Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

2k3q71

EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

Quanto viso da Histria que os homens tm hoje. o que ela deve ser mais curta hoje em dia?
Acho que h duas concepes humanas. Uma a de eu lhe dizer: Voc a, mas Voc fica na memria de seu filho, se seus amigos. Depois ou tudo.
Assim no vale a pena ar pela vida, porque o que eIa oferece de gozo to pouco, em comparao com o que ela oferece em tarefas, em dificuldades, em lutas, etc... Mas uma maneira siderar.

Outra de considerar ser Voc responsvel por todo o Voc ser responsvel por tudo o que acontece. Esta a nossa maneira. Quer dizer, a eternidade comea hoje. Voc responsvel por tudo o que acontece para o futuro. E assim eu acredito numa eternidade que vai chegando. A justia se faz, no transcurso da Histria. Um dia vem algum que faz justia e isto vai pegar voc no caminho, se voc errou essencialmente. No essas coisinhas da vida que acontecem, mas se errou numa atitude. No no ato. Numa quer dizer, se voc fera para o outro, um dia Voc ser tratado como fera, no tenha dvida. Ou na Histria, ou na memria sei. Mas, no h dvida, um dia ser tratado como fera. A maioria dos homens se contenta com essa memria curta: cuidar bem dos netinhos, dos filhos, para depois Ter uma velhice mais ou menos e desaparecer. Isto viver de sobremesa. Mas quem quer mesmo viver da Histria, deve acreditar na justia da Histria. Quer dizer, a questo no acaba assim, em quinze anos. Isto para ns vai at a eternidade. Dura sempre. No acaba. A justia no acaba. Ela comea e tem a sua tenso. No sei se vocs leram algo daquela judia formidvel, que nunca mudou de religio, porque o povo dela era perseguido, Simone Weil, sa. Viveu no meu tempo de l, o final da vida. Ela dizia assim:
"A gente tem que viver numa tenso." Alguns sentem uma tenso cutnea, sentem as beliscadas; o almoo foi bom... A conta foi cara... Outros vivem de tenses mais profundas. S uns poucos so dignos de uma tenso ideal. Acreditam no valor absoluto de uma existncia.
A tenso cutnea o comum.

Uma tenso que ela chama de diuturna, que dura, j mais rara.
E a terceira, a de viver porque preciso assumir o risco da justia e da verdade, esta de uns poucos. Mas estes poucos que modificam o mundo. Modificam conforme a resistncia que encontram, a capacidade que tm de comunicar-se, ou quando chega uma hora certa da Histria... muito difcil imaginar como estes homens podero justificar-se.
Esse, para mim, o drama.

Como o senhor encara o papel da imprensa em situaes diversas de violao de direitos humanos?
A Igreja tem que colaborar para que se esclaream as coisas. No pode, por isso, ser considerada subversiva. Isso a Igreja tem mesmo que fazer. Para que se esclaream as coisas. E eu acho que isto o jornalista tambm tem que fazer. Que se esclaream as coisas. E tambm me parece que se houvesse mais jornalistas em campo para descobrir os fatos, se tivesse mais gente para descobrir eles no aconteceriam como vm acontecendo em nossos dias. O jornalista deixou de ser um detetive profissional como era muitas vezes. Perdeu talvez o elan para correr atrs dos fatos. Um ou outro ainda o faz. Mas deveria, por exemplo, pelo menos ir atrs dos desaparecidos. Recebi, certa vez, na Cria, um homem, que vinha atrs de 159 jovens desaparecidos no Chile, no espao de menos de um ano. Ningum mais sabia onde estavam. Um jornal no Brasil publicou que eles teriam sido mortos numa luta ao norte da Argentina. A Comisso "Justia e Paz" foi l e verificou que isto no tinha acontecido na Argentina. Veio ento algum para c verificar por que o jornal daqui publicara esta verso. Veio se informar honestamente. Foi a Curitiba para esclarecer, porque a noticia saiu de l. O governo chileno queria dar um libe. Eles foram mortos l, segundo o jornal tal e tal. O chileno que me procurou achava at que o jornal nem existia, porque havia a informao de que o jornal no existia. Mas a notcia foi reproduzida. Um copiando do outro. E ele veio para c esclarecer.
Assim, fatos como este deveriam sempre ter jornalistas atrs. Onde que ficaram os 159 jovens do Chile? Onde ficaram? No Chile mesmo?

Desde quando a Igreja tem entre suas preocupaes fundamentais os direitos humanos? Quais as bases evanglicas dessa preocupao?
Em continuao ao Antigo Testamento, pode-se dizer que Cristo deixou sua Igreja o exemplo e a palavra. Ensinou mesmo que tudo o que se fizesse em favor do ser humano, por mais humilde que fosse, seria feito diretamente a Ele. Estava selada para sempre a dignidade inalienvel do homem todo e de todos os homens.

O senhor continua recebendo queixas de violaes dos direitos humanos? Qual o procedimento que adota, ao receb-las? Qual a veracidade que lhes d? Nos ltimos tempos, o nmero de queixas tem diminudo?
Recebemos - embora, felizmente, no mais com tanta frequncia como outrora - queixa de familiares de presos e dos prprios torturados, depois de recuperarem a liberdade. No podemos deixar de acreditar em vrios depoimentos, no s por causa da honestidade das pessoas que nos procuram, mas tambm porque nossos olhos viram as marcas das atrocidades. Depois, muitos dos famosos "desaparecidos", mortos em priso, no estavam sozinhos quando aram deste mundo para o outro.

Contudo, temos certeza que os sequestros, as prises arbitrrias e o cerceamento das liberdades fundamentais significam desrespeito s ordens das autoridades constitudas, configuram atos de indisciplina, alm de ferirem profundamente as tradies humanitrias do povo brasileiro. certo que a autoridade suprema no os aprova, como o povo, que cristo, no os aprova. Continuaremos reforando estas vozes e cumprindo nossa misso de falar s conscincias.

Que atividades o senhor tem desenvolvido em defesa dos direitos humanos dos presos polticos?
No me especializo em defesa de presos polticos. O que importa a dignidade humana, como igualmente a defesa dos direitos e dos deveres de todos os brasileiros. Penso que meus livros, em nmero de nove, publicados de 1970 para c, poderia fornecer a prova disso. Preocupa-me sobretudo a sorte de nossa gente das periferias da cidade e do mundo do trabalho.

Alm do pedido que o Sr. dirigiu tempos atrs ao senador Franco Montoro, o Sr. pediu a outras autoridades que intercedam a favor dos presos polticos?
Costumo dirigir-me s autoridades, quando solicitado pelas famlias. Quase sempre existe um motivo particular para tais recursos, principalmente quando se trata de pessoas doentes ou idosas. Mas tambm quando os familiares no recebem noticias a que tm direito pela Constituio e leis brasileiras.

Qual o caso mais flagrante de desrespeito dos direitos humanos que acha ter ocorrido recentemente em So Paulo?
O que mais chocou a opinio pblica foi, sem dvida, a invaso da PUC, com desrespeito total a alunos, professores, direo e, diria, at Igreja.
O caso que a mim pessoalmente mais doeu foi o do jovem Flvio, assistido durante dois anos pela O. A. F. (Organizao do Auxilio Fraterno). Desejoso de comear um trabalho, para socorrer a prpria me, novamente grvida, foi baleado e morto pelo PM Francisco de Oliveira, em fins de 1977, depois de limpar um carro, enquanto aguardava a pequena gratificao. Isso traumatizou no s a seus colegas, que vinham sendo preparados para o trabalho honesto, mas a tanta gente boa, que precisa de incentivo nesta hora e no a impactos to negativos.

O documento da Comisso Representativa da CNBB "Em favor da famlia" deixa claro, no ponto 4, que a Igreja no pretende permitir "em especial, que a meta prioritria da Pastoral da Famlia venha desviar-nos da permanente preocupao quanto ao respeito devido aos direitos humanos". Como a Igreja trabalha para responder a essa preocupao permanente?
A dignidade do ser humano a raiz de seus direitos. "A mensagem da dignidade do homem e dos seus direitos fundamentais vel a todos, mas no Evangelho que encontramos a sua expresso mais plena e os mais poderosos motivos para comprometer-nos na sua preservao e promoo" (') Em poucas palavras, anunciar o Evangelho, misso fundamental da Igreja, levar o ser humano a tomar conscincia da sua dignidade inalienvel.

Na defesa da "escola livre, do sindicato autnomo, da auto-organizao das formas profissionais rurais, dos direitos da inteligncia ao exerccio da crtica social ou da expresso de minorias validamente configuradas no contexto da vida social", a Igreja pretende contar com a colaborao de todos os cristos? Quais as formas disponveis para que essa colaborao se efetive? E a CNBB ite a possibilidade de repartir as preocupaes com outras entidades ou personalidades no diretamente vinculadas a ela?
A Igreja est a servio de todas as pessoas e de todas as entidades que se empenham na promoo do ser humano e do bem comum. Principalmente depois de Joo XXIII, a Igreja conclama todas as pessoas de boa vontade, sem distino de credo religioso poltico, a um esforo conjunto, para a libertao total da pessoa humana. No momento atual brasileiro, ns estamos desejando promovendo uma sempre maior e crescente participao do povo na vida nacional.

A Comisso Justia e Paz parece ser um dos instrumentos para essa tarefa? O Cardeal acredita que ela tem funcionado a contento? prpria ('omisso no poderia ser ampliada, permitindo que leigos personalidades do mundo civil se somassem num esforo conjunto
A Comisso Justia e Paz, em So Paulo, vem desenvolvendo um trabalho srio em beneficio de presos, de refugiados polticos de suas famlias. Incumbiu-se ainda, com assessoria de peritos, levantamento das principais situaes injustas desta Arquidiocese a fim de planejar as suas atividades de modo mais adequado. O resultado foi o j famoso livro "So Paulo 1975 - Crescimento Pobreza". A Comisso Justia e Paz constituda de leigos que representam os diversos agrupamentos sociais, por exemplo, estudantes, operrios, juristas e outros. Desejamos, com nossos planos trabalho, que a Comisso Justia e Paz se amplie, para atender melhor os seus diversos setores de atividades.

Quais as medidas que deveriam ser adotadas para assegurar de modo mais completo os direitos humanos?
A primeira, sem dvida, a volta ao Estado de Direito. Creio que neste ponto a nao inteira, desde o Presidente da Repblica at o homem mais simples, est de acordo.

Outras medidas urgentes?
Levar o povo a conhecer os direitos fundamentais, tanto os Constituio quanto os da legislao trabalhista.
Em segundo lugar, parece-me urgente que o povo saiba a que recorrer. Tivemos disso prova, quando os estudantes de Direito acompanhados por alguns professores, comearam a ar os sbados em diversas zonas da periferia. L recorriam a eles os homens simples, pedindo os esclarecimentos mais rudimentares, exatamente sobre sua situao quanto aos terreninhos, quanto ao trabalho e at quanto vida familiar.
Em outras partes do Brasil j foram elaborados folhetos muito simples, na linguagem do povo, esclarecendo no s a legislao mas indicando concretamente lugares e pessoas encarregadas nas diversas reas

No incio do atual governo, a direo da CNBB estabeleceu um contato com o Presidente da Repblica e alguns chegaram a anunciar uma era de maior tranquilidade no relacionamento Estado-Igreja. Mas, logo depois, ela comeou a ser atingida pelos sequestros, prises arbitrrias e cerceamento das liberdades fundamentais. Isso mudou o relacionamento?
Houve entendimentos - e no esto ainda encerrados - entre o Presidente da Repblica e alguns de seus Ministros, com os responsveis pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil. Estamos inclinados a pensar que os sequestros, prises arbitrrias e o cerceamento das liberdades fundamentais" significam desrespeito s ordens das autoridades constitudas, configuram atos de indisciplina, enquadram-se na ilegalidade, traduzem desprezo pela dignidade do ser humano e ferem profundamente as tradies humanitrias do povo brasileiro. Como afirmamos h pouco, certo que a autoridade suprema no os aprova, como o povo, que cristo, no os aprova.

Quais os maiores entraves para a reconciliao nacional que a Igreja defende, em sua opinio? A t onde podem ir seus esforos nessa trilha e na superao desses entraves?
As conturbaes sociais geralmente deixam, aps si, resduos de vingana e de medo. Entre os que sofreram injustias, muitos aguardam a hora de acertar as contas. Os que se excederam na aplicao e no desrespeito s leis e pessoa humana temem o julgamento da Histria. So esses os entraves principais. A vingana e o medo desencadeiam brutalidades imprevisveis. O cristianismo ensina, com experincia secular, que a Histria progride, quando a humanidade descobre a estrada do perdo mtuo, ponto de partida para o encontro com a justia e a paz.

Quais os grupos de nossa populao que, na opinio do senhor, mais riscos sofrem de ver seus direitos desrespeitados?
Enquanto perdurarem as leis de exceo, como declararam os Bispos no Documento Exigncias Crists de uma Ordem Poltica", toda a populao pode sentir-se insegura. Todos corremos o risco de vermos desrespeitados os nossos direitos.
Mas bom que olhemos para as pessoas que tm menos defesa. Creio que sejam sobretudo aquelas que chegam do interior, busca de alguma esperana na cidade, e no conhecem seus direitos, nem podem lanar mo dos recursos disposio. Imagino nesta situao os que compram terreninhos nos loteamentos clandestinos, os que so empregados sem as garantias necessrias e tantos outros.

O Sr. acredita que a cruzada do Presidente Carter alterou a situao dos Direitos Humanos em nosso pas?
Influncias tais no se medem em curto espao de tempo. Carter apenas exprimiu o que a Nao americana quase em peso j vinha reclamando. Atravs do documento enviado pela Anistia Internacional ONU e pelo consenso tambm manifestado em nosso Pas, tenho a impresso de que Carter no disse grande novidade. Trata-se, agora, de ar das idias para a ao. Sabermos ns prprios os caminhos que a justia e a solidariedade nos indicam.

O Santo Padre se pronunciou, no Ano Santo de 1975, em favor de uma anistia ampla e geral, que permitisse a reconciliao dos que se opem, por problemas polticos e sociais. Como est sendo encaminhada essa proposta, no Brasil?
A Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil, seguindo os os de Paulo VI, encaminhou um pedido de anistia, plena e ampla, para presos, perseguidos, banidos e exilados, por motivos polticos. Estamos aguardando os resultados desta iniciativa feliz e oportuna.

Quais as caractersticas principais da anistia preconizada pela
CNBB?
Anistia ampla e generosa para os presos, perseguidos, exilados e banidos por motivos polticos ou ideolgicos. Julgamento pblico de todos os acusados de terem praticado crimes, por exemplo, contra a vida ou a propriedade, garantindo-lhes a proteo legal de defesa.

A Igreja Catlica celebrou missa com a judaica e a protestante na ocasio da morte do jornalista Vladimir Herzog. Qual a sua posio perante a tortura?
No foi missa, mas celebrao de orao, na qual representantes dessas religies manifestaram a sua solidariedade humana num apelo de justia que no conhece fronteiras manifestao do Deus de Jesus Cristo.
Minha posio quanto a tortura a da Igreja e que foi relembrada por dois documentos dos Bispos de So Paulo: o "Documento de Brodosqui", de 1972, e o documento de Itaici: "No oprimas teu irmo", de 1975: A tortura um atentado contra a vida humana e h necessidade de se restabelecer o habeas-corpus.

A injustia, seja de que tipo for, chega a revolt-lo? Qual o seu sentimento em face das injustias?
Toda injustia chega a tocar-me como pessoa. Antes me aflige do que revolta. A primeira reao a de procurar uma soluo mesmo que isso custe minha pessoa, e assim, direta ou indiretamente Igreja. Desde que o Cristo morreu injustiado, toda a injustia toca o corao do cristo.

Como o Sr. encarou o atrito entre a diplomacia brasileira e a norte-americana que resultou na recusa de ajuda militar por parte do Brasil? Foi um fato isolado no tempo ou um episdio de Histria?
Os Bispos do Brasil se recusaram a manifestar-se sobre o atrito, porque no lhes compete julgar a Histria e sim fornecer a seus fiis diretrizes para a vida particular e pblica. No vai pois tambm aqui nenhum julgamento do fato.
Logo de incio, gostaria de lembrar o princpio exposto por Paulo VI na "Populorum Progressio", quando se refere exatamente a este tema, ou seja, assistncia internacional: "Os beneficiados podem exigir (dos pases que os beneficiam) que no se intrometam na sua prpria poltica nem perturbem a sua estrutura social. Como Estados soberanos, compete-lhes conduzir seus prprios negcios, determinar a sua poltica e orientar-se livremente para a sociedade que preferirem" (').
A reao praticamente unnime do Brasil se justificou no s pelo principio universalmente aceito e exposto pelo Papa, mas tambm por uma sensibilidade nacional que igualmente direito humano a ser respeitado.
No nos cabe analisar os mritos diplomticos de lado a lado, no momento em que estavam em jogo o acordo nuclear, os preos do caf, e quem sabe, tantos outros fatores que poderiam agravar as repercusses de um fato deste porte.
No entanto, no poderamos navegar cegamente por entre as alteraes profundas do fluxo das idias. Muita coisa mudou nos ltimos anos, e muito mais est para mudar.
At h pouco, o relacionamento entre as naes era ditado pelos que podem mais e pelos que possuem mais. E todos acabaram por reconhecer que esse sistema injusto, prejudicando at aos que impunham suas leis aos mais fracos.
Episdios importantes no final da dcada de 60 e no incio desta resultaram na quebra de muitos estatutos internacionais. Para nos movermos apenas no campo econmico agora focalizado, bastaria lembrar a relao dlar-padro-ouro, o sistema monetrio internacional, o sistema de trocas, GATT, etc... Alm das mudanas na rea econmica internacional, ampliam-se os conceitos de nao e formam-se redes de intensa solidariedade para alm de todas as fronteiras nacionais e ideolgicas. Enquanto os organismos internacionais titubeiam e at fracassam, substituem-se a eles movimentos espontneos e, no raro, consistentes.
hora de reviso e at de revises surpreendentes em reas que, ainda h pouco, eram consideradas impermeveis.
Na hora desta reviso, surgem grandes esperanas, tambm para ns, que como muitos outros pases nesta faixa, nos sentamos lesados. mesmo hora de nos organizarmos, para entrar com maior fora na mesa da reviso. A Nao precisa ter fora e a fora da Nao expressa pela capacidade do Estado. A fora do Estado, no entanto, decorre da representatividade e da criatividade no campo do direito e da poltica.
No creio pois que o atrito entre a diplomacia brasileira e norte-americana seja fato isolado. Mas tambm no acredito que seja episdio histrico de consequncias unicamente funestas. O mundo est para reconstruir-se como um todo, e o Brasil tem direi. to e capacidade de fazer valer sua voz neste todo.

H pouco, perguntamos se a cruzada do Presidente Carter alterou a situao dos Direitos Humanos no Brasil. Como o Sr. a encara de maneira mais geral e particularmente nos Estados Unidos?
No s o Governo, mas sobretudo o Povo dos Estados Unidos est assumindo nova atitude. A Nao volta-se para a defesa dos Direitos Humanos. Durante a comemorao do II Centenrio, ns o verificamos em todas as regies da grande Nao. O Senado americano acabou sendo, como normal, o eco deste anseio popular. O Presidente Carter, por sua vez, com o messianismo que ainda deve redefinir-se melhor, empunhou esta bandeira. Pelo que tudo indica, para valer. Sinal dos tempos? Acredito que o movimento no pare mais, pois atingiu a parte melhor da Nao e encontra correspondncia em todas as demais Naes livres. A pedra rolou d~ montanha. Tanto nesta Nao como em tantas outras de influncia marcante, acertar o o com a Histria significa assumir os Direi. tos Humanos para valer.
ou o tempo em que a massa indiferente ainda aceitava t acusao de comunista a quem defendia tais posies. Hoje, comunista ou fascista quem no as observa, O povo americano no quer mais primavera de Praga, nem guerra do Vietn, e certamente tambm no quer mais novo Watergate, discriminao racial, nem derrubadas de governos pela CIA.

Que desdobramentos poder ter a nova colocao dos Direitos Humanos no mundo atual?
Em primeiro lugar, a atitude americana se obriga a desdobramentos internos. O prprio Pas ter que rever inteiramente o conceito de violao de Direitos Humanos, que no se concentra apenas na prtica da tortura, por mais incompreensvel e injustificada que esta seja. A ao predatria a povos que lutam contra a pobreza e suas consequncias dever fazer parte essencial desta nova sensibilidade. Talvez cheguem tambm a Ter respeito pelo preo do nosso caf, principal produto do trabalho de um povo. Mas igualmente certo que o mundo inteiro comear a discutir em reunies de alta cpula, como ainda em ocasies de contratao de servios internacionais e de auxlios, as implicaes dos Direitos Humanos em seu sentido mais universal.
Retomamos aqui a palavra de Paulo VI, quando lembra que a sensibilidade pelos Direitos Humanos hoje to universal, que ningum mais pode ignor-la.

Como v a atitude brasileira, no episdio do atrito diplomtico de 1977?
Numa primeira hora, reforou sem dvida nossa unidade nacional. O prprio Presidente Geisel deve ter sentido essa disposio claramente positiva, sentindo-se com muito mais fora para participar do jogo entre as Naes. Se aproveitarmos bem a lio, pode ter chegado a grande hora nacional, hora de repensarmos o episdio, e, fechadas as portas, partirmos para o aprimoramento da sociedade civil organizada, tarefa essa que compete a toda a Nao.
Hoje, Carter empunha uma bandeira e acorda energias que Nixon jamais teria podido acordar. Apesar de todos os seus possveis erros diplomticos, o povo americano provavelmente continuar ao lado dele.
Mas, a Histria americana no a nossa. Lembra-nos porm que tambm temos valores fundamentais e grandes reservas histricas capazes de nos tornarem felizes como Nao e at poderosos como Estado. O reexame que se impe a todos no h de ser pois precipitado, mas dever levar-nos ao aprimoramento de nossas instituies e imagem verdadeira do que o povo brasileiro.

O Sr. j disse mais de uma vez que a Igreja no tem uma ao poltica no sentido partidrio, na atualidade. No entanto parece claro que a Igreja no Brasil exerce uma ao poltica. O Sr. poderia nos apresentar, de seu ponto de vista, os limites e os objetivos dessa ao poltica da Igreja?
Exercer ao poltica influir e participar do processo de desenvolvimento e integrao de um pais. Cada grupo dar a sua contribuio; dentro da viso crist da vida, a Igreja fornece critrios. Inspirado neste principio que o episcopado respondeu questo no documento "Exigncias Crists de uma Ordem Poltica".

Afirma-se que o Sr. dedica especial ateno aos movimentos operrios, procurando aproximar a Igreja dos trabalhadores, tambm com a inteno de ocupar um espao que interessa especialmente aos comunistas. Naturalmente, na pergunta no se tem a inteno de ocupar um espao que interesse especialmente aos comunistas. Naturalmente, na pergunta no se tem a inteno de deixar implcito que a Igreja atua de modo oportunstico, porque ela tem uma misso pastoral mais ampla. Mas correto que a Igreja nesse setor procura antecipar-se ou disputa com os comunistas?
Se a Igreja se interessasse pelos trabalhadores somente porque os comunistas tambm o fazem, estaria tomando uma atitude oportunista e pouco autntica. Ela se preocupa com a sorte de todos principalmente dos menos afortunados, pregando uma maior justia na distribuio da renda. As encclicas sociais nada mais so que aquela preocupao transformada em doutrina que, por sua vez evolui na medida em que crescem os desafios e se torna mais complexa a realidade.

O Sr. acusado, algumas vezes, at mesmo por autoridades governamentais. de fazer "reivindicaes irrealistas", como um nvel digno de bem-estar para os trabalhadores. No entanto, em entrevista um jornalista estrangeiro, o Sr. disse certa vez que ite um perodo de sacrifcio para a classe trabalhadora, durante o processo de desenvolvimento do Brasil. O Sr. pode explicar mais detalhadamente sua idias sobre esse assunto?
Defender o embasamento terico no fazer "reivindicaes irrealistas", O homem, por ser racional e livre, deve encontrar na viso terica dos problemas a luz para a sua ao. Todo o ser racional deve agir definindo os objetivos. Voc no comea a construo de um edifcio sem planta, clculos, oramentos, etc.. Ora, tudo isso terico, porque o edifcio ainda no se fez. Na ordem do "fazer se" logicamente h etapas a serem superadas, mas a doutrina que ilumina a ao deve ficar clara e definida.

Durante a homenagem que lhe foi prestada em So Paulo, por ocasio de sua volta dos Estados Unidos, onde foi condecorado a< lado do Presidente Carter, o Sr. afirmou que as manifestaes ordeiras dos estudantes nas ruas do pas so uma prova de que est na hora das liberdades democrticas, da ampla e irrestrita anistia e do fim da, torturas acontecerem no Brasil. Como apenas essa prova no foi considerada suficiente pelos sustentculos do regime, o Sr. identifica outros indcios que reforcem a prova?
Realmente, as manifestaes ordeiras dos estudantes mostraram que est na hora de acontecer no Brasil a liberdade democrtica e a plenitude do estado de direito. A exigncia mais forte, porm para a consecuo daqueles objetivos, parte da prpria conscincia de todos.

O Sr. considera o regime de exceo eficiente contra os dois males que o justificaram em 1964, a subverso e a corrupo?
Um regime de exceo no o melhor meio de combate corrupo e subverso. Acredito que a normalidade da vida poltica oferece melhores condies de combate a estes males.
Realmente existe, na sua opinio, um horror dos militares brasileiros mobilizao, no s da classe trabalhadora, mas de qualquer parcela organizada da sociedade civil? Em caso positivo, que motivos o .Sr. entende que provocariam esse horror e como poderiam ser eliminados?
No sei se existe horror de alguns brasileiros mobilizao, no s da classe operria, mas de qualquer parcela organizada da sociedade civil.

O Sr. tem motivos para acreditar que os militares brasileiros sejam fundamentalmente democrticos?
Acredito que as Foras Armadas procuram seguir a tradio da democracia. Na conjuntura atual, reconheo a complexidade dos problemas.

Como o Sr. descreveria as relaes entre a Igreja e o Estado (e especialmente entre a Igreja e o aparelho de Estado que detm o monoplio da coero organizada) ao longo do regime de 1964?
A partir do Concilio Vaticano II, a Igreja ou por uma renovao muito grande, principalmente em sua ao pastoral. Isto tem gerado desconfianas e dado ocasio a muitos equvocos entre a Igreja e o Estado. Acho que ningum desejaria perpetuar este estado de coisas.

Comentou-se que o Sr. teria enviado um relatrio ao Papa Paulo VI sobre os direitos humanos no Brasil. verdade? O Sr. poderia divulga-lo, ou, pelo menos, resumir seu contedo?
No enviei relatrio nenhum sobre esse assunto Santa S. Alis, assuntos nacionais devem ser tratados por nosso rgo oficial junto Santa S, isto , pela CNBB.

Que impresso o Sr. teve do Presidente dos Estados Unidos, com quem foi homenageado na Universidade de Notre Dame? Acredita o Sr. que Jimmy Carter pretende aplicar ao p da letra os princpios da Constituio norte-americana, inclusive o prembulo, onde est a declarao de que todo povo tem o direito de derrubar o seu tirano?
Minha impresso foi a melhor possvel. Pareceu-me um homem decidido a levar avante a bandeira dos Direitos Humanos. Creio que no poder voltar atrs da doutrina que assumiu, mesmo porque j est produzindo efeitos em todo o mundo. Para governar os Estados Unidos ele certamente cumprir a Constituio de seu pais.

Com as manifestaes polticas de empresrios, eatas estudantis, o manifesto dos jornalistas, o manifesto dos fsicos, ainda a dos mdicos, e tudo mais que houve, recentemente, a impresso que se difunde a de que dois sustentculos civis do movimento de 1964 - parte da classe mdia e o empresariado - desejam a normalizao democrtica do Brasil. essa tambm a impresso do Sr.? Existem outros indcios que o Sr. possa acrescentar aos mencionados, e que reforam essa impresso?
Acho que todos desejam a normalizao democrtica do Brasil. Pelo contato direto com o povo, sinto bem viva esta aspirao.

O Sr. declarou, em cerimnia pblica, que uma anistia geral ampla deve incluir tambm as pessoas que, dentro do regime, fizeram mal aos adversrios. Como o temor do revanchismo aparentemente um dos maiores obstculos restaurao democrtica, o Sr. pode fundamentar mais sua posio?
Gostaramos de ver vencida esta etapa de nossa histria poltica com grandeza, porque, afinal de contas, o que queremos a plenitude de um regime democrtico e do estado de direito, O revanchismo iria supor o exerccio de um poder arbitrrio. O que se pretende o gozo em plenitude dos direitos e deveres definidos em nossa Carta Magna. Ora, devemos ser levados por aquilo que defendemos, do contrrio, no haveria autenticidade.

Vem-se falando muito da famlia. O Sr. mesmo escreveu um li sobre o assunto. O Sr. no acha que um dos mais fortes fatores da instabilidade da famlia e do prprio indivduo, hoje, o medo? No somos uma gerao de amedrontados? Medo de fome, de desemprego, medo de que Deus no exista, medo de gerar filhos, medo de que a educao que se d hoje no serve para o dia de amanh, medo de terrorismo verdadeiro e forjado, medo de priso arbitrria, medo de perder posies, medo diante da discusso de verdades sempre tidas por indiscutveis, etc. Se isso for um fato, que poderamos ou deveriam fazer para amainar o medo? No haveria aqui um imenso campo ecumnico e poltico?
De fato, os inquritos tm provado que mais da metade da populao nas grandes cidades vive em constantes sobressaltos, ou seja, num clima de medo. Algumas providncias me parecem indispensveis, a curto prazo: Seleo, treinamento e acompanhamento de policiais encarregados de proteger a populao contra o medo; dar condies s profisses e ministrios intermedirios, como o assistentes sociais, religiosos, sacerdotes, juizes, advogados, que no pertencem nem ao mundo da produo, nem ao do consumo para que estejam bem prximos ao Povo e possuam os recursos necessrios nas horas de emergncia; proporcionar imensa multido dos homens que se locomovem e cruzam o espao e os meios de locomoverem ou encontrarem em segurana.
No entanto, o essencial seria nova confiana do homem e uma solidariedade educativa. Em ltima anlise, voltamos ao postulado fundamental do Evangelho: f na Providncia, e no homem a quem Deus ama.

A igreja participou de alguma programao em favor da Criana, em um nvel mais amplo, por exemplo, em colaborao com a ONU?
Na Igreja h vrias organizaes que se ocupam da infncia. Cada instituio, a seu modo, segundo suas possibilidades, participa das iniciativas da ONU. Mas sobretudo o empenho pela e pela vida digna, que nos leva ao corao do problema.

Como a igreja encara o problema dos 400 mil menores abandonados da Grande So Paulo?
O encaminhamento e a soluo dos problemas sociais esto a cargo dos poderes pblicos. Por isso, quando se trata de assisti ao menor, as autoridades eclesisticas oferecem sugestes ao governo e se apresentam tambm para a devida colaborao. Alm da Igreja, atravs de suas organizaes, procura amparar o menor abandonado. Em So Paulo, destaca-se entre outras, o "Educandrio Dom Duarte". Indiretamente, a Igreja participa do problema procurando fortalecer a famlia, lugar natural de proteo criana. Aproveito a oportunidade para falar sobre a adoo. Se lar, entre ns, recebesse e amparasse um menor, no se resolve pelo menos alguns casos? A campanha da "adoo" merecer apoio.
So Paulo conta com uma populao de aproximadamente 20 milhes de habitantes. De 0 a 18 anos somos cerca de 10 milhes. Para os menores carentes e abandonados h uma rede de recursos situados em todo o Estado. So as obras sociais particulares, prprias da FEBEM, internando 6 mil menores e 504 obras populares que mantm convnio com a FEBEM-SP, acolhendo 33 mil menores, em 270 municpios paulistas.

Situao daqueles que foram internados:
a) 22% so abandonados
h) 13% tm a famlia desorganizada
e) 11% tm a famlia incapaz economicamente
d) 6% tm os pais doentes
e) 16% tm comportamento anti-social.

quase consenso que a sada para resolver o problema do menor abandonado a profissionalizao. Como o Sr. encara o problema?
Fala-se em "problema do menor" e s vezes o adulto fica esquecido. Acho que a preparao dos adultos, nas reas de pedagogia e sobretudo na profisso e participao social seria o o mais importante. A profissionalizao do menor no deve impedi-lo de ser tambm criana, atendendo-se a todas as exigncias decorrentes dessa idade, como lazer, estudo e educao.

O que o Sr. nos diria do seu contato com os jovens?
J trabalhei, e sempre com muita alegria, entre os jovens. O futuro est com eles. Dediquei-me pedagogia justamente para ajudar a juventude. Mantenho contatos quase semanais com jovens e fao-o com esperanas renovadas. Nem os jovens do ado, me amigos, me decepcionaram, nem os de hoje vo me decepcionar.

Segundo o Presidente da FUNABEM, Fawler de Meio, em depoimento na I do Menor em Braslia, existem na regio metropolitana de So Paulo, 3,5 milhes de homens, mulheres e crianas marginalizadas ou em processo de marginalizao; que causas a Igreja aponta como responsveis por esse desajuste social?
H muitas causas influenciando o problema. E uma delas certamente so os desnveis econmicos nas diversas regies de nos terra. A populao pobre de uma regio emigra, em busca de trabalho e sustento. E nas grandes concentraes urbanas faltam s vezes as condies de uma vida digna. Outra causa, concomitante, a distribuio desproporcional de renda, mantida principalmente atravs de salrios baixos.

Existe no Brasil, e especialmente, em So Paulo, o problema prostituio de menores, como nos Estados Unidos?
Existe e tem aumentado muito, no s na Capital, mas e todo o Estado de So Paulo. comum a prostituio de meninas 12 anos. Sendo comrcio altamente lucrativo, muito difcil sair prostituio sem o apoio da comunidade ou do Estado. O zoneamento condenado, contrrio orientao da Igreja. degradante para a mulher, que se torna objeto estigmatizado. O problema prostituio ser tanto maior quanto maior a cidade.

Se existe esse problema em So Paulo, como localizar suas causas?
A prostituio tem vrias causas sociais: misria, analfabetismo, falta de qualificao profissional, famlia mal constituda e m amparada.

Quais os reflexos desse problema na ordem social e cultural cidade?
A degradao dos costumes e dos valores morais; as injustias; os crimes contra a pessoa humana?

Como o Sr. v o problema de prostituio de menores, do ponto de vista da Igreja?
Poucas instituies se ocupam com menores de 12 a 14 anos sobretudo meninas. Elas se tornam empregadas domsticas: os meio e hbitos muito acima dos do seu meio original, advm as especulaes de conforto e luxo, incapacidade de trabalho melhor, falta de instruo, solido, prostituio e dinheiro fcil.

Qual a soluo que a Igreja prope para se resolver o problema?
Despertar das comunidades para o problema do menor. Este problema muitas vezes mal interpretado. As pessoas tratam mal os menores na rua, considerando-os como vadios, preguiosos que no querem trabalhar, ladres. Muitas vezes, eles no encontram trabalho, no sabem como faz-lo, tm que levar dinheiro para casa de qualquer jeito, para o sustento da famlia. preciso que a sociedade compreenda que. antes de mais nada, os menores infratores so vitimas da m organizao da sociedade. Precisamos ir s casas, prevenir o problema, com melhor educao, amparo s mes gestantes, famlia pobre, etc.
H grande preocupao com o menor infrator, porque ele incomoda, rouba, agride e at pode matar. H um pnico ento, generalizado. Quando a "onda" de trombadinhas diminui, as pessoas am a preocupar-se menos com o problema do menor.

A Pastoral dos Direitos Humanos e marginalizados, uma das prioridades da Igreja de So Paulo, est muito preocupada com problema do menor. As Parquias, sobretudo da periferia, v conscientizando e alertando para o assunto. Deveramos apelar sempre a todos os movimentos catlicos, para que se detenha mais sobre a questo, meditem sobre suas causas e consequncia e levem seus membros a fazer alguma coisa para melhorar a situao dentro de seu mbito social e pessoal.
A partir das metas prioritrias da pastoral, cada Diocese, Setor ou Parquia poderia ter uma equipe para:

a) informar e conscientizar, isto , despertar em cada um obrigao de participao, de assumir o problema.
b) incentivar e organizar todo tipo de trabalho no s curativo, mas sobretudo preventivo.
c) fortalecer a famlia e os valores religiosos, por conseguinte, morais.

Dom Paulo, que pensa da migrao em nossa Terra?
A migrao um fenmeno que atinge todos os plos mais desenvolvidos do Pas. De incio eram os grandes centros de So Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre que atraam os homens do interior. Hoje, as periferias pobres das cidades tambm de porte mdio nos provam a migrao se torna tumultuada por toda parte.
Voc pergunta que pensar dela? Em primeiro lugar, ns ditamos na prpria fora do migrante. A migrao desperta novas energias e talvez at viso diferente da Histria. Pode significar progresso. J ternos verificado que as regies que recebem migrantes desenvolvem mais depressa do que aquelas que crescem apenas ndices vegetativos.
Urna segunda verificao tambm parece decisiva: No podemos proceder com paternalismo ou receitas prontas. O prprio migrante deve tomar sua histria na mo. Mas tambm reconhecer que muitas vezes se torna ele joguete das circunstncias ou vtima das exploraes. Talvez at se fascine pelas facilidades do novo ambiente. Neste caso, a presena da Igreja ou de pessoas realmente interessadas na sorte dele se torna indispensvel. O que poderia eIe fazer sozinho, se o ambiente mais forte do que ele, ou se a situao talvez seja quase de explorao?

Adianta tornar pblica a situao de nossos migrantes??
Os rgos de comunicao tm realmente muita responsabilidade: revistas, jornais, e mesmo a TV comeam a interessar-se So Paulo pela "OPERAO-PERIFERIA" - Pastoral da Igreja em favor dos migrantes - e da resultaram inmeras iniciativa parte das autoridades, como tambm de voluntrios, especialmente da Igreja.
Houve, certamente, progressos, mas sempre difcil agir sem populismo, quer dizer, conseguirmos os servios essenciais em detrimento dos mais vistosos, como por exemplo, gua, esgoto, transporte, sade e mesmo educao.
Tambm existe a questo das presses econmicas e outras. Tempos atrs, mostrvamos a um Prefeito, em vsperas de tomar posse, que ele teria que escolher entre 700 a 1.000 migrantes dirios, sem nenhum meio de propaganda, e, quem sabe, entre 700 a 1.000 donos de carros, que vivem buzinando, e noite, encontram-se noticirio nacional. Perguntei-lhe ento: Por quem o senhor ir decidir-se: pelos migrantes pobres, ou pela classe mdia alta, que pe at de horrios nacionais na TV?
Talvez tenhamos que chegar a solues bem mais radicais. exemplo, a de que os transportes coletivos venham a tomar o lugar dos particulares. Hoje, l2% de usurios ocupam a maior parte de nossas disponibilidades virias, enquanto que os restantes 88 ou 90% so vtimas de transportes demorados, inadaptados, e quem sabe, at enervantes e sufocantes. Mas isso outro captulo.

A Comisso Justia e Paz, at o momento, quase sempre se ocupou de casos de emergncia. Muitas vezes, de prises polticas ou outras. Recebe as pessoas, orienta-as, prope advogado, ou presta assistncia jurdica. Por determinado tempo eram 10, 20 ou 30 pessoas que procuravam diariamente a Comisso. Com a mudana de Comando do II Exrcito, esta situao foi modificada. Houve alvio. A Comisso Justia e Paz ento a a analisar os grandes problemas da cidade. Fruto desse trabalho, como citei h pouco, "So Paulo-1975: Crescimento e Pobreza", das Edies Loyola, livro que serviu de estmulo para estudantes universitrios e largas faixas de nossos intelectuais. Pena, que o governo tambm no se tenha utilizado, como poderia, dele.
Agora, a "Justia e Paz" entrou numa segunda fase. Procura alguns encaminhamentos. Talvez a prxima publicao j traga solues a partir das bases. Solues reais para os grandes problemas da periferia, portanto, da onda de migrantes para nossa cidade.

Motivadas pela Encclica "Exsul Familia", de Pio XII, quase todas as Conferncias Episcopais da Amrica Latina criaram e ainda mantm organizaes de assistncia a migrantes, a nvel nacional. Por que, no Brasil, a ('NBB no possui uma organizao semelhante, a nvel de CNBB? Tal tipo de organizao seria talvez obsoleta para a realidade pastoral de nosso Pas?
Nossos modelos maiores, quase sempre, so europeus. No sei se bem adaptados nossa realidade. Certamente deviam ser aproveitados no que nos toca.
Parece impor-se, neste momento, para So Paulo e para o Brasil, a criao de grupos de pesquisa e estudos semelhantes aos do CERIS (sociolgicos). Tambm nossas Universidades deveriam ser estimuladas a lanarem estudos novos sobre as causas da migrao e seus efeitos. Gostaria de ver analisado sobretudo o "mito" da cidade, que exerce tamanho fascnio sobre os homens do campo. Talvez fosse til avaliar ainda os recursos de sade e educao de nosso interior. As possibilidades de os homens voltarem a amar a Terra, sem sacrificarem a si mesmos e a seus filhos. Veja a luta de nossos Bispos, Padres e Religiosos do Mato Grosso, Gois e alhures. A partir desses dados, poderamos organizar equipes regionais e diocesanas para solues mais adequadas e, quem sabe, at bem urgentes.

No setor de assistncia social aos migrantes internos, especialmente no tocante a atividade com albergues noturnos e centros de acolhimento de migrantes, constata-se uma atuao de vulto maior de organizaes espritas do que de catlicas. Que explicao se pode dar a esse fato?
Talvez a seguinte: exatamente no perodo de migrao mais intensa, com o fenmeno da urbanizao tumultuada e da industrializao, a Igreja Catlica optou por morar com o povo e sofre com ele. No quis mais criar tantas organizaes em favor do povo porque acabam quase sempre se transformando em obras assistenciais, ou seja, obras que cuidam de dar comida, agem e coisa equivalentes. Tais iniciativas muitas vezes eternizam os problemas porque no atacam suas razes, ou seja, as causas.
No entanto, de uns sete anos para c,, justamente com a "OPERAO-PERIFERIA", ns procuramos construir Centros Comunitrios que possibilitem, por exemplo, prover a documentao indispensvel aos que chegam cidade, cuidar de uma semi-profissionalizao e criar ambiente para a entre-ajuda to necessria nestas horas.

Corno evolui o fenmeno da migrao? Que fazer?
certo que os corredores de migrao constituem o grande drama dos dias de hoje. Milhares de pessoas por semana e centena de milhares, milhes por anos a fio, sofrem todas as provaes de uma viagem no preparada, sem dinheiro e tambm muitas vezes sem finalidade segura. Diramos que estamos frente de um novo xodo, mas, desta vez, sem um Moiss, e com efeitos opostos ao que levaram o Povo de Deus a sair do Egito para sua Terra. Enquanto, naquele tempo, se faziam comunidades, agora se desagregam comunidades. Naquele tempo se criavam plos de unidade. Durante anos e anos. Talvez por 40 anos. Hoje, em oito dias se arrancam as razes, se dispersam as pessoas e muitas vezes se cria caos.
Que fazer? Haveria todo um capitulo sobre as informaes serem fornecidas a esses migrantes? Ou outro grande captulo a se escrito sobre as orientaes, tanto nacionais quanto diretamente dirigidas aos grupos'?
Preferiria unir a resposta anterior ao que aqui se poderia dizei sem bons estudos, difcil surgirem organizaes teis, que cobrar o vasto territrio donde provm as pessoas, como tambm as cidades para onde elas se dirigem.
Certo que no podemos permanecer indiferentes a estas Iongas procisses de misria que atravessam o Pas, para terminarem num acmulo de dificuldades e carncias, nas periferias das grande cidades.

Que poderiam fazer as organizaes eclesiais, por exemplo, a parquias?
Apesar de quase todas as parquias organizarem seu quadro de promoo social, o fenmeno da migrao parece ultraar as capacidades de uma s parquia. Foi por isso que organizamos a "OPERAO-PERIFERIA". Ela tenta formar, como j explicamos, Centros Comunitrios nos lugares onde chegam os imigrantes, mas com a ajuda de uma ou mais comunidades do centro da cidade. Teramos, assim, trs fases de cooperao imprescindveis:
- primeiro, o prprio povo toma as iniciativas de que capaz;
- depois, outras comunidades com recursos humanos e materiais mais amplos emprestam sua colaborao sem tirar evidentemente a responsabilidade principal primeira comunidade;
- finalmente, a grande comunidade, ou seja, a Regio Episcopal e a Igreja toda, cobrem os espaos vazios que ainda restam, O importante envolver a comunidade num problema criado por ela nos tempos novos.
No entanto, existem algumas comunidades paroquiais capazes de enfrentar em grandes linhas e com bons recursos o prprio problema migratrio. Gostaria de chamar a ateno, por exemplo, para o que faz o Jardim Peri, na extrema periferia da Regio Norte de So Paulo: por diversos convnios chega a remunerar 25 pessoas qualificadas e, entre elas, duas assistentes sociais, alm de grande nmero de voluntrios, O bem que a se faz no se mede por nmeros, embora estes sejam impressionantes.
Tambm nos esforamos para reativar as parquias junto s estaes das rodovias e ferrovias da capital. Unidas em Setor, podem lanar mo de recursos adequados para a hora da chegada e para o primeiro encaminhamento das pessoas ou famlias.
Compete ainda Igreja criar clima favorvel integrao justa do migrante na sociedade, e, neste ponto, a insistncia das parquias parece que d continuidade maior do que os simples pronunciamentos de pessoa da cpula. Importa mesmo, lembrar constantemente que somos todos responsveis por um problema que de todos.

No MOTU PROPRIO "Pastoral dos Migrantes", de 15.8.1969, o Papa Paulo VI demonstra que o problema migratrio acima de tudo uma questo poltica que deve ser equacionada em termos de desenvolvimento das reas rurais. Afirma o Papa naquele documento. 'Em primeiro lugar cada um deve empenhar-se a partir dos poderes pblicos, para que os meios rurais disponham, como convm, dos servios essenciais: estradas, transportes, comunicaes, gua potvel, habilitaes, cuidados mdicos, instruo elementar, formao profissional, servio religioso, recreao e tambm tudo o que necessrio casa rural para sua modernizao e arranjo. Se tais servios, que constituem em nossos dias os elementos essenciais de um nvel de vida digno, faltarem nos meios rurais, o desenvolvimento econmico e o processo social tornam-se quase impossveis ou muito lentos, da resultando o xodo quase irreversvel e dificilmente controlvel das populaes do campo"- Dom Paulo, como o Sr. aplicaria essa orientao do Papa realidade brasileira, a qual ocupa volumoso xodo principalmente das zonas rurais de Minas, Bahia e do Nordeste em geral?
O Brasil, neste momento, deve estar atingindo 60 ou 70% de populao urbanizada. Seria desejvel que os demais se convencessem, atravs de melhorias substanciais em suas reas, que no convm arem do campo para a cidade. Seria uma grande conquista.
Para o Estado de So Paulo, as condies j so piores. Segundo clculos aproximativos de alguns socilogos de renome, atingimos 83% de urbanizao em todo o Estado. Os prprios "bias-frias" pertencem a esse nmero e sofrem todas as consequncias de uma situao precria.
No sem se ainda chegamos a convencer os proprietrios e o governo de que a mecanizao em grande estilo no soluo muito brasileira. li evidente que com isso no nos opomos aos benefcios que pode trazer a maquinaria adaptada aos terrenos e s propriedades menores.
Tambm sei que os artesanatos no chegam a convencer, por ora, mas mereceriam grande estimulo, porque trazem tanto a marca do ado como a do futuro. Haveria ainda uma sugesto para que se incrementassem as pequenas e mdias indstrias agropecurias nos prprios locais de produo.
Para quem olha para o ar e as guas poludas, para quem afinal capaz de comover-se com a natureza morta, seria justo pensar, com muito mais interesse, nas solues pequenas, pois elas poderiam preservar os bens fundamentais da vida biolgica, psquica e espiritual dos homens. uma campanha que deveramos comunicar tanto as nossas universidades quanto a todos os tipos de sociedades interessadas no meio-ambiente.

Soubemos que o Sr. est apoiando a criao de um Centro Pastoral de Migrantes, com sede na Igreja de Nossa Senhora da Paz, no centro de So Pau/o, o qual ser istrado pela Congregao dos Padres de So Carlos, que tem por finalidade a assistncia aos prprios migrantes. Dom Paulo, o que o Sr. espera desse centro pastoral? Que outros setores exigem, em So Paulo, maior presena desses missionrios dos Migrantes?

Estaria quase disposto a devolver a eles a pergunta. Em vez de eu dizer o que deles espero, poderiam, quem sabe, eles informar a cidade e tambm os leitores sobre o que podem e devem fazer nesse momento crtico da histria das migraes.
Para comeo de conversa, deixem-me adiantar o seguinte. Em primeiro lugar, espero que sensibilizem todas as comunidades, prestando informaes e fazendo propostas em favor dos migrantes.
Para tanto seriam necessrios sem dvida alguns estudos e tambm pesquisas de campo.
Em segundo lugar, esperaria algumas iniciativas adaptadas a Centro, como sejam, assistncia jurdica e uma pastoral em campo e rea determinada.
Depois, chegaria a propor algumas aes, conjugadas com comunidades j sensveis, em favor dos migrantes, na hora em que chegam e saem da Capital, coisas que poderiam parecer de emergncia de incio, mas que ao depois levassem a uma ao em profundidade. Praticamente, desejaria a presena do Evangelho ou do amor de Cristo junto aos que andam por caminhos desconhecidos, mas que tm direito justia e solidariedade.

Afinal, o povo de So Paulo ou no sensvel ao problema dos Migrantes?
O que nos faz amar So Paulo no o cimento e o ferro que a projetam para os cus. Eles significam, antes, um orgulho e uma luta desumana que tantos lhe recriminam, O que nos leva de fato a amar So Paulo o homem que nela habita e as possibilidades imensas de servir a este homem. N4ais ainda, e muito mais: o que nos leva a amar So Paulo o que est dentro do corao dos paulistanos, sempre desejosos de fazerem mais e melhor. E esses paulistanos sero capazes, como poucos outros, de acolherem o Cristo Migrante. Por ora, ele ainda dorme debaixo dos viadutos, nas estaes rodovirias e at junto s portas de nossas Igrejas.
Quisramos dar todo o nosso apoio s iniciativas j existentes e s novas que vo surgindo. t claro, que elas devem ser teis, srias, e at mesmo pragmticas, para serem bem acolhidas. Mas igualmente certo que elas podem trazer a marca da solidariedade e do amor altrusta, porque o corao do paulistano e do brasileiro em geral continua muito generoso e fundamentalmente cristo.
Terminaria dizendo: Nesta questo de pastoral dos Migrantes, chegou a hora de propormos mais, de propormos coisa melhor.
At agora, parece, as grandes e pequenas lutas e sonhos internacionais girando em torno da economia e do poder. No entanto, vislumbramos uma nova era em que as lutas se travaro em torno da dignidade humana. Isso uma imaginao otimista ou uma fundamentada esperana?
Jamais o homem quis viver sem honra e sem dignidade. Na era da urbanizao, esse seu direito no poderia mais ser garantido atravs de influncias e amigos. Mesmo os juzes e os corpos intermedirios da sociedade sentiram a sua insuficincia. Foi ento que partiu o clamor de dentro do organismo todo, reivindicando para todos o que a todos pertence: a dignidade
Hoje, este clamor no s aumenta, mas tambm captado p urna sensibilidade sempre maior. Encontra, verdade, barrem quase insuperveis em todas as formas de totalitarismo. Otimismo e esperana? Creio que h mais lugar para esperana do que para otimismo.

Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim