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Tortura
no Brasil como Herana Cultural dos Perodos Autoritrios *
CECLIA
MARIA BOUAS COIMBRA**
I)Introduo:
Este
trabalho pretende levantar, mesmo que sucintamente, como as prticas
de tortura esto presentes em nosso cotidiano e que implicaes
tm com os perodos autoritrios pelos quais nosso pas
ou, em especial, o ltimo: a ditadura militar de 64 a 85.
Pensa-se
apontar como, nos anos 90, estas prticas am a ser percebidas
por grandes segmentos de nossa populao como questes que no
lhes dizem respeito e, at certo ponto, como aspectos necessrios
para conter a violncia dos perigosos.
Desde que aplicadas aos diferentes, marginais
de todos os tipos, tais prticas so em realidade aceitas,
embora, no defendidas publicamente.
comum ouvirmos a seguinte pergunta quando se fala de
tortura: mas, o que ele fez?.
Como se tal procedimento pudesse ser justificado por algum
erro, deslize ou crime cometido pela vtima.
Somente em alguns casos quando se trata de pessoas
inocentes h clamores pblicos, o que mostra que para
certos elementos essa medida at pode ser aceita.
Assim, apesar da sua no defesa pblica, a omisso e
mesmo a conivncia por parte da sociedade fazem com que
tais dispositivos se fortaleam em nosso cotidiano.
A prtica da
tortura ser aqui tratada como fazendo parte de uma poltica
que, em um ado recente, foi oficial do Estado brasileiro e que
hoje, apesar de oficiosa, continua sendo praticada por agentes
desse mesmo Estado. No
se trata, portanto, apenas de omisso, conivncia e/ou tolerncia
por parte das autoridades para com tais questes, mas de uma poltica
silenciosa, no falada, que aceita e mesmo estimula esses
perversos procedimentos.
II)Uma pequena
histria da tortura
A prtica da
tortura que percorre a histria do Brasil foi durante sculos
utilizada, em quase todo o mundo, como um exerccio de vingana,
sobre os corpos daqueles que se insurgiram contra o poder e a fora
do Rei; da, os suplcios serem pblicos.
Segundo o artigo 1o
da Conveno da ONU Sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes, de 10/12/84, a tortura
conceituada como:
Qualquer
ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, fsicos ou mentais so
infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou
de terceira pessoa, informaes ou confisses; de castig-la
por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja
suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou
outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminao
de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos so
infligidos por um funcionrio pblico ou outra pessoa no exerccio
de funes pblicas, por sua instigao, ou com seu
consentimento ou aquiescncia.
Segundo Verri
(1992), o uso sistemtico da tortura ocorreu aps o sculo XI,
na Europa, atingindo seu apogeu entre os sculos XIII e XVII, com
a Inquisio2.
Para Foucault
(1988), naquele perodo, apesar dos suplcios serem pblicos,
todo o processo criminal at a sentena permanecia
secreto no s para a populao, mas para o prprio acusado.
A importncia dada
confisso era enorme considerada como a rainha das provas
-, pois o criminoso que confessa desempenha o papel de verdade
viva.
Assim, os suplcios levam redeno do sujeito se
luz do dia e frente de todos chegar verdade do crime que
cometeu, pois o verdadeiro suplcio tem por funo fazer
brilhar a verdade.
Portanto, as torturas eram impostas prolongando a dor fsica
na medida da gravidade do ato cometido.
Quanto mais grave o crime pois alm de sua vtima
imediata, atacava o soberano, sua lei, seu poder, sua vontade
maior a extenso dos suplcios.
(...)
esses resultados no eram atribudos Inquisio, mas ao ru
porque no havia dito voluntariamente toda a verdade.5
Alm disso, multides
acompanhavam as cerimnias realizadas em torno dos suplcios
aplicados aos considerados hereges; aqueles que as assistiam eram
premiados com indulgncias pela Igreja Catlica.
Em nossa histria
colonial so conhecidas as torturas infligidas aos escravos, ndios
que no eram considerados humanos e aos perigosos
de todos os tipos, como aqueles perseguidos pela Inquisio, e
os que praticaram crimes de lesa majestade.
Segundo
Foucault (1988) com o advento do capitalismo industrial, no
final do sculo XVIII e incio do XIX, que as grandes
fogueiras e a melanclica festa das punies vo se
extinguindo6.
Os suplcios saem
do campo da percepo quase cotidiana e entram no da conscincia
abstrata: a era da sobriedade punitiva, quando no
mais para o corpo que se dirige a punio, mas para a alma,
devendo atuar profundamente sobre o corao, o intelecto, a
vontade, as disposies.
Assim, a premissa bsica dos tempos modernos : que o
castigo fira mais a alma que o corpo7.
Ou
seja, no mais os atos praticados, mas aqueles que podero vir a
ser efetuados, dependendo da alma do sujeito: se ex-escravo,
negro, mulato, migrante, pobre.
Inaugura-se a era da periculosidade, onde determinados
segmentos por sua alma, sua essncia, sua natureza devero
ser constantemente vigiados, disciplinados, normatizados.
Entramos, segundo Foucault, nas sociedades disciplinares
onde as instituies exercero tal vigilncia, produzindo
corpos dceis, adestrando no s o fsico, mas
fundamentalmente os espritos8.
Entretanto,
ao lado do dispositivo da periculosidade continua, ao longo de
todo o sculo XX, existindo no Brasil e em muitos outros pases, tambm o da tortura. No
mais para os escravos, mas para os criminosos,
marginais, para os pobres em geral.
Tanto que em nossas constituies republicanas nada
apresentado sobre a prtica da tortura.
Somente a ltima, a de 1988 j em final do sculo XX
prev a criminalizao desta prtica; entretanto,
colocada ao lado dos crimes de terrorismo e trfico de drogas9.
III) Tortura e
Ditadura Militar
Assim, a tortura
que ao longo deste sculo tem sido cotidianamente utilizada
contra os desclassificados sociais, inclusive sendo prtica
comum hoje em delegacias policiais, presdios, hospcios e
muitos estabelecimentos que tratam dos chamados infratores e
delinqentes mirins principalmente a partir do AI-5
(13/12/68), ou a ser tambm aplicada aos opositores polticos
da ditadura militar. Entretanto,
desde os anos 20 com o incremento do movimento anarquista
muitos militantes polticos foram presos e torturados.
Da mesma forma, durante o Estado Novo muitos opositores
sofreram suplcios na Polcia Poltica.
Naquele perodo
esta prtica ainda no havia tomado o frum de poltica
oficial do Estado brasileiro.
Isto ocorreu a partir dos anos 60, assim como em muitos pases
latino-americanos, africanos e asiticos que aram e ainda
hoje, alguns ainda am por regimes ditatoriais.
No
nosso caso, apesar da implantao em 1964 de um governo de fora,
somente a partir do AI-5 que a tortura se tornou uma poltica
oficial de Estado. Na verdade, muitos opositores polticos foram torturados
naquela primeira fase da ditadura militar, mas eram casos
pontuais. A vitria
da chamada linha dura, o golpe dentro do golpe instituram
o terrorismo de Estado que utilizou sistematicamente o
silenciamento e o extermnio de
qualquer
oposio ao regime. O
AI-5 inaugurou tambm o governo Mdici (1969-1974), perodo em
que mais se torturou em nosso pas10.
Aproximando-se dos mtodos
inquisitoriais a tortura nos anos 60, 70 e ainda hoje, no
Brasil e em muitos outros pases persegue tambm a verdade,
onde a confisso do supliciado procurada a todo custo.
Entretanto, diferentemente da Inquisio, no ela que
absolve e redime o torturado.
Ela, inclusive, no garantia para a manuteno da
vida; ao contrrio, muitos aps terem confessado foram
e continuam sendo mortos ou desaparecidos.
Alm disso, tem tido como principal papel o controle
social: pelo medo, cala, leva ao torpor, a conivncias e omisses.
interessante apontarmos como, nos anos 80 com o processo de
abertura e ainda hoje, alguns profissionais psi tm
tentado explicar psicopatologicamente o comportamento daqueles que
participaram diretamente das torturas contra presos polticos.
Afirmo, como o fazia Hlio Pelegrino11, que
pensar somente pelo vis da Psicologia de que possvel
conduta sdica ou desequilibrada nessas pessoas ,
em realidade, cair na armadilha de justificar suas aes.
A questo deve ser colocada na crena que tinham e,
ainda hoje, muitos tm de que para aqueles perigosos no
havia outro caminho seno o da tortura.
Alguns psiclogos tm
tentado encontrar caractersticas psicopatolgicas em pessoas
que participaram diretamente de regimes de terror.
Em 1976, por exemplo, Molly Harrower, psicloga da
Universidade da Flrida, ao examinar alguns testes de sete
criminosos de guerra nazistas, como Adolf Eichmann e Herman Goring,
realizados durante o processo de Nuremberg, surpreendeu-se por no
encontrar caractersticas de personalidade desajustada.
O psiclogo
norte-americano Stanley Milgran, demonstrou atravs de
experimentos que qualquer pessoa pode produzir dor a outros, desde
que receba ordens de algum que considere como autoridade.
Chegou concluso de que a obedincia cega s ordens
emitidas por algum que socialmente percebido como autoridade,
leva muitas pessoas a cometer atos considerados em nossa civilizao
como brbaros. Tal
questo liga-se aos treinamentos que marcam a histria das Foras
Armadas e das Polcias Militares, no s em nosso pas, onde tcnicas
de maus-tratos, de torturas so aplicadas aos recrutas com o
objetivo de ensin-los a matar e a praticar atos que mancham a
categoria de humano.
Duas
outras psiclogas Janice T. Gibson e Mika Haritos-Fatouros
(1986), desenvolvendo os experimentos de Milgran, estudaram os mtodos
de treinamento que, durante a ditadura grega (1967-1974), foram
utilizados nas polcias militares. Apontam como os maus-tratos aplicados aos recrutas, o
juramento de lealdade e a irrestrita e cega obedincia fizeram
com que essas pessoas tivessem condutas inumanas e mesmo
aberrantes. Em estudos anteriores Haritos-Fatouros no encontraram evidncias
de comportamentos sdicos, abusivos ou patolgicos
nas histrias pessoais dos soldados gregos antes de se submeterem
aos treinamentos.
Essas
mesmas psiclogas entrevistaram soldados e ex-soldados do Corpo
de Infantaria da Marinha e dos Boinas Verdes dos Estados Unidos e
chegaram concluso que para o treinamento eram selecionados os
mais saudveis e que, aps os ritos de iniciao, eram
ensinados novos valores e normas atravs de atos que
provocavam dores, sofrimentos, vexames e humilhaes.
Os recrutas eram gradualmente desensibilizados diante
da violncia e sua resistncia a atos repugnantes era totalmente
vencida. Um dado
importante levantado foi o de que o inimigo nos treinamentos
era apresentado como um ser miservel, no humano.
Isso tornava mais fcil mat-lo ou mesmo provocar-lhe
danos. A frrea
disciplina, a total submisso hierarquia, obedincia,
crena de que o outro
um ser
perigoso e asqueroso tm produzido, segundo as anlises
dessas psiclogas, muitos torturadores, pois estes tm
personalidade normais e necessitam ter suas emoes sob completo
controle quando realizam seus trabalhos.
Vimos como militares
e policiais brasileiros defenderam, durante a ditadura militar, e
ainda hoje muitos defendem, a existncia de uma guerra
civil. Da mesma
forma, a tortura foi, e continua sendo, no s apoiada, mas
defendida, embora de forma menos enftica publicamente.
Em seu livro de memrias ,o ex-presidente Ernesto Geisel
afirmava:
(...)que a
tortura em certos casos torna-se necessria, para obter informaes.
(...) no tempo do governo Jucelino alguns oficiais, (...) foram
mandados Inglaterra para conhecer as tcnicas do servio de
informao e contra-informao ingls. Entre o que aprenderam
havia vrios procedimentos sobre
tortura. O ingls, no seu servio secreto, realiza
com discrio. E nosso pessoal, inexperiente e extrovertido, faz abertamente.
No justifico a tortura, mas reconheo que h
circunstncias em que o indivduo impelido a praticar a
tortura, para obter determinadas confisses e, assim,
evitar um mal maior.
Em 1971, foi
elaborado pelo Gabinete do Ministro do Exrcito e pelo seu Centro
de Informaes (CIEx) um manual sobre como proceder durante os
interrogatrios feitos a presos polticos.
Alguns trechos apontavam que:
13Gibson,
J. e Haritos-Fatouros, M. La Educacin de Um Torturador
in Psychology Today Washington, D.C., American
Psychological Association, n. 3, dez/86, 22-28, p. 28.
14
O Globo 19/10/97, p. 12, grifos meus.
(...) O
interrogatrio uma arte e no uma cincia (...).
O interrogatrio um confronto de personalidades.
(...) . O
fator que decide o resultado de um interrogatrio a habilidade
com que o interrogador domina o indivduo, estabelecendo tal
advertncia para que ele se torne um cooperador submisso
(...). Uma agncia
de contra-informao no um tribunal da justia. Ela existe
para obter informaes sobre as possibilidades, mtodos e intenes
de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra
seus ataques. Disso se conclui que o objetivo de um interrogatrio
de subversivos no fornecer dados para a justia criminal
process-los; seu objetivo real obter o mximo possvel
de informaes.Para conseguir isso ser necessrio,
frequentemente, recorrer a mtodos de interrogatrio que,
legalmente, constituem violncia.
assaz importante que isto seja bem entendido por todos
aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador
no venha a ser inquietado para observar as regras estritas
do direito (...).
Utilizando-se de
alguns conhecimentos psicolgicos, o Manual examina alguns tipos
de presso, no sentido de torn-las mais potentes para que
possam ser melhor exploradas nos interrogatrios. Cita, inclusive, algumas situaes e sintomas por elas
produzidos, do ponto de vista fsico e psicolgico-existencial.
16
Gabinete
do Ministro, Centro de Informaes do Exrcito Manual
de Interrogatrio. Apud
Comisso de Cidadania e Direitos Humanos ALERS Relatrio
Azul P.A., Assemblia Legislativa, 1998, p. 285, grifos
meus.
Para que a
engrenagem da tortura funcionasse, e ainda funcione, de forma
azeitada e produtiva foram, e ainda so, necessrios muitos
outros elos. Muitos
profissionais como psiclogos, psiquiatras, mdicos legistas,
advogados, dentre outros respaldaram, e ainda hoje continuam
respaldando, tecnicamente os terrorismos de Estado em diferentes
pases, assessorando prticas de excluso, com suas aes e
saberes. A histria
da participao ativa de muitos desses profissionais no Brasil
ainda est para ser escrita.
Entretanto, algo
deve ser aqui colocado, pois alm de apoiar/respaldar a
patologizao daqueles que lutavam contra a ditadura militar,
classificando-os como carentes, desestruturados e,
portanto, doentes atravs de uma pesquisa que utilizou uma srie
de testes psicolgicos em presos polticos alguns outros
profissionais psi forneceram laudos psiquitricos tambm a
presos polticos, no perodo de 1964 a 1978. Tanto na pesquisa realizada como nos laudos fornecidos temos
belssimos exemplos de como se patologiza, rotula,
marginaliza e exclui aqueles que resistiam a um regime de fora,
e a muitos que ainda hoje so classificados como perigosos.
Tambm alguns mdicos
legistas legalizaram, em seus exames de necrpsia, a morte sob
tortura de vrios militantes polticos.
No descrevendo as marcas deixadas em seus corpos pelos
suplcios sofridos, confirmaram em seus laudos as verses
oficiais da represso, como mortes ocorridas em tiroteios,
atropelamentos ou por suicdios
O que, ainda hoje, sabemos vem ocorrendo.
Outros mdicos
tambm se destacaram acompanhando, como tcnicos da
tortura, os suplcios perpetrados contra muitos presos polticos.
Foi o caso de Amilcar Lobo, Jos Lino Coutinho Frana e
Ricardo Agnese Fayad, que tiveram seus registros mdicos
cassados em 1988, 2000 e 1995, respectivamente.
Poder-se-ia
argumentar e isto tem acontecido ultimamente, quando
entidades de direitos humanos denunciam muitos daqueles que
colaboraram com o aparato de represso nos anos 60 e 70 que
esses profissionais estavam cumprindo ordens ou desenvolvendo um
trabalho como outro qualquer.
Alguns deles, inclusive, eram oficiais das Foras Armadas.
Entretanto, sabemos
que, se no houvesse profissionais quaisquer que sejam eles,
em quaisquer reas aptos a prestar, voluntariamente, seu
respaldo represso, esta no teria funcionado to bem como
funcionou. Em todas
as ditaduras latino-americanas e em outros regimes de fora,
estes s conseguiram se sustentar por tanto tempo, tambm
dentre vrios outros fatores porque existiram profissionais
que, empregando seus saberes, deram apoio ao terrorismo de Estado
em diferentes setores e reas.
Por isso, a mquina pde se manter azeitada e
funcionando.
Hoje em dia, sabemos
que muitos desses profissionais continuam apoiando/respaldando com
seus saberes as prticas repressivas oriundas de muitos agentes
do Estado. Em outubro
de 1993, por exemplo, seis presos por trfico de armas foram
retirados de um presdio no Rio de Janeiro e levados por dez dias
para o quartel da Polcia do Exrcito, onde foram torturados
tendo sido acompanhados por um mdico
V)
Concluindo...
A
relao entre pobreza e criminalidade disseminadas por
todo o Sculo XX, hoje atualiza-se e est presente nas falas
daqueles que defendem a militarizao da segurana pblica,
temerosos pelas ondas de violncia que os meios de comunicao
alardeiam. Est
presente quando acreditamos que uma realidade vivermos em uma
guerra civil e que natural que suspeitos porque pobres
sejam torturados e at desapaream.
Tais crenas tm
acompanhado ao longo do ltimo sculo pelo menos os
pensamentos, percepes, sentimentos e comportamentos dos
brasileiros. Por isso
no nos espantamos quando somente, em 1988, a tortura
oficialmente colocada como crime em nossa Constituio.
Se hoje no temos
mais os suplcios pblicos onde se aplicava a Lei de Talio
temos, atravs do silenciamento de uns e dos aplausos de outros,
uma nova lei emergindo e funcionando eficazmente. Uma nova Lei de Talio que, ao arrepio das leis vigentes nos
pases civilizados e com o beneplcito e estmulo de suas
autoridades, aplicada a todos os pobres, porque suspeitos e,
portanto, considerados culpados.
Uma nova Doutrina de Segurana Nacional que tem hoje
como seu inimigo interno no mais os opositores polticos,
mas os milhares de miserveis que perambulam por nossos campos e
cidades. Os milhares
de sem teto, sem terra, sem casa, sem emprego que, vivendo
miseravelmente, pem em risco a segurana do regime.
Da, a urgncia em produzir subjetividades que percebam
tais segmentos como perigosos e, potencialmente, criminosos para
que se possa em nome da manuteno/integridade/segurana
da sociedade no somente silenci-los e/ou ignor-los
o que j no mais possvel mas elimin-los,
extermin-los atravs da ampliao/fortalecimento de polticas
de segurana pblicas militarizadas que apelem para a lei e a
ordem.
Entretanto,
apesar do poderio, fora e enraizamento em muitos coraes e
mentes dessa nova Lei de Talio h linhas de fuga a serem
construdas.
H questes que precisam ser esclarecidas, trazidas
luz e desconstrudas demonstrando-se que no so eternas, ahistricas
e necessrias. So formas de pensar, perceber, sentir e agir
produzidas pelas diferentes prticas dos homens que podem,
portanto, ser mudadas, transformadas em subjetividades voltadas
para a vida, para potencializar determinadas formas de existir
neste mundo que, de um modo geral, tm sido desqualificadas,
estigmatizadas e mesmo, negadas.
*
Trabalho apresentado na mesa redonda do mesmo nome no Seminrio
Nacional sobre a Eficcia da Lei da Tortura, organizado pela
Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados, pelo Frum
Nacional dos Ouvidores de Polcia , pelo Conselho Nacional dos
Procuradores-Gerais de Justia e pelo Conselho da Justia
Federal, realizado em Braslia, em 30/11/00. Este trabalho
parte da Pesquisa de Ps-Doutorado da autora - Discursos Sobre
Segurana Pblica e Produo de Subjetividades: a violncia
urbana e alguns de seus efeitos, realizada no NEV/USP, em 1998.
**
Psicloga, Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense,
Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e da Comisso Nacional
de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Membro do
Conselho Consultivo do Centro de Justia Global.
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