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Perigos
do Plano Colmbia
Maria
Luisa Mendona e James Cavallaro
As
discusses sobre a possibilidade de um acordo de paz na
Colmbia voltam a ocupar o cenrio internacional, no
contexto da reunio da Comisso de Direitos Humanos da
ONU em abril. Essa possibilidade se tornou mais concreta a
partir da reunio do presidente colombiano Andrs
Pastrana com o lder das Foras Armadas Revolucionrias
da Colmbia (FARC), Manuel Marulanda, no dia 8 de
fevereiro. O encontro ocorreu menos de um ms aps a
posse do presidente norte-americano George Bush, que comeava
a buscar apoio internacional para a ampliao do Plano
Colmbia. O Secretrio de Estado norte-americano, Colin
Powell, havia declarado que pretendia conseguir a colaborao
de pases latino-americanos, no sentido de regionalizar
sua estratgia militar na Colmbia. Portanto, os prximos
meses sero decisivos, pois a Colmbia ter que decidir
entre o caminho da negociao ou da crescente militarizao.
A
implementao do chamado pacote de auxlio de 1.3
bilhes de dlares para a Colmbia tem sido justificada
como uma forma de defender a democracia e acabar com o
narcotrfico naquele pas. Estes argumentos escondem as
graves consequncias deste projeto, no s para a
sociedade colombiana, mas para todo o continente
latinoamericano, j que 80% de seus recursos sero
aplicados em um aparato militar. Um
recente relatrio elaborado pela Anistia Internacional,
pela Human Rights Watch e pelo Washington Office on Latin
America revela que desde o incio do Plano Colmbia, em
agosto de 2000, a mdia de mortes em combate e
assassinatos polticos tem aumentado chegando a 14
pessoas por dia. Somente em janeiro de 2001, ocorreram
pelo menos 27 massacres, nos quais cerca de 200 civis
foram mortos. Segundo a Human Rights Watch, pelo menos 78%
dos massacres ocorridos desde 1999 tm sido praticados
por grupos paramilitares.
A Colmbia
um pas extrememente militarizado e polarizado, em
conseqncia de quase meio sculo de conflitos armados.
O investimento de recursos norteamericanos na chamada
guerra s drogas coincidiu com o aumento da violncia
contra a populao civil e particularmente contra os
camponeses e os povos indgenas. Nos ltimos 10 anos,
foram assassinadas cerca de 1.300 lideranas sindicais e
nos ltimos 20 anos foram mortos mais de 150 jornalistas.
Sob o pretexto de combater o narcotrfico, a guerra s
drogas tornou-se uma tragdia para a sociedade civil
colombiana.
Da forma
como foi concebido, o Plano Colmbia tende a estimular os
conflitos armados e representa uma grande ameaa a
qualquer possibilidade de negociao pacfica. Sabe-se
que as principais estruturas do narcotrfico esto sob
comando militar, sendo que as guerrilhas tendem a
controlar as reas de cultivo e os paramilitares
controlam os laboratrios de processamento de drogas. A
prpria Fora Area colombiana tem sido acusada de
envolvimento com o narcotrfico. Portanto, a injeo de
recursos internacionais nos setores militares tende a
radicalizar a polarizao social e gerar um processo
semelhante ao ocorrido durante a guerra no Vietnam.
Em resposta a esta preocupao, o governo
americano tem procurado envolver os pases
latinoamericanos no Plano Colmbia, j que a utilizao
de tropas americanas em um possvel conflito sangrento
estimularia forte oposio naquele pas.
Outros
riscos desta operao referem-se crescente destruio
da floresta amaznica, ao deslocamento do narcotrfico
para os pases vizinhos e ao aumento da migrao
massiva da populao camponesa e indgena. Hoje, o nmero
de refugiados internos na Colmbia chega a
aproximadamente dois milhes de pessoas, sendo que 75% so
mulheres e crianas. Na medida em que a guerra civil se
intensifica, estes refugiados tendem a buscar exlio em
outros pases como Equador, Venezuela e Brasil.
Os
principais focos de violncia, que causam a expluso da
populao indgena de suas terras, coincidem com as
regies mais ricas em biodiversidade, onde se encontram
95% dos recursos naturais colombianos. O aparato militar
patrocinado atravs do Plano Colmbia facilita a
implementao de mega-projetos hidroeltricos, petrolferos
e de minerao, patrocinados pelo Banco Mundial e por
empresas multinacionais. Alm disso, mais de um milho
de hectares da floresta colombiana j foram contaminados
por agentes qumicos, sob o pretexto de combater o
cultivo de coca. Este desastre ecolgico conhecido
como Tormenta Verde.
Ao mesmo
tempo, os espaos de sobrevivncia da populao pobre,
como sociedade civil, esto cada vez mais limitados
naquele pas. A abertura dos mercados e a queda dos preos
de produtos agrcolas nos ltimos dez anos geraram uma
grave crise no meio rural, levando muitos camponeses a
cultivar a folha de coca como nica opo de sobrevivncia.
O desemprego e a ausncia de servios bsicos de
moradia, sade e educao estimularam o poder do
narcotrfico, gerando uma espcie de economia paralela.
Hoje, milhares de jovens colombianos so obrigados a
optar pelo alistamento nas foras armadas, paramilitares
ou nas guerrilhas. Estima-se que o nvel de desemprego no
Pas seja de pelo menos 20% e, entre os trabalhadores,
80% ganha menos de 2 salrios mnimos. Conseqentemente,
60% da populao vive em situao de pobreza.
O
governos latino-americanos podem exercer um papel
fundamental na busca de uma soluo pacfica para a
guerra civil na Colmbia. Este processo deve incluir
setores organizados da sociedade civil colombiana, com o
objetivo de fortaler as instituies democrticas. O
governo americano, por sua vez, deve controlar suas prprias
fronteiras, proibir a exportao de produtos qumicos
utilizados no processamento de drogas e combater o consumo
interno dessas substncias, atravs de programas no-repressivos
de reabilitao. Mas, fundamentalmente, preciso criar
opes econmicas viveis que substituam a economia
do narcotrfico na Colmbia, estimulando-se o setor
agrcola e os investimentos na rea social. Estamos
diante de um iminente desastre humanitrio e ecolgico e
precisamos acreditar que isto pode ser evitado.
Maria
Luisa Mendona, 38, jornalista e diretora do Centro de
Justia Global. diretora do Projeto Brasil da Global
Exchange, organizao de direitos humanos com sede nos
EUA.
James
Louis Cavallaro, 38, advogado e diretor do Centro de
Justia Global. Foi
diretor da Human Rights Watch no Brasil (1994-1999).
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