outra, no essa que est a, no isso que est a! Eu
queria dizer por ltimo eu falei trs coisas daquilo em que
eu acredito para poder resolver. Eu quero dizer que nos ltimos
tempos a sociedade brasileira ficou parada, as
organizaes, o nosso povo est quieto, ningum mobiliza,
muito pouca gente que est assistindo como se nada tivesse a
haver com ele! Como se o problema da reforma agrria fosse mero
problema dos sem terras! E as coisas que acontecem com ns fosse
como se fosse dele, ele no tivesse nada a ver com isso. E ns
vimos que o poder, que a sociedade brasileira no foi assim e
quem viu de perto, sentiu de perto os anos 70, o final dos anos
60, a classe intelectuais foram contra o regime algum fez
alguma coisa, a msica popular brasileira era a forma de
protestar, os caras protestavam, era o teatro, eram os escritores
e intelectuais que no aceitavam. Hoje so poucos, so alguns
artigos que se escrevem e se faz muito pouco. As msicas
americanizadas; Ns engolimos todo dia esta prepotncia enviada
para ns por esse projeto neoliberal comandado pelo imperialismo
norte-americano no h uma reao por parte dessa
sociedade e ns estamos assistindo a tudo isso que est
acontecendo, e a cada dia que a s entra para dentro de ns.
O valor de Ptria, o valor de Nao se est perdendo a cada
dia que a para o nosso povo, a nossa juventude se acaba a cada
dia que a. At quando ns vamos continuar vivendo nessa
sociedade?! E ns do Movimento Sem Terra ousamos enfrentar essa
poltica neoliberal, ousamos enfrentar esse imperialismo
norte-americano e ousamos enfrentar esse Governo que est a.
Esse Governo que no tem o mnimo de responsabilidade em aceitar
todas as regras da cartilha norte-americana, de vender o nosso
patrimnio, de vender o nosso povo, o nosso destino para o
imperialismo norte-americano. No possvel que a gente vai
continuar assistindo o que ns estamos vendo no Brasil,
preciso fazer alguma coisa! preciso que algum se rebele, no
d para aceitar! E eu quero dizer para vocs: ns do Movimento
Sem Terra, ns vamos continuar lutando, ainda que o preo sejam
os anos de cadeia e ainda que o preo seja o sangue de milhes
ou milhares de companheiros nossos! que certamente viro
pelas mos de assassinos, mas a histria nos mostrou que tambm
a liberdade no foi fruto dado a ningum!
A liberdade dos escravos foi conquistada pela sua herica luta
Spartacus nos diz isso que se os cristos conquistaram o seu
espao tambm foi com sangue e suor! Foi com luta! E a pequena,
talvez, liberdade dessa ditadura militar, ela tambm foi com o
povo na rua, no foi de graa e a ns no ser dado nada. E ns
vamos continuar marchando porque achamos que marchar mais do
que caminhar, apontar o horizonte para o povo, determinado a
conquistar o seu destino de ser gente, de ser cidado, de ter
vida digna e ter Direitos Humanos respeitados! Lutar contra essa
injustia cometida nesse Pas, esse Poder Judicirio no tem
moral mais para ficar botando ningum na cadeia, metido na corrupo
do dinheiro do povo, preciso denunciar e preciso pressionar.
Ns continuaremos ocupando terra e latifndio improdutivo, ns
continuaremos ocupando as praas, ns continuaremos frente aos
rgos pblicos, seja ele banco, como foi o Banco Central, o
espao vazio ns vamos para dentro, vamos ocupar! No possvel
continuar havendo prdios, casas abandonadas vazias e o povo
morando debaixo das pontes. No ser possvel ver as nossas
crianas morrendo de fome e a gente assistindo como se nada
estivesse. no mnimo no ter dignidade! E a liderana que se
recusa a organizar um povo e apontar o seu destino no merece o
direito de ser liderana de nada! E o povo que se deixa ser
vendido no merece ser povo e no luta pela sua liberdade. E por
essa coerncia, por essas afirmaes conquistadas tambm nos
livros, nas filosofias, mas conquistada na histria de um povo
que viveu a vida. Eu sei o que ar fome, eu sei o que
nunca poder ter sentado no banco da escola, porque aos 7 anos, 8
anos, j agarrava a barra da saia da me e do pai para poder
comer! Eu sei o que que isso. Portanto, mais do que os livros,
a prtica me ensinou a lutar, a lutar ao lado povo que eu
acredito, porque eu acredito na liberdade, eu acredito na Justia,
e eu tenho esperana para ela tirar esse direito de lutar, no vo
ser os Tribunais e muito menos a violncia, seja ela do Estado,
seja ela das milcias particulares. Ns continuaremos lutando e
eu espero e tenho esperana que a violncia desencadeada
nas favelas que mata os coitados, um dia ela vira ao contrrio
contra essas elites dominantes que rouba a cada dia que a o
direito de ns sermos gente, o direito de ns vivermos! Um dia
ela vira, vira contra eles e o dia que eles descerem o morro,
certamente se arrependero esses covardes assassinos vendilhes
do Templo, vendilhes da nossa Nao e vendilhes do nosso
Povo! Esse Governo h de pagar o que est fazendo esse e
outros com as suas polticas assassinas e o povo brasileiro h
de conquistar um dia a sua verdadeira democracia, a sua verdadeira
liberdade! E eu quero dizer que a palavra e a responsabilidade est
com cada cidado, vocs aqui hoje, os outros l fora. Ns
temos a responsabilidade de construir a justia, de construir a
cidadania, no possvel continuar como ns estamos vivendo.
E ns queremos reafirmar essa esperana, essa convico de que
um dia o Brasil pode ser diferente, nos orgulharemos de dizer que
esse Pas tem lei e ela funciona! Ela fun-ciona para o negro, ela
funciona para o ndio, ela funciona para todo mundo! Ela funciona
para o cidado! Um dia a gente poder andar nessas ruas e se
orgulhar de no ver as nossas crianas pedindo esmola ou ento
com medo de ser assaltado, certamente elas vo estar na escola e
os seus pais, suas mes, os seus jovens, se no estiverem na
sala de aula, estaro no trabalho. Um dia a gente vai poder andar
e ver que no h mais favela, ele tem uma casa para morar. E a
a gente pode dizer que isso liberdade. E, nas palavras dos filsofos
cientistas marxistas, certamente vo ousar e vo dizer que ser
o socialismo. Nas palavras dos cristos simples e humildes, como
eu ouvi um padre dizer, isso o reino de Deus. E para ns no
importa o valor, o nome que se queira dar a isso, o que importa
para mim que isso um dia seja conquistado e que isso seja, um
dia, as palavras na prtica. E por esse sonho a gente continua
lutando e a gente continua convocando cada um de vocs a
engrossar a fileira da luta pela liberdade, na luta pelos Direitos
Humanos. E tudo isso que falei, para mim so Direitos Humanos, um
dia o direito do homem, o direito do cidado ser respeitado na
sociedade humana, na sociedade justa, na sociedade igualitria. Ns
continuaremos lutando e temos esperana de que cedo ou tarde
vamos conquistar e me reservo o direito de dizer o pensamento
de uma grande liderana, que ousou lutar, ousou conquistar uma
sociedade digna: a morte por ser morte ela tem valor igual
morre o rico, morre o pobre mas h um detalhe, a morte de um
justo pesa como a montanha, mas a morte de um covarde pesa menos
do que uma pena. E a morte dessa elite assassina e desse Governo
certamente um dia pesar menos que uma pena, e a morte do
lutador, do povo para libertar esse povo, vai pesar mais do que
uma montanha o que nos resta um nome na histria e a histria
um dia vai nos compreender e vai revelar aqueles que lutaram para
esse Brasil ser dos verdadeiros brasileiros. Muito
obrigado. (Texto no revisado pelo autor).
|
PROTEO,
PROMOO E VIOLAO DOS DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS:
a responsabilidade do estado no direito interno e no direito
internacional
Inicialmente, agradeo a todas as entidades que proporcionaram
este evento e ao convite da Professora Flvia Piovesan para dele
participar.
O ttulo da minha fala, Conflitos Sociais, Linguagens
Transgressoras e o Desmonte dos Direitos de Cidadania, no
poderia ter encontrado melhores interlocutores do que meus
companheiros neste : Jos Rainha, liderana do MST,
movimento social de maior expresso atualmente no pas e o
Professor Fbio Konder Comparato, jurista que eu iro muito e
que me antecedeu neste .
Digo isto,
pois exatamente um artigo do Professor Comparato, publicado na
Folha de So Paulo, em maio de 1998, que fornece o eixo principal
das consideraes que trago a vocs. Naquele artigo, o
Professor Comparato afirmava com vigor: No sejamos ridculos.
A Constituio de 1988 no est mais em vigor. O autor
referia-se ao limbo da inutilidade em que a Constituio foi
jogada pela prtica autoritria do governo FHC de solapar seus
princpios, governando principalmente atravs de medidas provisrias.
Ao mesmo tempo, chamava a ateno para a semelhana com o
totalitarismo nazista, lembrando que a Repblica de Weimar fizera
o mesmo com sua Constituio. A viso totalitria implcita
nessa desconstitucionalizao de direitos a que estamos
assistindo permitia, ento, ao autor, estabelecer a relao
cristalina com a barbrie nazista. Dizia ele no artigo:
Hitler, afinal, no precisou revogar a Constituio de
Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbrie nazista:
simplesmente relegou s traas aquele pedao de papel.
(Uma morte espiritual, Folha de So Paulo, de 14.5.1998, p. 1-3).
Pelo tom
decisivo que ia alm da pura indignao e trazia para o debate
pblico a atualidade do nosso desmantelamento
constitucional, o artigo do Professor Comparato instigou-me
naquele momento circunscrito a maio de 1998 a dirigir um outro
olhar para as imagens, linguagens e prticas da ao coletiva
que pontuavam os jornais e, no caso especfico, o jornal Folha de
So Paulo. Seguindo as pistas de um filsofo poltico, Walter
Benjamin, procurei retomar imagens, linguagens e prticas
coletivas de protestos pblicos ento encenados nas ruas das
principais cidades do pas. Essas imagens aparentemente dspares,
desde que conectadas a uma montagem dialtica, poderiam,
ainda segundo Benjamin, fornecer caminhos importantes, tanto para
resgatar a memria das lutas por direitos neste pas, quanto
para entender o atual desmonte dos direitos sociais. Ou melhor,
aquilo que no Ncleo de Estudos dos Direitos da Cidadania, do
qual participo como pesquisadora, estamos denominando de
desmanche da ordem jurdico-poltica.
Apenas para
dar um quadro impressionista a vocs deste maio de 1998, assinalo
algumas imagens e linguagens que irrompem no cenrio poltico
brasileiro com enorme tenso social, pela volta s ruas de
movimentos sociais e protestos os mais diversos encenados pelos
sem os sem teto, os sem comida, os sem empregos e os sem
direitos. Ao ocuparem ruas, praas, estradas e reas rurais,
regies centrais de reas metropolitanas, prdios pblicos em
pequenas, mdias e grandes cidades, supermercados e feiras
regionais, tornavam pblica a enorme crise social que corta o pas,
em torno da chamada questo social, compreendendo a
desigualdade, a pobreza, o desemprego, a misria e a violncia,
entre outros.
O grande
pano de fundo em maio de 1998, sem dvida, era dado pelos saques
de alimentos pelos quais os sem terra rurais e flagelados
conferiam visibilidade aguda fome e misria.
interessante, no entanto, assinalar que a onda de protestos e
mobilizaes no permanecia apenas circunscrita fome,
seca e aos saques no Nordeste. So Paulo, maior metrpole
brasileira, contava ao findar a primeira quinzena do ms
com um saldo de pelo menos 17 mobilizaes entre greves, atos pblicos
e eatas nas principais avenidas e ruas centrais, incluindo a
ocupao de ptios de estacionamento em frente a grandes
supermercados.
Quais os
personagens que ocupavam as ruas?
Tnhamos desde funcionrios pblicos que, lutando pelo no-desmonte
de direitos sociais, dirigiam sua agenda a protestos contra o
desemprego e a precarizao, a ameaa de demisses, o no-cumprimento
de acordos e garantias de permanncia no emprego, reajustes
salariais e a oposio s privatizaes de empresas do
governo estadual, incluindo professores estaduais do ensino de
primeiro grau, professores universitrios federais (em greve
nacional), motoristas de nibus, cobradores, metrovirios,
funcionrios de duas empresas estaduais de saneamento bsico
(contra a privatizao de uma delas) e ferrovirios da Cia.
Paulista de Trens Metropolitanos. A eles se agregavam, entre
outros, os protestos de perueiros, de camels que
disputavam o espao da cidade num cenrio de desemprego
crescente e total ausncia de polticas sociais para enfrentar a
excluso social, de aposentados lutando contra a reforma da
Previdncia (e aqui lembro que foi exatamente no dia 12.5 que o
presidente chamara aqueles que trabalham desde muito cedo de
vagabundos), de grupos de sem-teto protestando em frente ao
palcio do Governador, exigindo cumprimento de planos
habitacionais elaborados pelos prprios movimentos com tcnicos
do CDHU e outros rgos do governo estadual. No por acaso, na
segunda quinzena do ms, a fome, a ausncia de polticas
sociais e o desmonte de direitos sociais bsicos tornaram-se
itens bsicos de uma agenda de protestos que impulsionou uma
grande mobilizao nacional que em 20.5 levou 20 mil pessoas
Braslia, na Jornada Nacional por Empregos e Direitos Sociais.
Dela participaram vrios movimentos e entidades civis, entre os
quais o Movimento Nacional de Direitos Humanos, um dos
organizadores deste seminrio aqui na PUC, sobressaindo-se, no
entanto, os trs maiores movimentos organizados do pas: o MST,
a CUT e a Central de Movimentos Populares.
No o caso de detalhar o relato desta Jornada, atravessado por
acontecimentos complexos e tumultuados, lembrando apenas a vocs
a ocupao do saguo da Caixa Econmica Federal por 200 sem
tetos, pertencentes a movimentos de moradia que aguardavam h
mais de quatro anos serem recebidos pelos diretores da Caixa. A
ocupao confrontada com enorme aparato de represso
visava pressionar pela aprovao de um projeto de lei de
iniciativa popular enviado Cmara Federal, em 1991, em que se
solicitava a criao de um Fundo Nacional de Moradia Popular e
outras polticas de habitao para a populao de baixa
renda.
Ora, o que
talvez seja importante ressaltar no quadro impressionista aqui
esboado so as linguagens emanadas dos centros de poder
que reatualizam imagens to antigas e de forte tradio na
sociedade brasileira. Sobretudo aquelas provindas de reaes
virulentas que, fortemente ancoradas na mdia, encenam os pobres
e aqueles que ousam ir s ruas fazer falar os direitos como
classes perigosas desqualificando, dessa forma, os conflitos
sociais em torno das desigualdades sociais e da eroso de
direitos.
Neste
sentido, vou ler brevemente trechos recortados por mim de trs
editoriais da Folha de So Paulo, de longe o jornal de menor
furor conservador. Todos eles apontam para a forma como os
centros do poder e a mdia tentam solapar a perspectiva da
universalizao de direitos econmicos, sociais e culturais. O
primeiro deles, intitulado, MST Multimdia, de 7.5.1998
(referindo-se s invases, ocupaes e saques, bem como ao
MST), ressalta: Atos violentos contra o direito; em suas
aes por obter terra [visam] enfraquecer o governo ou
mesmo abalar a ordem so-cial; baderna execrvel e
criminosa; difunde o princpio da desordem e desrespeito
propriedade; inegvel e perigosa ameaa democracia.
Uma das tticas do MST organizar os excludos (...)
oferecendo a perspectiva de terra, teto ou comida (...) Com tais
atitudes [o MST] alm de suas organizadas marchas nacionais,
pretende dar visibilidade dramtica a sua poltica e questo
social. [So responsveis] pela fuga dos investidores
externos, sem os quais o Brasil no poder continuar sua trajetria
rumo modernidade.
O segundo, intitulado Radicalismo Criminoso, de 15.5.1998, revela
o Refluxo poltico da esquerda (...) os movimentos
oposicionistas viram diminuir, nos ltimos anos, sua capacidade
de mobilizar a populao (...) exceo do MST e sua
intolervel poltica movida a ilegalidades, invases e
saques; (...) A CUT e outros movimentos, como os sem-teto,
enxergaram nas tticas do MST uma maneira de voltar a insuflar o
protesto social(...). Os investidores esto mais do que
nunca sensveis a turbulncias polticas, e o Brasil depende de
capital externo para poder fazer crescer sua economia (...).
Finalmente,
o terceiro deles, O impacto poltico da crise, de 24.5.1998,
aponta para: (...) O fato de que tais entidades [referindo-se
ao MST, CUT e CMP] venham conseguindo articular, por meio de aes
irresponsveis, problemas em grande medida distintos, como a misria
nordestina e a falta de emprego nos centros urbanos, um sintoma
de que o mal estar social, por ora ainda difuso, mas crescente,
pode causar um efeito
domin (...).
Correndo o risco de ter me alongado demais nestes exemplos, penso
que sua importncia simblica pode ser apontada em trs
conjuntos de questes importantes para a reflexo.
O primeiro
deles aponta para a (re)atualizao da questo social como
questo de polcia, remetendo a discursos clebres como os
do ento presidente Washington Luiz (1926-1930) que durante a 1
Repblica assim se referiu s greves e conflitos operrios e s
mobilizaes de pobres e outros grupos marginalizados que
lutavam por melhores condies de vida e trabalho. De fato, os
exemplos citados remetem herana caracterstica da entrada do
Brasil na modernidade (principalmente desde meados do sculo
XIX), em que se forjou uma sociabilidade autoritria no interior
de uma combinao peculiar de idias liberais burguesas prprias
das matrizes europia e norte-americana com o arbtrio e a
violncia advindos de sua longa e penosa experincia de escravido.
Prticas paternalistas, do favor, da tutela, do clientelismo
misturavam-se a um enorme aparato de violncia que sempre
recortou nossa sociedade, seja no campo ou nas cidades. Sobretudo,
interessa destacar que essa foi uma sociedade que, ao transitar
para a ordem republicana e capitalista, construiu uma
sociabilidade poltica autoritria ao repor hierarquias,
desqualificar as diferenas de classes e grupos sociais e
legitimar as desigualdades so-ciais. Atravs de um imaginrio
moderno-conservador que colocava trabalhadores e no-trabalhadores
no mesmo campo semntico de classes perigosas, a
estigmatizao com que a sociedade brasileira sempre encarou as
lutas e conflitos sociais revela as dificuldades em lidar com
a ao das classes dominadas, quando estas tentavam instaurar
espaos pblicos de elaborao, interlocuo e negociao
de direitos, sobretudo os sociais. Estas caractersticas
persistem de forma exasperante, mesmo a partir dos anos 30 na
chamada era Vargas quando os direitos sociais emergem no
interior de uma cidadania regulada (este conceito, j clssico,
do socilogo Wanderley Guilherme dos Santos), cidadania esta
restrita apenas queles inseridos no mercado formal de trabalho
industrial.
O segundo eixo de questes derivado de trechos dos editoriais
apontados refere-se aos discursos do poder que visam desqualificar
e (des)historicizar um outro momento importante de nossa trajetria
aquele que, nos anos 70 e 80, (re)encenou novos movimentos
sociais e entidades civis mobilizando-se pelas demandas e
reivindicaes em torno de direitos de cidadania. No posso
aqui me deter na trajetria de movimentos contra o aumento do
custo de vida, por creches, por sade, por moradias, o movimento
do novo sindicalismo etc., mas apenas destacar que o direito a
ter direitos (expresso de Hannah Arendt), fortemente
reivindicado por esses movimentos, significava, naqueles anos, um
novo lugar de onde se encenava uma linguagem de classes e grupos
populares enunciando a prpria capacidade de participar, julgar,
negociar e deliberar sobre polticas pblicas que incorporassem
direitos novos e outros, (re)interpretados, porm nunca
efetivados para a maioria da populao. E, apesar da
visibilidade e mobilizao desses movimentos obedecer a vrios
refluxos ao longo desse perodo, pode-se assinalar que a
partir de 1986, principalmente, naquilo que ficou conhecido como
momento constitucional brasileiro, que movimentos os mais
variados e outras entidades civis deslocam a linguagem dos
direitos das ruas para o Parlamento, inscrevendo na Constituio
de 1988, no apenas direitos econmicos, sociais e culturais
importantes, mas, sobretudo, criando espaos pblicos que
apontavam para novos significados entre esses movimentos e o campo
jurdico-institucional. Dessa forma, apontavam para o fato de que
capacidades legislativas no se restringiam apenas queles
cujo discurso competente (expresso da filsofa Marilena
Chau) s pode ser emanado dos centros decisrios do poder.
Estou falando aqui de uma gama muito grande de experincias que
vai desde os Conselhos Populares, a pela assessoria jurdica
dos estudantes de direito aos movimentos sociais, na elaborao
de iniciativas populares de projetos de lei e, aqui na PUC
existe uma histria interessante sobre isto at outras instncias
de negociao de direitos como o exemplo, mais conhecido
nacional e internacionalmente, da experincia do Oramento
Participativo de Porto Alegre. Tentava-se, em todo caso, resgatar
uma noo de res publica, de coisa pblica, de fato desde
sempre precria e inacabada, em nosso imaginrio
poltico.
importante lembrar sem poder me deter muito nisso que essa
participao popular na Constituinte de 88 teve um carter
multifacetado, polissmico, permeado de ambigidades entre
virtualidades e limites. Hoje, possvel dizer que aquele
momento constitucional abriu-se para um novo campo de conflitos
criando novos direitos, fazendo emergir os novos sujeitos
coletivos de direitos, mas, tambm, direitos que aram por
um processo perverso de retroao e destituio (o caso da
Reforma Agrria um, dentre muitos), e outros que aram a
letra morta da lei, pois jamais foram regulamentados. Por
outro lado, tambm, se inseria a um desafio s aes de
movimentos sociais e grupos populares e que pode ser explicitado
pela metfora do dilema entre falar os direitos e fazer
falar os direitos, ou seja, efetiv-los. Na ao de alguns
movimentos era possvel detectar uma tica restrita dos direitos
de cidadania naquilo que estudiosos chamam de localismos das
demandas especficas, ou o encapsulamento de uma perspectiva
de universalizao de direitos em horizontes privatistas, ou
ainda, em outros casos, uma ao que sucumbia s armadilhas da
participao jurdico-institucional. Isto num pas que, como
todos sabem, atravessado por uma tradio frgil de
democracia, revelando a (re)atualizao de velhos mandonismos e
a criao de outras formas de clientelismo, em que, por vezes, no
se consegue sobrepor a dimenso pblica a uma experincia de
trabalho coletivo, fragilizando a noo de responsabilidade pblica.
Tais prticas acabam operando como armadilhas, transformando
incessantemente as energias emancipatrias em perversas
formas de regulao que travam suas virtualidades.
Finalmente, o terceiro conjunto de reflexes suscitadas pelo
recorte dos editoriais diz respeito ao atual momento de desmonte
de direitos so-ciais bsicos. Inicialmente, trata-se da
flexibilizao da legislao trabalhista comandada pela
ideologia neoliberal e aqui referida, amplamente, pelo Professor Fbio
Comparato. Basta apenas mencionar rapidamente: o trabalho a tempo
parcial, as medidas sugeridas de suspenso temporria dos
contratos de trabalho, o afastamento dos sindicatos das negociaes,
o desmonte das cmaras setoriais enquanto instncias de debate
em torno de polticas pblicas, a reduo da jornada de
trabalho proposta no atravs de um processo negociado com
trabalhadores, mas imposta de cima, por medidas provisrias, e
por a vai. Se olharmos para outros direitos que compem o
chamado estado de bem-estar social que, diga-se de agem, entre
ns, significou bem mais um estado de mal-estar social, pode-se
apontar para o desmantelamento da Seguridade Social como um
direito social bsico e universalizante, inscrito na Constituio
de 1988 por toda uma ampla movimentao da sociedade civil. A
sua substituio por programas de cunho assistencialista como o
Comunidade Solidria, para alm de deslocar a real
representatividade da sociedade civil, opera uma inverso ideolgica
perversa que joga para a esfera das empresas privadas, doravante
denominadas de OS organizaes sociais, muitas delas
auto-intituladas empresas-cidads, a funo de garantir
direitos sociais bsicos como sade e educao, por exemplo.
Pode-se registrar, ainda, o aumento dos ndices cruis de
desigualdades sociais, tanto no campo como nas cidades, revelando
o desprezo por polticas sociais fundamentais como as das
reformas agrria e urbana, entre outras, quando no, a demisso
do Estado em garanti-las como direitos sociais bsicos.
Penso que seria importante ressaltar nesse desmonte de direitos
so-ciais e muitos outros exemplos mereceriam ser mencionados e
aprofundados, no fosse o meu tempo que vai se esgotando a
emergncia daquilo que, no NEDIC, estamos chamando de
deslocamento do campo de conflitos e dos sujeitos coletivos de
direitos nele inseridos. Ou seja, trata-se das tentativas de
isolamento e fragmentao desses movimentos pelos centros e
linguagens do poder, fortemente ancoradas no aparato meditico
(de longa tradio na histria brasileira),e que operam a (des)historicizao,
a deslegitimao, a despolitizao e a desqualificao dos
conflitos sociais e das causas dos protestos, mobilizaes e
lutas contra o desmanche de direitos sociais.
Certamente, essa no uma caracterstica apenas da sociedade
brasileira. O que parece peculiar ao processo poltico brasileiro
atual o que o socilogo Francisco de Oliveira vem denominando
de sociabilidade da apartao, que no apenas
restringe-se aos mecanismos excludentes do mercado e aqueles
advindos do desmantelamento de polticas pblicas que asseguram
um mnimo de direitos. O que a sociabilidade da apartao
destila como mais perverso, segundo o autor, a subjetividade
e a sociabilidade antipblicas, ou seja, as prticas,
linguagens, imagens e chaves discursivas que tentam anular o lugar
da fala, da contestao e do dissenso.
Para
finalizar, penso ser importante lanar um novo olhar para novas
formas de expresso poltica, pelas quais movimentos sociais e
outros grupos populares vm construindo as linguagens
transgressoras comuns em torno do desmonte dos direitos sociais,
econmicos e culturais. Por novas formas de expresso poltica
entendo alguns acontecimentos de forte carter simblico, como
as marchas organizadas, protestos pblicos, mobilizaes pelas
cidades do pas, tribunais populares, os gritos dos ex-cludos
(impulsionados pela Igreja Catlica inspirada na Teologia da
Libertao), a revitalizao de ocupaes de prdios pblicos
pelos sem-tetos etc., articulados aos movimentos sociais citados,
MST, CUT e Central de Movimentos Populares, e envolvendo, tambm,
entidades importantes como a CNBB, Movimento Nacional de Direitos
Humanos etc. Certamente, essas novas formas de expresso poltica
encontraram sua inspirao maior no marco simblico
representado pela Marcha pela Reforma Agrria, Emprego e Justia
Social, impulsionada pelo MST, em abril de 1997.
Talvez possamos ler nessas novas formas de contestar o
desmantelamento de direitos sociais a criao de espaos pblicos
importantes que ocupam as ruas e principais praas das cidades,
dando visibilidade ao enfrentamento das polticas neoliberais em
curso. Mas, alm disso, pode-se ler nesses acontecimentos a poltica
sendo instituda por um conflito que se enuncia atravs de
assuntos comuns, por meio de articulaes importantes que tentam
ultraar as demandas especficas de cada movimento ou grupo
social neles envolvidos. Cabe lembrar, entre muitos outros
exemplos, que a Marcha do MST, em 1997, tambm mobilizou
reivindicaes e protestos presentes em outros eventos polticos
de grande tenso social naquele momento a oposio de
amplos segmentos da sociedade s reformas istrativa e da
seguridade social, e a privatizao, ilegtima, de uma das mais
importantes empresas estatais, a Companhia Vale do Rio Doce.
A importncia
da volta s ruas para fazer falar os direitos no pode ser
desprezada. Ao enunciarem uma agenda que aponta para o
encolhimento de direitos sociais universalizantes, centrada nas
desigualdades e injustias sociais, o que essas linguagens
transgressoras parecem conter como virtualidade a possibilidade
desses sujeitos de direitos coletivos virem a ocupar um
outro lugar, que no aquele que as linguagens do poder
associadas ao aparato da mdia tentam atribuir para a ao
coletiva o do isolamento, da fragmentao, da desqualificao
e da despolitizao dessas aes, secretadas pela
subjetividade e sociabilidade antipblicas, de que nos fala
Francisco de Oliveira.
Dessa forma, pode ser interessante introduzir algumas consideraes
de maneira muito breve e que poderamos depois retomar no
debate sobre aquilo que o filsofo poltico Jacques Rancire
entende como prticas do dissenso ou do desentendimento, ao
constiturem a poltica pelo conflito. Diz ele: Trata-se da
construo de uma cena comum, em torno da existncia e da
qualidade daqueles que esto ali presentes, que insti-tuem uma
comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano (...) que nada
mais do que a (...) contradio entre o mundo onde h algo
entre eles e aqueles que no os conhecem como seres
falantes e contveis. Para o autor, a comunidade poltica
existe quando dividida por um litgio fundamental, o que permite
sua visibilidade e contagem. No se trata, continua ele, de que
as pessoas se ocupem de seus assuntos comuns, mas de que
a parcela dos sem-parcela se ocupe transgressivamente de
seus assuntos comuns (Rancire, J. O desentendimento. So
Paulo: Ed. 34, 1996).
sempre bom lembrar o carter complexo da anlise dessas novas
formas de expresso poltica, pois se desdobram num espao
importante de questionamento de sua representatividade, para alm
do prprio acontecimento. Mas cabe ressaltar que, longe de serem
vistos como meros acontecimentos sem rumo (como recentemente
querem nos fazer crer), carregam o potencial de rupturas crticas
importantes aos parmetros do desmonte dos direitos de cidadania.
Da ser possvel entender a violncia concreta com que se
mobilizam os aparatos da represso em torno desses
acontecimentos, e/ou a violncia simblica em relao
contestao articulada por movimentos sociais importantes, cujos
exemplos constam dos trechos dos editoriais citados anteriormente.
Na seqncia,
talvez Jos Rainha tenha outros elementos importantes a
acrescentar a estas consideraes muito frgeis, ainda, pois
fazem parte de um projeto de pesquisa em formulao. Para
terminar meu tempo se esgotou gostaria de chamar ateno
para o fato de que essas novas formas de expresso poltica
talvez estejam exigindo uma nova leitura para escavar nelas as
rupturas crticas ao encolhimento de sociabilidades democrticas.
Para isto preciso que se mobilize a crtica radical que deve
envolver no apenas aqueles intelectuais que mantm uma
interlocuo e aprofundam o estudo e o debate conjunto com a
luta por direitos, neste pas, mas, sobretudo, que envolva, de
forma mais consistente, a Universidade e muitos de seus
intelectuais, ausentes ou indiferentes a este debate. Falo da crtica
radical ao desmonte de direitos sociais, econmicos e culturais,
tal como aquela realizada pelo Professor Fbio Comparato, tanto
na fala que precedeu minha, quanto no artigo citado em que
comparava a atual desconstitucionalizao de direitos com
a Constituio da Repblica de Weimar. Trata-se, portanto, de
compreender as novas linguagens dos direitos enquanto
possibilidades ou disputas em torno de horizontes crticos que
podem apontar para as questes da emancipao e transformao.
Pois, pensar estas questes ainda instiga bastante a imaginao
sociolgica... pelo menos a minha. Obrigada!
Fbio Konder Comparato
Muita
alegria de estar com vocs porque, infelizmente, so poucos
aqueles que ainda guardam esperana no seu corao e eu sou
daqueles que acreditam na possibilidade de uma transformao do
mundo pela esperana esperana e confiana. Eu devo dizer a
vocs que, medida que eu envelheo, eu me sinto mais radical
e, provavelmente, se eu tiver alguns anos a mais de vida, eu vou
estar numa posio digna de sofrer uma perseguio policial em
todos os nveis. Eu queria tentar raciocinar, refletir com vocs
todos sobre um problema que me parece o mais grave do nosso fim de
milnio e que sem dvida um problema de crise de civilizao.
E quando eu falo em refletir, no estou usando uma figura de retrica,
eu estou querendo sentir de sua parte alguma repercusso, ainda
que muda, para que essas idias que esto germinando na minha
cabea possam vir a produzir algum fruto. Vamos partir de uma
observao histrica fundamental: a criao do sistema de
Direitos Humanos na histria moderna foi feita por etapas
sucessivas e cada uma delas representa uma resposta de defesa da
dignidade humana contra um problema crucial do momento histrico.
No final do sculo XVIII, foi certamente a tomada de conscincia
de que a organizao da sociedade sob a forma de estamentos
privilegiados e a organizao do poder poltico absoluto na
pessoa do monarca estavam levando ao abafamento de todas as
potencialidades do ser humano. E os Direitos Humanos surgiram ento
como reivindicaes das mais fortes, das mais ardentes atravs
de duas revolues, pela liberdade individual. Mas logo depois
verificou-se que na prpria lgica da afirmao desta
liberdade individual, com a eliminao do abuso de poder
estatal, havia um perigo grave, que foi justamente a possibilidade
de na organizao social criar-se j no mais um estamento, ou
seja, j no mais um grupo social com direito prprio, mas uma
classe social que ou aos poucos a monopolizar a riqueza, a
propriedade e, inevitavelmente, o poder poltico. Essa classe
tomou conta da sociedade civil e aos poucos substituiu o poder do
Estado pelo seu poder econmico. As conseqncias dessa mudana
estrutural fizeram-se sentir desde logo. A organizao da
economia em regime capitalista provocou mudanas drsticas no
modo de vida nas sociedades europia e norte-americana de incio,
e depois se expandiu para todo o mundo, como todos sabem. Essa
modificao do sistema de vida consistiu num desarraigamento
progressivo. As pessoas viviam h geraes numa determinada
regio, trabalhavam, tinham o seu ambiente, o seu horizonte de
vida todo marcado por uma determinada regio elas foram
desarraigadas e levadas a se concentrar em locais de produo,
que eram as primeiras fbricas capitalistas. As conseqncias
de ordem so-cial, por exemplo sanitria, foram surpreendentes: a
concentrao urbana provocou um processo epidmico de doenas
que estavam mais ou menos larvadas, ou que se propagavam
lentamente, e que explodiram nas grandes aglomeraes urbanas,
como a tuberculose, devastando populaes inteiras. Ao mesmo
tempo, os trabalhadores foram despojados daquilo que representava
o mnimo de segurana para sua vida , que era a terra eles
eram servos, mas servos ligados terra, a terra no lhes podia
ser tirada, no havia alis nenhum estmulo a que isso
ocorresse, porque os senhores feudais no queriam e no podiam
cultivar diretamente. Eles tinham os instrumentos de trabalho,
tudo isso lhes foi tirado. Sobrou o qu? Sobrou a capacidade de
gerar a prole, ou seja, criou-se o proletariado: a nica riqueza
a produo de filhos em srie e quanto mais melhor,
porque as doenas infantis e a possibilidade de natimortos eram
muito grandes. O fato que logo nas primeiras dcadas do sculo
XIX a Europa Ocidental acordou num determinado dia e verificou que
uma frao importante, uma parcela importante, vivia em uma nova
situao de misria, desconhecida at ento. E este ato deu
origem, atravs do movimento socialista, reivindicao de
algo que era uma contradio, um movimento contraditrio,
aquele que presidiu a criao dos primeiros direitos e
liberdades individuais. Que movimento foi esse? Foi o de reforo
do poder estatal. O que se percebeu que, sem a organizao de
um poder estatal razoavelmente forte, era impossvel enfrentar
esses problemas, porque os problemas oriundos da misria,
consubstanciados em falta de habitao, falta de educao,
falta de sade, falta de previdncia contra os riscos habituais
da existncia humana, s podiam ser enfrentados atravs de polticas
pblicas, que so programas de ao governamental. No havia
como enfrent-los de outra maneira. Uma revoluo no poderia
subitamente eliminar a doena, a fome, a misria. Tudo isso
teria que ser construdo programadamente, planejadamente, e s
poderia ser feito pelo Estado. Ento esta nova etapa de criao
de Direitos Humanos marcadamente anticapitalista: os direitos
econmicos, sociais e culturais foram criados contra o
capitalismo, porque a lgica do sistema capitalista de se
fundar na liberdade de apropriao da riqueza e de organizao
de ncleos de produo com a concentrao crescente do
capital se no houver a concentrao de capital no h a
possibilidade de concorrncia e aquele que vencido na concorrncia
sai do mercado. O que significa que a lgica do sistema
capitalista leva, necessariamente, a um mundo bipolar e oligrquico.
Tudo se encaminha para uma progressiva concentrao da riqueza e
controle, ou seja, o poder de dominao sobre a produo
concentrado numa minoria e a concentrao da misria e da
necessidade na maioria da populao. claro que esta situao,
graas ao movimento socialista, no pde prosseguir
naturalmente no seu ciclo lgico, na sucesso das suas etapas lgicas.
A partir de 1914 houve um interregno: duas guerras mundiais 14
a 18 e 39 a 45 e a criao de dois Estados no-capitalistas
em regies importantes do mundo: na Rssia, transformada em Unio
Sovitica, e na China. Ns somos filhos desse momento de
interregno, por isso que a nossa viso da histria, a nossa
viso do capitalismo muito deformada. S agora com a
derrocada dos Estados comunistas que ns comeamos a perceber
que o mundo, que a organizao capitalista volta a todo vapor a
tomar conta da humanidade. Pois bem, de qualquer forma, quando eu
falo em poder oligrquico, isto significa que para o capitalismo
a democracia uma palavra retrica, porque democracia significa
soberania do povo e garantia dos direitos fundamentais da pessoa
humana. A democracia incompatvel com o poder poltico
supremo atribudo a uma minoria e exatamente o que ns temos
em todos os pases subdesenvolvidos. O capitalismo comps-se com
a democracia representativa, porque foi atravs da explorao
da representao popular, da manipulao dos mecanismos de
representao, que se criou um regime poltico novo na histria
da Humanidade, em que o povo reina mas no governa ele
como a rainha da Inglaterra. De qualquer forma, hoje, estamos
diante desta realidade: cessado o interregno de 1914 at o final
dos anos 80, o capitalismo retomou todo o seu vigor como uma velha
doena que estava em estado larvar ou que tinha sido mais ou
menos controlada atravs de antibiticos sociais, que eram os
direitos econmicos, sociais e culturais, mas que agora volta com
toda a sua virulncia, e isso que se percebe na progressiva
eliminao desses direitos do quadro dos atuais sistemas jurdicos.
Por que isto? porque, repito, a lgica dos direitos econmicos,
sociais e culturais totalmente contrria lgica
capitalista. Vamos tentar resumir em dois planos: no plano
nacional e no plano internacional. No plano nacional o objetivo
maior do sistema de direitos econmicos, sociais e culturais
estabelecer uma igualdade bsica de condies de vida; se para
mim, que perteno classe alta, importante ter uma casa
decente para morar, importante ter um trabalho, a garantia de
um trabalho remunerado, importante ter um plano de sade,
importante que meus filhos tenham uma educao adequada, ns
temos que reconhecer que isso indispensvel a toda a populao.
Na medida em que ns no organizamos isso, estamos roubando a
populao majoritria. Ora, isto s se realiza, repito, atravs
de um trabalho de programao, de reconstruo da sociedade
atravs de polticas pblicas. O que aconteceu, uma vez cessado
esse interregno que vai dos anos 14 at o final dos anos 80 no
plano nacional? a emasculao do poder estatal atravs da
desregulamentao da economia o Estado no pode mais
intervir no jogo econmico. Se ele intervier, est prejudicando
o mecanismo normal de distribuio de recursos econmicos. Da
porque o Estado absolutamente impotente diante, por exemplo,
das novas empresas que exploram servios pblicos. Quando no mximo
ele ameaa aplicar uma multa, essas empresas, que so na maioria
estrangeiras, apelam para os Estados aos quais elas se vinculam, e
o Presidente da Repblica chamado pelo telefone e convidado a,
rapidamente, cancelar essas multas. Isto significa tambm macia
privatizao das empresas estatais, significa o endividamento pblico
em substituio cobrana de impostos. Por qu? Porque a
cobrana de impostos s pode ser feita contra aqueles que tm
dinheiro, que tm recursos. Veja-se o problema grave da Previdncia
Social. Na medida em que cai a ocupao formal de trabalho, num
sistema contributivo as receitas caem. medida que os salrios
mdios vo caindo cai tambm a arrecadao de contribuies.
Para cobrir o dficit da previdncia sobra a seguinte
alternativa: ou jogar todo mundo para o campo privado, ou seja,
quem tem dinheiro paga e quem no pagar prmio de seguro ou prmio
de plano de sade danou como dizem os nossos jovens ou
ento o Estado vai ter de arrecadar tributos, arrecadar recursos
atravs da via fiscal. Mas de quem? Obviamente de quem tem
dinheiro. Para evitar isso, o Estado se endivida. Hoje o Brasil
est numa posio de endividamento irrecupervel, o que ns
podemos fazer o que sempre fizemos: continuar empurrando isso
com a barriga e conseguir um creditozinho adicional do FMI para no
cumprirmos as metas. Essa situao de enfraquecimento do Estado
corresponde a uma concentrao capitalista e a concentrao
capitalista acarreta no apenas, como imaginou Marx, a explorao
dos trabalhadores, mas algo muito pior: a dispensa da fora-trabalho.
Hoje, a concentrao capitalista se assenta tambm na explorao
sistemtica do consumidor, como estamos vendo em matria de
produtos farmacuticos. No plano internacional, estamos
assistindo hoje a dois movimentos da maior importncia. Um deles
a supresso das barreiras alfandegrias. O outro, pouco
perceptvel porm mais virulento o transnacionalismo. A
supresso de barreiras alfandegrias pressupe a existncia de
territrios com fronteiras e o transnacionalismo a por cima
das fronteiras. Hoje j possvel fazerem-se todas as transaes
financeiras seja com moedas, seja com valores mobilirios, ndices
ou derivativos sem ar por fronteira alguma. As Bolsas de
Valores, os Balces de Distribuio de Valores funcionam 24
horas por dia. Qualquer pessoa em sua casa, com um computador,
pode jogar em todas as Bolsas, em todos os mercados do mundo.
Calcula-se que por dia circulam no mundo US$ 1,5 trilho. Dessa
soma inimaginvel de dinheiro, nem 10% so aplicados em
investimentos. E o transnacionalismo cresce agora em matria
comercial as empresas compram e vendem atravs da Internet.
Isto tem preocupado alguns Estados por causa da arrecadao de
tributos, mas o problema muito mais grave. A conseqncia
disso que no plano internacional tambm h um agravamento da
situao de concentrao de riqueza e concentrao de misria.
A Organizao das Naes Unidas, no Relatrio de
Desenvolvimento Humano de 1998, deu algumas informaes que nos
deixam perplexos: o patrimnio conjunto das 225 pessoas mais
ricas do mundo eqivale renda anual da metade mais pobre da
humanidade, ou seja, 2,5 bilhes de pessoas. A partir de 1960, a
parcela da riqueza apropriada pelos 20% mais ricos da humanidade
ou de 70% a quase 90% 89,6%, enquanto a parte deixada aos
20% mais pobres da humanidade caiu de 1,4% a 1%. Um esclio, um
comentrio, a deduzir dessas cifras a relativa insignificncia
das classes mdias ou camadas mdias. Ora, como todos sabem,
com base nas chamadas camadas mdias que hoje se anuncia a todos
os ventos a abertura de uma terceira via. Pois bem, quais as solues?
Temos que lembrar que a nica coisa incompatvel com o clculo
e a preciso cientfica a liberdade humana e justamente na
liberdade humana que ns vamos nos fundar para esboar um plano
de combate. Ns estamos numa situao de guerra mundial, no
declarada, at no sentida. preciso portanto um brado de
alerta para que ns nos movamos, nos levantemos contra esta situao,
segundo uma estratgia. Eu diria que a estratgia comporta no
duas fases, mas, dois enfoques: ou ns caminhamos para estratgias
parciais e precrias ou para estratgias globais e permanentes.
Mas possvel combinar ambas estas perspectivas. Eu vou
explicar melhor o que quero dizer. Vamos imaginar que a situao
de dominao capitalista permanea durante um tempo difcil de
calcular, em cada um dos nossos pases e no mundo como um todo.
preciso ento trabalhar com este dado, dado importante: ns
precisamos combinar solues no plano nacional e internacional,
mas levando em considerao que cada vez menos a ao dos
Estados nacionais independente, cada vez mais os Estados
nacionais dependem do contexto internacional. Portanto, aquilo que
foi no comeo do sculo uma utopia e um brado de alerta do
movimento socialista levar internacionalizao do
socialismo hoje uma necessidade bvia! E aqueles grupos
que, felizmente para a defesa da nossa dignidade, esto hoje em
Seattle protestando contra a Organizao Mundial do Comrcio,
esto nos dando uma perspectiva de combate. Ns s poderemos
resolver os nossos problemas nacionais na medida em que levarmos a
nossa luta para o plano internacional: o que representa uma
reorganizao do nosso plano de batalha. Mas apenas para efeito
didtico vamos dividir as solues em dois planos: nacional e
internacional. No plano nacional eu poderia citar e oferecer a vocs
vrias propostas que se-riam talvez objeto de teses acadmicas,
que os professores lem e depois jogam no lixo, mas devem ser
objeto de estudo, de reflexo das foras polticas. Por
exemplo, estender largamente s organizaes no-governamentais
a legitimao para o ajuizamento de aes civis pblicas. A
Professora Flvia Piovesan, que uma excelente advogada pblica,
ou seja, advogada do povo, pode lhes dizer com certeza o que isto
significa. dar instrumentos de ao judicial ao povo e no
deixar isto concentrado apenas no Ministrio Pblico, embora o
Ministrio Pblico seja indispensvel defesa do povo. Alm
disso, criar uma ao direta de inconstitucionalidade de polticas
pblicas que se opem aos direitos econmicos, sociais e
culturais constitucionalmente reconhecidos. E uma ao direta
que pode ser acoplada com uma ao de anulao de oramentos
pblicos, porque o oramento nada mais do que um miniplano,
um plano para o ano fiscal. Hoje ns temos uma ao direta de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos do poder pblico.
Mas como eu disse, os direitos econmicos, sociais e culturais se
realizam atravs de polticas pblicas. O Estado contemporneo
no mais o Estado da lei. A produo do Estado contemporneo
sobretudo de polticas, ou seja, de programas de ao
governamental. Pois bem, preciso que a constitucionalidade
dessas polticas e a ser aferida, tal como a
constitucionalidade de leis isoladas. preciso tornar obrigatria
a participao direta do povo na elaborao de oramentos pblicos.
Estou me referindo a algo que j est em andamento no nosso Pas
mas que precisa ser estendido e tornado obrigatrio. preciso
extinguir o instituto da concesso istrativa de servio pblico.
O servio pblico no pode ser gerido com intuito lucrativo,
porque h uma incompatibilidade evidente entre a busca do lucro
para acumulao de capital e o atendimento das necessidades ou
mesmo utilidades pblicas. No plano internacional v-rias outras
medidas eu poderia sugerir. Por exemplo: atribuir Comisso de
Direitos Humanos das Naes Unidas a incumbncia de fiscalizar
o cumprimento pelos Estados dos deveres impostos pelo Pacto
Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de
1966. Esses Pactos foram uma concesso feita por ambos os lados
o lado sovitico e o lado capitalista em 1966 para se
chegar a um certo consenso mnimo. No bojo dessa transao, o
cumprimento dos direitos civis e polticos ou a ser
fiscalizado pela Comisso de Direitos Humanos das Naes
Unidas. Mas os direitos econmicos, sociais e culturais no
tiveram este acrscimo a segunda parte do Pacto de 66 sobre
os direitos econmicos, sociais e culturais prev apenas o envio
de relatrios dos Estados ao Conselho Econmico e Social das Naes
Unidas. preciso, portanto, reforar o poder da Comisso de
Direitos Humanos das Naes Unidas no s na parte de direitos
civis e polticos, mas tambm sobretudo nesta parte de direitos
econmicos, sociais e culturais, para tornar claro o fato de que
o compromisso internacional com esses direitos srio e no
apenas uma medida de retrica ou de propaganda poltica. Para se
combater o flagelo da fome no mundo, parece til atribuir FAO
a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e
Alimentao a competncia para declarar situaes de
fome, que no apenas de subnutrio crnica, e, detectadas
essas situaes de fome, identificar pases que tenham estoques
alimentares. A Unio Europia concentra a maior parte dos
estoques alimentares do mundo, e estes estoques so concentrados
unicamente para manter os subsdios agricultura em todos esses
pases. Uma vez detectada a existncia desses estoques, a FAO
deveria poder, por intermdio do Secretrio Geral das Naes
Unidas, requisitar estes estoques. Em terceiro lugar, a sade:
hoje a situao de tratamento de molstias tropicais catastrfica
de 1975 a 1997 foram patenteadas no mundo 1.233 frmulas
medicamentosas. Dessas 1% apenas, ou seja, mais exatamente 13, so
de remdios para tratamentos de doenas tropicais. Hoje os
grandes laboratrios dispendem de 300 a US$ 500 milhes para a
produo de um remdio novo a ser lanado no mercado.
Evidentemente o retorno desse investimento no pode ser feito em
mercados onde predomina a misria endmica. Assistimos a esta
situao absolutamente escandalosa: investem-se de US$ 300 a US$
500 milhes para produzir um remdio que faa um americano
obeso perder peso em questo de semanas, ou para que um europeu
decrpito possa ainda manter erees depois dos 70 anos. Mas as
doenas tropicais que matam 6 milhes de pessoas por ano ficam
fora do sistema de investimentos capitalista, pois esse sistema
funciona com objetivo de lucro, o que significa a possibilidade de
retorno do capital investido. , portanto, indispensvel
organizar-se um sistema pblico para o investimento em pesquisa e
desenvolvimento, por exemplo, de
medicamentos. Isto quanto s doenas tropicais. Mas os jornais
de hoje dizem que o Ministro da Sade reclama que estamos
gastando cada vez mais com medicamentos para tratar AIDS, e sendo
remdios estes fabricados por laboratrios particulares, com
lucros crescentes. Pois bem, quando ns mudamos a nossa lei de
patentes por presso americana e suprimimos a proibio de
patenteamento de medicamentos, por presso americana, tivemos num
segundo momento a idia de que talvez fosse possvel, por meio
de um decreto presidencial prever a hiptese de licenciamento
obrigatrio de patentes. Pois bem, j existe uma ameaa de
reclamao Organizao Mundial do Comrcio por parte de
laboratrios americanos contra este decreto governamental. Agora
chego ao final. Todas as solues que estou apresentando so
parciais, so precrias, porque o direito oficial depende da
estrutura de poder na sociedade. Quando a estrutura de poder
oligrquica, dificilmente se pode, pelos mecanismos do direito
oficial, conseguir alguma soluo. O nosso objetivo final,
aquele que deve estar na agenda de todas as organizaes que se
preocupam com a tica, a comear pelas organizaes
religiosas, s pode ser este: ns temos que nos engajar numa
luta de morte contra o capitalismo. Isto significa ter as idias
claras. Entre o bem e o mal, entre o domnio do capital e o da
dignidade humana no h terceira via. Falo queles que tm
alguma formao crist. Abram de novo o Evangelho No
podeis servir a dois senhores. No podeis servir a Deus e ao
dinheiro, no existe compromisso a. Ns nos preocupamos muito
neste interregno de 14 at final dos anos 80 com o comunismo, e
por causa da supresso das liberdades individuais, mas no
soubemos reconhecer que este era um mal que tomava conta do nosso
corpo, no da nossa alma. O capitalismo, ao contrrio, toma
conta da nossa alma. Ns todos fomos infeccionados, com uma
rapidez impressionante, pela propaganda neoliberal e agora, para
impedir a septicemia, dificlimo. Portanto, o trabalho final no
apenas jurdico, tcnico a ser desenvolvido pelos
especialistas. um trabalho tico, que tem de ser desenvolvido
por todos. Ns temos de abrir uma guerra total contra a
imoralidade do sistema capitalista.
Jos Rainha Jnior
Primeiramente gostaria de agradecer o convite que foi feito a ns
e dizer que o companheiro Gilmar Mauro, que deveria estar aqui,
por outra circunstncia no pde estar, ento eu vim c
substitu-lo, no sei se vou responder altura. Segundo,
gostaria de dizer que depois de ouvir o Professor Konder falar e a
professora, fica difcil at a gente aprofundar um tema to
importante como esse. Ento eu no vou ficar um pouco nessa
questo tcnica como ele, seno vou acabar me perdendo. Eu vou
tentar traar trs questes que para mim so fundamentais ao
falar do direito eu quero falar no nosso direito, o direito
dos pobres, talvez a minha prtica do dia-a-dia, de estar junto
com esse pessoal. Essa uma questo de direitos e dos direitos
dos pobres eu quero falar do chamado humano, o ser. O segundo
aspecto que quero tratar o da violncia do Estado de direito e
poder da mdia hoje, tentar entrar nesse aspecto e, no ltimo,
quero falar da luta, quero falar da organizao, daquilo em que
eu acredito: na possibilidade da gente poder um dia ter uma
sociedade diferente, uma sociedade com que a gente sonha, onde o
homem esteja colocado em primeiro lugar. Eu parto desse princpio.
Dizer que o direito do cidado, que ns temos os direitos dos
pobres, e que temos esse direito nessa so-ciedade capitalista, que
sempre foi negado. Ele no ser dado por ningum e no ser
construdo dentro dessa chamada democracia burguesa, onde uma
minoria compartilha, dividindo aquilo tudo que produz e onde a
ampla maioria no tem o mnimo dos seus direitos respeitados. Eu
quero falar no direito vida, eu quero falar no direito
cidadania, no direito de comer, no direito de estudar, no direito
de trabalhar, no direito de ter terra, no direito de ser gente! E
o sistema como est montado, e o projeto neoliberal, o
capitalismo no vai dar esse direito aos pobres nunca, porque o
Estado foi constitudo para essa gente no obter esse direito. E
quando eu falo disso, falo do nosso dia-a-dia da nossa vida e
olhando para ns, olhando para o Brasil, olhando para a nossa
gente e olhando para a nossa histria, porque a gente no pode
ficar falando de direitos, discutir esse tema de direitos humanos
e a gente tem que voltar aqui para dentro, porque muito fcil
a gente ficar olhando para fora do Brasil e no v a histria
desse Pas, o que eles fizeram aqui nesses 500 anos. E no final
do milnio aonde chega o Pas da maior dimenso que temos em
terras produtivas, um parque produtivo onde o povo brasileiro
deveria ser o povo mais civilizado no aspecto de ser mais
respeitado, onde o povo poderia ser livre, ter maior liberdade e a
gente v o que acontece... O que aconteceu nessa trajetria de
histria e recentemente com a nossa gente, o nosso povo?
inissvel a gente falar de um pas onde, com uma dimenso
dessa, com tanta oportunidade que poderia dar ao cidado um pedao
de terra para trabalhar e o que comer, e a gente v uma cidade a
cada dia que cresce, o nosso povo, a nossa criana, a nossa gente
morando debaixo das pontes, comendo lixo, que a classe mdia ou a
burguesia joga fora, para tentar sobreviver, morando na beira dos
brejos. E mais: inconcebvel ver o outro lado em que sobram
casas vagas, vazias, o que construdo com o dinheiro pblico,
roubalheira, e esse cidado desassistido. E eu no quero entrar
no direito de lei porque isso pior ainda, esse cidado no
sabe nem o que lei nem o direito que ele tem, porque nem
oportunidade de chegar a exercer esse direito ele tem. A gente v
nesse Pas grandes casas Febems, onde os nossos menores que
poderiam estar na escola se tornando gente, para amanh ser cidado,
para estar num lugar decente, esto amontoados num lugar chamado
Febem, porque o espao desse cidado foi negado quando ele
nasceu, no tinha o direito nem de comer, nem de tomar um copo de
leite e de caf sequer para crescer como gente, ele no pode
pensar como cidado. Depois, quando ele se torna um adolescente,
jovem, ele amontoado porque ele perigoso para a sociedade.
Que sociedade? Ento ele no tem direito de viver como gente,
crescer como gente no Pas? O Estado de direito no d
oportunidade a esse ser brasileiro de ser gente! A palavra ter,
ter, ter, e a palavra ser est esquecida. Este cidado, esse
jovem, essa criana no pode ser gente! Ele tem que ser excludo!
Haja vista tambm as nossas cadeias, quem que est l
dentro? Quem que vive enchendo as cadeias? O nosso povo, os
pobres, os membros marginalizados. Essas cadeias esto cheias,
quer dizer, esse direito s serve para meia dzia, no serve
para ns! Esse Estado que est a um Estado que atende o
cidado, o ser humano, no o povo em primeiro lugar. Ento
esta realidade que ns estamos vivendo precisa ser refletida, vai
chegar no final de milnio para discutir Direitos Humanos. Que
Direito Humano que ns temos? Quando d, at quando vocs
acham ou ns pensamos que esse cidado vivendo numa situao
dessas continuar sendo assim? E a quando a gente se rebela
contra esse Estado que est a, que tem o direito e o dever e
para isso ele arrecada de ns os impostos nossos para dar a esse
cidado o direito de comer, o direito de viver, o direito de
morar, o direito de ser gente, quando a gente se rebela e a
a professora, coloca ela muito bem, essa gente que comanda o
Estado, esse Estado repressivo, esse Estado a tem lei rpida
e eficiente para poder prender, para poder condenar. Quando o
limite da cadeia no serve para educar, segundo eles esse cidado
a eles matam porque depois eles no tm, so todos impunes. E
olha o resultado de Eldorado de Carajs, onde o cidado ousou
dizer aqui nesse sul do Par tem terra frtil, ns estamos
na beira da Transamaznica e o governo jogou os pobres l, os
posseiros depois tiraram as terras deles. Eles voltam tempos
depois, se organizam, e querem ter a terra para produzir, morar e
viver como gente, vo luta, o Estado patrocina o massacre,
manda matar, assassinos, e depois o prprio Estado e o Tribunal
de Direito vai l e absolve esta gente o caso que
aconteceu. Daqui a pouco eles vo ter que condenar e vai ser
aquele suim quem vai para a cadeia, no os defuntos,
n?!
Mas bem capaz de ir os pobres dos sem terras, os baleados, os
miserveis, que esto paralticos, esto cegos daquela brutal
violncia, capaz de ser condenado num processo de jri. No
quero nem comentar o meu caso, dispensa comentrios para no
ficar me atendo a minha pessoa, mas dizer dos outros militantes do
movimento sem terra. Isso um fato do desrespeito ao direito do
cidado como que esse Estado age contra gente que ousa querer
tudo isso que eu falei que era s isso que o povo queria,
nada mais ele queria. Ns assistimos recentemente mais essa
brutal violncia no Estado do Paran olha, voc pega a
Constituio e pega a lei, brilhante ver o que est escrito,
uma coisa bonita que est ali esse Estado est cometendo
a maior violncia contra os trabalhadores, a Polcia que ganha o
dinheiro nosso e que para dar proteo ao cidado, essa
comete os abusos dos despejos violentos como ns vimos
recentemente por esse Governo Jaime Lerner, que diga-se de
agem como os mtodos desse Governo foi igualzinho o ditador
chileno. Espero que um dia a histria reserve para esse cidado
o que est reservando para o Pinochet! Que certamente vai
reservar para ele o mesmo destino. O mtodo de violncia que
usou contra criana, contra jovem, contra mulher naquela praa,
que queria o cumprimento de um acordo feito para ter terra para
trabalhar, no queriam ficar na capital, eles que-riam trabalhar.
E ainda no pior esses abusos. Aqui em So Paulo tambm no
diferente porque os mesmos da quadrilha armada do bando que esto
no Pontal do Paranapanema so os mesmos que esto l! Agora
eles montaram as milcias armadas porque a Polcia Militar no
d conta de despejar e de cumprir a ordem, a lei para tirar, os
miserveis, os violentos assassinos sem terras das propriedades.
Primeiro as propriedades que eles esto dizendo so aquelas que
foram desapropriadas pela lei, porque no produzem e foram para a
reforma agrria, j existe uma medida de lei que so terras
desapropriadas. As milcias armadas cometem violncia,
assassinam jovem, criana e esto l armadas para todo mundo
ver, enquanto a prpria Constituio diz que isso proibido,
no pode ter milcia, no pode ter grupo paramilitar para
eles pode! No Paran pode! No Pontal do Paranapanema pode! Est
l e a tal da Justia, a tal da lei que serviria para fazer
alguma coisa, no serve, nesta hora no. Mas l no Pontal, l
no Paran essa mesma lei botou mulher, jovem, liderana na
cadeia! Porque esto formando um bando de quadrilha para poder
ocupar terra e as quadrilhas armadas e violentas esto soltas!
Para quem quiser ver na luz do dia isso mais vergonhoso. E est
l, continua esta prtica. Ento falar de Direitos Humanos
olhando uma realidade dessa, que Estado esse que ns temos,
como que pode querer cobrar de ns que respeite esse Estado,
que respeite essa Lei. Ns nascemos para negar isso a porque
ela no serve para ns, e se um dia quiser construir o direito
desse povo que eu estou falando de ter vida, ter escola, ter educao,
ter comida, o direito de ser do ser humano ns vamos ter que
romper com tudo isso no tem outro jeito. O Estado
patrocinador da violncia, um absurdo o que ns estamos vendo
no dia-a-dia como que esse Estado de direito patrocina a violncia.
Todo dia engendrada na nossa cabea, quando no nas
novelas, quando no nos filmes, em qualquer programa de
televiso nos horrios nobres como que eles patrocinam, como
que eles promovem a violncia. E como que querem que o
cidado da cidade, como que voc diminui violncia e fala
num programa de paz se todo dia a relao das personagens das
novelas, que colocaram para esse cidado que chega em casa
cansado e senta com a sua famlia para ver televiso, o
patrocnio da guerra e da violncia! Armada! Como que vocs
querem que o povo se eduque diferente, ele tem que educar na violncia.
Ento se patrocina, no tem o mnimo de respeito a ningum, o
poder da ganncia do dinheiro do imprio dessas redes de televiso!
Como que ns vamos construir a democracia e o direito do cidado
com esse padro que ns estamos vivendo, que esto patrocinando
a cada dia que a para ns. Como que se educa esse povo e
como que diminui essa violncia urbana e vocs sofrem na
pele muito mais do que a gente que vive no meio rural. Como que
vocs acham que ns vamos resolver esse problema se ns no
entrarmos tambm para discutir o poder da mdia e dos meio de
comunicao dentro do Estado democrtico? Como que ns
vamos fazer isso? E essa gente no est preocupada. Vocs acham
que algum programinha, algum espao aqui na televiso preocupado
se est morrendo pobre ou est ando fome ou violncia? No,
esto preocupados quanto vo ganhar de dinheiro, quantos
milhes de dlares vo entrar no seu bolso e o resto que se
dane! As disputas vergonhosas que h nos programas de massa de
televiso no domingo, vergonhoso! E no h uma lei que
regule esses programas, que impea que isso chegue na casa do
cidado. Ento eu quero dizer nessa segunda parte, esse Estado
em que ns vivemos, essa democracia que ns falamos. democrtico!
Democrtico! O que mesmo? Nossa concepo de democracia
outra, no essa que est a, no isso que est a! Eu
queria dizer por ltimo eu falei trs coisas daquilo em que
eu acredito para poder resolver. Eu quero dizer que nos ltimos
tempos a sociedade brasileira ficou parada, as
organizaes, o nosso povo est quieto, ningum mobiliza,
muito pouca gente que est assistindo como se nada tivesse a
haver com ele! Como se o problema da reforma agrria fosse mero
problema dos sem terras! E as coisas que acontecem com ns fosse
como se fosse dele, ele no tivesse nada a ver com isso. E ns
vimos que o poder, que a sociedade brasileira no foi assim e
quem viu de perto, sentiu de perto os anos 70, o final dos anos
60, a classe intelectuais foram contra o regime algum fez
alguma coisa, a msica popular brasileira era a forma de
protestar, os caras protestavam, era o teatro, eram os escritores
e intelectuais que no aceitavam. Hoje so poucos, so alguns
artigos que se escrevem e se faz muito pouco. As msicas
americanizadas; Ns engolimos todo dia esta prepotncia enviada
para ns por esse projeto neoliberal comandado pelo imperialismo
norte-americano no h uma reao por parte dessa
sociedade e ns estamos assistindo a tudo isso que est
acontecendo, e a cada dia que a s entra para dentro de ns.
O valor de Ptria, o valor de Nao se est perdendo a cada
dia que a para o nosso povo, a nossa juventude se acaba a cada
dia que a. At quando ns vamos continuar vivendo nessa
sociedade?! E ns do Movimento Sem Terra ousamos enfrentar essa
poltica neoliberal, ousamos enfrentar esse imperialismo
norte-americano e ousamos enfrentar esse Governo que est a.
Esse Governo que no tem o mnimo de responsabilidade em aceitar
todas as regras da cartilha norte-americana, de vender o nosso
patrimnio, de vender o nosso povo, o nosso destino para o
imperialismo norte-americano. No possvel que a gente vai
continuar assistindo o que ns estamos vendo no Brasil,
preciso fazer alguma coisa! preciso que algum se rebele, no
d para aceitar! E eu quero dizer para vocs: ns do Movimento
Sem Terra, ns vamos continuar lutando, ainda que o preo sejam
os anos de cadeia e ainda que o preo seja o sangue de milhes
ou milhares de companheiros nossos! que certamente viro
pelas mos de assassinos, mas a histria nos mostrou que tambm
a liberdade no foi fruto dado a ningum!
A liberdade dos escravos foi conquistada pela sua herica luta
Spartacus nos diz isso que se os cristos conquistaram o seu
espao tambm foi com sangue e suor! Foi com luta! E a pequena,
talvez, liberdade dessa ditadura militar, ela tambm foi com o
povo na rua, no foi de graa e a ns no ser dado nada. E ns
vamos continuar marchando porque achamos que marchar mais do
que caminhar, apontar o horizonte para o povo, determinado a
conquistar o seu destino de ser gente, de ser cidado, de ter
vida digna e ter Direitos Humanos respeitados! Lutar contra essa
injustia cometida nesse Pas, esse Poder Judicirio no tem
moral mais para ficar botando ningum na cadeia, metido na corrupo
do dinheiro do povo, preciso denunciar e preciso pressionar.
Ns continuaremos ocupando terra e latifndio improdutivo, ns
continuaremos ocupando as praas, ns continuaremos frente aos
rgos pblicos, seja ele banco, como foi o Banco Central, o
espao vazio ns vamos para dentro, vamos ocupar! No possvel
continuar havendo prdios, casas abandonadas vazias e o povo
morando debaixo das pontes. No ser possvel ver as nossas
crianas morrendo de fome e a gente assistindo como se nada
estivesse. no mnimo no ter dignidade! E a liderana que se
recusa a organizar um povo e apontar o seu destino no merece o
direito de ser liderana de nada! E o povo que se deixa ser
vendido no merece ser povo e no luta pela sua liberdade. E por
essa coerncia, por essas afirmaes conquistadas tambm nos
livros, nas filosofias, mas conquistada na histria de um povo
que viveu a vida. Eu sei o que ar fome, eu sei o que
nunca poder ter sentado no banco da escola, porque aos 7 anos, 8
anos, j agarrava a barra da saia da me e do pai para poder
comer! Eu sei o que que isso. Portanto, mais do que os livros,
a prtica me ensinou a lutar, a lutar ao lado povo que eu
acredito, porque eu acredito na liberdade, eu acredito na Justia,
e eu tenho esperana para ela tirar esse direito de lutar, no vo
ser os Tribunais e muito menos a violncia, seja ela do Estado,
seja ela das milcias particulares. Ns continuaremos lutando e
eu espero e tenho esperana que a violncia desencadeada
nas favelas que mata os coitados, um dia ela vira ao contrrio
contra essas elites dominantes que rouba a cada dia que a o
direito de ns sermos gente, o direito de ns vivermos! Um dia
ela vira, vira contra eles e o dia que eles descerem o morro,
certamente se arrependero esses covardes assassinos vendilhes
do Templo, vendilhes da nossa Nao e vendilhes do nosso
Povo! Esse Governo h de pagar o que est fazendo esse e
outros com as suas polticas assassinas e o povo brasileiro h
de conquistar um dia a sua verdadeira democracia, a sua verdadeira
liberdade! E eu quero dizer que a palavra e a responsabilidade est
com cada cidado, vocs aqui hoje, os outros l fora. Ns
temos a responsabilidade de construir a justia, de construir a
cidadania, no possvel continuar como ns estamos vivendo.
E ns queremos reafirmar essa esperana, essa convico de que
um dia o Brasil pode ser diferente, nos orgulharemos de dizer que
esse Pas tem lei e ela funciona! Ela fun-ciona para o negro, ela
funciona para o ndio, ela funciona para todo mundo! Ela funciona
para o cidado! Um dia a gente poder andar nessas ruas e se
orgulhar de no ver as nossas crianas pedindo esmola ou ento
com medo de ser assaltado, certamente elas vo estar na escola e
os seus pais, suas mes, os seus jovens, se no estiverem na
sala de aula, estaro no trabalho. Um dia a gente vai poder andar
e ver que no h mais favela, ele tem uma casa para morar. E a
a gente pode dizer que isso liberdade. E, nas palavras dos filsofos
cientistas marxistas, certamente vo ousar e vo dizer que ser
o socialismo. Nas palavras dos cristos simples e humildes, como
eu ouvi um padre dizer, isso o reino de Deus. E para ns no
importa o valor, o nome que se queira dar a isso, o que importa
para mim que isso um dia seja conquistado e que isso seja, um
dia, as palavras na prtica. E por esse sonho a gente continua
lutando e a gente continua convocando cada um de vocs a
engrossar a fileira da luta pela liberdade, na luta pelos Direitos
Humanos. E tudo isso que falei, para mim so Direitos Humanos, um
dia o direito do homem, o direito do cidado ser respeitado na
sociedade humana, na sociedade justa, na sociedade igualitria. Ns
continuaremos lutando e temos esperana de que cedo ou tarde
vamos conquistar e me reservo o direito de dizer o pensamento
de uma grande liderana, que ousou lutar, ousou conquistar uma
sociedade digna: a morte por ser morte ela tem valor igual
morre o rico, morre o pobre mas h um detalhe, a morte de um
justo pesa como a montanha, mas a morte de um covarde pesa menos
do que uma pena. E a morte dessa elite assassina e desse Governo
certamente um dia pesar menos que uma pena, e a morte do
lutador, do povo para libertar esse povo, vai pesar mais do que
uma montanha o que nos resta um nome na histria e a histria
um dia vai nos compreender e vai revelar aqueles que lutaram para
esse Brasil ser dos verdadeiros brasileiros. Muito
obrigado. (Texto no revisado pelo autor).
|
|
|
|
|