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A Violncia Policial e a Questo Social

Leonardo Boff[1]

notrio que a questo social foi durante muito tempo tratada como questo policial. Em muitos lugares no Brasil se algum portador de algum dos seguintes ps (pobre, preto e prostituta) pela polcia preso e, no raro, antes que qualquer pergunta, vtima de violncia fsica. A freqncia sistemtica de tais fatos tm exigido dos centros de defesa dos direitos humanos, entendidos especialmente como direitos dos pobres e oprimidos, vigilncia e acusao de policiais. Mesmo punidos e, em casos mais graves, expulsos da corporao, no tem diminudo significativamente a violncia policial.

Para se entender tal persistncia importa fazermos uma reflexo cultural, pois, ao largo do tempo, se criou e se cultivou uma cultura da violncia policial. Ela pressupe que os pobres e as pessoas das classes populares no sejam cidados ou possuam uma cidadania menor. A luta dos centros de direitos humanos no somente pontual, denunciando os casos concretos de violao, mas entende cultural, no sentido de visar a gestao de uma conscincia de cidadania, de direitos inegociveis do cidado e de estabelecimento de prticas policiais que se adeqem a essa conscincia, a defendam e a consolidem.

O fato cultural que importa conscientizar o seguinte: durante quatro sculos temos convivido com a escravido. um verdadeiro modo de produo, o escravagista. Ele implica a reduo do outro a carvo a ser consumido no processo produtivo, rebaixado a pea, a simples escravo, com o senhorio de vida e de morte por parte dos senhores sobre seu destino. Esta anti-realidade social criou nas elites uma subjetividade coletiva altamente perversa. Elas criaram a mentalidade de que o negro, o pobre e o povo em geral nada valem, de que devem ser tratados com violncia, porque sempre foi assim, de que, na verdade, no deveriam receber um salrio mnimo, pois historicamente sempre estiveram a servio gratuito dos senhores. Estes entendem o salrio mnimo pago a eles como um ato de generosidade e no de justia. A violncia fsica contra os pobres e negros vem precedida pela violncia mental que discrimina, nega o direito de cidadania e no lhes reconhece direitos incondicionais.

Estudos sobre a escravido urbana do conta das razes de alguns hbitos culturais e policialescos hoje ainda existentes. O escravo urbano era alugado por seus donos a terceiros a fim de fazerem servios de rua. Eram vigiados pela polcia que fazia o lugar dos senhores de escravo. Da se deriva o hbito da polcia comumente desconfiar dos negros e aplicar-lhes violncia quando, por qualquer motivo, os detm( cf. Leila Mezan Algranti, O feitor ausente, Vozes, Petrpolis 1986). Jacob Gorender critica a moderna produo histrico-social que pretende mostrar a escravido em tons mais benevolentes, ao invs de rebelies, resistncia e acomodao (A escravido reabilitada, tica, S. Paulo 1990). No povo, no nas elites poderosas, prevaleceu o esprito de conciliao que atenuava os antagonismos raciais e sociais. Se a massa indgena e negra, mestia e cabocla - nos ensina o grande historiador Jos Honrio Rodrigues (Conciliao e Reforma, um desafio histrico-cultural, Civilizao Brasileira, Rio l965, p.30) - era nas relaes humanas essencialmente conciliadora, era, entretanto inconcilivel nas relaes polticas. Mostraram um rude inconformismo que gerou grande derramamento de sangue, a ponto de Capistrano de Abreu escrever que no fim do perodo colonial, o povo foi capado e recapado, sangrado e ressangrado. Portanto, o regime escravocrata no foi cordial, na linha do patricialismo projetado por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, mas foi cruel e sem piedade. Foi mrito de Gorender ter destrudo este imaginrio mistificador e reincidente atravs de dados e de interpretaes irrefutveis.


Temos apenas um sculo sem escravido, tempo curto ainda para desfazer e desatar o n construdo ao longo de sculos, n que continua a sustentar por parte da polcia e de estratos da classe proprietria hbitos de violncia e de discriminao. Atravs da educao para a cidadania a ser ministrada em todas as escolas, grupos de base e movimentos sociais, mediante a denncia sistemtica das violaes dos direitos dos pobres e negros baseada nos preconceitos e mediante a cobrana de sua punio lentamente pode-se esperar a instaurao de uma cultura do respeito das diferenas e do cuidado pelos direitos de cada cidado.


[1] Presidente de honra e fundador do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrpolis, RJ.

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