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PROTEO, PROMOO E VIOLAO DOS DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
a responsabilidade do estado no direito interno e no direito internacional


Inicialmente, agradeo a todas as entidades que proporcionaram este evento e ao convite da Professora Flvia Piovesan para dele participar.
O ttulo da minha fala, Conflitos Sociais, Linguagens Transgressoras e o Desmonte dos Direitos de Cidadania, no poderia ter encontrado melhores interlocutores do que meus companheiros neste : Jos Rainha, liderana do MST, movimento social de maior expresso atualmente no pas e o Professor Fbio Konder Comparato, jurista que eu iro muito e que me antecedeu neste .

Digo isto, pois exatamente um artigo do Professor Comparato, publicado na Folha de So Paulo, em maio de 1998, que fornece o eixo principal das consideraes que trago a vocs. Naquele artigo, o Professor Comparato afirmava com vigor: No sejamos ridculos. A Constituio de 1988 no est mais em vigor. O autor referia-se ao limbo da inutilidade em que a Constituio foi jogada pela prtica autoritria do governo FHC de solapar seus princpios, governando principalmente atravs de medidas provisrias. Ao mesmo tempo, chamava a ateno para a semelhana com o totalitarismo nazista, lembrando que a Repblica de Weimar fizera o mesmo com sua Constituio. A viso totalitria implcita nessa desconstitucionalizao de direitos a que estamos assistindo permitia, ento, ao autor, estabelecer a relao cristalina com a barbrie nazista. Dizia ele no artigo: Hitler, afinal, no precisou revogar a Constituio de Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbrie nazista: simplesmente relegou s traas aquele pedao de papel. (Uma morte espiritual, Folha de So Paulo, de 14.5.1998, p. 1-3).

Pelo tom decisivo que ia alm da pura indignao e trazia para o debate pblico a atualidade do nosso desmantelamento constitucional, o artigo do Professor Comparato instigou-me naquele momento circunscrito a maio de 1998 a dirigir um outro olhar para as imagens, linguagens e prticas da ao coletiva que pontuavam os jornais e, no caso especfico, o jornal Folha de So Paulo. Seguindo as pistas de um filsofo poltico, Walter Benjamin, procurei retomar imagens, linguagens e prticas coletivas de protestos pblicos ento encenados nas ruas das principais cidades do pas. Essas imagens aparentemente dspares, desde que conectadas a uma montagem dialtica, poderiam, ainda segundo Benjamin, fornecer caminhos importantes, tanto para resgatar a memria das lutas por direitos neste pas, quanto para entender o atual desmonte dos direitos sociais. Ou melhor, aquilo que no Ncleo de Estudos dos Direitos da Cidadania, do qual participo como pesquisadora, estamos denominando de desmanche da ordem jurdico-poltica.

Apenas para dar um quadro impressionista a vocs deste maio de 1998, assinalo algumas imagens e linguagens que irrompem no cenrio poltico brasileiro com enorme tenso social, pela volta s ruas de movimentos sociais e protestos os mais diversos encenados pelos sem os sem teto, os sem comida, os sem empregos e os sem direitos. Ao ocuparem ruas, praas, estradas e reas rurais, regies centrais de reas metropolitanas, prdios pblicos em pequenas, mdias e grandes cidades, supermercados e feiras regionais, tornavam pblica a enorme crise social que corta o pas, em torno da chamada questo social, compreendendo a desigualdade, a pobreza, o desemprego, a misria e a violncia, entre outros.

O grande pano de fundo em maio de 1998, sem dvida, era dado pelos saques de alimentos pelos quais os sem terra rurais e flagelados conferiam visibilidade aguda fome e misria. interessante, no entanto, assinalar que a onda de protestos e mobilizaes no permanecia apenas circunscrita fome, seca e aos saques no Nordeste. So Paulo, maior metrpole brasileira, contava ao findar a primeira quinzena do ms com um saldo de pelo menos 17 mobilizaes entre greves, atos pblicos e eatas nas principais avenidas e ruas centrais, incluindo a ocupao de ptios de estacionamento em frente a grandes supermercados.

Quais os personagens que ocupavam as ruas?
Tnhamos desde funcionrios pblicos que, lutando pelo no-desmonte de direitos sociais, dirigiam sua agenda a protestos contra o desemprego e a precarizao, a ameaa de demisses, o no-cumprimento de acordos e garantias de permanncia no emprego, reajustes salariais e a oposio s privatizaes de empresas do governo estadual, incluindo professores estaduais do ensino de primeiro grau, professores universitrios federais (em greve nacional), motoristas de nibus, cobradores, metrovirios, funcionrios de duas empresas estaduais de saneamento bsico (contra a privatizao de uma delas) e ferrovirios da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos. A eles se agregavam, entre outros, os protestos de perueiros, de camels que disputavam o espao da cidade num cenrio de desemprego crescente e total ausncia de polticas sociais para enfrentar a excluso social, de aposentados lutando contra a reforma da Previdncia (e aqui lembro que foi exatamente no dia 12.5 que o presidente chamara aqueles que trabalham desde muito cedo de vagabundos), de grupos de sem-teto protestando em frente ao palcio do Governador, exigindo cumprimento de planos habitacionais elaborados pelos prprios movimentos com tcnicos do CDHU e outros rgos do governo estadual. No por acaso, na segunda quinzena do ms, a fome, a ausncia de polticas sociais e o desmonte de direitos sociais bsicos tornaram-se itens bsicos de uma agenda de protestos que impulsionou uma grande mobilizao nacional que em 20.5 levou 20 mil pessoas Braslia, na Jornada Nacional por Empregos e Direitos Sociais. Dela participaram vrios movimentos e entidades civis, entre os quais o Movimento Nacional de Direitos Humanos, um dos organizadores deste seminrio aqui na PUC, sobressaindo-se, no entanto, os trs maiores movimentos organizados do pas: o MST, a CUT e a Central de Movimentos Populares.
No o caso de detalhar o relato desta Jornada, atravessado por acontecimentos complexos e tumultuados, lembrando apenas a vocs a ocupao do saguo da Caixa Econmica Federal por 200 sem tetos, pertencentes a movimentos de moradia que aguardavam h mais de quatro anos serem recebidos pelos diretores da Caixa. A ocupao confrontada com enorme aparato de represso visava pressionar pela aprovao de um projeto de lei de iniciativa popular enviado Cmara Federal, em 1991, em que se solicitava a criao de um Fundo Nacional de Moradia Popular e outras polticas de habitao para a populao de baixa renda.

Ora, o que talvez seja importante ressaltar no quadro impressionista aqui esboado so as linguagens emanadas dos centros de poder que reatualizam imagens to antigas e de forte tradio na sociedade brasileira. Sobretudo aquelas provindas de reaes virulentas que, fortemente ancoradas na mdia, encenam os pobres e aqueles que ousam ir s ruas fazer falar os direitos como classes perigosas desqualificando, dessa forma, os conflitos sociais em torno das desigualdades sociais e da eroso de direitos.

Neste sentido, vou ler brevemente trechos recortados por mim de trs editoriais da Folha de So Paulo, de longe o jornal de menor furor conservador. Todos eles apontam para a forma como os centros do poder e a mdia tentam solapar a perspectiva da universalizao de direitos econmicos, sociais e culturais. O primeiro deles, intitulado, MST Multimdia, de 7.5.1998 (referindo-se s invases, ocupaes e saques, bem como ao MST), ressalta: Atos violentos contra o direito; em suas aes por obter terra [visam] enfraquecer o governo ou mesmo abalar a ordem so-cial; baderna execrvel e criminosa; difunde o princpio da desordem e desrespeito propriedade; inegvel e perigosa ameaa democracia. Uma das tticas do MST organizar os excludos (...) oferecendo a perspectiva de terra, teto ou comida (...) Com tais atitudes [o MST] alm de suas organizadas marchas nacionais, pretende dar visibilidade dramtica a sua poltica e questo social. [So responsveis] pela fuga dos investidores externos, sem os quais o Brasil no poder continuar sua trajetria rumo modernidade.
O segundo, intitulado Radicalismo Criminoso, de 15.5.1998, revela o Refluxo poltico da esquerda (...) os movimentos oposicionistas viram diminuir, nos ltimos anos, sua capacidade de mobilizar a populao (...) exceo do MST e sua intolervel poltica movida a ilegalidades, invases e saques; (...) A CUT e outros movimentos, como os sem-teto, enxergaram nas tticas do MST uma maneira de voltar a insuflar o protesto social(...). Os investidores esto mais do que nunca sensveis a turbulncias polticas, e o Brasil depende de capital externo para poder fazer crescer sua economia (...).

Finalmente, o terceiro deles, O impacto poltico da crise, de 24.5.1998, aponta para: (...) O fato de que tais entidades [referindo-se ao MST, CUT e CMP] venham conseguindo articular, por meio de aes irresponsveis, problemas em grande medida distintos, como a misria nordestina e a falta de emprego nos centros urbanos, um sintoma de que o mal estar social, por ora ainda difuso, mas crescente, pode causar um efeito
domin (...).
Correndo o risco de ter me alongado demais nestes exemplos, penso que sua importncia simblica pode ser apontada em trs conjuntos de questes importantes para a reflexo.

O primeiro deles aponta para a (re)atualizao da questo social como questo de polcia, remetendo a discursos clebres como os do ento presidente Washington Luiz (1926-1930) que durante a 1 Repblica assim se referiu s greves e conflitos operrios e s mobilizaes de pobres e outros grupos marginalizados que lutavam por melhores condies de vida e trabalho. De fato, os exemplos citados remetem herana caracterstica da entrada do Brasil na modernidade (principalmente desde meados do sculo XIX), em que se forjou uma sociabilidade autoritria no interior de uma combinao peculiar de idias liberais burguesas prprias das matrizes europia e norte-americana com o arbtrio e a violncia advindos de sua longa e penosa experincia de escravido. Prticas paternalistas, do favor, da tutela, do clientelismo misturavam-se a um enorme aparato de violncia que sempre recortou nossa sociedade, seja no campo ou nas cidades. Sobretudo, interessa destacar que essa foi uma sociedade que, ao transitar para a ordem republicana e capitalista, construiu uma sociabilidade poltica autoritria ao repor hierarquias, desqualificar as diferenas de classes e grupos sociais e legitimar as desigualdades so-ciais. Atravs de um imaginrio moderno-conservador que colocava trabalhadores e no-trabalhadores no mesmo campo semntico de classes perigosas, a estigmatizao com que a sociedade brasileira sempre encarou as lutas e conflitos sociais revela as dificuldades em lidar com a ao das classes dominadas, quando estas tentavam instaurar espaos pblicos de elaborao, interlocuo e negociao de direitos, sobretudo os sociais. Estas caractersticas persistem de forma exasperante, mesmo a partir dos anos 30 na chamada era Vargas quando os direitos sociais emergem no interior de uma cidadania regulada (este conceito, j clssico, do socilogo Wanderley Guilherme dos Santos), cidadania esta restrita apenas queles inseridos no mercado formal de trabalho industrial.
O segundo eixo de questes derivado de trechos dos editoriais apontados refere-se aos discursos do poder que visam desqualificar e (des)historicizar um outro momento importante de nossa trajetria aquele que, nos anos 70 e 80, (re)encenou novos movimentos sociais e entidades civis mobilizando-se pelas demandas e reivindicaes em torno de direitos de cidadania. No posso aqui me deter na trajetria de movimentos contra o aumento do custo de vida, por creches, por sade, por moradias, o movimento do novo sindicalismo etc., mas apenas destacar que o direito a ter direitos (expresso de Hannah Arendt), fortemente reivindicado por esses movimentos, significava, naqueles anos, um novo lugar de onde se encenava uma linguagem de classes e grupos populares enunciando a prpria capacidade de participar, julgar, negociar e deliberar sobre polticas pblicas que incorporassem direitos novos e outros, (re)interpretados, porm nunca efetivados para a maioria da populao. E, apesar da visibilidade e mobilizao desses movimentos obedecer a vrios refluxos ao longo desse perodo, pode-se assinalar que a partir de 1986, principalmente, naquilo que ficou conhecido como momento constitucional brasileiro, que movimentos os mais variados e outras entidades civis deslocam a linguagem dos direitos das ruas para o Parlamento, inscrevendo na Constituio de 1988, no apenas direitos econmicos, sociais e culturais importantes, mas, sobretudo, criando espaos pblicos que apontavam para novos significados entre esses movimentos e o campo jurdico-institucional. Dessa forma, apontavam para o fato de que capacidades legislativas no se restringiam apenas queles cujo discurso competente (expresso da filsofa Marilena Chau) s pode ser emanado dos centros decisrios do poder. Estou falando aqui de uma gama muito grande de experincias que vai desde os Conselhos Populares, a pela assessoria jurdica dos estudantes de direito aos movimentos sociais, na elaborao de iniciativas populares de projetos de lei e, aqui na PUC existe uma histria interessante sobre isto at outras instncias de negociao de direitos como o exemplo, mais conhecido nacional e internacionalmente, da experincia do Oramento Participativo de Porto Alegre. Tentava-se, em todo caso, resgatar uma noo de res publica, de coisa pblica, de fato desde sempre precria e inacabada, em nosso imaginrio
poltico.

importante lembrar sem poder me deter muito nisso que essa participao popular na Constituinte de 88 teve um carter multifacetado, polissmico, permeado de ambigidades entre virtualidades e limites. Hoje, possvel dizer que aquele momento constitucional abriu-se para um novo campo de conflitos criando novos direitos, fazendo emergir os novos sujeitos coletivos de direitos, mas, tambm, direitos que aram por um processo perverso de retroao e destituio (o caso da Reforma Agrria um, dentre muitos), e outros que aram a letra morta da lei, pois jamais foram regulamentados. Por outro lado, tambm, se inseria a um desafio s aes de movimentos sociais e grupos populares e que pode ser explicitado pela metfora do dilema entre falar os direitos e fazer falar os direitos, ou seja, efetiv-los. Na ao de alguns movimentos era possvel detectar uma tica restrita dos direitos de cidadania naquilo que estudiosos chamam de localismos das demandas especficas, ou o encapsulamento de uma perspectiva de universalizao de direitos em horizontes privatistas, ou ainda, em outros casos, uma ao que sucumbia s armadilhas da participao jurdico-institucional. Isto num pas que, como todos sabem, atravessado por uma tradio frgil de democracia, revelando a (re)atualizao de velhos mandonismos e a criao de outras formas de clientelismo, em que, por vezes, no se consegue sobrepor a dimenso pblica a uma experincia de trabalho coletivo, fragilizando a noo de responsabilidade pblica. Tais prticas acabam operando como armadilhas, transformando incessantemente as energias emancipatrias em perversas formas de regulao que travam suas virtualidades.
Finalmente, o terceiro conjunto de reflexes suscitadas pelo recorte dos editoriais diz respeito ao atual momento de desmonte de direitos so-ciais bsicos. Inicialmente, trata-se da flexibilizao da legislao trabalhista comandada pela ideologia neoliberal e aqui referida, amplamente, pelo Professor Fbio Comparato. Basta apenas mencionar rapidamente: o trabalho a tempo parcial, as medidas sugeridas de suspenso temporria dos contratos de trabalho, o afastamento dos sindicatos das negociaes, o desmonte das cmaras setoriais enquanto instncias de debate em torno de polticas pblicas, a reduo da jornada de trabalho proposta no atravs de um processo negociado com trabalhadores, mas imposta de cima, por medidas provisrias, e por a vai. Se olharmos para outros direitos que compem o chamado estado de bem-estar social que, diga-se de agem, entre ns, significou bem mais um estado de mal-estar social, pode-se apontar para o desmantelamento da Seguridade Social como um direito social bsico e universalizante, inscrito na Constituio de 1988 por toda uma ampla movimentao da sociedade civil. A sua substituio por programas de cunho assistencialista como o Comunidade Solidria, para alm de deslocar a real representatividade da sociedade civil, opera uma inverso ideolgica perversa que joga para a esfera das empresas privadas, doravante denominadas de OS organizaes sociais, muitas delas auto-intituladas empresas-cidads, a funo de garantir direitos sociais bsicos como sade e educao, por exemplo. Pode-se registrar, ainda, o aumento dos ndices cruis de desigualdades sociais, tanto no campo como nas cidades, revelando o desprezo por polticas sociais fundamentais como as das reformas agrria e urbana, entre outras, quando no, a demisso do Estado em garanti-las como direitos sociais bsicos.
Penso que seria importante ressaltar nesse desmonte de direitos so-ciais e muitos outros exemplos mereceriam ser mencionados e aprofundados, no fosse o meu tempo que vai se esgotando a emergncia daquilo que, no NEDIC, estamos chamando de deslocamento do campo de conflitos e dos sujeitos coletivos de direitos nele inseridos. Ou seja, trata-se das tentativas de isolamento e fragmentao desses movimentos pelos centros e linguagens do poder, fortemente ancoradas no aparato meditico (de longa tradio na histria brasileira),e que operam a (des)historicizao, a deslegitimao, a despolitizao e a desqualificao dos conflitos sociais e das causas dos protestos, mobilizaes e lutas contra o desmanche de direitos sociais.
Certamente, essa no uma caracterstica apenas da sociedade brasileira. O que parece peculiar ao processo poltico brasileiro atual o que o socilogo Francisco de Oliveira vem denominando de sociabilidade da apartao, que no apenas restringe-se aos mecanismos excludentes do mercado e aqueles advindos do desmantelamento de polticas pblicas que asseguram um mnimo de direitos. O que a sociabilidade da apartao destila como mais perverso, segundo o autor, a subjetividade e a sociabilidade antipblicas, ou seja, as prticas, linguagens, imagens e chaves discursivas que tentam anular o lugar da fala, da contestao e do dissenso.

Para finalizar, penso ser importante lanar um novo olhar para novas formas de expresso poltica, pelas quais movimentos sociais e outros grupos populares vm construindo as linguagens transgressoras comuns em torno do desmonte dos direitos sociais, econmicos e culturais. Por novas formas de expresso poltica entendo alguns acontecimentos de forte carter simblico, como as marchas organizadas, protestos pblicos, mobilizaes pelas cidades do pas, tribunais populares, os gritos dos ex-cludos (impulsionados pela Igreja Catlica inspirada na Teologia da Libertao), a revitalizao de ocupaes de prdios pblicos pelos sem-tetos etc., articulados aos movimentos sociais citados, MST, CUT e Central de Movimentos Populares, e envolvendo, tambm, entidades importantes como a CNBB, Movimento Nacional de Direitos Humanos etc. Certamente, essas novas formas de expresso poltica encontraram sua inspirao maior no marco simblico representado pela Marcha pela Reforma Agrria, Emprego e Justia Social, impulsionada pelo MST, em abril de 1997.
Talvez possamos ler nessas novas formas de contestar o desmantelamento de direitos sociais a criao de espaos pblicos importantes que ocupam as ruas e principais praas das cidades, dando visibilidade ao enfrentamento das polticas neoliberais em curso. Mas, alm disso, pode-se ler nesses acontecimentos a poltica sendo instituda por um conflito que se enuncia atravs de assuntos comuns, por meio de articulaes importantes que tentam ultraar as demandas especficas de cada movimento ou grupo social neles envolvidos. Cabe lembrar, entre muitos outros exemplos, que a Marcha do MST, em 1997, tambm mobilizou reivindicaes e protestos presentes em outros eventos polticos de grande tenso social naquele momento a oposio de amplos segmentos da sociedade s reformas istrativa e da seguridade social, e a privatizao, ilegtima, de uma das mais importantes empresas estatais, a Companhia Vale do Rio Doce.

A importncia da volta s ruas para fazer falar os direitos no pode ser desprezada. Ao enunciarem uma agenda que aponta para o encolhimento de direitos sociais universalizantes, centrada nas desigualdades e injustias sociais, o que essas linguagens transgressoras parecem conter como virtualidade a possibilidade desses sujeitos de direitos coletivos virem a ocupar um outro lugar, que no aquele que as linguagens do poder associadas ao aparato da mdia tentam atribuir para a ao coletiva o do isolamento, da fragmentao, da desqualificao e da despolitizao dessas aes, secretadas pela subjetividade e sociabilidade antipblicas, de que nos fala Francisco de Oliveira.
Dessa forma, pode ser interessante introduzir algumas consideraes de maneira muito breve e que poderamos depois retomar no debate sobre aquilo que o filsofo poltico Jacques Rancire entende como prticas do dissenso ou do desentendimento, ao constiturem a poltica pelo conflito. Diz ele: Trata-se da construo de uma cena comum, em torno da existncia e da qualidade daqueles que esto ali presentes, que insti-tuem uma comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano (...) que nada mais do que a (...) contradio entre o mundo onde h algo entre eles e aqueles que no os conhecem como seres falantes e contveis. Para o autor, a comunidade poltica existe quando dividida por um litgio fundamental, o que permite sua visibilidade e contagem. No se trata, continua ele, de que as pessoas se ocupem de seus assuntos comuns, mas de que a parcela dos sem-parcela se ocupe transgressivamente de seus assuntos comuns (Rancire, J. O desentendimento. So Paulo: Ed. 34, 1996).
sempre bom lembrar o carter complexo da anlise dessas novas formas de expresso poltica, pois se desdobram num espao importante de questionamento de sua representatividade, para alm do prprio acontecimento. Mas cabe ressaltar que, longe de serem vistos como meros acontecimentos sem rumo (como recentemente querem nos fazer crer), carregam o potencial de rupturas crticas importantes aos parmetros do desmonte dos direitos de cidadania. Da ser possvel entender a violncia concreta com que se mobilizam os aparatos da represso em torno desses acontecimentos, e/ou a violncia simblica em relao contestao articulada por movimentos sociais importantes, cujos exemplos constam dos trechos dos editoriais citados anteriormente.

Na seqncia, talvez Jos Rainha tenha outros elementos importantes a acrescentar a estas consideraes muito frgeis, ainda, pois fazem parte de um projeto de pesquisa em formulao. Para terminar meu tempo se esgotou gostaria de chamar ateno para o fato de que essas novas formas de expresso poltica talvez estejam exigindo uma nova leitura para escavar nelas as rupturas crticas ao encolhimento de sociabilidades democrticas. Para isto preciso que se mobilize a crtica radical que deve envolver no apenas aqueles intelectuais que mantm uma interlocuo e aprofundam o estudo e o debate conjunto com a luta por direitos, neste pas, mas, sobretudo, que envolva, de forma mais consistente, a Universidade e muitos de seus intelectuais, ausentes ou indiferentes a este debate. Falo da crtica radical ao desmonte de direitos sociais, econmicos e culturais, tal como aquela realizada pelo Professor Fbio Comparato, tanto na fala que precedeu minha, quanto no artigo citado em que comparava a atual desconstitucionalizao de direitos com a Constituio da Repblica de Weimar. Trata-se, portanto, de compreender as novas linguagens dos direitos enquanto possibilidades ou disputas em torno de horizontes crticos que podem apontar para as questes da emancipao e transformao. Pois, pensar estas questes ainda instiga bastante a imaginao sociolgica... pelo menos a minha. Obrigada!


Fbio Konder Comparato

Muita alegria de estar com vocs porque, infelizmente, so poucos aqueles que ainda guardam esperana no seu corao e eu sou daqueles que acreditam na possibilidade de uma transformao do mundo pela esperana esperana e confiana. Eu devo dizer a vocs que, medida que eu envelheo, eu me sinto mais radical e, provavelmente, se eu tiver alguns anos a mais de vida, eu vou estar numa posio digna de sofrer uma perseguio policial em todos os nveis. Eu queria tentar raciocinar, refletir com vocs todos sobre um problema que me parece o mais grave do nosso fim de milnio e que sem dvida um problema de crise de civilizao. E quando eu falo em refletir, no estou usando uma figura de retrica, eu estou querendo sentir de sua parte alguma repercusso, ainda que muda, para que essas idias que esto germinando na minha cabea possam vir a produzir algum fruto. Vamos partir de uma observao histrica fundamental: a criao do sistema de Direitos Humanos na histria moderna foi feita por etapas sucessivas e cada uma delas representa uma resposta de defesa da dignidade humana contra um problema crucial do momento histrico. No final do sculo XVIII, foi certamente a tomada de conscincia de que a organizao da sociedade sob a forma de estamentos privilegiados e a organizao do poder poltico absoluto na pessoa do monarca estavam levando ao abafamento de todas as potencialidades do ser humano. E os Direitos Humanos surgiram ento como reivindicaes das mais fortes, das mais ardentes atravs de duas revolues, pela liberdade individual. Mas logo depois verificou-se que na prpria lgica da afirmao desta liberdade individual, com a eliminao do abuso de poder estatal, havia um perigo grave, que foi justamente a possibilidade de na organizao social criar-se j no mais um estamento, ou seja, j no mais um grupo social com direito prprio, mas uma classe social que ou aos poucos a monopolizar a riqueza, a propriedade e, inevitavelmente, o poder poltico. Essa classe tomou conta da sociedade civil e aos poucos substituiu o poder do Estado pelo seu poder econmico. As conseqncias dessa mudana estrutural fizeram-se sentir desde logo. A organizao da economia em regime capitalista provocou mudanas drsticas no modo de vida nas sociedades europia e norte-americana de incio, e depois se expandiu para todo o mundo, como todos sabem. Essa modificao do sistema de vida consistiu num desarraigamento progressivo. As pessoas viviam h geraes numa determinada regio, trabalhavam, tinham o seu ambiente, o seu horizonte de vida todo marcado por uma determinada regio elas foram desarraigadas e levadas a se concentrar em locais de produo, que eram as primeiras fbricas capitalistas. As conseqncias de ordem so-cial, por exemplo sanitria, foram surpreendentes: a concentrao urbana provocou um processo epidmico de doenas que estavam mais ou menos larvadas, ou que se propagavam lentamente, e que explodiram nas grandes aglomeraes urbanas, como a tuberculose, devastando populaes inteiras. Ao mesmo tempo, os trabalhadores foram despojados daquilo que representava o mnimo de segurana para sua vida , que era a terra eles eram servos, mas servos ligados terra, a terra no lhes podia ser tirada, no havia alis nenhum estmulo a que isso ocorresse, porque os senhores feudais no queriam e no podiam cultivar diretamente. Eles tinham os instrumentos de trabalho, tudo isso lhes foi tirado. Sobrou o qu? Sobrou a capacidade de gerar a prole, ou seja, criou-se o proletariado: a nica riqueza a produo de filhos em srie e quanto mais melhor, porque as doenas infantis e a possibilidade de natimortos eram muito grandes. O fato que logo nas primeiras dcadas do sculo XIX a Europa Ocidental acordou num determinado dia e verificou que uma frao importante, uma parcela importante, vivia em uma nova situao de misria, desconhecida at ento. E este ato deu origem, atravs do movimento socialista, reivindicao de algo que era uma contradio, um movimento contraditrio, aquele que presidiu a criao dos primeiros direitos e liberdades individuais. Que movimento foi esse? Foi o de reforo do poder estatal. O que se percebeu que, sem a organizao de um poder estatal razoavelmente forte, era impossvel enfrentar esses problemas, porque os problemas oriundos da misria, consubstanciados em falta de habitao, falta de educao, falta de sade, falta de previdncia contra os riscos habituais da existncia humana, s podiam ser enfrentados atravs de polticas pblicas, que so programas de ao governamental. No havia como enfrent-los de outra maneira. Uma revoluo no poderia subitamente eliminar a doena, a fome, a misria. Tudo isso teria que ser construdo programadamente, planejadamente, e s poderia ser feito pelo Estado. Ento esta nova etapa de criao de Direitos Humanos marcadamente anticapitalista: os direitos econmicos, sociais e culturais foram criados contra o capitalismo, porque a lgica do sistema capitalista de se fundar na liberdade de apropriao da riqueza e de organizao de ncleos de produo com a concentrao crescente do capital se no houver a concentrao de capital no h a possibilidade de concorrncia e aquele que vencido na concorrncia sai do mercado. O que significa que a lgica do sistema capitalista leva, necessariamente, a um mundo bipolar e oligrquico. Tudo se encaminha para uma progressiva concentrao da riqueza e controle, ou seja, o poder de dominao sobre a produo concentrado numa minoria e a concentrao da misria e da necessidade na maioria da populao. claro que esta situao, graas ao movimento socialista, no pde prosseguir naturalmente no seu ciclo lgico, na sucesso das suas etapas lgicas. A partir de 1914 houve um interregno: duas guerras mundiais 14 a 18 e 39 a 45 e a criao de dois Estados no-capitalistas em regies importantes do mundo: na Rssia, transformada em Unio Sovitica, e na China. Ns somos filhos desse momento de interregno, por isso que a nossa viso da histria, a nossa viso do capitalismo muito deformada. S agora com a derrocada dos Estados comunistas que ns comeamos a perceber que o mundo, que a organizao capitalista volta a todo vapor a tomar conta da humanidade. Pois bem, de qualquer forma, quando eu falo em poder oligrquico, isto significa que para o capitalismo a democracia uma palavra retrica, porque democracia significa soberania do povo e garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. A democracia incompatvel com o poder poltico supremo atribudo a uma minoria e exatamente o que ns temos em todos os pases subdesenvolvidos. O capitalismo comps-se com a democracia representativa, porque foi atravs da explorao da representao popular, da manipulao dos mecanismos de representao, que se criou um regime poltico novo na histria da Humanidade, em que o povo reina mas no governa ele como a rainha da Inglaterra. De qualquer forma, hoje, estamos diante desta realidade: cessado o interregno de 1914 at o final dos anos 80, o capitalismo retomou todo o seu vigor como uma velha doena que estava em estado larvar ou que tinha sido mais ou menos controlada atravs de antibiticos sociais, que eram os direitos econmicos, sociais e culturais, mas que agora volta com toda a sua virulncia, e isso que se percebe na progressiva eliminao desses direitos do quadro dos atuais sistemas jurdicos. Por que isto? porque, repito, a lgica dos direitos econmicos, sociais e culturais totalmente contrria lgica capitalista. Vamos tentar resumir em dois planos: no plano nacional e no plano internacional. No plano nacional o objetivo maior do sistema de direitos econmicos, sociais e culturais estabelecer uma igualdade bsica de condies de vida; se para mim, que perteno classe alta, importante ter uma casa decente para morar, importante ter um trabalho, a garantia de um trabalho remunerado, importante ter um plano de sade, importante que meus filhos tenham uma educao adequada, ns temos que reconhecer que isso indispensvel a toda a populao. Na medida em que ns no organizamos isso, estamos roubando a populao majoritria. Ora, isto s se realiza, repito, atravs de um trabalho de programao, de reconstruo da sociedade atravs de polticas pblicas. O que aconteceu, uma vez cessado esse interregno que vai dos anos 14 at o final dos anos 80 no plano nacional? a emasculao do poder estatal atravs da desregulamentao da economia o Estado no pode mais intervir no jogo econmico. Se ele intervier, est prejudicando o mecanismo normal de distribuio de recursos econmicos. Da porque o Estado absolutamente impotente diante, por exemplo, das novas empresas que exploram servios pblicos. Quando no mximo ele ameaa aplicar uma multa, essas empresas, que so na maioria estrangeiras, apelam para os Estados aos quais elas se vinculam, e o Presidente da Repblica chamado pelo telefone e convidado a, rapidamente, cancelar essas multas. Isto significa tambm macia privatizao das empresas estatais, significa o endividamento pblico em substituio cobrana de impostos. Por qu? Porque a cobrana de impostos s pode ser feita contra aqueles que tm dinheiro, que tm recursos. Veja-se o problema grave da Previdncia Social. Na medida em que cai a ocupao formal de trabalho, num sistema contributivo as receitas caem. medida que os salrios mdios vo caindo cai tambm a arrecadao de contribuies. Para cobrir o dficit da previdncia sobra a seguinte alternativa: ou jogar todo mundo para o campo privado, ou seja, quem tem dinheiro paga e quem no pagar prmio de seguro ou prmio de plano de sade danou como dizem os nossos jovens ou ento o Estado vai ter de arrecadar tributos, arrecadar recursos atravs da via fiscal. Mas de quem? Obviamente de quem tem dinheiro. Para evitar isso, o Estado se endivida. Hoje o Brasil est numa posio de endividamento irrecupervel, o que ns podemos fazer o que sempre fizemos: continuar empurrando isso com a barriga e conseguir um creditozinho adicional do FMI para no cumprirmos as metas. Essa situao de enfraquecimento do Estado corresponde a uma concentrao capitalista e a concentrao capitalista acarreta no apenas, como imaginou Marx, a explorao dos trabalhadores, mas algo muito pior: a dispensa da fora-trabalho. Hoje, a concentrao capitalista se assenta tambm na explorao sistemtica do consumidor, como estamos vendo em matria de produtos farmacuticos. No plano internacional, estamos assistindo hoje a dois movimentos da maior importncia. Um deles a supresso das barreiras alfandegrias. O outro, pouco perceptvel porm mais virulento o transnacionalismo. A supresso de barreiras alfandegrias pressupe a existncia de territrios com fronteiras e o transnacionalismo a por cima das fronteiras. Hoje j possvel fazerem-se todas as transaes financeiras seja com moedas, seja com valores mobilirios, ndices ou derivativos sem ar por fronteira alguma. As Bolsas de Valores, os Balces de Distribuio de Valores funcionam 24 horas por dia. Qualquer pessoa em sua casa, com um computador, pode jogar em todas as Bolsas, em todos os mercados do mundo. Calcula-se que por dia circulam no mundo US$ 1,5 trilho. Dessa soma inimaginvel de dinheiro, nem 10% so aplicados em investimentos. E o transnacionalismo cresce agora em matria comercial as empresas compram e vendem atravs da Internet. Isto tem preocupado alguns Estados por causa da arrecadao de tributos, mas o problema muito mais grave. A conseqncia disso que no plano internacional tambm h um agravamento da situao de concentrao de riqueza e concentrao de misria. A Organizao das Naes Unidas, no Relatrio de Desenvolvimento Humano de 1998, deu algumas informaes que nos deixam perplexos: o patrimnio conjunto das 225 pessoas mais ricas do mundo eqivale renda anual da metade mais pobre da humanidade, ou seja, 2,5 bilhes de pessoas. A partir de 1960, a parcela da riqueza apropriada pelos 20% mais ricos da humanidade ou de 70% a quase 90% 89,6%, enquanto a parte deixada aos 20% mais pobres da humanidade caiu de 1,4% a 1%. Um esclio, um comentrio, a deduzir dessas cifras a relativa insignificncia das classes mdias ou camadas mdias. Ora, como todos sabem, com base nas chamadas camadas mdias que hoje se anuncia a todos os ventos a abertura de uma terceira via. Pois bem, quais as solues? Temos que lembrar que a nica coisa incompatvel com o clculo e a preciso cientfica a liberdade humana e justamente na liberdade humana que ns vamos nos fundar para esboar um plano de combate. Ns estamos numa situao de guerra mundial, no declarada, at no sentida. preciso portanto um brado de alerta para que ns nos movamos, nos levantemos contra esta situao, segundo uma estratgia. Eu diria que a estratgia comporta no duas fases, mas, dois enfoques: ou ns caminhamos para estratgias parciais e precrias ou para estratgias globais e permanentes. Mas possvel combinar ambas estas perspectivas. Eu vou explicar melhor o que quero dizer. Vamos imaginar que a situao de dominao capitalista permanea durante um tempo difcil de calcular, em cada um dos nossos pases e no mundo como um todo. preciso ento trabalhar com este dado, dado importante: ns precisamos combinar solues no plano nacional e internacional, mas levando em considerao que cada vez menos a ao dos Estados nacionais independente, cada vez mais os Estados nacionais dependem do contexto internacional. Portanto, aquilo que foi no comeo do sculo uma utopia e um brado de alerta do movimento socialista levar internacionalizao do socialismo hoje uma necessidade bvia! E aqueles grupos que, felizmente para a defesa da nossa dignidade, esto hoje em Seattle protestando contra a Organizao Mundial do Comrcio, esto nos dando uma perspectiva de combate. Ns s poderemos resolver os nossos problemas nacionais na medida em que levarmos a nossa luta para o plano internacional: o que representa uma reorganizao do nosso plano de batalha. Mas apenas para efeito didtico vamos dividir as solues em dois planos: nacional e internacional. No plano nacional eu poderia citar e oferecer a vocs vrias propostas que se-riam talvez objeto de teses acadmicas, que os professores lem e depois jogam no lixo, mas devem ser objeto de estudo, de reflexo das foras polticas. Por exemplo, estender largamente s organizaes no-governamentais a legitimao para o ajuizamento de aes civis pblicas. A Professora Flvia Piovesan, que uma excelente advogada pblica, ou seja, advogada do povo, pode lhes dizer com certeza o que isto significa. dar instrumentos de ao judicial ao povo e no deixar isto concentrado apenas no Ministrio Pblico, embora o Ministrio Pblico seja indispensvel defesa do povo. Alm disso, criar uma ao direta de inconstitucionalidade de polticas pblicas que se opem aos direitos econmicos, sociais e culturais constitucionalmente reconhecidos. E uma ao direta que pode ser acoplada com uma ao de anulao de oramentos pblicos, porque o oramento nada mais do que um miniplano, um plano para o ano fiscal. Hoje ns temos uma ao direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos do poder pblico. Mas como eu disse, os direitos econmicos, sociais e culturais se realizam atravs de polticas pblicas. O Estado contemporneo no mais o Estado da lei. A produo do Estado contemporneo sobretudo de polticas, ou seja, de programas de ao governamental. Pois bem, preciso que a constitucionalidade dessas polticas e a ser aferida, tal como a constitucionalidade de leis isoladas. preciso tornar obrigatria a participao direta do povo na elaborao de oramentos pblicos. Estou me referindo a algo que j est em andamento no nosso Pas mas que precisa ser estendido e tornado obrigatrio. preciso extinguir o instituto da concesso istrativa de servio pblico. O servio pblico no pode ser gerido com intuito lucrativo, porque h uma incompatibilidade evidente entre a busca do lucro para acumulao de capital e o atendimento das necessidades ou mesmo utilidades pblicas. No plano internacional v-rias outras medidas eu poderia sugerir. Por exemplo: atribuir Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas a incumbncia de fiscalizar o cumprimento pelos Estados dos deveres impostos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966. Esses Pactos foram uma concesso feita por ambos os lados o lado sovitico e o lado capitalista em 1966 para se chegar a um certo consenso mnimo. No bojo dessa transao, o cumprimento dos direitos civis e polticos ou a ser fiscalizado pela Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas. Mas os direitos econmicos, sociais e culturais no tiveram este acrscimo a segunda parte do Pacto de 66 sobre os direitos econmicos, sociais e culturais prev apenas o envio de relatrios dos Estados ao Conselho Econmico e Social das Naes Unidas. preciso, portanto, reforar o poder da Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas no s na parte de direitos civis e polticos, mas tambm sobretudo nesta parte de direitos econmicos, sociais e culturais, para tornar claro o fato de que o compromisso internacional com esses direitos srio e no apenas uma medida de retrica ou de propaganda poltica. Para se combater o flagelo da fome no mundo, parece til atribuir FAO a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao a competncia para declarar situaes de fome, que no apenas de subnutrio crnica, e, detectadas essas situaes de fome, identificar pases que tenham estoques alimentares. A Unio Europia concentra a maior parte dos estoques alimentares do mundo, e estes estoques so concentrados unicamente para manter os subsdios agricultura em todos esses pases. Uma vez detectada a existncia desses estoques, a FAO deveria poder, por intermdio do Secretrio Geral das Naes Unidas, requisitar estes estoques. Em terceiro lugar, a sade: hoje a situao de tratamento de molstias tropicais catastrfica de 1975 a 1997 foram patenteadas no mundo 1.233 frmulas medicamentosas. Dessas 1% apenas, ou seja, mais exatamente 13, so de remdios para tratamentos de doenas tropicais. Hoje os grandes laboratrios dispendem de 300 a US$ 500 milhes para a produo de um remdio novo a ser lanado no mercado. Evidentemente o retorno desse investimento no pode ser feito em mercados onde predomina a misria endmica. Assistimos a esta situao absolutamente escandalosa: investem-se de US$ 300 a US$ 500 milhes para produzir um remdio que faa um americano obeso perder peso em questo de semanas, ou para que um europeu decrpito possa ainda manter erees depois dos 70 anos. Mas as doenas tropicais que matam 6 milhes de pessoas por ano ficam fora do sistema de investimentos capitalista, pois esse sistema funciona com objetivo de lucro, o que significa a possibilidade de retorno do capital investido. , portanto, indispensvel organizar-se um sistema pblico para o investimento em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, de
medicamentos. Isto quanto s doenas tropicais. Mas os jornais de hoje dizem que o Ministro da Sade reclama que estamos gastando cada vez mais com medicamentos para tratar AIDS, e sendo remdios estes fabricados por laboratrios particulares, com lucros crescentes. Pois bem, quando ns mudamos a nossa lei de patentes por presso americana e suprimimos a proibio de patenteamento de medicamentos, por presso americana, tivemos num segundo momento a idia de que talvez fosse possvel, por meio de um decreto presidencial prever a hiptese de licenciamento obrigatrio de patentes. Pois bem, j existe uma ameaa de reclamao Organizao Mundial do Comrcio por parte de laboratrios americanos contra este decreto governamental. Agora chego ao final. Todas as solues que estou apresentando so parciais, so precrias, porque o direito oficial depende da estrutura de poder na sociedade. Quando a estrutura de poder oligrquica, dificilmente se pode, pelos mecanismos do direito oficial, conseguir alguma soluo. O nosso objetivo final, aquele que deve estar na agenda de todas as organizaes que se preocupam com a tica, a comear pelas organizaes religiosas, s pode ser este: ns temos que nos engajar numa luta de morte contra o capitalismo. Isto significa ter as idias claras. Entre o bem e o mal, entre o domnio do capital e o da dignidade humana no h terceira via. Falo queles que tm alguma formao crist. Abram de novo o Evangelho No podeis servir a dois senhores. No podeis servir a Deus e ao dinheiro, no existe compromisso a. Ns nos preocupamos muito neste interregno de 14 at final dos anos 80 com o comunismo, e por causa da supresso das liberdades individuais, mas no soubemos reconhecer que este era um mal que tomava conta do nosso corpo, no da nossa alma. O capitalismo, ao contrrio, toma conta da nossa alma. Ns todos fomos infeccionados, com uma rapidez impressionante, pela propaganda neoliberal e agora, para impedir a septicemia, dificlimo. Portanto, o trabalho final no apenas jurdico, tcnico a ser desenvolvido pelos especialistas. um trabalho tico, que tem de ser desenvolvido por todos. Ns temos de abrir uma guerra total contra a imoralidade do sistema capitalista.
Jos Rainha Jnior
Primeiramente gostaria de agradecer o convite que foi feito a ns e dizer que o companheiro Gilmar Mauro, que deveria estar aqui, por outra circunstncia no pde estar, ento eu vim c substitu-lo, no sei se vou responder altura. Segundo, gostaria de dizer que depois de ouvir o Professor Konder falar e a professora, fica difcil at a gente aprofundar um tema to importante como esse. Ento eu no vou ficar um pouco nessa questo tcnica como ele, seno vou acabar me perdendo. Eu vou tentar traar trs questes que para mim so fundamentais ao falar do direito eu quero falar no nosso direito, o direito dos pobres, talvez a minha prtica do dia-a-dia, de estar junto com esse pessoal. Essa uma questo de direitos e dos direitos dos pobres eu quero falar do chamado humano, o ser. O segundo aspecto que quero tratar o da violncia do Estado de direito e poder da mdia hoje, tentar entrar nesse aspecto e, no ltimo, quero falar da luta, quero falar da organizao, daquilo em que eu acredito: na possibilidade da gente poder um dia ter uma sociedade diferente, uma sociedade com que a gente sonha, onde o homem esteja colocado em primeiro lugar. Eu parto desse princpio. Dizer que o direito do cidado, que ns temos os direitos dos pobres, e que temos esse direito nessa so-ciedade capitalista, que sempre foi negado. Ele no ser dado por ningum e no ser construdo dentro dessa chamada democracia burguesa, onde uma minoria compartilha, dividindo aquilo tudo que produz e onde a ampla maioria no tem o mnimo dos seus direitos respeitados. Eu quero falar no direito vida, eu quero falar no direito cidadania, no direito de comer, no direito de estudar, no direito de trabalhar, no direito de ter terra, no direito de ser gente! E o sistema como est montado, e o projeto neoliberal, o capitalismo no vai dar esse direito aos pobres nunca, porque o Estado foi constitudo para essa gente no obter esse direito. E quando eu falo disso, falo do nosso dia-a-dia da nossa vida e olhando para ns, olhando para o Brasil, olhando para a nossa gente e olhando para a nossa histria, porque a gente no pode ficar falando de direitos, discutir esse tema de direitos humanos e a gente tem que voltar aqui para dentro, porque muito fcil a gente ficar olhando para fora do Brasil e no v a histria desse Pas, o que eles fizeram aqui nesses 500 anos. E no final do milnio aonde chega o Pas da maior dimenso que temos em terras produtivas, um parque produtivo onde o povo brasileiro deveria ser o povo mais civilizado no aspecto de ser mais respeitado, onde o povo poderia ser livre, ter maior liberdade e a gente v o que acontece... O que aconteceu nessa trajetria de histria e recentemente com a nossa gente, o nosso povo? inissvel a gente falar de um pas onde, com uma dimenso dessa, com tanta oportunidade que poderia dar ao cidado um pedao de terra para trabalhar e o que comer, e a gente v uma cidade a cada dia que cresce, o nosso povo, a nossa criana, a nossa gente morando debaixo das pontes, comendo lixo, que a classe mdia ou a burguesia joga fora, para tentar sobreviver, morando na beira dos brejos. E mais: inconcebvel ver o outro lado em que sobram casas vagas, vazias, o que construdo com o dinheiro pblico, roubalheira, e esse cidado desassistido. E eu no quero entrar no direito de lei porque isso pior ainda, esse cidado no sabe nem o que lei nem o direito que ele tem, porque nem oportunidade de chegar a exercer esse direito ele tem. A gente v nesse Pas grandes casas Febems, onde os nossos menores que poderiam estar na escola se tornando gente, para amanh ser cidado, para estar num lugar decente, esto amontoados num lugar chamado Febem, porque o espao desse cidado foi negado quando ele nasceu, no tinha o direito nem de comer, nem de tomar um copo de leite e de caf sequer para crescer como gente, ele no pode pensar como cidado. Depois, quando ele se torna um adolescente, jovem, ele amontoado porque ele perigoso para a sociedade. Que sociedade? Ento ele no tem direito de viver como gente, crescer como gente no Pas? O Estado de direito no d oportunidade a esse ser brasileiro de ser gente! A palavra ter, ter, ter, e a palavra ser est esquecida. Este cidado, esse jovem, essa criana no pode ser gente! Ele tem que ser excludo! Haja vista tambm as nossas cadeias, quem que est l dentro? Quem que vive enchendo as cadeias? O nosso povo, os pobres, os membros marginalizados. Essas cadeias esto cheias, quer dizer, esse direito s serve para meia dzia, no serve para ns! Esse Estado que est a um Estado que atende o cidado, o ser humano, no o povo em primeiro lugar. Ento esta realidade que ns estamos vivendo precisa ser refletida, vai chegar no final de milnio para discutir Direitos Humanos. Que Direito Humano que ns temos? Quando d, at quando vocs acham ou ns pensamos que esse cidado vivendo numa situao dessas continuar sendo assim? E a quando a gente se rebela contra esse Estado que est a, que tem o direito e o dever e para isso ele arrecada de ns os impostos nossos para dar a esse cidado o direito de comer, o direito de viver, o direito de morar, o direito de ser gente, quando a gente se rebela e a a professora, coloca ela muito bem, essa gente que comanda o Estado, esse Estado repressivo, esse Estado a tem lei rpida e eficiente para poder prender, para poder condenar. Quando o limite da cadeia no serve para educar, segundo eles esse cidado a eles matam porque depois eles no tm, so todos impunes. E olha o resultado de Eldorado de Carajs, onde o cidado ousou dizer aqui nesse sul do Par tem terra frtil, ns estamos na beira da Transamaznica e o governo jogou os pobres l, os posseiros depois tiraram as terras deles. Eles voltam tempos depois, se organizam, e querem ter a terra para produzir, morar e viver como gente, vo luta, o Estado patrocina o massacre, manda matar, assassinos, e depois o prprio Estado e o Tribunal de Direito vai l e absolve esta gente o caso que aconteceu. Daqui a pouco eles vo ter que condenar e vai ser aquele suim quem vai para a cadeia, no os defuntos, n?! Mas bem capaz de ir os pobres dos sem terras, os baleados, os miserveis, que esto paralticos, esto cegos daquela brutal violncia, capaz de ser condenado num processo de jri. No quero nem comentar o meu caso, dispensa comentrios para no ficar me atendo a minha pessoa, mas dizer dos outros militantes do movimento sem terra. Isso um fato do desrespeito ao direito do cidado como que esse Estado age contra gente que ousa querer tudo isso que eu falei que era s isso que o povo queria, nada mais ele queria. Ns assistimos recentemente mais essa brutal violncia no Estado do Paran olha, voc pega a Constituio e pega a lei, brilhante ver o que est escrito, uma coisa bonita que est ali esse Estado est cometendo a maior violncia contra os trabalhadores, a Polcia que ganha o dinheiro nosso e que para dar proteo ao cidado, essa comete os abusos dos despejos violentos como ns vimos recentemente por esse Governo Jaime Lerner, que diga-se de agem como os mtodos desse Governo foi igualzinho o ditador chileno. Espero que um dia a histria reserve para esse cidado o que est reservando para o Pinochet! Que certamente vai reservar para ele o mesmo destino. O mtodo de violncia que usou contra criana, contra jovem, contra mulher naquela praa, que queria o cumprimento de um acordo feito para ter terra para trabalhar, no queriam ficar na capital, eles que-riam trabalhar. E ainda no pior esses abusos. Aqui em So Paulo tambm no diferente porque os mesmos da quadrilha armada do bando que esto no Pontal do Paranapanema so os mesmos que esto l! Agora eles montaram as milcias armadas porque a Polcia Militar no d conta de despejar e de cumprir a ordem, a lei para tirar, os miserveis, os violentos assassinos sem terras das propriedades. Primeiro as propriedades que eles esto dizendo so aquelas que foram desapropriadas pela lei, porque no produzem e foram para a reforma agrria, j existe uma medida de lei que so terras desapropriadas. As milcias armadas cometem violncia, assassinam jovem, criana e esto l armadas para todo mundo ver, enquanto a prpria Constituio diz que isso proibido, no pode ter milcia, no pode ter grupo paramilitar para eles pode! No Paran pode! No Pontal do Paranapanema pode! Est l e a tal da Justia, a tal da lei que serviria para fazer alguma coisa, no serve, nesta hora no. Mas l no Pontal, l no Paran essa mesma lei botou mulher, jovem, liderana na cadeia! Porque esto formando um bando de quadrilha para poder ocupar terra e as quadrilhas armadas e violentas esto soltas! Para quem quiser ver na luz do dia isso mais vergonhoso. E est l, continua esta prtica. Ento falar de Direitos Humanos olhando uma realidade dessa, que Estado esse que ns temos, como que pode querer cobrar de ns que respeite esse Estado, que respeite essa Lei. Ns nascemos para negar isso a porque ela no serve para ns, e se um dia quiser construir o direito desse povo que eu estou falando de ter vida, ter escola, ter educao, ter comida, o direito de ser do ser humano ns vamos ter que romper com tudo isso no tem outro jeito. O Estado patrocinador da violncia, um absurdo o que ns estamos vendo no dia-a-dia como que esse Estado de direito patrocina a violncia. Todo dia engendrada na nossa cabea, quando no nas novelas, quando no nos filmes, em qualquer programa de televiso nos horrios nobres como que eles patrocinam, como que eles promovem a violncia. E como que querem que o cidado da cidade, como que voc diminui violncia e fala num programa de paz se todo dia a relao das personagens das novelas, que colocaram para esse cidado que chega em casa cansado e senta com a sua famlia para ver televiso, o patrocnio da guerra e da violncia! Armada! Como que vocs querem que o povo se eduque diferente, ele tem que educar na violncia. Ento se patrocina, no tem o mnimo de respeito a ningum, o poder da ganncia do dinheiro do imprio dessas redes de televiso! Como que ns vamos construir a democracia e o direito do cidado com esse padro que ns estamos vivendo, que esto patrocinando a cada dia que a para ns. Como que se educa esse povo e como que diminui essa violncia urbana e vocs sofrem na pele muito mais do que a gente que vive no meio rural. Como que vocs acham que ns vamos resolver esse problema se ns no entrarmos tambm para discutir o poder da mdia e dos meio de comunicao dentro do Estado democrtico? Como que ns vamos fazer isso? E essa gente no est preocupada. Vocs acham que algum programinha, algum espao aqui na televiso preocupado se est morrendo pobre ou est ando fome ou violncia? No, esto preocupados quanto vo ganhar de dinheiro, quantos milhes de dlares vo entrar no seu bolso e o resto que se dane! As disputas vergonhosas que h nos programas de massa de televiso no domingo, vergonhoso! E no h uma lei que regule esses programas, que impea que isso chegue na casa do cidado. Ento eu quero dizer nessa segunda parte, esse Estado em que ns vivemos, essa democracia que ns falamos. democrtico! Democrtico! O que mesmo? Nossa concepo de democracia outra, no essa que est a, no isso que est a! Eu queria dizer por ltimo eu falei trs coisas daquilo em que eu acredito para poder resolver. Eu quero dizer que nos ltimos tempos a sociedade brasileira ficou parada, as
organizaes, o nosso povo est quieto, ningum mobiliza, muito pouca gente que est assistindo como se nada tivesse a haver com ele! Como se o problema da reforma agrria fosse mero problema dos sem terras! E as coisas que acontecem com ns fosse como se fosse dele, ele no tivesse nada a ver com isso. E ns vimos que o poder, que a sociedade brasileira no foi assim e quem viu de perto, sentiu de perto os anos 70, o final dos anos 60, a classe intelectuais foram contra o regime algum fez alguma coisa, a msica popular brasileira era a forma de protestar, os caras protestavam, era o teatro, eram os escritores e intelectuais que no aceitavam. Hoje so poucos, so alguns artigos que se escrevem e se faz muito pouco. As msicas americanizadas; Ns engolimos todo dia esta prepotncia enviada para ns por esse projeto neoliberal comandado pelo imperialismo norte-americano no h uma reao por parte dessa sociedade e ns estamos assistindo a tudo isso que est acontecendo, e a cada dia que a s entra para dentro de ns. O valor de Ptria, o valor de Nao se est perdendo a cada dia que a para o nosso povo, a nossa juventude se acaba a cada dia que a. At quando ns vamos continuar vivendo nessa sociedade?! E ns do Movimento Sem Terra ousamos enfrentar essa poltica neoliberal, ousamos enfrentar esse imperialismo norte-americano e ousamos enfrentar esse Governo que est a. Esse Governo que no tem o mnimo de responsabilidade em aceitar todas as regras da cartilha norte-americana, de vender o nosso patrimnio, de vender o nosso povo, o nosso destino para o imperialismo norte-americano. No possvel que a gente vai continuar assistindo o que ns estamos vendo no Brasil, preciso fazer alguma coisa! preciso que algum se rebele, no d para aceitar! E eu quero dizer para vocs: ns do Movimento Sem Terra, ns vamos continuar lutando, ainda que o preo sejam os anos de cadeia e ainda que o preo seja o sangue de milhes ou milhares de companheiros nossos! que certamente viro pelas mos de assassinos, mas a histria nos mostrou que tambm a liberdade no foi fruto dado a ningum!
A liberdade dos escravos foi conquistada pela sua herica luta Spartacus nos diz isso que se os cristos conquistaram o seu espao tambm foi com sangue e suor! Foi com luta! E a pequena, talvez, liberdade dessa ditadura militar, ela tambm foi com o povo na rua, no foi de graa e a ns no ser dado nada. E ns vamos continuar marchando porque achamos que marchar mais do que caminhar, apontar o horizonte para o povo, determinado a conquistar o seu destino de ser gente, de ser cidado, de ter vida digna e ter Direitos Humanos respeitados! Lutar contra essa injustia cometida nesse Pas, esse Poder Judicirio no tem moral mais para ficar botando ningum na cadeia, metido na corrupo do dinheiro do povo, preciso denunciar e preciso pressionar. Ns continuaremos ocupando terra e latifndio improdutivo, ns continuaremos ocupando as praas, ns continuaremos frente aos rgos pblicos, seja ele banco, como foi o Banco Central, o espao vazio ns vamos para dentro, vamos ocupar! No possvel continuar havendo prdios, casas abandonadas vazias e o povo morando debaixo das pontes. No ser possvel ver as nossas crianas morrendo de fome e a gente assistindo como se nada estivesse. no mnimo no ter dignidade! E a liderana que se recusa a organizar um povo e apontar o seu destino no merece o direito de ser liderana de nada! E o povo que se deixa ser vendido no merece ser povo e no luta pela sua liberdade. E por essa coerncia, por essas afirmaes conquistadas tambm nos livros, nas filosofias, mas conquistada na histria de um povo que viveu a vida. Eu sei o que ar fome, eu sei o que nunca poder ter sentado no banco da escola, porque aos 7 anos, 8 anos, j agarrava a barra da saia da me e do pai para poder comer! Eu sei o que que isso. Portanto, mais do que os livros, a prtica me ensinou a lutar, a lutar ao lado povo que eu acredito, porque eu acredito na liberdade, eu acredito na Justia, e eu tenho esperana para ela tirar esse direito de lutar, no vo ser os Tribunais e muito menos a violncia, seja ela do Estado, seja ela das milcias particulares. Ns continuaremos lutando e eu espero e tenho esperana que a violncia desencadeada nas favelas que mata os coitados, um dia ela vira ao contrrio contra essas elites dominantes que rouba a cada dia que a o direito de ns sermos gente, o direito de ns vivermos! Um dia ela vira, vira contra eles e o dia que eles descerem o morro, certamente se arrependero esses covardes assassinos vendilhes do Templo, vendilhes da nossa Nao e vendilhes do nosso Povo! Esse Governo h de pagar o que est fazendo esse e outros com as suas polticas assassinas e o povo brasileiro h de conquistar um dia a sua verdadeira democracia, a sua verdadeira liberdade! E eu quero dizer que a palavra e a responsabilidade est com cada cidado, vocs aqui hoje, os outros l fora. Ns temos a responsabilidade de construir a justia, de construir a cidadania, no possvel continuar como ns estamos vivendo. E ns queremos reafirmar essa esperana, essa convico de que um dia o Brasil pode ser diferente, nos orgulharemos de dizer que esse Pas tem lei e ela funciona! Ela fun-ciona para o negro, ela funciona para o ndio, ela funciona para todo mundo! Ela funciona para o cidado! Um dia a gente poder andar nessas ruas e se orgulhar de no ver as nossas crianas pedindo esmola ou ento com medo de ser assaltado, certamente elas vo estar na escola e os seus pais, suas mes, os seus jovens, se no estiverem na sala de aula, estaro no trabalho. Um dia a gente vai poder andar e ver que no h mais favela, ele tem uma casa para morar. E a a gente pode dizer que isso liberdade. E, nas palavras dos filsofos cientistas marxistas, certamente vo ousar e vo dizer que ser o socialismo. Nas palavras dos cristos simples e humildes, como eu ouvi um padre dizer, isso o reino de Deus. E para ns no importa o valor, o nome que se queira dar a isso, o que importa para mim que isso um dia seja conquistado e que isso seja, um dia, as palavras na prtica. E por esse sonho a gente continua lutando e a gente continua convocando cada um de vocs a engrossar a fileira da luta pela liberdade, na luta pelos Direitos Humanos. E tudo isso que falei, para mim so Direitos Humanos, um dia o direito do homem, o direito do cidado ser respeitado na sociedade humana, na sociedade justa, na sociedade igualitria. Ns continuaremos lutando e temos esperana de que cedo ou tarde vamos conquistar e me reservo o direito de dizer o pensamento de uma grande liderana, que ousou lutar, ousou conquistar uma
sociedade digna: a morte por ser morte ela tem valor igual morre o rico, morre o pobre mas h um detalhe, a morte de um justo pesa como a montanha, mas a morte de um covarde pesa menos do que uma pena. E a morte dessa elite assassina e desse Governo certamente um dia pesar menos que uma pena, e a morte do lutador, do povo para libertar esse povo, vai pesar mais do que uma montanha o que nos resta um nome na histria e a histria um dia vai nos compreender e vai revelar aqueles que lutaram para esse Brasil ser dos verdadeiros brasileiros. Muito
obrigado. (Texto no revisado pelo autor).



PROTEO, PROMOO E VIOLAO DOS DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
a responsabilidade do estado no direito interno e no direito internacional


Inicialmente, agradeo a todas as entidades que proporcionaram este evento e ao convite da Professora Flvia Piovesan para dele participar.
O ttulo da minha fala, Conflitos Sociais, Linguagens Transgressoras e o Desmonte dos Direitos de Cidadania, no poderia ter encontrado melhores interlocutores do que meus companheiros neste : Jos Rainha, liderana do MST, movimento social de maior expresso atualmente no pas e o Professor Fbio Konder Comparato, jurista que eu iro muito e que me antecedeu neste .

Digo isto, pois exatamente um artigo do Professor Comparato, publicado na Folha de So Paulo, em maio de 1998, que fornece o eixo principal das consideraes que trago a vocs. Naquele artigo, o Professor Comparato afirmava com vigor: No sejamos ridculos. A Constituio de 1988 no est mais em vigor. O autor referia-se ao limbo da inutilidade em que a Constituio foi jogada pela prtica autoritria do governo FHC de solapar seus princpios, governando principalmente atravs de medidas provisrias. Ao mesmo tempo, chamava a ateno para a semelhana com o totalitarismo nazista, lembrando que a Repblica de Weimar fizera o mesmo com sua Constituio. A viso totalitria implcita nessa desconstitucionalizao de direitos a que estamos assistindo permitia, ento, ao autor, estabelecer a relao cristalina com a barbrie nazista. Dizia ele no artigo: Hitler, afinal, no precisou revogar a Constituio de Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbrie nazista: simplesmente relegou s traas aquele pedao de papel. (Uma morte espiritual, Folha de So Paulo, de 14.5.1998, p. 1-3).

Pelo tom decisivo que ia alm da pura indignao e trazia para o debate pblico a atualidade do nosso desmantelamento constitucional, o artigo do Professor Comparato instigou-me naquele momento circunscrito a maio de 1998 a dirigir um outro olhar para as imagens, linguagens e prticas da ao coletiva que pontuavam os jornais e, no caso especfico, o jornal Folha de So Paulo. Seguindo as pistas de um filsofo poltico, Walter Benjamin, procurei retomar imagens, linguagens e prticas coletivas de protestos pblicos ento encenados nas ruas das principais cidades do pas. Essas imagens aparentemente dspares, desde que conectadas a uma montagem dialtica, poderiam, ainda segundo Benjamin, fornecer caminhos importantes, tanto para resgatar a memria das lutas por direitos neste pas, quanto para entender o atual desmonte dos direitos sociais. Ou melhor, aquilo que no Ncleo de Estudos dos Direitos da Cidadania, do qual participo como pesquisadora, estamos denominando de desmanche da ordem jurdico-poltica.

Apenas para dar um quadro impressionista a vocs deste maio de 1998, assinalo algumas imagens e linguagens que irrompem no cenrio poltico brasileiro com enorme tenso social, pela volta s ruas de movimentos sociais e protestos os mais diversos encenados pelos sem os sem teto, os sem comida, os sem empregos e os sem direitos. Ao ocuparem ruas, praas, estradas e reas rurais, regies centrais de reas metropolitanas, prdios pblicos em pequenas, mdias e grandes cidades, supermercados e feiras regionais, tornavam pblica a enorme crise social que corta o pas, em torno da chamada questo social, compreendendo a desigualdade, a pobreza, o desemprego, a misria e a violncia, entre outros.

O grande pano de fundo em maio de 1998, sem dvida, era dado pelos saques de alimentos pelos quais os sem terra rurais e flagelados conferiam visibilidade aguda fome e misria. interessante, no entanto, assinalar que a onda de protestos e mobilizaes no permanecia apenas circunscrita fome, seca e aos saques no Nordeste. So Paulo, maior metrpole brasileira, contava ao findar a primeira quinzena do ms com um saldo de pelo menos 17 mobilizaes entre greves, atos pblicos e eatas nas principais avenidas e ruas centrais, incluindo a ocupao de ptios de estacionamento em frente a grandes supermercados.

Quais os personagens que ocupavam as ruas?
Tnhamos desde funcionrios pblicos que, lutando pelo no-desmonte de direitos sociais, dirigiam sua agenda a protestos contra o desemprego e a precarizao, a ameaa de demisses, o no-cumprimento de acordos e garantias de permanncia no emprego, reajustes salariais e a oposio s privatizaes de empresas do governo estadual, incluindo professores estaduais do ensino de primeiro grau, professores universitrios federais (em greve nacional), motoristas de nibus, cobradores, metrovirios, funcionrios de duas empresas estaduais de saneamento bsico (contra a privatizao de uma delas) e ferrovirios da Cia. Paulista de Trens Metropolitanos. A eles se agregavam, entre outros, os protestos de perueiros, de camels que disputavam o espao da cidade num cenrio de desemprego crescente e total ausncia de polticas sociais para enfrentar a excluso social, de aposentados lutando contra a reforma da Previdncia (e aqui lembro que foi exatamente no dia 12.5 que o presidente chamara aqueles que trabalham desde muito cedo de vagabundos), de grupos de sem-teto protestando em frente ao palcio do Governador, exigindo cumprimento de planos habitacionais elaborados pelos prprios movimentos com tcnicos do CDHU e outros rgos do governo estadual. No por acaso, na segunda quinzena do ms, a fome, a ausncia de polticas sociais e o desmonte de direitos sociais bsicos tornaram-se itens bsicos de uma agenda de protestos que impulsionou uma grande mobilizao nacional que em 20.5 levou 20 mil pessoas Braslia, na Jornada Nacional por Empregos e Direitos Sociais. Dela participaram vrios movimentos e entidades civis, entre os quais o Movimento Nacional de Direitos Humanos, um dos organizadores deste seminrio aqui na PUC, sobressaindo-se, no entanto, os trs maiores movimentos organizados do pas: o MST, a CUT e a Central de Movimentos Populares.
No o caso de detalhar o relato desta Jornada, atravessado por acontecimentos complexos e tumultuados, lembrando apenas a vocs a ocupao do saguo da Caixa Econmica Federal por 200 sem tetos, pertencentes a movimentos de moradia que aguardavam h mais de quatro anos serem recebidos pelos diretores da Caixa. A ocupao confrontada com enorme aparato de represso visava pressionar pela aprovao de um projeto de lei de iniciativa popular enviado Cmara Federal, em 1991, em que se solicitava a criao de um Fundo Nacional de Moradia Popular e outras polticas de habitao para a populao de baixa renda.

Ora, o que talvez seja importante ressaltar no quadro impressionista aqui esboado so as linguagens emanadas dos centros de poder que reatualizam imagens to antigas e de forte tradio na sociedade brasileira. Sobretudo aquelas provindas de reaes virulentas que, fortemente ancoradas na mdia, encenam os pobres e aqueles que ousam ir s ruas fazer falar os direitos como classes perigosas desqualificando, dessa forma, os conflitos sociais em torno das desigualdades sociais e da eroso de direitos.

Neste sentido, vou ler brevemente trechos recortados por mim de trs editoriais da Folha de So Paulo, de longe o jornal de menor furor conservador. Todos eles apontam para a forma como os centros do poder e a mdia tentam solapar a perspectiva da universalizao de direitos econmicos, sociais e culturais. O primeiro deles, intitulado, MST Multimdia, de 7.5.1998 (referindo-se s invases, ocupaes e saques, bem como ao MST), ressalta: Atos violentos contra o direito; em suas aes por obter terra [visam] enfraquecer o governo ou mesmo abalar a ordem so-cial; baderna execrvel e criminosa; difunde o princpio da desordem e desrespeito propriedade; inegvel e perigosa ameaa democracia. Uma das tticas do MST organizar os excludos (...) oferecendo a perspectiva de terra, teto ou comida (...) Com tais atitudes [o MST] alm de suas organizadas marchas nacionais, pretende dar visibilidade dramtica a sua poltica e questo social. [So responsveis] pela fuga dos investidores externos, sem os quais o Brasil no poder continuar sua trajetria rumo modernidade.
O segundo, intitulado Radicalismo Criminoso, de 15.5.1998, revela o Refluxo poltico da esquerda (...) os movimentos oposicionistas viram diminuir, nos ltimos anos, sua capacidade de mobilizar a populao (...) exceo do MST e sua intolervel poltica movida a ilegalidades, invases e saques; (...) A CUT e outros movimentos, como os sem-teto, enxergaram nas tticas do MST uma maneira de voltar a insuflar o protesto social(...). Os investidores esto mais do que nunca sensveis a turbulncias polticas, e o Brasil depende de capital externo para poder fazer crescer sua economia (...).

Finalmente, o terceiro deles, O impacto poltico da crise, de 24.5.1998, aponta para: (...) O fato de que tais entidades [referindo-se ao MST, CUT e CMP] venham conseguindo articular, por meio de aes irresponsveis, problemas em grande medida distintos, como a misria nordestina e a falta de emprego nos centros urbanos, um sintoma de que o mal estar social, por ora ainda difuso, mas crescente, pode causar um efeito
domin (...).
Correndo o risco de ter me alongado demais nestes exemplos, penso que sua importncia simblica pode ser apontada em trs conjuntos de questes importantes para a reflexo.

O primeiro deles aponta para a (re)atualizao da questo social como questo de polcia, remetendo a discursos clebres como os do ento presidente Washington Luiz (1926-1930) que durante a 1 Repblica assim se referiu s greves e conflitos operrios e s mobilizaes de pobres e outros grupos marginalizados que lutavam por melhores condies de vida e trabalho. De fato, os exemplos citados remetem herana caracterstica da entrada do Brasil na modernidade (principalmente desde meados do sculo XIX), em que se forjou uma sociabilidade autoritria no interior de uma combinao peculiar de idias liberais burguesas prprias das matrizes europia e norte-americana com o arbtrio e a violncia advindos de sua longa e penosa experincia de escravido. Prticas paternalistas, do favor, da tutela, do clientelismo misturavam-se a um enorme aparato de violncia que sempre recortou nossa sociedade, seja no campo ou nas cidades. Sobretudo, interessa destacar que essa foi uma sociedade que, ao transitar para a ordem republicana e capitalista, construiu uma sociabilidade poltica autoritria ao repor hierarquias, desqualificar as diferenas de classes e grupos sociais e legitimar as desigualdades so-ciais. Atravs de um imaginrio moderno-conservador que colocava trabalhadores e no-trabalhadores no mesmo campo semntico de classes perigosas, a estigmatizao com que a sociedade brasileira sempre encarou as lutas e conflitos sociais revela as dificuldades em lidar com a ao das classes dominadas, quando estas tentavam instaurar espaos pblicos de elaborao, interlocuo e negociao de direitos, sobretudo os sociais. Estas caractersticas persistem de forma exasperante, mesmo a partir dos anos 30 na chamada era Vargas quando os direitos sociais emergem no interior de uma cidadania regulada (este conceito, j clssico, do socilogo Wanderley Guilherme dos Santos), cidadania esta restrita apenas queles inseridos no mercado formal de trabalho industrial.
O segundo eixo de questes derivado de trechos dos editoriais apontados refere-se aos discursos do poder que visam desqualificar e (des)historicizar um outro momento importante de nossa trajetria aquele que, nos anos 70 e 80, (re)encenou novos movimentos sociais e entidades civis mobilizando-se pelas demandas e reivindicaes em torno de direitos de cidadania. No posso aqui me deter na trajetria de movimentos contra o aumento do custo de vida, por creches, por sade, por moradias, o movimento do novo sindicalismo etc., mas apenas destacar que o direito a ter direitos (expresso de Hannah Arendt), fortemente reivindicado por esses movimentos, significava, naqueles anos, um novo lugar de onde se encenava uma linguagem de classes e grupos populares enunciando a prpria capacidade de participar, julgar, negociar e deliberar sobre polticas pblicas que incorporassem direitos novos e outros, (re)interpretados, porm nunca efetivados para a maioria da populao. E, apesar da visibilidade e mobilizao desses movimentos obedecer a vrios refluxos ao longo desse perodo, pode-se assinalar que a partir de 1986, principalmente, naquilo que ficou conhecido como momento constitucional brasileiro, que movimentos os mais variados e outras entidades civis deslocam a linguagem dos direitos das ruas para o Parlamento, inscrevendo na Constituio de 1988, no apenas direitos econmicos, sociais e culturais importantes, mas, sobretudo, criando espaos pblicos que apontavam para novos significados entre esses movimentos e o campo jurdico-institucional. Dessa forma, apontavam para o fato de que capacidades legislativas no se restringiam apenas queles cujo discurso competente (expresso da filsofa Marilena Chau) s pode ser emanado dos centros decisrios do poder. Estou falando aqui de uma gama muito grande de experincias que vai desde os Conselhos Populares, a pela assessoria jurdica dos estudantes de direito aos movimentos sociais, na elaborao de iniciativas populares de projetos de lei e, aqui na PUC existe uma histria interessante sobre isto at outras instncias de negociao de direitos como o exemplo, mais conhecido nacional e internacionalmente, da experincia do Oramento Participativo de Porto Alegre. Tentava-se, em todo caso, resgatar uma noo de res publica, de coisa pblica, de fato desde sempre precria e inacabada, em nosso imaginrio
poltico.

importante lembrar sem poder me deter muito nisso que essa participao popular na Constituinte de 88 teve um carter multifacetado, polissmico, permeado de ambigidades entre virtualidades e limites. Hoje, possvel dizer que aquele momento constitucional abriu-se para um novo campo de conflitos criando novos direitos, fazendo emergir os novos sujeitos coletivos de direitos, mas, tambm, direitos que aram por um processo perverso de retroao e destituio (o caso da Reforma Agrria um, dentre muitos), e outros que aram a letra morta da lei, pois jamais foram regulamentados. Por outro lado, tambm, se inseria a um desafio s aes de movimentos sociais e grupos populares e que pode ser explicitado pela metfora do dilema entre falar os direitos e fazer falar os direitos, ou seja, efetiv-los. Na ao de alguns movimentos era possvel detectar uma tica restrita dos direitos de cidadania naquilo que estudiosos chamam de localismos das demandas especficas, ou o encapsulamento de uma perspectiva de universalizao de direitos em horizontes privatistas, ou ainda, em outros casos, uma ao que sucumbia s armadilhas da participao jurdico-institucional. Isto num pas que, como todos sabem, atravessado por uma tradio frgil de democracia, revelando a (re)atualizao de velhos mandonismos e a criao de outras formas de clientelismo, em que, por vezes, no se consegue sobrepor a dimenso pblica a uma experincia de trabalho coletivo, fragilizando a noo de responsabilidade pblica. Tais prticas acabam operando como armadilhas, transformando incessantemente as energias emancipatrias em perversas formas de regulao que travam suas virtualidades.
Finalmente, o terceiro conjunto de reflexes suscitadas pelo recorte dos editoriais diz respeito ao atual momento de desmonte de direitos so-ciais bsicos. Inicialmente, trata-se da flexibilizao da legislao trabalhista comandada pela ideologia neoliberal e aqui referida, amplamente, pelo Professor Fbio Comparato. Basta apenas mencionar rapidamente: o trabalho a tempo parcial, as medidas sugeridas de suspenso temporria dos contratos de trabalho, o afastamento dos sindicatos das negociaes, o desmonte das cmaras setoriais enquanto instncias de debate em torno de polticas pblicas, a reduo da jornada de trabalho proposta no atravs de um processo negociado com trabalhadores, mas imposta de cima, por medidas provisrias, e por a vai. Se olharmos para outros direitos que compem o chamado estado de bem-estar social que, diga-se de agem, entre ns, significou bem mais um estado de mal-estar social, pode-se apontar para o desmantelamento da Seguridade Social como um direito social bsico e universalizante, inscrito na Constituio de 1988 por toda uma ampla movimentao da sociedade civil. A sua substituio por programas de cunho assistencialista como o Comunidade Solidria, para alm de deslocar a real representatividade da sociedade civil, opera uma inverso ideolgica perversa que joga para a esfera das empresas privadas, doravante denominadas de OS organizaes sociais, muitas delas auto-intituladas empresas-cidads, a funo de garantir direitos sociais bsicos como sade e educao, por exemplo. Pode-se registrar, ainda, o aumento dos ndices cruis de desigualdades sociais, tanto no campo como nas cidades, revelando o desprezo por polticas sociais fundamentais como as das reformas agrria e urbana, entre outras, quando no, a demisso do Estado em garanti-las como direitos sociais bsicos.
Penso que seria importante ressaltar nesse desmonte de direitos so-ciais e muitos outros exemplos mereceriam ser mencionados e aprofundados, no fosse o meu tempo que vai se esgotando a emergncia daquilo que, no NEDIC, estamos chamando de deslocamento do campo de conflitos e dos sujeitos coletivos de direitos nele inseridos. Ou seja, trata-se das tentativas de isolamento e fragmentao desses movimentos pelos centros e linguagens do poder, fortemente ancoradas no aparato meditico (de longa tradio na histria brasileira),e que operam a (des)historicizao, a deslegitimao, a despolitizao e a desqualificao dos conflitos sociais e das causas dos protestos, mobilizaes e lutas contra o desmanche de direitos sociais.
Certamente, essa no uma caracterstica apenas da sociedade brasileira. O que parece peculiar ao processo poltico brasileiro atual o que o socilogo Francisco de Oliveira vem denominando de sociabilidade da apartao, que no apenas restringe-se aos mecanismos excludentes do mercado e aqueles advindos do desmantelamento de polticas pblicas que asseguram um mnimo de direitos. O que a sociabilidade da apartao destila como mais perverso, segundo o autor, a subjetividade e a sociabilidade antipblicas, ou seja, as prticas, linguagens, imagens e chaves discursivas que tentam anular o lugar da fala, da contestao e do dissenso.

Para finalizar, penso ser importante lanar um novo olhar para novas formas de expresso poltica, pelas quais movimentos sociais e outros grupos populares vm construindo as linguagens transgressoras comuns em torno do desmonte dos direitos sociais, econmicos e culturais. Por novas formas de expresso poltica entendo alguns acontecimentos de forte carter simblico, como as marchas organizadas, protestos pblicos, mobilizaes pelas cidades do pas, tribunais populares, os gritos dos ex-cludos (impulsionados pela Igreja Catlica inspirada na Teologia da Libertao), a revitalizao de ocupaes de prdios pblicos pelos sem-tetos etc., articulados aos movimentos sociais citados, MST, CUT e Central de Movimentos Populares, e envolvendo, tambm, entidades importantes como a CNBB, Movimento Nacional de Direitos Humanos etc. Certamente, essas novas formas de expresso poltica encontraram sua inspirao maior no marco simblico representado pela Marcha pela Reforma Agrria, Emprego e Justia Social, impulsionada pelo MST, em abril de 1997.
Talvez possamos ler nessas novas formas de contestar o desmantelamento de direitos sociais a criao de espaos pblicos importantes que ocupam as ruas e principais praas das cidades, dando visibilidade ao enfrentamento das polticas neoliberais em curso. Mas, alm disso, pode-se ler nesses acontecimentos a poltica sendo instituda por um conflito que se enuncia atravs de assuntos comuns, por meio de articulaes importantes que tentam ultraar as demandas especficas de cada movimento ou grupo social neles envolvidos. Cabe lembrar, entre muitos outros exemplos, que a Marcha do MST, em 1997, tambm mobilizou reivindicaes e protestos presentes em outros eventos polticos de grande tenso social naquele momento a oposio de amplos segmentos da sociedade s reformas istrativa e da seguridade social, e a privatizao, ilegtima, de uma das mais importantes empresas estatais, a Companhia Vale do Rio Doce.

A importncia da volta s ruas para fazer falar os direitos no pode ser desprezada. Ao enunciarem uma agenda que aponta para o encolhimento de direitos sociais universalizantes, centrada nas desigualdades e injustias sociais, o que essas linguagens transgressoras parecem conter como virtualidade a possibilidade desses sujeitos de direitos coletivos virem a ocupar um outro lugar, que no aquele que as linguagens do poder associadas ao aparato da mdia tentam atribuir para a ao coletiva o do isolamento, da fragmentao, da desqualificao e da despolitizao dessas aes, secretadas pela subjetividade e sociabilidade antipblicas, de que nos fala Francisco de Oliveira.
Dessa forma, pode ser interessante introduzir algumas consideraes de maneira muito breve e que poderamos depois retomar no debate sobre aquilo que o filsofo poltico Jacques Rancire entende como prticas do dissenso ou do desentendimento, ao constiturem a poltica pelo conflito. Diz ele: Trata-se da construo de uma cena comum, em torno da existncia e da qualidade daqueles que esto ali presentes, que insti-tuem uma comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano (...) que nada mais do que a (...) contradio entre o mundo onde h algo entre eles e aqueles que no os conhecem como seres falantes e contveis. Para o autor, a comunidade poltica existe quando dividida por um litgio fundamental, o que permite sua visibilidade e contagem. No se trata, continua ele, de que as pessoas se ocupem de seus assuntos comuns, mas de que a parcela dos sem-parcela se ocupe transgressivamente de seus assuntos comuns (Rancire, J. O desentendimento. So Paulo: Ed. 34, 1996).
sempre bom lembrar o carter complexo da anlise dessas novas formas de expresso poltica, pois se desdobram num espao importante de questionamento de sua representatividade, para alm do prprio acontecimento. Mas cabe ressaltar que, longe de serem vistos como meros acontecimentos sem rumo (como recentemente querem nos fazer crer), carregam o potencial de rupturas crticas importantes aos parmetros do desmonte dos direitos de cidadania. Da ser possvel entender a violncia concreta com que se mobilizam os aparatos da represso em torno desses acontecimentos, e/ou a violncia simblica em relao contestao articulada por movimentos sociais importantes, cujos exemplos constam dos trechos dos editoriais citados anteriormente.

Na seqncia, talvez Jos Rainha tenha outros elementos importantes a acrescentar a estas consideraes muito frgeis, ainda, pois fazem parte de um projeto de pesquisa em formulao. Para terminar meu tempo se esgotou gostaria de chamar ateno para o fato de que essas novas formas de expresso poltica talvez estejam exigindo uma nova leitura para escavar nelas as rupturas crticas ao encolhimento de sociabilidades democrticas. Para isto preciso que se mobilize a crtica radical que deve envolver no apenas aqueles intelectuais que mantm uma interlocuo e aprofundam o estudo e o debate conjunto com a luta por direitos, neste pas, mas, sobretudo, que envolva, de forma mais consistente, a Universidade e muitos de seus intelectuais, ausentes ou indiferentes a este debate. Falo da crtica radical ao desmonte de direitos sociais, econmicos e culturais, tal como aquela realizada pelo Professor Fbio Comparato, tanto na fala que precedeu minha, quanto no artigo citado em que comparava a atual desconstitucionalizao de direitos com a Constituio da Repblica de Weimar. Trata-se, portanto, de compreender as novas linguagens dos direitos enquanto possibilidades ou disputas em torno de horizontes crticos que podem apontar para as questes da emancipao e transformao. Pois, pensar estas questes ainda instiga bastante a imaginao sociolgica... pelo menos a minha. Obrigada!


Fbio Konder Comparato

Muita alegria de estar com vocs porque, infelizmente, so poucos aqueles que ainda guardam esperana no seu corao e eu sou daqueles que acreditam na possibilidade de uma transformao do mundo pela esperana esperana e confiana. Eu devo dizer a vocs que, medida que eu envelheo, eu me sinto mais radical e, provavelmente, se eu tiver alguns anos a mais de vida, eu vou estar numa posio digna de sofrer uma perseguio policial em todos os nveis. Eu queria tentar raciocinar, refletir com vocs todos sobre um problema que me parece o mais grave do nosso fim de milnio e que sem dvida um problema de crise de civilizao. E quando eu falo em refletir, no estou usando uma figura de retrica, eu estou querendo sentir de sua parte alguma repercusso, ainda que muda, para que essas idias que esto germinando na minha cabea possam vir a produzir algum fruto. Vamos partir de uma observao histrica fundamental: a criao do sistema de Direitos Humanos na histria moderna foi feita por etapas sucessivas e cada uma delas representa uma resposta de defesa da dignidade humana contra um problema crucial do momento histrico. No final do sculo XVIII, foi certamente a tomada de conscincia de que a organizao da sociedade sob a forma de estamentos privilegiados e a organizao do poder poltico absoluto na pessoa do monarca estavam levando ao abafamento de todas as potencialidades do ser humano. E os Direitos Humanos surgiram ento como reivindicaes das mais fortes, das mais ardentes atravs de duas revolues, pela liberdade individual. Mas logo depois verificou-se que na prpria lgica da afirmao desta liberdade individual, com a eliminao do abuso de poder estatal, havia um perigo grave, que foi justamente a possibilidade de na organizao social criar-se j no mais um estamento, ou seja, j no mais um grupo social com direito prprio, mas uma classe social que ou aos poucos a monopolizar a riqueza, a propriedade e, inevitavelmente, o poder poltico. Essa classe tomou conta da sociedade civil e aos poucos substituiu o poder do Estado pelo seu poder econmico. As conseqncias dessa mudana estrutural fizeram-se sentir desde logo. A organizao da economia em regime capitalista provocou mudanas drsticas no modo de vida nas sociedades europia e norte-americana de incio, e depois se expandiu para todo o mundo, como todos sabem. Essa modificao do sistema de vida consistiu num desarraigamento progressivo. As pessoas viviam h geraes numa determinada regio, trabalhavam, tinham o seu ambiente, o seu horizonte de vida todo marcado por uma determinada regio elas foram desarraigadas e levadas a se concentrar em locais de produo, que eram as primeiras fbricas capitalistas. As conseqncias de ordem so-cial, por exemplo sanitria, foram surpreendentes: a concentrao urbana provocou um processo epidmico de doenas que estavam mais ou menos larvadas, ou que se propagavam lentamente, e que explodiram nas grandes aglomeraes urbanas, como a tuberculose, devastando populaes inteiras. Ao mesmo tempo, os trabalhadores foram despojados daquilo que representava o mnimo de segurana para sua vida , que era a terra eles eram servos, mas servos ligados terra, a terra no lhes podia ser tirada, no havia alis nenhum estmulo a que isso ocorresse, porque os senhores feudais no queriam e no podiam cultivar diretamente. Eles tinham os instrumentos de trabalho, tudo isso lhes foi tirado. Sobrou o qu? Sobrou a capacidade de gerar a prole, ou seja, criou-se o proletariado: a nica riqueza a produo de filhos em srie e quanto mais melhor, porque as doenas infantis e a possibilidade de natimortos eram muito grandes. O fato que logo nas primeiras dcadas do sculo XIX a Europa Ocidental acordou num determinado dia e verificou que uma frao importante, uma parcela importante, vivia em uma nova situao de misria, desconhecida at ento. E este ato deu origem, atravs do movimento socialista, reivindicao de algo que era uma contradio, um movimento contraditrio, aquele que presidiu a criao dos primeiros direitos e liberdades individuais. Que movimento foi esse? Foi o de reforo do poder estatal. O que se percebeu que, sem a organizao de um poder estatal razoavelmente forte, era impossvel enfrentar esses problemas, porque os problemas oriundos da misria, consubstanciados em falta de habitao, falta de educao, falta de sade, falta de previdncia contra os riscos habituais da existncia humana, s podiam ser enfrentados atravs de polticas pblicas, que so programas de ao governamental. No havia como enfrent-los de outra maneira. Uma revoluo no poderia subitamente eliminar a doena, a fome, a misria. Tudo isso teria que ser construdo programadamente, planejadamente, e s poderia ser feito pelo Estado. Ento esta nova etapa de criao de Direitos Humanos marcadamente anticapitalista: os direitos econmicos, sociais e culturais foram criados contra o capitalismo, porque a lgica do sistema capitalista de se fundar na liberdade de apropriao da riqueza e de organizao de ncleos de produo com a concentrao crescente do capital se no houver a concentrao de capital no h a possibilidade de concorrncia e aquele que vencido na concorrncia sai do mercado. O que significa que a lgica do sistema capitalista leva, necessariamente, a um mundo bipolar e oligrquico. Tudo se encaminha para uma progressiva concentrao da riqueza e controle, ou seja, o poder de dominao sobre a produo concentrado numa minoria e a concentrao da misria e da necessidade na maioria da populao. claro que esta situao, graas ao movimento socialista, no pde prosseguir naturalmente no seu ciclo lgico, na sucesso das suas etapas lgicas. A partir de 1914 houve um interregno: duas guerras mundiais 14 a 18 e 39 a 45 e a criao de dois Estados no-capitalistas em regies importantes do mundo: na Rssia, transformada em Unio Sovitica, e na China. Ns somos filhos desse momento de interregno, por isso que a nossa viso da histria, a nossa viso do capitalismo muito deformada. S agora com a derrocada dos Estados comunistas que ns comeamos a perceber que o mundo, que a organizao capitalista volta a todo vapor a tomar conta da humanidade. Pois bem, de qualquer forma, quando eu falo em poder oligrquico, isto significa que para o capitalismo a democracia uma palavra retrica, porque democracia significa soberania do povo e garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. A democracia incompatvel com o poder poltico supremo atribudo a uma minoria e exatamente o que ns temos em todos os pases subdesenvolvidos. O capitalismo comps-se com a democracia representativa, porque foi atravs da explorao da representao popular, da manipulao dos mecanismos de representao, que se criou um regime poltico novo na histria da Humanidade, em que o povo reina mas no governa ele como a rainha da Inglaterra. De qualquer forma, hoje, estamos diante desta realidade: cessado o interregno de 1914 at o final dos anos 80, o capitalismo retomou todo o seu vigor como uma velha doena que estava em estado larvar ou que tinha sido mais ou menos controlada atravs de antibiticos sociais, que eram os direitos econmicos, sociais e culturais, mas que agora volta com toda a sua virulncia, e isso que se percebe na progressiva eliminao desses direitos do quadro dos atuais sistemas jurdicos. Por que isto? porque, repito, a lgica dos direitos econmicos, sociais e culturais totalmente contrria lgica capitalista. Vamos tentar resumir em dois planos: no plano nacional e no plano internacional. No plano nacional o objetivo maior do sistema de direitos econmicos, sociais e culturais estabelecer uma igualdade bsica de condies de vida; se para mim, que perteno classe alta, importante ter uma casa decente para morar, importante ter um trabalho, a garantia de um trabalho remunerado, importante ter um plano de sade, importante que meus filhos tenham uma educao adequada, ns temos que reconhecer que isso indispensvel a toda a populao. Na medida em que ns no organizamos isso, estamos roubando a populao majoritria. Ora, isto s se realiza, repito, atravs de um trabalho de programao, de reconstruo da sociedade atravs de polticas pblicas. O que aconteceu, uma vez cessado esse interregno que vai dos anos 14 at o final dos anos 80 no plano nacional? a emasculao do poder estatal atravs da desregulamentao da economia o Estado no pode mais intervir no jogo econmico. Se ele intervier, est prejudicando o mecanismo normal de distribuio de recursos econmicos. Da porque o Estado absolutamente impotente diante, por exemplo, das novas empresas que exploram servios pblicos. Quando no mximo ele ameaa aplicar uma multa, essas empresas, que so na maioria estrangeiras, apelam para os Estados aos quais elas se vinculam, e o Presidente da Repblica chamado pelo telefone e convidado a, rapidamente, cancelar essas multas. Isto significa tambm macia privatizao das empresas estatais, significa o endividamento pblico em substituio cobrana de impostos. Por qu? Porque a cobrana de impostos s pode ser feita contra aqueles que tm dinheiro, que tm recursos. Veja-se o problema grave da Previdncia Social. Na medida em que cai a ocupao formal de trabalho, num sistema contributivo as receitas caem. medida que os salrios mdios vo caindo cai tambm a arrecadao de contribuies. Para cobrir o dficit da previdncia sobra a seguinte alternativa: ou jogar todo mundo para o campo privado, ou seja, quem tem dinheiro paga e quem no pagar prmio de seguro ou prmio de plano de sade danou como dizem os nossos jovens ou ento o Estado vai ter de arrecadar tributos, arrecadar recursos atravs da via fiscal. Mas de quem? Obviamente de quem tem dinheiro. Para evitar isso, o Estado se endivida. Hoje o Brasil est numa posio de endividamento irrecupervel, o que ns podemos fazer o que sempre fizemos: continuar empurrando isso com a barriga e conseguir um creditozinho adicional do FMI para no cumprirmos as metas. Essa situao de enfraquecimento do Estado corresponde a uma concentrao capitalista e a concentrao capitalista acarreta no apenas, como imaginou Marx, a explorao dos trabalhadores, mas algo muito pior: a dispensa da fora-trabalho. Hoje, a concentrao capitalista se assenta tambm na explorao sistemtica do consumidor, como estamos vendo em matria de produtos farmacuticos. No plano internacional, estamos assistindo hoje a dois movimentos da maior importncia. Um deles a supresso das barreiras alfandegrias. O outro, pouco perceptvel porm mais virulento o transnacionalismo. A supresso de barreiras alfandegrias pressupe a existncia de territrios com fronteiras e o transnacionalismo a por cima das fronteiras. Hoje j possvel fazerem-se todas as transaes financeiras seja com moedas, seja com valores mobilirios, ndices ou derivativos sem ar por fronteira alguma. As Bolsas de Valores, os Balces de Distribuio de Valores funcionam 24 horas por dia. Qualquer pessoa em sua casa, com um computador, pode jogar em todas as Bolsas, em todos os mercados do mundo. Calcula-se que por dia circulam no mundo US$ 1,5 trilho. Dessa soma inimaginvel de dinheiro, nem 10% so aplicados em investimentos. E o transnacionalismo cresce agora em matria comercial as empresas compram e vendem atravs da Internet. Isto tem preocupado alguns Estados por causa da arrecadao de tributos, mas o problema muito mais grave. A conseqncia disso que no plano internacional tambm h um agravamento da situao de concentrao de riqueza e concentrao de misria. A Organizao das Naes Unidas, no Relatrio de Desenvolvimento Humano de 1998, deu algumas informaes que nos deixam perplexos: o patrimnio conjunto das 225 pessoas mais ricas do mundo eqivale renda anual da metade mais pobre da humanidade, ou seja, 2,5 bilhes de pessoas. A partir de 1960, a parcela da riqueza apropriada pelos 20% mais ricos da humanidade ou de 70% a quase 90% 89,6%, enquanto a parte deixada aos 20% mais pobres da humanidade caiu de 1,4% a 1%. Um esclio, um comentrio, a deduzir dessas cifras a relativa insignificncia das classes mdias ou camadas mdias. Ora, como todos sabem, com base nas chamadas camadas mdias que hoje se anuncia a todos os ventos a abertura de uma terceira via. Pois bem, quais as solues? Temos que lembrar que a nica coisa incompatvel com o clculo e a preciso cientfica a liberdade humana e justamente na liberdade humana que ns vamos nos fundar para esboar um plano de combate. Ns estamos numa situao de guerra mundial, no declarada, at no sentida. preciso portanto um brado de alerta para que ns nos movamos, nos levantemos contra esta situao, segundo uma estratgia. Eu diria que a estratgia comporta no duas fases, mas, dois enfoques: ou ns caminhamos para estratgias parciais e precrias ou para estratgias globais e permanentes. Mas possvel combinar ambas estas perspectivas. Eu vou explicar melhor o que quero dizer. Vamos imaginar que a situao de dominao capitalista permanea durante um tempo difcil de calcular, em cada um dos nossos pases e no mundo como um todo. preciso ento trabalhar com este dado, dado importante: ns precisamos combinar solues no plano nacional e internacional, mas levando em considerao que cada vez menos a ao dos Estados nacionais independente, cada vez mais os Estados nacionais dependem do contexto internacional. Portanto, aquilo que foi no comeo do sculo uma utopia e um brado de alerta do movimento socialista levar internacionalizao do socialismo hoje uma necessidade bvia! E aqueles grupos que, felizmente para a defesa da nossa dignidade, esto hoje em Seattle protestando contra a Organizao Mundial do Comrcio, esto nos dando uma perspectiva de combate. Ns s poderemos resolver os nossos problemas nacionais na medida em que levarmos a nossa luta para o plano internacional: o que representa uma reorganizao do nosso plano de batalha. Mas apenas para efeito didtico vamos dividir as solues em dois planos: nacional e internacional. No plano nacional eu poderia citar e oferecer a vocs vrias propostas que se-riam talvez objeto de teses acadmicas, que os professores lem e depois jogam no lixo, mas devem ser objeto de estudo, de reflexo das foras polticas. Por exemplo, estender largamente s organizaes no-governamentais a legitimao para o ajuizamento de aes civis pblicas. A Professora Flvia Piovesan, que uma excelente advogada pblica, ou seja, advogada do povo, pode lhes dizer com certeza o que isto significa. dar instrumentos de ao judicial ao povo e no deixar isto concentrado apenas no Ministrio Pblico, embora o Ministrio Pblico seja indispensvel defesa do povo. Alm disso, criar uma ao direta de inconstitucionalidade de polticas pblicas que se opem aos direitos econmicos, sociais e culturais constitucionalmente reconhecidos. E uma ao direta que pode ser acoplada com uma ao de anulao de oramentos pblicos, porque o oramento nada mais do que um miniplano, um plano para o ano fiscal. Hoje ns temos uma ao direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos do poder pblico. Mas como eu disse, os direitos econmicos, sociais e culturais se realizam atravs de polticas pblicas. O Estado contemporneo no mais o Estado da lei. A produo do Estado contemporneo sobretudo de polticas, ou seja, de programas de ao governamental. Pois bem, preciso que a constitucionalidade dessas polticas e a ser aferida, tal como a constitucionalidade de leis isoladas. preciso tornar obrigatria a participao direta do povo na elaborao de oramentos pblicos. Estou me referindo a algo que j est em andamento no nosso Pas mas que precisa ser estendido e tornado obrigatrio. preciso extinguir o instituto da concesso istrativa de servio pblico. O servio pblico no pode ser gerido com intuito lucrativo, porque h uma incompatibilidade evidente entre a busca do lucro para acumulao de capital e o atendimento das necessidades ou mesmo utilidades pblicas. No plano internacional v-rias outras medidas eu poderia sugerir. Por exemplo: atribuir Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas a incumbncia de fiscalizar o cumprimento pelos Estados dos deveres impostos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966. Esses Pactos foram uma concesso feita por ambos os lados o lado sovitico e o lado capitalista em 1966 para se chegar a um certo consenso mnimo. No bojo dessa transao, o cumprimento dos direitos civis e polticos ou a ser fiscalizado pela Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas. Mas os direitos econmicos, sociais e culturais no tiveram este acrscimo a segunda parte do Pacto de 66 sobre os direitos econmicos, sociais e culturais prev apenas o envio de relatrios dos Estados ao Conselho Econmico e Social das Naes Unidas. preciso, portanto, reforar o poder da Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas no s na parte de direitos civis e polticos, mas tambm sobretudo nesta parte de direitos econmicos, sociais e culturais, para tornar claro o fato de que o compromisso internacional com esses direitos srio e no apenas uma medida de retrica ou de propaganda poltica. Para se combater o flagelo da fome no mundo, parece til atribuir FAO a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao a competncia para declarar situaes de fome, que no apenas de subnutrio crnica, e, detectadas essas situaes de fome, identificar pases que tenham estoques alimentares. A Unio Europia concentra a maior parte dos estoques alimentares do mundo, e estes estoques so concentrados unicamente para manter os subsdios agricultura em todos esses pases. Uma vez detectada a existncia desses estoques, a FAO deveria poder, por intermdio do Secretrio Geral das Naes Unidas, requisitar estes estoques. Em terceiro lugar, a sade: hoje a situao de tratamento de molstias tropicais catastrfica de 1975 a 1997 foram patenteadas no mundo 1.233 frmulas medicamentosas. Dessas 1% apenas, ou seja, mais exatamente 13, so de remdios para tratamentos de doenas tropicais. Hoje os grandes laboratrios dispendem de 300 a US$ 500 milhes para a produo de um remdio novo a ser lanado no mercado. Evidentemente o retorno desse investimento no pode ser feito em mercados onde predomina a misria endmica. Assistimos a esta situao absolutamente escandalosa: investem-se de US$ 300 a US$ 500 milhes para produzir um remdio que faa um americano obeso perder peso em questo de semanas, ou para que um europeu decrpito possa ainda manter erees depois dos 70 anos. Mas as doenas tropicais que matam 6 milhes de pessoas por ano ficam fora do sistema de investimentos capitalista, pois esse sistema funciona com objetivo de lucro, o que significa a possibilidade de retorno do capital investido. , portanto, indispensvel organizar-se um sistema pblico para o investimento em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, de
medicamentos. Isto quanto s doenas tropicais. Mas os jornais de hoje dizem que o Ministro da Sade reclama que estamos gastando cada vez mais com medicamentos para tratar AIDS, e sendo remdios estes fabricados por laboratrios particulares, com lucros crescentes. Pois bem, quando ns mudamos a nossa lei de patentes por presso americana e suprimimos a proibio de patenteamento de medicamentos, por presso americana, tivemos num segundo momento a idia de que talvez fosse possvel, por meio de um decreto presidencial prever a hiptese de licenciamento obrigatrio de patentes. Pois bem, j existe uma ameaa de reclamao Organizao Mundial do Comrcio por parte de laboratrios americanos contra este decreto governamental. Agora chego ao final. Todas as solues que estou apresentando so parciais, so precrias, porque o direito oficial depende da estrutura de poder na sociedade. Quando a estrutura de poder oligrquica, dificilmente se pode, pelos mecanismos do direito oficial, conseguir alguma soluo. O nosso objetivo final, aquele que deve estar na agenda de todas as organizaes que se preocupam com a tica, a comear pelas organizaes religiosas, s pode ser este: ns temos que nos engajar numa luta de morte contra o capitalismo. Isto significa ter as idias claras. Entre o bem e o mal, entre o domnio do capital e o da dignidade humana no h terceira via. Falo queles que tm alguma formao crist. Abram de novo o Evangelho No podeis servir a dois senhores. No podeis servir a Deus e ao dinheiro, no existe compromisso a. Ns nos preocupamos muito neste interregno de 14 at final dos anos 80 com o comunismo, e por causa da supresso das liberdades individuais, mas no soubemos reconhecer que este era um mal que tomava conta do nosso corpo, no da nossa alma. O capitalismo, ao contrrio, toma conta da nossa alma. Ns todos fomos infeccionados, com uma rapidez impressionante, pela propaganda neoliberal e agora, para impedir a septicemia, dificlimo. Portanto, o trabalho final no apenas jurdico, tcnico a ser desenvolvido pelos especialistas. um trabalho tico, que tem de ser desenvolvido por todos. Ns temos de abrir uma guerra total contra a imoralidade do sistema capitalista.
Jos Rainha Jnior
Primeiramente gostaria de agradecer o convite que foi feito a ns e dizer que o companheiro Gilmar Mauro, que deveria estar aqui, por outra circunstncia no pde estar, ento eu vim c substitu-lo, no sei se vou responder altura. Segundo, gostaria de dizer que depois de ouvir o Professor Konder falar e a professora, fica difcil at a gente aprofundar um tema to importante como esse. Ento eu no vou ficar um pouco nessa questo tcnica como ele, seno vou acabar me perdendo. Eu vou tentar traar trs questes que para mim so fundamentais ao falar do direito eu quero falar no nosso direito, o direito dos pobres, talvez a minha prtica do dia-a-dia, de estar junto com esse pessoal. Essa uma questo de direitos e dos direitos dos pobres eu quero falar do chamado humano, o ser. O segundo aspecto que quero tratar o da violncia do Estado de direito e poder da mdia hoje, tentar entrar nesse aspecto e, no ltimo, quero falar da luta, quero falar da organizao, daquilo em que eu acredito: na possibilidade da gente poder um dia ter uma sociedade diferente, uma sociedade com que a gente sonha, onde o homem esteja colocado em primeiro lugar. Eu parto desse princpio. Dizer que o direito do cidado, que ns temos os direitos dos pobres, e que temos esse direito nessa so-ciedade capitalista, que sempre foi negado. Ele no ser dado por ningum e no ser construdo dentro dessa chamada democracia burguesa, onde uma minoria compartilha, dividindo aquilo tudo que produz e onde a ampla maioria no tem o mnimo dos seus direitos respeitados. Eu quero falar no direito vida, eu quero falar no direito cidadania, no direito de comer, no direito de estudar, no direito de trabalhar, no direito de ter terra, no direito de ser gente! E o sistema como est montado, e o projeto neoliberal, o capitalismo no vai dar esse direito aos pobres nunca, porque o Estado foi constitudo para essa gente no obter esse direito. E quando eu falo disso, falo do nosso dia-a-dia da nossa vida e olhando para ns, olhando para o Brasil, olhando para a nossa gente e olhando para a nossa histria, porque a gente no pode ficar falando de direitos, discutir esse tema de direitos humanos e a gente tem que voltar aqui para dentro, porque muito fcil a gente ficar olhando para fora do Brasil e no v a histria desse Pas, o que eles fizeram aqui nesses 500 anos. E no final do milnio aonde chega o Pas da maior dimenso que temos em terras produtivas, um parque produtivo onde o povo brasileiro deveria ser o povo mais civilizado no aspecto de ser mais respeitado, onde o povo poderia ser livre, ter maior liberdade e a gente v o que acontece... O que aconteceu nessa trajetria de histria e recentemente com a nossa gente, o nosso povo? inissvel a gente falar de um pas onde, com uma dimenso dessa, com tanta oportunidade que poderia dar ao cidado um pedao de terra para trabalhar e o que comer, e a gente v uma cidade a cada dia que cresce, o nosso povo, a nossa criana, a nossa gente morando debaixo das pontes, comendo lixo, que a classe mdia ou a burguesia joga fora, para tentar sobreviver, morando na beira dos brejos. E mais: inconcebvel ver o outro lado em que sobram casas vagas, vazias, o que construdo com o dinheiro pblico, roubalheira, e esse cidado desassistido. E eu no quero entrar no direito de lei porque isso pior ainda, esse cidado no sabe nem o que lei nem o direito que ele tem, porque nem oportunidade de chegar a exercer esse direito ele tem. A gente v nesse Pas grandes casas Febems, onde os nossos menores que poderiam estar na escola se tornando gente, para amanh ser cidado, para estar num lugar decente, esto amontoados num lugar chamado Febem, porque o espao desse cidado foi negado quando ele nasceu, no tinha o direito nem de comer, nem de tomar um copo de leite e de caf sequer para crescer como gente, ele no pode pensar como cidado. Depois, quando ele se torna um adolescente, jovem, ele amontoado porque ele perigoso para a sociedade. Que sociedade? Ento ele no tem direito de viver como gente, crescer como gente no Pas? O Estado de direito no d oportunidade a esse ser brasileiro de ser gente! A palavra ter, ter, ter, e a palavra ser est esquecida. Este cidado, esse jovem, essa criana no pode ser gente! Ele tem que ser excludo! Haja vista tambm as nossas cadeias, quem que est l dentro? Quem que vive enchendo as cadeias? O nosso povo, os pobres, os membros marginalizados. Essas cadeias esto cheias, quer dizer, esse direito s serve para meia dzia, no serve para ns! Esse Estado que est a um Estado que atende o cidado, o ser humano, no o povo em primeiro lugar. Ento esta realidade que ns estamos vivendo precisa ser refletida, vai chegar no final de milnio para discutir Direitos Humanos. Que Direito Humano que ns temos? Quando d, at quando vocs acham ou ns pensamos que esse cidado vivendo numa situao dessas continuar sendo assim? E a quando a gente se rebela contra esse Estado que est a, que tem o direito e o dever e para isso ele arrecada de ns os impostos nossos para dar a esse cidado o direito de comer, o direito de viver, o direito de morar, o direito de ser gente, quando a gente se rebela e a a professora, coloca ela muito bem, essa gente que comanda o Estado, esse Estado repressivo, esse Estado a tem lei rpida e eficiente para poder prender, para poder condenar. Quando o limite da cadeia no serve para educar, segundo eles esse cidado a eles matam porque depois eles no tm, so todos impunes. E olha o resultado de Eldorado de Carajs, onde o cidado ousou dizer aqui nesse sul do Par tem terra frtil, ns estamos na beira da Transamaznica e o governo jogou os pobres l, os posseiros depois tiraram as terras deles. Eles voltam tempos depois, se organizam, e querem ter a terra para produzir, morar e viver como gente, vo luta, o Estado patrocina o massacre, manda matar, assassinos, e depois o prprio Estado e o Tribunal de Direito vai l e absolve esta gente o caso que aconteceu. Daqui a pouco eles vo ter que condenar e vai ser aquele suim quem vai para a cadeia, no os defuntos, n?! Mas bem capaz de ir os pobres dos sem terras, os baleados, os miserveis, que esto paralticos, esto cegos daquela brutal violncia, capaz de ser condenado num processo de jri. No quero nem comentar o meu caso, dispensa comentrios para no ficar me atendo a minha pessoa, mas dizer dos outros militantes do movimento sem terra. Isso um fato do desrespeito ao direito do cidado como que esse Estado age contra gente que ousa querer tudo isso que eu falei que era s isso que o povo queria, nada mais ele queria. Ns assistimos recentemente mais essa brutal violncia no Estado do Paran olha, voc pega a Constituio e pega a lei, brilhante ver o que est escrito, uma coisa bonita que est ali esse Estado est cometendo a maior violncia contra os trabalhadores, a Polcia que ganha o dinheiro nosso e que para dar proteo ao cidado, essa comete os abusos dos despejos violentos como ns vimos recentemente por esse Governo Jaime Lerner, que diga-se de agem como os mtodos desse Governo foi igualzinho o ditador chileno. Espero que um dia a histria reserve para esse cidado o que est reservando para o Pinochet! Que certamente vai reservar para ele o mesmo destino. O mtodo de violncia que usou contra criana, contra jovem, contra mulher naquela praa, que queria o cumprimento de um acordo feito para ter terra para trabalhar, no queriam ficar na capital, eles que-riam trabalhar. E ainda no pior esses abusos. Aqui em So Paulo tambm no diferente porque os mesmos da quadrilha armada do bando que esto no Pontal do Paranapanema so os mesmos que esto l! Agora eles montaram as milcias armadas porque a Polcia Militar no d conta de despejar e de cumprir a ordem, a lei para tirar, os miserveis, os violentos assassinos sem terras das propriedades. Primeiro as propriedades que eles esto dizendo so aquelas que foram desapropriadas pela lei, porque no produzem e foram para a reforma agrria, j existe uma medida de lei que so terras desapropriadas. As milcias armadas cometem violncia, assassinam jovem, criana e esto l armadas para todo mundo ver, enquanto a prpria Constituio diz que isso proibido, no pode ter milcia, no pode ter grupo paramilitar para eles pode! No Paran pode! No Pontal do Paranapanema pode! Est l e a tal da Justia, a tal da lei que serviria para fazer alguma coisa, no serve, nesta hora no. Mas l no Pontal, l no Paran essa mesma lei botou mulher, jovem, liderana na cadeia! Porque esto formando um bando de quadrilha para poder ocupar terra e as quadrilhas armadas e violentas esto soltas! Para quem quiser ver na luz do dia isso mais vergonhoso. E est l, continua esta prtica. Ento falar de Direitos Humanos olhando uma realidade dessa, que Estado esse que ns temos, como que pode querer cobrar de ns que respeite esse Estado, que respeite essa Lei. Ns nascemos para negar isso a porque ela no serve para ns, e se um dia quiser construir o direito desse povo que eu estou falando de ter vida, ter escola, ter educao, ter comida, o direito de ser do ser humano ns vamos ter que romper com tudo isso no tem outro jeito. O Estado patrocinador da violncia, um absurdo o que ns estamos vendo no dia-a-dia como que esse Estado de direito patrocina a violncia. Todo dia engendrada na nossa cabea, quando no nas novelas, quando no nos filmes, em qualquer programa de televiso nos horrios nobres como que eles patrocinam, como que eles promovem a violncia. E como que querem que o cidado da cidade, como que voc diminui violncia e fala num programa de paz se todo dia a relao das personagens das novelas, que colocaram para esse cidado que chega em casa cansado e senta com a sua famlia para ver televiso, o patrocnio da guerra e da violncia! Armada! Como que vocs querem que o povo se eduque diferente, ele tem que educar na violncia. Ento se patrocina, no tem o mnimo de respeito a ningum, o poder da ganncia do dinheiro do imprio dessas redes de televiso! Como que ns vamos construir a democracia e o direito do cidado com esse padro que ns estamos vivendo, que esto patrocinando a cada dia que a para ns. Como que se educa esse povo e como que diminui essa violncia urbana e vocs sofrem na pele muito mais do que a gente que vive no meio rural. Como que vocs acham que ns vamos resolver esse problema se ns no entrarmos tambm para discutir o poder da mdia e dos meio de comunicao dentro do Estado democrtico? Como que ns vamos fazer isso? E essa gente no est preocupada. Vocs acham que algum programinha, algum espao aqui na televiso preocupado se est morrendo pobre ou est ando fome ou violncia? No, esto preocupados quanto vo ganhar de dinheiro, quantos milhes de dlares vo entrar no seu bolso e o resto que se dane! As disputas vergonhosas que h nos programas de massa de televiso no domingo, vergonhoso! E no h uma lei que regule esses programas, que impea que isso chegue na casa do cidado. Ento eu quero dizer nessa segunda parte, esse Estado em que ns vivemos, essa democracia que ns falamos. democrtico! Democrtico! O que mesmo? Nossa concepo de democracia outra, no essa que est a, no isso que est a! Eu queria dizer por ltimo eu falei trs coisas daquilo em que eu acredito para poder resolver. Eu quero dizer que nos ltimos tempos a sociedade brasileira ficou parada, as
organizaes, o nosso povo est quieto, ningum mobiliza, muito pouca gente que est assistindo como se nada tivesse a haver com ele! Como se o problema da reforma agrria fosse mero problema dos sem terras! E as coisas que acontecem com ns fosse como se fosse dele, ele no tivesse nada a ver com isso. E ns vimos que o poder, que a sociedade brasileira no foi assim e quem viu de perto, sentiu de perto os anos 70, o final dos anos 60, a classe intelectuais foram contra o regime algum fez alguma coisa, a msica popular brasileira era a forma de protestar, os caras protestavam, era o teatro, eram os escritores e intelectuais que no aceitavam. Hoje so poucos, so alguns artigos que se escrevem e se faz muito pouco. As msicas americanizadas; Ns engolimos todo dia esta prepotncia enviada para ns por esse projeto neoliberal comandado pelo imperialismo norte-americano no h uma reao por parte dessa sociedade e ns estamos assistindo a tudo isso que est acontecendo, e a cada dia que a s entra para dentro de ns. O valor de Ptria, o valor de Nao se est perdendo a cada dia que a para o nosso povo, a nossa juventude se acaba a cada dia que a. At quando ns vamos continuar vivendo nessa sociedade?! E ns do Movimento Sem Terra ousamos enfrentar essa poltica neoliberal, ousamos enfrentar esse imperialismo norte-americano e ousamos enfrentar esse Governo que est a. Esse Governo que no tem o mnimo de responsabilidade em aceitar todas as regras da cartilha norte-americana, de vender o nosso patrimnio, de vender o nosso povo, o nosso destino para o imperialismo norte-americano. No possvel que a gente vai continuar assistindo o que ns estamos vendo no Brasil, preciso fazer alguma coisa! preciso que algum se rebele, no d para aceitar! E eu quero dizer para vocs: ns do Movimento Sem Terra, ns vamos continuar lutando, ainda que o preo sejam os anos de cadeia e ainda que o preo seja o sangue de milhes ou milhares de companheiros nossos! que certamente viro pelas mos de assassinos, mas a histria nos mostrou que tambm a liberdade no foi fruto dado a ningum!
A liberdade dos escravos foi conquistada pela sua herica luta Spartacus nos diz isso que se os cristos conquistaram o seu espao tambm foi com sangue e suor! Foi com luta! E a pequena, talvez, liberdade dessa ditadura militar, ela tambm foi com o povo na rua, no foi de graa e a ns no ser dado nada. E ns vamos continuar marchando porque achamos que marchar mais do que caminhar, apontar o horizonte para o povo, determinado a conquistar o seu destino de ser gente, de ser cidado, de ter vida digna e ter Direitos Humanos respeitados! Lutar contra essa injustia cometida nesse Pas, esse Poder Judicirio no tem moral mais para ficar botando ningum na cadeia, metido na corrupo do dinheiro do povo, preciso denunciar e preciso pressionar. Ns continuaremos ocupando terra e latifndio improdutivo, ns continuaremos ocupando as praas, ns continuaremos frente aos rgos pblicos, seja ele banco, como foi o Banco Central, o espao vazio ns vamos para dentro, vamos ocupar! No possvel continuar havendo prdios, casas abandonadas vazias e o povo morando debaixo das pontes. No ser possvel ver as nossas crianas morrendo de fome e a gente assistindo como se nada estivesse. no mnimo no ter dignidade! E a liderana que se recusa a organizar um povo e apontar o seu destino no merece o direito de ser liderana de nada! E o povo que se deixa ser vendido no merece ser povo e no luta pela sua liberdade. E por essa coerncia, por essas afirmaes conquistadas tambm nos livros, nas filosofias, mas conquistada na histria de um povo que viveu a vida. Eu sei o que ar fome, eu sei o que nunca poder ter sentado no banco da escola, porque aos 7 anos, 8 anos, j agarrava a barra da saia da me e do pai para poder comer! Eu sei o que que isso. Portanto, mais do que os livros, a prtica me ensinou a lutar, a lutar ao lado povo que eu acredito, porque eu acredito na liberdade, eu acredito na Justia, e eu tenho esperana para ela tirar esse direito de lutar, no vo ser os Tribunais e muito menos a violncia, seja ela do Estado, seja ela das milcias particulares. Ns continuaremos lutando e eu espero e tenho esperana que a violncia desencadeada nas favelas que mata os coitados, um dia ela vira ao contrrio contra essas elites dominantes que rouba a cada dia que a o direito de ns sermos gente, o direito de ns vivermos! Um dia ela vira, vira contra eles e o dia que eles descerem o morro, certamente se arrependero esses covardes assassinos vendilhes do Templo, vendilhes da nossa Nao e vendilhes do nosso Povo! Esse Governo h de pagar o que est fazendo esse e outros com as suas polticas assassinas e o povo brasileiro h de conquistar um dia a sua verdadeira democracia, a sua verdadeira liberdade! E eu quero dizer que a palavra e a responsabilidade est com cada cidado, vocs aqui hoje, os outros l fora. Ns temos a responsabilidade de construir a justia, de construir a cidadania, no possvel continuar como ns estamos vivendo. E ns queremos reafirmar essa esperana, essa convico de que um dia o Brasil pode ser diferente, nos orgulharemos de dizer que esse Pas tem lei e ela funciona! Ela fun-ciona para o negro, ela funciona para o ndio, ela funciona para todo mundo! Ela funciona para o cidado! Um dia a gente poder andar nessas ruas e se orgulhar de no ver as nossas crianas pedindo esmola ou ento com medo de ser assaltado, certamente elas vo estar na escola e os seus pais, suas mes, os seus jovens, se no estiverem na sala de aula, estaro no trabalho. Um dia a gente vai poder andar e ver que no h mais favela, ele tem uma casa para morar. E a a gente pode dizer que isso liberdade. E, nas palavras dos filsofos cientistas marxistas, certamente vo ousar e vo dizer que ser o socialismo. Nas palavras dos cristos simples e humildes, como eu ouvi um padre dizer, isso o reino de Deus. E para ns no importa o valor, o nome que se queira dar a isso, o que importa para mim que isso um dia seja conquistado e que isso seja, um dia, as palavras na prtica. E por esse sonho a gente continua lutando e a gente continua convocando cada um de vocs a engrossar a fileira da luta pela liberdade, na luta pelos Direitos Humanos. E tudo isso que falei, para mim so Direitos Humanos, um dia o direito do homem, o direito do cidado ser respeitado na sociedade humana, na sociedade justa, na sociedade igualitria. Ns continuaremos lutando e temos esperana de que cedo ou tarde vamos conquistar e me reservo o direito de dizer o pensamento de uma grande liderana, que ousou lutar, ousou conquistar uma
sociedade digna: a morte por ser morte ela tem valor igual morre o rico, morre o pobre mas h um detalhe, a morte de um justo pesa como a montanha, mas a morte de um covarde pesa menos do que uma pena. E a morte dessa elite assassina e desse Governo certamente um dia pesar menos que uma pena, e a morte do lutador, do povo para libertar esse povo, vai pesar mais do que uma montanha o que nos resta um nome na histria e a histria um dia vai nos compreender e vai revelar aqueles que lutaram para esse Brasil ser dos verdadeiros brasileiros. Muito
obrigado. (Texto no revisado pelo autor).

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