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EM DEFESA DOS
DIREITOS HUMANOS
Quanto viso da Histria que
os homens tm hoje. o que ela deve ser mais curta hoje em dia?
Acho que h duas concepes humanas. Uma a de eu lhe dizer:
Voc a, mas Voc fica na memria de seu filho, se seus
amigos. Depois ou tudo.
Assim no vale a pena ar pela vida, porque o que eIa oferece
de gozo to pouco, em comparao com o que ela oferece em
tarefas, em dificuldades, em lutas, etc... Mas uma maneira
siderar.
Outra de considerar ser Voc
responsvel por todo o Voc ser responsvel por tudo o que
acontece. Esta a nossa maneira. Quer dizer, a eternidade
comea hoje. Voc responsvel por tudo o que acontece para o
futuro. E assim eu acredito numa eternidade que vai chegando. A
justia se faz, no transcurso da Histria. Um dia vem algum
que faz justia e isto vai pegar voc no caminho, se voc errou
essencialmente. No essas coisinhas da vida que acontecem, mas se
errou numa atitude. No no ato. Numa quer dizer, se voc fera
para o outro, um dia Voc ser tratado como fera, no tenha
dvida. Ou na Histria, ou na memria sei. Mas, no h
dvida, um dia ser tratado como fera. A maioria dos homens se
contenta com essa memria curta: cuidar bem dos netinhos, dos
filhos, para depois Ter uma velhice mais ou menos e desaparecer.
Isto viver de sobremesa. Mas quem quer mesmo viver da
Histria, deve acreditar na justia da Histria. Quer dizer, a
questo no acaba assim, em quinze anos. Isto para ns vai at
a eternidade. Dura sempre. No acaba. A justia no acaba. Ela
comea e tem a sua tenso. No sei se vocs leram algo daquela
judia formidvel, que nunca mudou de religio, porque o povo
dela era perseguido, Simone Weil, sa. Viveu no meu tempo de
l, o final da vida. Ela dizia assim:
"A gente tem que viver numa tenso." Alguns sentem uma
tenso cutnea, sentem as beliscadas; o almoo foi bom... A
conta foi cara... Outros vivem de tenses mais profundas. S uns
poucos so dignos de uma tenso ideal. Acreditam no valor
absoluto de uma existncia.
A tenso cutnea o comum.
Uma tenso que ela chama de
diuturna, que dura, j mais rara.
E a terceira, a de viver porque preciso assumir o risco da
justia e da verdade, esta de uns poucos. Mas estes poucos
que modificam o mundo. Modificam conforme a resistncia que
encontram, a capacidade que tm de comunicar-se, ou quando chega
uma hora certa da Histria... muito difcil imaginar como
estes homens podero justificar-se.
Esse, para mim, o drama.
Como o senhor encara o papel da
imprensa em situaes diversas de violao de direitos
humanos?
A Igreja tem que colaborar para que se esclaream as coisas. No
pode, por isso, ser considerada subversiva. Isso a Igreja tem
mesmo que fazer. Para que se esclaream as coisas. E eu acho que
isto o jornalista tambm tem que fazer. Que se esclaream as
coisas. E tambm me parece que se houvesse mais jornalistas em
campo para descobrir os fatos, se tivesse mais gente para
descobrir eles no aconteceriam como vm acontecendo em nossos
dias. O jornalista deixou de ser um detetive profissional como era
muitas vezes. Perdeu talvez o elan para correr atrs dos fatos.
Um ou outro ainda o faz. Mas deveria, por exemplo, pelo menos ir
atrs dos desaparecidos. Recebi, certa vez, na Cria, um homem,
que vinha atrs de 159 jovens desaparecidos no Chile, no espao
de menos de um ano. Ningum mais sabia onde estavam. Um jornal no
Brasil publicou que eles teriam sido mortos numa luta ao norte da
Argentina. A Comisso "Justia e Paz" foi l e
verificou que isto no tinha acontecido na Argentina. Veio ento
algum para c verificar por que o jornal daqui publicara esta
verso. Veio se informar honestamente. Foi a Curitiba para
esclarecer, porque a noticia saiu de l. O governo chileno queria
dar um libe. Eles foram mortos l, segundo o jornal tal e tal.
O chileno que me procurou achava at que o jornal nem existia,
porque havia a informao de que o jornal no existia. Mas a
notcia foi reproduzida. Um copiando do outro. E ele veio para
c esclarecer.
Assim, fatos como este deveriam sempre ter jornalistas atrs.
Onde que ficaram os 159 jovens do Chile? Onde ficaram? No Chile
mesmo?
Desde quando a Igreja tem entre
suas preocupaes fundamentais os direitos humanos? Quais as
bases evanglicas dessa preocupao?
Em continuao ao Antigo Testamento, pode-se dizer que Cristo
deixou sua Igreja o exemplo e a palavra. Ensinou mesmo que tudo
o que se fizesse em favor do ser humano, por mais humilde que
fosse, seria feito diretamente a Ele. Estava selada para sempre a
dignidade inalienvel do homem todo e de todos os homens.
O senhor continua recebendo queixas
de violaes dos direitos humanos? Qual o procedimento que
adota, ao receb-las? Qual a veracidade que lhes d? Nos
ltimos tempos, o nmero de queixas tem diminudo?
Recebemos - embora, felizmente, no mais com tanta frequncia
como outrora - queixa de familiares de presos e dos prprios
torturados, depois de recuperarem a liberdade. No podemos deixar
de acreditar em vrios depoimentos, no s por causa da
honestidade das pessoas que nos procuram, mas tambm porque
nossos olhos viram as marcas das atrocidades. Depois, muitos dos
famosos "desaparecidos", mortos em priso, no estavam
sozinhos quando aram deste mundo para o outro.
Contudo, temos certeza que os
sequestros, as prises arbitrrias e o cerceamento das
liberdades fundamentais significam desrespeito s ordens das
autoridades constitudas, configuram atos de indisciplina, alm
de ferirem profundamente as tradies humanitrias do povo
brasileiro. certo que a autoridade suprema no os aprova, como
o povo, que cristo, no os aprova. Continuaremos reforando
estas vozes e cumprindo nossa misso de falar s conscincias.
Que atividades o senhor tem
desenvolvido em defesa dos direitos humanos dos presos polticos?
No me especializo em defesa de presos polticos. O que importa
a dignidade humana, como igualmente a defesa dos direitos e dos
deveres de todos os brasileiros. Penso que meus livros, em nmero
de nove, publicados de 1970 para c, poderia fornecer a prova
disso. Preocupa-me sobretudo a sorte de nossa gente das periferias
da cidade e do mundo do trabalho.
Alm do pedido que o Sr. dirigiu
tempos atrs ao senador Franco Montoro, o Sr. pediu a outras
autoridades que intercedam a favor dos presos polticos?
Costumo dirigir-me s autoridades, quando solicitado pelas
famlias. Quase sempre existe um motivo particular para tais
recursos, principalmente quando se trata de pessoas doentes ou
idosas. Mas tambm quando os familiares no recebem noticias a
que tm direito pela Constituio e leis brasileiras.
Qual o caso mais flagrante de
desrespeito dos direitos humanos que acha ter ocorrido
recentemente em So Paulo?
O que mais chocou a opinio pblica foi, sem dvida, a invaso
da PUC, com desrespeito total a alunos, professores, direo e,
diria, at Igreja.
O caso que a mim pessoalmente mais doeu foi o do jovem Flvio,
assistido durante dois anos pela O. A. F. (Organizao do
Auxilio Fraterno). Desejoso de comear um trabalho, para socorrer
a prpria me, novamente grvida, foi baleado e morto pelo PM
Francisco de Oliveira, em fins de 1977, depois de limpar um carro,
enquanto aguardava a pequena gratificao. Isso traumatizou no
s a seus colegas, que vinham sendo preparados para o trabalho
honesto, mas a tanta gente boa, que precisa de incentivo nesta
hora e no a impactos to negativos.
O documento da Comisso
Representativa da CNBB "Em favor da famlia" deixa
claro, no ponto 4, que a Igreja no pretende permitir "em
especial, que a meta prioritria da Pastoral da Famlia venha
desviar-nos da permanente preocupao quanto ao respeito devido
aos direitos humanos". Como a Igreja trabalha para responder
a essa preocupao permanente?
A dignidade do ser humano a raiz de seus direitos. "A
mensagem da dignidade do homem e dos seus direitos fundamentais
vel a todos, mas no Evangelho que encontramos a sua
expresso mais plena e os mais poderosos motivos para
comprometer-nos na sua preservao e promoo" (') Em
poucas palavras, anunciar o Evangelho, misso fundamental da
Igreja, levar o ser humano a tomar conscincia da sua
dignidade inalienvel.
Na defesa da "escola livre, do
sindicato autnomo, da auto-organizao das formas
profissionais rurais, dos direitos da inteligncia ao exerccio
da crtica social ou da expresso de minorias validamente
configuradas no contexto da vida social", a Igreja pretende
contar com a colaborao de todos os cristos? Quais as formas
disponveis para que essa colaborao se efetive? E a CNBB
ite a possibilidade de repartir as preocupaes com outras
entidades ou personalidades no diretamente vinculadas a ela?
A Igreja est a servio de todas as pessoas e de todas as
entidades que se empenham na promoo do ser humano e do bem
comum. Principalmente depois de Joo XXIII, a Igreja conclama
todas as pessoas de boa vontade, sem distino de credo
religioso poltico, a um esforo conjunto, para a libertao
total da pessoa humana. No momento atual brasileiro, ns estamos
desejando promovendo uma sempre maior e crescente participao
do povo na vida nacional.
A Comisso Justia e Paz parece
ser um dos instrumentos para essa tarefa? O Cardeal acredita que
ela tem funcionado a contento? prpria ('omisso no poderia
ser ampliada, permitindo que leigos personalidades do mundo civil
se somassem num esforo conjunto
A Comisso Justia e Paz, em So Paulo, vem desenvolvendo um
trabalho srio em beneficio de presos, de refugiados polticos
de suas famlias. Incumbiu-se ainda, com assessoria de peritos,
levantamento das principais situaes injustas desta
Arquidiocese a fim de planejar as suas atividades de modo mais
adequado. O resultado foi o j famoso livro "So Paulo 1975
- Crescimento Pobreza". A Comisso Justia e Paz
constituda de leigos que representam os diversos agrupamentos
sociais, por exemplo, estudantes, operrios, juristas e outros.
Desejamos, com nossos planos trabalho, que a Comisso Justia e
Paz se amplie, para atender melhor os seus diversos setores de
atividades.
Quais as medidas que deveriam ser
adotadas para assegurar de modo mais completo os direitos humanos?
A primeira, sem dvida, a volta ao Estado de Direito. Creio
que neste ponto a nao inteira, desde o Presidente da
Repblica at o homem mais simples, est de acordo.
Outras medidas urgentes?
Levar o povo a conhecer os direitos fundamentais, tanto os
Constituio quanto os da legislao trabalhista.
Em segundo lugar, parece-me urgente que o povo saiba a que
recorrer. Tivemos disso prova, quando os estudantes de Direito
acompanhados por alguns professores, comearam a ar os
sbados em diversas zonas da periferia. L recorriam a eles os
homens simples, pedindo os esclarecimentos mais rudimentares,
exatamente sobre sua situao quanto aos terreninhos, quanto ao
trabalho e at quanto vida familiar.
Em outras partes do Brasil j foram elaborados folhetos muito
simples, na linguagem do povo, esclarecendo no s a
legislao mas indicando concretamente lugares e pessoas
encarregadas nas diversas reas
No incio do atual governo, a
direo da CNBB estabeleceu um contato com o Presidente da
Repblica e alguns chegaram a anunciar uma era de maior
tranquilidade no relacionamento Estado-Igreja. Mas, logo depois,
ela comeou a ser atingida pelos sequestros, prises
arbitrrias e cerceamento das liberdades fundamentais. Isso mudou
o relacionamento?
Houve entendimentos - e no esto ainda encerrados - entre o
Presidente da Repblica e alguns de seus Ministros, com os
responsveis pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil.
Estamos inclinados a pensar que os sequestros, prises
arbitrrias e o cerceamento das liberdades fundamentais"
significam desrespeito s ordens das autoridades constitudas,
configuram atos de indisciplina, enquadram-se na ilegalidade,
traduzem desprezo pela dignidade do ser humano e ferem
profundamente as tradies humanitrias do povo brasileiro.
Como afirmamos h pouco, certo que a autoridade suprema no
os aprova, como o povo, que cristo, no os aprova.
Quais os maiores entraves para a
reconciliao nacional que a Igreja defende, em sua opinio? A
t onde podem ir seus esforos nessa trilha e na superao
desses entraves?
As conturbaes sociais geralmente deixam, aps si, resduos
de vingana e de medo. Entre os que sofreram injustias, muitos
aguardam a hora de acertar as contas. Os que se excederam na
aplicao e no desrespeito s leis e pessoa humana temem o
julgamento da Histria. So esses os entraves principais. A
vingana e o medo desencadeiam brutalidades imprevisveis. O
cristianismo ensina, com experincia secular, que a Histria
progride, quando a humanidade descobre a estrada do perdo
mtuo, ponto de partida para o encontro com a justia e a paz.
Quais os grupos de nossa
populao que, na opinio do senhor, mais riscos sofrem de ver
seus direitos desrespeitados?
Enquanto perdurarem as leis de exceo, como declararam os
Bispos no Documento Exigncias Crists de uma Ordem
Poltica", toda a populao pode sentir-se insegura. Todos
corremos o risco de vermos desrespeitados os nossos direitos.
Mas bom que olhemos para as pessoas que tm menos defesa.
Creio que sejam sobretudo aquelas que chegam do interior, busca
de alguma esperana na cidade, e no conhecem seus direitos, nem
podem lanar mo dos recursos disposio. Imagino nesta
situao os que compram terreninhos nos loteamentos
clandestinos, os que so empregados sem as garantias necessrias
e tantos outros.
O Sr. acredita que a cruzada do
Presidente Carter alterou a situao dos Direitos Humanos em
nosso pas?
Influncias tais no se medem em curto espao de tempo. Carter
apenas exprimiu o que a Nao americana quase em peso j vinha
reclamando. Atravs do documento enviado pela Anistia
Internacional ONU e pelo consenso tambm manifestado em nosso
Pas, tenho a impresso de que Carter no disse grande
novidade. Trata-se, agora, de ar das idias para a ao.
Sabermos ns prprios os caminhos que a justia e a
solidariedade nos indicam.
O Santo Padre se pronunciou, no Ano
Santo de 1975, em favor de uma anistia ampla e geral, que
permitisse a reconciliao dos que se opem, por problemas
polticos e sociais. Como est sendo encaminhada essa proposta,
no Brasil?
A Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil, seguindo os os
de Paulo VI, encaminhou um pedido de anistia, plena e ampla, para
presos, perseguidos, banidos e exilados, por motivos polticos.
Estamos aguardando os resultados desta iniciativa feliz e
oportuna.
Quais as caractersticas
principais da anistia preconizada pela
CNBB?
Anistia ampla e generosa para os presos, perseguidos, exilados e
banidos por motivos polticos ou ideolgicos. Julgamento
pblico de todos os acusados de terem praticado crimes, por
exemplo, contra a vida ou a propriedade, garantindo-lhes a
proteo legal de defesa.
A Igreja Catlica celebrou missa
com a judaica e a protestante na ocasio da morte do jornalista
Vladimir Herzog. Qual a sua posio perante a tortura?
No foi missa, mas celebrao de orao, na qual
representantes dessas religies manifestaram a sua solidariedade
humana num apelo de justia que no conhece fronteiras
manifestao do Deus de Jesus Cristo.
Minha posio quanto a tortura a da Igreja e que foi
relembrada por dois documentos dos Bispos de So Paulo: o
"Documento de Brodosqui", de 1972, e o documento de
Itaici: "No oprimas teu irmo", de 1975: A tortura
um atentado contra a vida humana e h necessidade de se
restabelecer o habeas-corpus.
A injustia, seja de que tipo for,
chega a revolt-lo? Qual o seu sentimento em face das
injustias?
Toda injustia chega a tocar-me como pessoa. Antes me aflige do
que revolta. A primeira reao a de procurar uma soluo
mesmo que isso custe minha pessoa, e assim, direta ou
indiretamente Igreja. Desde que o Cristo morreu injustiado,
toda a injustia toca o corao do cristo.
Como o Sr. encarou o atrito entre a
diplomacia brasileira e a norte-americana que resultou na recusa
de ajuda militar por parte do Brasil? Foi um fato isolado no tempo
ou um episdio de Histria?
Os Bispos do Brasil se recusaram a manifestar-se sobre o atrito,
porque no lhes compete julgar a Histria e sim fornecer a seus
fiis diretrizes para a vida particular e pblica. No vai pois
tambm aqui nenhum julgamento do fato.
Logo de incio, gostaria de lembrar o princpio exposto por
Paulo VI na "Populorum Progressio", quando se refere
exatamente a este tema, ou seja, assistncia internacional:
"Os beneficiados podem exigir (dos pases que os beneficiam)
que no se intrometam na sua prpria poltica nem perturbem a
sua estrutura social. Como Estados soberanos, compete-lhes
conduzir seus prprios negcios, determinar a sua poltica e
orientar-se livremente para a sociedade que preferirem" (').
A reao praticamente unnime do Brasil se justificou no s
pelo principio universalmente aceito e exposto pelo Papa, mas
tambm por uma sensibilidade nacional que igualmente direito
humano a ser respeitado.
No nos cabe analisar os mritos diplomticos de lado a lado,
no momento em que estavam em jogo o acordo nuclear, os preos do
caf, e quem sabe, tantos outros fatores que poderiam agravar as
repercusses de um fato deste porte.
No entanto, no poderamos navegar cegamente por entre as
alteraes profundas do fluxo das idias. Muita coisa mudou nos
ltimos anos, e muito mais est para mudar.
At h pouco, o relacionamento entre as naes era ditado
pelos que podem mais e pelos que possuem mais. E todos acabaram
por reconhecer que esse sistema injusto, prejudicando at aos
que impunham suas leis aos mais fracos.
Episdios importantes no final da dcada de 60 e no incio
desta resultaram na quebra de muitos estatutos internacionais.
Para nos movermos apenas no campo econmico agora focalizado,
bastaria lembrar a relao dlar-padro-ouro, o sistema
monetrio internacional, o sistema de trocas, GATT, etc... Alm
das mudanas na rea econmica internacional, ampliam-se os
conceitos de nao e formam-se redes de intensa solidariedade
para alm de todas as fronteiras nacionais e ideolgicas.
Enquanto os organismos internacionais titubeiam e at fracassam,
substituem-se a eles movimentos espontneos e, no raro,
consistentes.
hora de reviso e at de revises surpreendentes em reas
que, ainda h pouco, eram consideradas impermeveis.
Na hora desta reviso, surgem grandes esperanas, tambm para
ns, que como muitos outros pases nesta faixa, nos sentamos
lesados. mesmo hora de nos organizarmos, para entrar com maior
fora na mesa da reviso. A Nao precisa ter fora e a
fora da Nao expressa pela capacidade do Estado. A fora
do Estado, no entanto, decorre da representatividade e da
criatividade no campo do direito e da poltica.
No creio pois que o atrito entre a diplomacia brasileira e
norte-americana seja fato isolado. Mas tambm no acredito que
seja episdio histrico de consequncias unicamente funestas. O
mundo est para reconstruir-se como um todo, e o Brasil tem
direi. to e capacidade de fazer valer sua voz neste todo.
H pouco, perguntamos se a cruzada
do Presidente Carter alterou a situao dos Direitos Humanos no
Brasil. Como o Sr. a encara de maneira mais geral e
particularmente nos Estados Unidos?
No s o Governo, mas sobretudo o Povo dos Estados Unidos est
assumindo nova atitude. A Nao volta-se para a defesa dos
Direitos Humanos. Durante a comemorao do II Centenrio, ns
o verificamos em todas as regies da grande Nao. O Senado
americano acabou sendo, como normal, o eco deste anseio
popular. O Presidente Carter, por sua vez, com o messianismo que
ainda deve redefinir-se melhor, empunhou esta bandeira. Pelo que
tudo indica, para valer. Sinal dos tempos? Acredito que o
movimento no pare mais, pois atingiu a parte melhor da Nao e
encontra correspondncia em todas as demais Naes livres. A
pedra rolou d~ montanha. Tanto nesta Nao como em tantas outras
de influncia marcante, acertar o o com a Histria significa
assumir os Direi. tos Humanos para valer.
ou o tempo em que a massa indiferente ainda aceitava t
acusao de comunista a quem defendia tais posies. Hoje,
comunista ou fascista quem no as observa, O povo americano no
quer mais primavera de Praga, nem guerra do Vietn, e certamente
tambm no quer mais novo Watergate, discriminao racial, nem
derrubadas de governos pela CIA.
Que desdobramentos poder ter a
nova colocao dos Direitos Humanos no mundo atual?
Em primeiro lugar, a atitude americana se obriga a desdobramentos
internos. O prprio Pas ter que rever inteiramente o conceito
de violao de Direitos Humanos, que no se concentra apenas na
prtica da tortura, por mais incompreensvel e injustificada que
esta seja. A ao predatria a povos que lutam contra a pobreza
e suas consequncias dever fazer parte essencial desta nova
sensibilidade. Talvez cheguem tambm a Ter respeito pelo preo
do nosso caf, principal produto do trabalho de um povo. Mas
igualmente certo que o mundo inteiro comear a discutir em
reunies de alta cpula, como ainda em ocasies de
contratao de servios internacionais e de auxlios, as
implicaes dos Direitos Humanos em seu sentido mais universal.
Retomamos aqui a palavra de Paulo VI, quando lembra que a
sensibilidade pelos Direitos Humanos hoje to universal, que
ningum mais pode ignor-la.
Como v a atitude brasileira, no
episdio do atrito diplomtico de 1977?
Numa primeira hora, reforou sem dvida nossa unidade nacional.
O prprio Presidente Geisel deve ter sentido essa disposio
claramente positiva, sentindo-se com muito mais fora para
participar do jogo entre as Naes. Se aproveitarmos bem a
lio, pode ter chegado a grande hora nacional, hora de
repensarmos o episdio, e, fechadas as portas, partirmos para o
aprimoramento da sociedade civil organizada, tarefa essa que
compete a toda a Nao.
Hoje, Carter empunha uma bandeira e acorda energias que Nixon
jamais teria podido acordar. Apesar de todos os seus possveis
erros diplomticos, o povo americano provavelmente continuar ao
lado dele.
Mas, a Histria americana no a nossa. Lembra-nos porm que
tambm temos valores fundamentais e grandes reservas histricas
capazes de nos tornarem felizes como Nao e at poderosos como
Estado. O reexame que se impe a todos no h de ser pois
precipitado, mas dever levar-nos ao aprimoramento de nossas
instituies e imagem verdadeira do que o povo brasileiro.
O Sr. j disse mais de uma vez que
a Igreja no tem uma ao poltica no sentido partidrio, na
atualidade. No entanto parece claro que a Igreja no Brasil exerce
uma ao poltica. O Sr. poderia nos apresentar, de seu ponto
de vista, os limites e os objetivos dessa ao poltica da
Igreja?
Exercer ao poltica influir e participar do processo de
desenvolvimento e integrao de um pais. Cada grupo dar a sua
contribuio; dentro da viso crist da vida, a Igreja fornece
critrios. Inspirado neste principio que o episcopado
respondeu questo no documento "Exigncias Crists de
uma Ordem Poltica".
Afirma-se que o Sr. dedica especial
ateno aos movimentos operrios, procurando aproximar a Igreja
dos trabalhadores, tambm com a inteno de ocupar um espao
que interessa especialmente aos comunistas. Naturalmente, na
pergunta no se tem a inteno de ocupar um espao que
interesse especialmente aos comunistas. Naturalmente, na pergunta
no se tem a inteno de deixar implcito que a Igreja atua de
modo oportunstico, porque ela tem uma misso pastoral mais
ampla. Mas correto que a Igreja nesse setor procura
antecipar-se ou disputa com os comunistas?
Se a Igreja se interessasse pelos trabalhadores somente porque os
comunistas tambm o fazem, estaria tomando uma atitude
oportunista e pouco autntica. Ela se preocupa com a sorte de
todos principalmente dos menos afortunados, pregando uma maior
justia na distribuio da renda. As encclicas sociais nada
mais so que aquela preocupao transformada em doutrina que,
por sua vez evolui na medida em que crescem os desafios e se torna
mais complexa a realidade.
O Sr. acusado, algumas vezes,
at mesmo por autoridades governamentais. de fazer
"reivindicaes irrealistas", como um nvel digno de
bem-estar para os trabalhadores. No entanto, em entrevista um
jornalista estrangeiro, o Sr. disse certa vez que ite um
perodo de sacrifcio para a classe trabalhadora, durante o
processo de desenvolvimento do Brasil. O Sr. pode explicar mais
detalhadamente sua idias sobre esse assunto?
Defender o embasamento terico no fazer
"reivindicaes irrealistas", O homem, por ser
racional e livre, deve encontrar na viso terica dos problemas
a luz para a sua ao. Todo o ser racional deve agir definindo
os objetivos. Voc no comea a construo de um edifcio
sem planta, clculos, oramentos, etc.. Ora, tudo isso
terico, porque o edifcio ainda no se fez. Na ordem do
"fazer se" logicamente h etapas a serem superadas, mas
a doutrina que ilumina a ao deve ficar clara e definida.
Durante a homenagem que lhe foi
prestada em So Paulo, por ocasio de sua volta dos Estados
Unidos, onde foi condecorado a< lado do Presidente Carter, o
Sr. afirmou que as manifestaes ordeiras dos estudantes nas
ruas do pas so uma prova de que est na hora das liberdades
democrticas, da ampla e irrestrita anistia e do fim da, torturas
acontecerem no Brasil. Como apenas essa prova no foi considerada
suficiente pelos sustentculos do regime, o Sr. identifica outros
indcios que reforcem a prova?
Realmente, as manifestaes ordeiras dos estudantes mostraram
que est na hora de acontecer no Brasil a liberdade democrtica
e a plenitude do estado de direito. A exigncia mais forte,
porm para a consecuo daqueles objetivos, parte da prpria
conscincia de todos.
O Sr. considera o regime de
exceo eficiente contra os dois males que o justificaram em
1964, a subverso e a corrupo?
Um regime de exceo no o melhor meio de combate
corrupo e subverso. Acredito que a normalidade da vida
poltica oferece melhores condies de combate a estes males.
Realmente existe, na sua opinio, um horror dos militares
brasileiros mobilizao, no s da classe trabalhadora, mas
de qualquer parcela organizada da sociedade civil? Em caso
positivo, que motivos o .Sr. entende que provocariam esse horror e
como poderiam ser eliminados?
No sei se existe horror de alguns brasileiros mobilizao,
no s da classe operria, mas de qualquer parcela organizada
da sociedade civil.
O Sr. tem motivos para acreditar
que os militares brasileiros sejam fundamentalmente democrticos?
Acredito que as Foras Armadas procuram seguir a tradio da
democracia. Na conjuntura atual, reconheo a complexidade dos
problemas.
Como o Sr. descreveria as
relaes entre a Igreja e o Estado (e especialmente entre a
Igreja e o aparelho de Estado que detm o monoplio da coero
organizada) ao longo do regime de 1964?
A partir do Concilio Vaticano II, a Igreja ou por uma
renovao muito grande, principalmente em sua ao pastoral.
Isto tem gerado desconfianas e dado ocasio a muitos equvocos
entre a Igreja e o Estado. Acho que ningum desejaria perpetuar
este estado de coisas.
Comentou-se que o Sr. teria enviado
um relatrio ao Papa Paulo VI sobre os direitos humanos no
Brasil. verdade? O Sr. poderia divulga-lo, ou, pelo menos,
resumir seu contedo?
No enviei relatrio nenhum sobre esse assunto Santa S.
Alis, assuntos nacionais devem ser tratados por nosso rgo
oficial junto Santa S, isto , pela CNBB.
Que impresso o Sr. teve do
Presidente dos Estados Unidos, com quem foi homenageado na
Universidade de Notre Dame? Acredita o Sr. que Jimmy Carter
pretende aplicar ao p da letra os princpios da Constituio
norte-americana, inclusive o prembulo, onde est a declarao
de que todo povo tem o direito de derrubar o seu tirano?
Minha impresso foi a melhor possvel. Pareceu-me um homem
decidido a levar avante a bandeira dos Direitos Humanos. Creio que
no poder voltar atrs da doutrina que assumiu, mesmo porque
j est produzindo efeitos em todo o mundo. Para governar os
Estados Unidos ele certamente cumprir a Constituio de seu
pais.
Com as manifestaes polticas
de empresrios, eatas estudantis, o manifesto dos
jornalistas, o manifesto dos fsicos, ainda a dos mdicos, e
tudo mais que houve, recentemente, a impresso que se difunde
a de que dois sustentculos civis do movimento de 1964 - parte da
classe mdia e o empresariado - desejam a normalizao
democrtica do Brasil. essa tambm a impresso do Sr.?
Existem outros indcios que o Sr. possa acrescentar aos
mencionados, e que reforam essa impresso?
Acho que todos desejam a normalizao democrtica do Brasil.
Pelo contato direto com o povo, sinto bem viva esta aspirao.
O Sr. declarou, em cerimnia
pblica, que uma anistia geral ampla deve incluir tambm as
pessoas que, dentro do regime, fizeram mal aos adversrios. Como
o temor do revanchismo aparentemente um dos maiores obstculos
restaurao democrtica, o Sr. pode fundamentar mais sua
posio?
Gostaramos de ver vencida esta etapa de nossa histria
poltica com grandeza, porque, afinal de contas, o que queremos
a plenitude de um regime democrtico e do estado de direito, O
revanchismo iria supor o exerccio de um poder arbitrrio. O que
se pretende o gozo em plenitude dos direitos e deveres
definidos em nossa Carta Magna. Ora, devemos ser levados por
aquilo que defendemos, do contrrio, no haveria autenticidade.
Vem-se falando muito da famlia. O
Sr. mesmo escreveu um li sobre o assunto. O Sr. no acha que um
dos mais fortes fatores da instabilidade da famlia e do prprio
indivduo, hoje, o medo? No somos uma gerao de
amedrontados? Medo de fome, de desemprego, medo de que Deus no
exista, medo de gerar filhos, medo de que a educao que se d
hoje no serve para o dia de amanh, medo de terrorismo
verdadeiro e forjado, medo de priso arbitrria, medo de perder
posies, medo diante da discusso de verdades sempre tidas por
indiscutveis, etc. Se isso for um fato, que poderamos ou
deveriam fazer para amainar o medo? No haveria aqui um imenso
campo ecumnico e poltico?
De fato, os inquritos tm provado que mais da metade da
populao nas grandes cidades vive em constantes sobressaltos,
ou seja, num clima de medo. Algumas providncias me parecem
indispensveis, a curto prazo: Seleo, treinamento e
acompanhamento de policiais encarregados de proteger a populao
contra o medo; dar condies s profisses e ministrios
intermedirios, como o assistentes sociais, religiosos,
sacerdotes, juizes, advogados, que no pertencem nem ao mundo da
produo, nem ao do consumo para que estejam bem prximos ao
Povo e possuam os recursos necessrios nas horas de emergncia;
proporcionar imensa multido dos homens que se locomovem e
cruzam o espao e os meios de locomoverem ou encontrarem em
segurana.
No entanto, o essencial seria nova confiana do homem e uma
solidariedade educativa. Em ltima anlise, voltamos ao
postulado fundamental do Evangelho: f na Providncia, e no
homem a quem Deus ama.
A igreja participou de alguma
programao em favor da Criana, em um nvel mais amplo, por
exemplo, em colaborao com a ONU?
Na Igreja h vrias organizaes que se ocupam da infncia.
Cada instituio, a seu modo, segundo suas possibilidades,
participa das iniciativas da ONU. Mas sobretudo o empenho pela
e pela vida digna, que nos leva ao corao do problema.
Como a igreja encara o problema dos
400 mil menores abandonados da Grande So Paulo?
O encaminhamento e a soluo dos problemas sociais esto a
cargo dos poderes pblicos. Por isso, quando se trata de assisti
ao menor, as autoridades eclesisticas oferecem sugestes ao
governo e se apresentam tambm para a devida colaborao. Alm
da Igreja, atravs de suas organizaes, procura amparar o
menor abandonado. Em So Paulo, destaca-se entre outras, o
"Educandrio Dom Duarte". Indiretamente, a Igreja
participa do problema procurando fortalecer a famlia, lugar
natural de proteo criana. Aproveito a oportunidade para
falar sobre a adoo. Se lar, entre ns, recebesse e amparasse
um menor, no se resolve pelo menos alguns casos? A campanha da
"adoo" merecer apoio.
So Paulo conta com uma populao de aproximadamente 20
milhes de habitantes. De 0 a 18 anos somos cerca de 10 milhes.
Para os menores carentes e abandonados h uma rede de recursos
situados em todo o Estado. So as obras sociais particulares,
prprias da FEBEM, internando 6 mil menores e 504 obras populares
que mantm convnio com a FEBEM-SP, acolhendo 33 mil menores, em
270 municpios paulistas.
Situao daqueles que foram
internados:
a) 22% so abandonados
h) 13% tm a famlia desorganizada
e) 11% tm a famlia incapaz economicamente
d) 6% tm os pais doentes
e) 16% tm comportamento anti-social.
quase consenso que a sada para
resolver o problema do menor abandonado a profissionalizao.
Como o Sr. encara o problema?
Fala-se em "problema do menor" e s vezes o adulto fica
esquecido. Acho que a preparao dos adultos, nas reas de
pedagogia e sobretudo na profisso e participao social seria
o o mais importante. A profissionalizao do menor no deve
impedi-lo de ser tambm criana, atendendo-se a todas as
exigncias decorrentes dessa idade, como lazer, estudo e
educao.
O que o Sr. nos diria do seu
contato com os jovens?
J trabalhei, e sempre com muita alegria, entre os jovens. O
futuro est com eles. Dediquei-me pedagogia justamente para
ajudar a juventude. Mantenho contatos quase semanais com jovens e
fao-o com esperanas renovadas. Nem os jovens do ado, me
amigos, me decepcionaram, nem os de hoje vo me decepcionar.
Segundo o Presidente da FUNABEM,
Fawler de Meio, em depoimento na I do Menor em Braslia,
existem na regio metropolitana de So Paulo, 3,5 milhes de
homens, mulheres e crianas marginalizadas ou em processo de
marginalizao; que causas a Igreja aponta como responsveis
por esse desajuste social?
H muitas causas influenciando o problema. E uma delas certamente
so os desnveis econmicos nas diversas regies de nos terra.
A populao pobre de uma regio emigra, em busca de trabalho e
sustento. E nas grandes concentraes urbanas faltam s vezes
as condies de uma vida digna. Outra causa, concomitante, a
distribuio desproporcional de renda, mantida principalmente
atravs de salrios baixos.
Existe no Brasil, e especialmente,
em So Paulo, o problema prostituio de menores, como nos
Estados Unidos?
Existe e tem aumentado muito, no s na Capital, mas e todo o
Estado de So Paulo. comum a prostituio de meninas 12
anos. Sendo comrcio altamente lucrativo, muito difcil sair
prostituio sem o apoio da comunidade ou do Estado. O
zoneamento condenado, contrrio orientao da Igreja.
degradante para a mulher, que se torna objeto estigmatizado. O
problema prostituio ser tanto maior quanto maior a
cidade.
Se existe esse problema em So
Paulo, como localizar suas causas?
A prostituio tem vrias causas sociais: misria,
analfabetismo, falta de qualificao profissional, famlia mal
constituda e m amparada.
Quais os reflexos desse problema na
ordem social e cultural cidade?
A degradao dos costumes e dos valores morais; as injustias;
os crimes contra a pessoa humana?
Como o Sr. v o problema de
prostituio de menores, do ponto de vista da Igreja?
Poucas instituies se ocupam com menores de 12 a 14 anos
sobretudo meninas. Elas se tornam empregadas domsticas: os meio
e hbitos muito acima dos do seu meio original, advm as
especulaes de conforto e luxo, incapacidade de trabalho
melhor, falta de instruo, solido, prostituio e dinheiro
fcil.
Qual a soluo que a Igreja
prope para se resolver o problema?
Despertar das comunidades para o problema do menor. Este problema
muitas vezes mal interpretado. As pessoas tratam mal os menores
na rua, considerando-os como vadios, preguiosos que no querem
trabalhar, ladres. Muitas vezes, eles no encontram trabalho,
no sabem como faz-lo, tm que levar dinheiro para casa de
qualquer jeito, para o sustento da famlia. preciso que a
sociedade compreenda que. antes de mais nada, os menores
infratores so vitimas da m organizao da sociedade.
Precisamos ir s casas, prevenir o problema, com melhor
educao, amparo s mes gestantes, famlia pobre, etc.
H grande preocupao com o menor infrator, porque ele
incomoda, rouba, agride e at pode matar. H um pnico ento,
generalizado. Quando a "onda" de trombadinhas diminui,
as pessoas am a preocupar-se menos com o problema do menor.
A Pastoral dos Direitos Humanos e
marginalizados, uma das prioridades da Igreja de So Paulo, est
muito preocupada com problema do menor. As Parquias, sobretudo
da periferia, v conscientizando e alertando para o assunto.
Deveramos apelar sempre a todos os movimentos catlicos, para
que se detenha mais sobre a questo, meditem sobre suas causas e
consequncia e levem seus membros a fazer alguma coisa para
melhorar a situao dentro de seu mbito social e pessoal.
A partir das metas prioritrias da pastoral, cada Diocese, Setor
ou Parquia poderia ter uma equipe para:
a) informar e conscientizar, isto
, despertar em cada um obrigao de participao, de assumir
o problema.
b) incentivar e organizar todo tipo de trabalho no s curativo,
mas sobretudo preventivo.
c) fortalecer a famlia e os valores religiosos, por conseguinte,
morais.
Dom Paulo, que pensa da migrao
em nossa Terra?
A migrao um fenmeno que atinge todos os plos mais
desenvolvidos do Pas. De incio eram os grandes centros de So
Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre que atraam os homens
do interior. Hoje, as periferias pobres das cidades tambm de
porte mdio nos provam a migrao se torna tumultuada por toda
parte.
Voc pergunta que pensar dela? Em primeiro lugar, ns ditamos na
prpria fora do migrante. A migrao desperta novas energias
e talvez at viso diferente da Histria. Pode significar
progresso. J ternos verificado que as regies que recebem
migrantes desenvolvem mais depressa do que aquelas que crescem
apenas ndices vegetativos.
Urna segunda verificao tambm parece decisiva: No podemos
proceder com paternalismo ou receitas prontas. O prprio migrante
deve tomar sua histria na mo. Mas tambm reconhecer que
muitas vezes se torna ele joguete das circunstncias ou vtima
das exploraes. Talvez at se fascine pelas facilidades do
novo ambiente. Neste caso, a presena da Igreja ou de pessoas
realmente interessadas na sorte dele se torna indispensvel. O
que poderia eIe fazer sozinho, se o ambiente mais forte do que
ele, ou se a situao talvez seja quase de explorao?
Adianta tornar pblica a
situao de nossos migrantes??
Os rgos de comunicao tm realmente muita
responsabilidade: revistas, jornais, e mesmo a TV comeam a
interessar-se So Paulo pela "OPERAO-PERIFERIA" -
Pastoral da Igreja em favor dos migrantes - e da resultaram
inmeras iniciativa parte das autoridades, como tambm de
voluntrios, especialmente da Igreja.
Houve, certamente, progressos, mas sempre difcil agir sem
populismo, quer dizer, conseguirmos os servios essenciais em
detrimento dos mais vistosos, como por exemplo, gua, esgoto,
transporte, sade e mesmo educao.
Tambm existe a questo das presses econmicas e outras.
Tempos atrs, mostrvamos a um Prefeito, em vsperas de tomar
posse, que ele teria que escolher entre 700 a 1.000 migrantes
dirios, sem nenhum meio de propaganda, e, quem sabe, entre 700 a
1.000 donos de carros, que vivem buzinando, e noite,
encontram-se noticirio nacional. Perguntei-lhe ento: Por quem
o senhor ir decidir-se: pelos migrantes pobres, ou pela classe
mdia alta, que pe at de horrios nacionais na TV?
Talvez tenhamos que chegar a solues bem mais radicais.
exemplo, a de que os transportes coletivos venham a tomar o lugar
dos particulares. Hoje, l2% de usurios ocupam a maior parte de
nossas disponibilidades virias, enquanto que os restantes 88 ou
90% so vtimas de transportes demorados, inadaptados, e quem
sabe, at enervantes e sufocantes. Mas isso outro captulo.
A Comisso Justia e Paz, at o
momento, quase sempre se ocupou de casos de emergncia. Muitas
vezes, de prises polticas ou outras. Recebe as pessoas,
orienta-as, prope advogado, ou presta assistncia jurdica.
Por determinado tempo eram 10, 20 ou 30 pessoas que procuravam
diariamente a Comisso. Com a mudana de Comando do II
Exrcito, esta situao foi modificada. Houve alvio. A
Comisso Justia e Paz ento a a analisar os grandes
problemas da cidade. Fruto desse trabalho, como citei h pouco,
"So Paulo-1975: Crescimento e Pobreza", das
Edies Loyola, livro que serviu de estmulo para estudantes
universitrios e largas faixas de nossos intelectuais. Pena, que
o governo tambm no se tenha utilizado, como poderia, dele.
Agora, a "Justia e Paz" entrou numa segunda fase.
Procura alguns encaminhamentos. Talvez a prxima publicao j
traga solues a partir das bases. Solues reais para os
grandes problemas da periferia, portanto, da onda de migrantes
para nossa cidade.
Motivadas pela Encclica
"Exsul Familia", de Pio XII, quase todas as
Conferncias Episcopais da Amrica Latina criaram e ainda
mantm organizaes de assistncia a migrantes, a nvel
nacional. Por que, no Brasil, a ('NBB no possui uma
organizao semelhante, a nvel de CNBB? Tal tipo de
organizao seria talvez obsoleta para a realidade pastoral de
nosso Pas?
Nossos modelos maiores, quase sempre, so europeus. No sei se
bem adaptados nossa realidade. Certamente deviam ser
aproveitados no que nos toca.
Parece impor-se, neste momento, para So Paulo e para o Brasil, a
criao de grupos de pesquisa e estudos semelhantes aos do CERIS
(sociolgicos). Tambm nossas Universidades deveriam ser
estimuladas a lanarem estudos novos sobre as causas da
migrao e seus efeitos. Gostaria de ver analisado sobretudo o
"mito" da cidade, que exerce tamanho fascnio sobre os
homens do campo. Talvez fosse til avaliar ainda os recursos de
sade e educao de nosso interior. As possibilidades de os
homens voltarem a amar a Terra, sem sacrificarem a si mesmos e a
seus filhos. Veja a luta de nossos Bispos, Padres e Religiosos do
Mato Grosso, Gois e alhures. A partir desses dados, poderamos
organizar equipes regionais e diocesanas para solues mais
adequadas e, quem sabe, at bem urgentes.
No setor de assistncia social aos
migrantes internos, especialmente no tocante a atividade com
albergues noturnos e centros de acolhimento de migrantes,
constata-se uma atuao de vulto maior de organizaes
espritas do que de catlicas. Que explicao se pode dar a
esse fato?
Talvez a seguinte: exatamente no perodo de migrao mais
intensa, com o fenmeno da urbanizao tumultuada e da
industrializao, a Igreja Catlica optou por morar com o povo
e sofre com ele. No quis mais criar tantas organizaes em
favor do povo porque acabam quase sempre se transformando em obras
assistenciais, ou seja, obras que cuidam de dar comida, agem e
coisa equivalentes. Tais iniciativas muitas vezes eternizam os
problemas porque no atacam suas razes, ou seja, as causas.
No entanto, de uns sete anos para c,, justamente com a
"OPERAO-PERIFERIA", ns procuramos construir
Centros Comunitrios que possibilitem, por exemplo, prover a
documentao indispensvel aos que chegam cidade, cuidar de
uma semi-profissionalizao e criar ambiente para a entre-ajuda
to necessria nestas horas.
Corno evolui o fenmeno da
migrao? Que fazer?
certo que os corredores de migrao constituem o grande drama
dos dias de hoje. Milhares de pessoas por semana e centena de
milhares, milhes por anos a fio, sofrem todas as provaes de
uma viagem no preparada, sem dinheiro e tambm muitas vezes sem
finalidade segura. Diramos que estamos frente de um novo
xodo, mas, desta vez, sem um Moiss, e com efeitos opostos ao
que levaram o Povo de Deus a sair do Egito para sua Terra.
Enquanto, naquele tempo, se faziam comunidades, agora se
desagregam comunidades. Naquele tempo se criavam plos de
unidade. Durante anos e anos. Talvez por 40 anos. Hoje, em oito
dias se arrancam as razes, se dispersam as pessoas e muitas
vezes se cria caos.
Que fazer? Haveria todo um capitulo sobre as informaes serem
fornecidas a esses migrantes? Ou outro grande captulo a se
escrito sobre as orientaes, tanto nacionais quanto diretamente
dirigidas aos grupos'?
Preferiria unir a resposta anterior ao que aqui se poderia dizei
sem bons estudos, difcil surgirem organizaes teis, que
cobrar o vasto territrio donde provm as pessoas, como tambm
as cidades para onde elas se dirigem.
Certo que no podemos permanecer indiferentes a estas Iongas
procisses de misria que atravessam o Pas, para terminarem
num acmulo de dificuldades e carncias, nas periferias das
grande cidades.
Que poderiam fazer as
organizaes eclesiais, por exemplo, a parquias?
Apesar de quase todas as parquias organizarem seu quadro de
promoo social, o fenmeno da migrao parece ultraar as
capacidades de uma s parquia. Foi por isso que organizamos a
"OPERAO-PERIFERIA". Ela tenta formar, como j
explicamos, Centros Comunitrios nos lugares onde chegam os
imigrantes, mas com a ajuda de uma ou mais comunidades do centro
da cidade. Teramos, assim, trs fases de cooperao
imprescindveis:
- primeiro, o prprio povo toma as iniciativas de que capaz;
- depois, outras comunidades com recursos humanos e materiais mais
amplos emprestam sua colaborao sem tirar evidentemente a
responsabilidade principal primeira comunidade;
- finalmente, a grande comunidade, ou seja, a Regio Episcopal e
a Igreja toda, cobrem os espaos vazios que ainda restam, O
importante envolver a comunidade num problema criado por ela
nos tempos novos.
No entanto, existem algumas comunidades paroquiais capazes de
enfrentar em grandes linhas e com bons recursos o prprio
problema migratrio. Gostaria de chamar a ateno, por exemplo,
para o que faz o Jardim Peri, na extrema periferia da Regio
Norte de So Paulo: por diversos convnios chega a remunerar 25
pessoas qualificadas e, entre elas, duas assistentes sociais,
alm de grande nmero de voluntrios, O bem que a se faz no
se mede por nmeros, embora estes sejam impressionantes.
Tambm nos esforamos para reativar as parquias junto s
estaes das rodovias e ferrovias da capital. Unidas em Setor,
podem lanar mo de recursos adequados para a hora da chegada e
para o primeiro encaminhamento das pessoas ou famlias.
Compete ainda Igreja criar clima favorvel integrao
justa do migrante na sociedade, e, neste ponto, a insistncia das
parquias parece que d continuidade maior do que os simples
pronunciamentos de pessoa da cpula. Importa mesmo, lembrar
constantemente que somos todos responsveis por um problema que
de todos.
No MOTU PROPRIO "Pastoral dos
Migrantes", de 15.8.1969, o Papa Paulo VI demonstra que o
problema migratrio acima de tudo uma questo poltica que
deve ser equacionada em termos de desenvolvimento das reas
rurais. Afirma o Papa naquele documento. 'Em primeiro lugar cada
um deve empenhar-se a partir dos poderes pblicos, para que os
meios rurais disponham, como convm, dos servios essenciais:
estradas, transportes, comunicaes, gua potvel,
habilitaes, cuidados mdicos, instruo elementar,
formao profissional, servio religioso, recreao e tambm
tudo o que necessrio casa rural para sua modernizao e
arranjo. Se tais servios, que constituem em nossos dias os
elementos essenciais de um nvel de vida digno, faltarem nos
meios rurais, o desenvolvimento econmico e o processo social
tornam-se quase impossveis ou muito lentos, da resultando o
xodo quase irreversvel e dificilmente controlvel das
populaes do campo"- Dom Paulo, como o Sr. aplicaria essa
orientao do Papa realidade brasileira, a qual ocupa
volumoso xodo principalmente das zonas rurais de Minas, Bahia e
do Nordeste em geral?
O Brasil, neste momento, deve estar atingindo 60 ou 70% de
populao urbanizada. Seria desejvel que os demais se
convencessem, atravs de melhorias substanciais em suas reas,
que no convm arem do campo para a cidade. Seria uma grande
conquista.
Para o Estado de So Paulo, as condies j so piores.
Segundo clculos aproximativos de alguns socilogos de renome,
atingimos 83% de urbanizao em todo o Estado. Os prprios
"bias-frias" pertencem a esse nmero e sofrem todas
as consequncias de uma situao precria.
No sem se ainda chegamos a convencer os proprietrios e o
governo de que a mecanizao em grande estilo no soluo
muito brasileira. li evidente que com isso no nos opomos aos
benefcios que pode trazer a maquinaria adaptada aos terrenos e
s propriedades menores.
Tambm sei que os artesanatos no chegam a convencer, por ora,
mas mereceriam grande estimulo, porque trazem tanto a marca do
ado como a do futuro. Haveria ainda uma sugesto para que se
incrementassem as pequenas e mdias indstrias agropecurias
nos prprios locais de produo.
Para quem olha para o ar e as guas poludas, para quem afinal
capaz de comover-se com a natureza morta, seria justo pensar,
com muito mais interesse, nas solues pequenas, pois elas
poderiam preservar os bens fundamentais da vida biolgica,
psquica e espiritual dos homens. uma campanha que deveramos
comunicar tanto as nossas universidades quanto a todos os tipos de
sociedades interessadas no meio-ambiente.
Soubemos que o Sr. est apoiando a
criao de um Centro Pastoral de Migrantes, com sede na Igreja
de Nossa Senhora da Paz, no centro de So Pau/o, o qual ser
istrado pela Congregao dos Padres de So Carlos, que tem
por finalidade a assistncia aos prprios migrantes. Dom Paulo,
o que o Sr. espera desse centro pastoral? Que outros setores
exigem, em So Paulo, maior presena desses missionrios dos
Migrantes?
Estaria quase disposto a devolver a
eles a pergunta. Em vez de eu dizer o que deles espero, poderiam,
quem sabe, eles informar a cidade e tambm os leitores sobre o
que podem e devem fazer nesse momento crtico da histria das
migraes.
Para comeo de conversa, deixem-me adiantar o seguinte. Em
primeiro lugar, espero que sensibilizem todas as comunidades,
prestando informaes e fazendo propostas em favor dos
migrantes.
Para tanto seriam necessrios sem dvida alguns estudos e
tambm pesquisas de campo.
Em segundo lugar, esperaria algumas iniciativas adaptadas a
Centro, como sejam, assistncia jurdica e uma pastoral em campo
e rea determinada.
Depois, chegaria a propor algumas aes, conjugadas com
comunidades j sensveis, em favor dos migrantes, na hora em que
chegam e saem da Capital, coisas que poderiam parecer de
emergncia de incio, mas que ao depois levassem a uma ao em
profundidade. Praticamente, desejaria a presena do Evangelho ou
do amor de Cristo junto aos que andam por caminhos desconhecidos,
mas que tm direito justia e solidariedade.
Afinal, o povo de So Paulo ou
no sensvel ao problema dos Migrantes?
O que nos faz amar So Paulo no o cimento e o ferro que a
projetam para os cus. Eles significam, antes, um orgulho e uma
luta desumana que tantos lhe recriminam, O que nos leva de fato a
amar So Paulo o homem que nela habita e as possibilidades
imensas de servir a este homem. N4ais ainda, e muito mais: o que
nos leva a amar So Paulo o que est dentro do corao dos
paulistanos, sempre desejosos de fazerem mais e melhor. E esses
paulistanos sero capazes, como poucos outros, de acolherem o
Cristo Migrante. Por ora, ele ainda dorme debaixo dos viadutos,
nas estaes rodovirias e at junto s portas de nossas
Igrejas.
Quisramos dar todo o nosso apoio s iniciativas j existentes
e s novas que vo surgindo. t claro, que elas devem ser teis,
srias, e at mesmo pragmticas, para serem bem acolhidas. Mas
igualmente certo que elas podem trazer a marca da solidariedade
e do amor altrusta, porque o corao do paulistano e do
brasileiro em geral continua muito generoso e fundamentalmente
cristo.
Terminaria dizendo: Nesta questo de pastoral dos Migrantes,
chegou a hora de propormos mais, de propormos coisa melhor.
At agora, parece, as grandes e pequenas lutas e sonhos
internacionais girando em torno da economia e do poder. No
entanto, vislumbramos uma nova era em que as lutas se travaro em
torno da dignidade humana. Isso uma imaginao otimista ou
uma fundamentada esperana?
Jamais o homem quis viver sem honra e sem dignidade. Na era da
urbanizao, esse seu direito no poderia mais ser garantido
atravs de influncias e amigos. Mesmo os juzes e os corpos
intermedirios da sociedade sentiram a sua insuficincia. Foi
ento que partiu o clamor de dentro do organismo todo,
reivindicando para todos o que a todos pertence: a dignidade
Hoje, este clamor no s aumenta, mas tambm captado p urna
sensibilidade sempre maior. Encontra, verdade, barrem quase
insuperveis em todas as formas de totalitarismo. Otimismo e
esperana? Creio que h mais lugar para esperana do que para
otimismo.
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