Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

2k3q71

Globalizar a solidariedade

Vicente Paulo da Silva

Presidente da Central nica dos Trabalhadores CUT)

Quero que a justia reine em meu pais

Quero a liberdade, quero vinho e po

Quero ser amizade, quero amor, prazer

Quero nossa cidade sempre ensolarada

Os meninos na praa e o povo no poder

Eu quero ver.

(Milton Nascimento)

No h grandes mistrios no que queremos como trabalhadores e trabalhadoras quando falamos em uma sociedade justa: estarmos livres de represso, sem fome, sentirmo-nos participantes das coisas que acontecem ao nosso redor, podermos utilizar a nossa criatividade para ajudar o mundo a se desenvolver em harmonia, sem destruio, com paz, amor, estmulo e orgulho do trabalho; enfim, a alegria de rir com os outros. Mas, ns, classe trabalhadora, aprendemos logo cedo que para isso precisamos nos organizar.

Na Amrica Latina, nossa luta conturbada. O processo democrtico foi interrompido em vrios pases e por diversas vezes, com violncia, conflitos, ditaduras construdas a partir de golpes militares. Houve milhares de mortes, torturas e perseguies. As organizaes populares foram golpeadas diretamente, inclusive as organizaes sindicais autnticas.

Nos 100 ltimos anos, com muita esperana, garra e resistncia, os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros construram suas organizaes locais e nacionais, que foram atingidas por inmeras posturas antidemocrticas, muitas vezes ligadas e apoiadas at por interesses estrangeiros: prises de dirigentes, ocupaes militares, intervenes e fechamento de sindicatos por parte do Estado. Isto demonstra como tem sido rdua e herica a nossa luta. Mesmo assim, a Central nica dos Trabalhadores (CUT) conseguiu completar 16 anos, cm 1999, o mais longo perodo de existncia de uma central sindical na histria do sindicalismo brasileiro. Hoje, a principal ameaa aos valores da democracia e da solidariedade humana no vem mais das baionetas, mas das polticas econmicas que, de um lado, favorecem a concentrao de renda e de poder, e de outro impossibilitam que a grande maioria aproveite as liberdades formais que conquistamos nas lutas contra as ditaduras.

Hoje, a nossa Central representa 19.451.589 trabalhadores e trabalhadoras em todo o pais. Destes, 6.028.620 so sindicalizados, em 2.570 sindicatos filiados. A Central representa, negocia e defende os trabalhadores diante do governo, empresrios, foras polticas e foras sociais.

Vivemos uma contradio gritante. Somos reconhecidos como legtimos representantes da classe trabalhadora por toda a sociedade, inclusive pelo parlamento, que faz a lei, e pelo Poder judicirio, que a aplica. Apesar de tudo isso a nossa Central ainda no reconhecida pela Constituio brasileira.

Nascemos em plena ditadura militar e contra ela, com princpios que nos norteam at hoje: um sindicalismo de base, classista, democrtico e autnomo frente aos partidos polticos, Estado, empresrios e regies.

Com caracterstica de autenticidade e combatividade.

Em funo desses princpios, crescemos, nos consolidamos e buscamos evoluir em nossas aes e pensamentos. Mesmo porque o mundo evolui, e o poder econmico e poltico, com seus objetivos e aes envolventes, evolui mais rapidamente, ainda que para isso gere desemprego, crie precarizao, produza miserveis, provoque a dor humana, cause a morte, atingindo crianas, jovens, mulheres, negros, ndios, idosos... Cada vez mais, o dio, o preconceito, a xenofobia e a violncia crescem!

O que nem as ditaduras militares conseguiram a concepo neoliberal de mercado vem fazendo: a destruio da solidariedade humana, a fora-motor para uma evoluo rumo a um mundo mais justo, igualitrio e fraterno. No Brasil, proprietrios de gigantescas reas de terras se sentem defendidos pela democracia formal, enquanto milhares de famlias am fome, ainda que com disposio para cultivar as terras improdutivas. Quando elas tentam se organizar para reverter esse quadro, so classificadas de criminosas por atentarem contra o sagrado direito propriedade privada. Quando desistem de suas aspiraes, a nica alternativa que lhes resta e se dirigir para as favelas e cortios em torno das grandes cidades sem perspectiva de encontrar trabalho digno.

Banqueiros lucraram no Brasil com a inflao, que ao mesmo tempo esvaziava as nossas conquistas nas campanhas salariais. Hoje, com a inflao sob controle, continuam lucrando. Com garantias ncondicionais do governo, sentem-se a vontade para especular, enquanto unidades produtivas ficam estranguladas. O governo no assume a sua responsabilidade com os graves problemas sociais, aprofundando a misria em nosso pas. E continua forte e firme defendendo os interesses do capital. Os juros bsicos reais chegaram at 40% no ano. E continuam em patamares altssimos: perdem-se postos de trabalho e ganhamos que investem em especulao financeira, sem conpronisso nenhum com o desenvolvimento do Brasil. Polticas semelhantes so aplicadas em praticamente toda a Amrica Latna.

De um lado, aposta-se mundialmente nas bolsas, avana-se indiscriminadamente em mais tecnologias e em novos mtodos de produo. a riqueza se acumulando em poder de poucos.

Do outro lado, crescem o desemprego e a informalizao do mercado de trabalho, e os salrios so reduzidos. Por exemplo: o salrio mnimo no Brasil de cerca de 65 dlares. Mesmo assim, cerca de 20 milhes de brasileiros no chegam a ganhar at um salrio mnimo mensal. As condies de trabalho so precarizadas, aplica-se o jus in time no ser humano: os trabalhadores tm de estar a disposio do capital 24 horas por dia. Os trabalhadores e trabalhadoras se transformam em instrumentos descartveis e sem direitos.

a globalizao, hoje, instrumento executivo da doutrina neoliberal.

Globalizam-se os canais do lucro, nacionalizam-se os diques da misria. E o sistema o faz de maneira sofisticada, com requintes que atingem a conscincia popular. O sistema valoriza o egosmo e desestmula a solidariedade. Logo, desqualifica as organizaes sociais e democrticas, a tingindo em cheio os sindicatos de trabalhadores. Governantes e empresrios, defensores desse preceito, executam-no) com vigor, alegando competitividade e modernidade. Na verdade, um caminho perverso, que s tem trazido desesperana e angstia. Se essa a modernidade to propalada, no a queremos!

Ns, trabalhadores e trabalhadoras, recebemos toda a carga negativa da globalizao: desemprego, trabalho informal, previdncia social precria, trabalho infantil, prostituio de nossos filhos e filhas, trabalho escravo, discriminao racial, sexual e a trabalhadores imigrantes. O desemprego no mundo alto e tende a crescer. A precarizao do trabalho na Amrica Latina atinge cerca de 50% dos trabalhadores e supera a marca de 90% nos casos do Peru e Bolvia. J se comea a perceber esse fenmeno tambm nos pases desenvolvidos, provocando mudanas no perfil do emprego e, consequentemente, exigindo de nos novas formas de organizao e ao.

No Brasil, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) tomou posse como presidente da Repblica, o desemprego disparou. E no Brasil esses trabalhadores no tm sade, educao, moradia... Ficam reduzidos pior condio humana, a de miserveis. A reestruturao) produtiva eliminou mais de 2,4 milhes de empregos na indstria de transformao nos anos 90.

Apesar de um pas com tantos adultos desempregados, inmeros empresrios exploram o trabalho de crianas. Malditos! Em 96 existiam mais de 2 milhes e 400 mil crianas fora da escola, e aproximadamente 4 milhes de menores de 14 anos trabalhando. O Brasil um pas no qual h grande presena de crianas no mercado de trabalho, e que se encontram em condies subumanas, ganhando 1/3 do salrio dos adultos pela mesma funo. Em torno de 30% delas enfrentam uma jornada semanal de trabalho superior a 50 horas. E o governo brasileiro reduziu em mais de 15% os recursos para a educao nos ltimos trs anos!

A classe trabalhadora brasileira sofre com as consequncias das dvidas que o nosso pas paga, com o dficit comercial que surgiu junto com a abertura comercial e no parou de crescer, at chegar a quase 10 bilhes de dlares em 1997. Ao mesmo tempo, chegam notcias de que outros brasileiros so os maiores investidores em imobilirias em Mami e OS turistas que mais gastam nas lojas em Paris. No ano ado, brasileiros viajando para o exterior gastavam US$ 4,5 bi mais do que os turistas estrangeiros no Brasil. Quem conhece a beleza do nosso pas sabe que alguma coisa est fora da ordem. Vemos ao mesmo tempo que a situao na frica est tomando propores dramticas. E a realidade do outro lado do mundo no e to maravilhosa como alguns nos queriam fazer acreditar. O que as crises financeiras no Mxico e na sia tm em comum o fato de que os trabalhadores pagam a conta. Como diz o economista norte-americano Kapstein: O mundo pode estar se movendo inexoravelmente para um desses momentos trgicos que levar futuros historiadores a perguntar: por que no foi feito nada a tempo? Como pensamos o mundo daqui a 25 anos, se as previses modestas das Naes Unidas indicam um crescimento da populao dos atuais 6 bilhes para 8 bilhes e 500 mil pessoas, quase que totalmente concentradas nas regies mais pobres do nosso planeta?

O movimento sindical tem como compromisso histrico lutar para deixar acesa a chama da solidariedade humana. Ao longo das ltimas dcadas, acumulamos experincias em negociar com as empresas e o Estado nacional. O capitalismo tinha de aceitar de uma forma ou de outra conviver com uma legislao trabalhista que, com todas as possveis falhas, reconheceu a existncia de um desequilbrio de poder na relao capital e trabalho. Mas por trs das expresses revoluo tecnolgica e globalizao, o capital est rompendo todas as amarras que os trabalhadores conseguiram por meio da legislao trabalhista ou diretamente por meio de contratos coletivos. Globalizao e revoluo tecnolgica mudam as regras do jogo e impactam um mundo j caracterizado por profunda desigualdade. O capital est sempre mais livre, enquanto se enfraquece o poder de barganha da classe trabalhadora e se esvaziam os instrumentos de regulamentao. O Brasil, j cheio de contradies, ganhou mais uma: o impacto da globalizao faz com que hoje no sejam mais os trabalhadores a questionar a legislao trabalhista, apontando as suas limitaes.

Hoje o governo neoliberal que questiona a rigidez da regulamentao do mercado de trabalho. Mas o que significa rigidez em um pas como o nosso, no qual um trabalhador pode ser demitido a qualquer hora, sem que a empresa precise apresentar uma justificativa?

Tanto verdade que o governo brasileiro, pressionado pelas empresas nacionais e internacionais, renunciou aos compromissos contidos na Conveno 158 da OIT, que no faz outra coisa a no ser obrigar as empresas a consultar os sindicatos em caso de demisses em massa. Mas at mesmo essa conveno, que no garante emprego, j era considerada um incmodo para a livre circulao do capital. E sem a livre circulao do capital, o mundo no vai ser feliz, assim nos querem fazer acreditar. A perda de governabilidade d Lugar a uma concentrao de poder econmico e social. As 200 principais empresas multinacionais, das quais muitas possuem receita anual superior maioria dos PIBs nacionais, esto criando um novo tipo de totalitarismo, dessa vez de cunho econmico, e no militar, mas nem por isso menos cruel. Assistimos a criao de uma dinmica sobre a qual mesmo pases de porte tm pouca influncia. Crises financeiras e desemprego em massa so apresentados como fenmenos naturais, ou erros de percurso.

Mas quem paga a conta so invariavelmente os trabalhadores.

Entretanto, ns, trabalhadores e trabalhadoras organizados, existimos. Na luta e na resistncla. Com nossos erros e acertos. Est na hora de percebermos a enorme responsabilidade que tm as organizaes dos trabalhadores. Podemos e devemos levar a bandeira da solidariedade humana ao local de trabalho, ao bairro, ando as fronteiras, sem distino de raa, sexo, idade ou religio. Mas erramos quando limitamos nossa luta aos parmetros das nossas respectivas naes.

Erramos quando nos isolamos, corporatvamente.

Erramos quando imaginamos que j conquistamos tudo e nos acomodamos.

Erramos quando perdemos a perspectiva de classe.

Erramos quando, como dirigentes, nos afastamos dos trabalhadores que representamos.

Erramos quando, ao combater as propostas com as quais no concordamos, nos limitamos a dizer no, sem apresentar alternativas, quando elas podem existir.

Erramos quando percebemos que estamos envelhecendo e no estimulamos a participao da juventude em nossas organizaes.

Apesar de tudo, persistimos.

Crescemos e conquistamos.

Avanamos quando percebemos como somos importantes. Somos produtores, e sem o nosso trabalho no se vive.

Descobrimos que podemos at decidir quem sero os nossos governantes, apesar das dificuldades impostas pela ideologia dominante. Entretanto, existimos. E lutamos contra essa globalizao.

Devemos, cada vez mais, es tender os nossos Laos de solidariedade, globalizando a luta o conhecimento, as conquistas, os direitos, preservando a cultura de cada povo.

Devemos globalizar a esperana, a alegria, o bem...

Devemos globalizar as prticas sindicais, ticas e democrticas. Devemos fortalecer as aes e o intercmbio entre as organizaes Internacionais, independentemente da sua filiao, tendo como referncia a vida e a luta dos trabalhadores comuns que pretendemos representar.

Esse contato com os trabalhadores pressupe a simplicidade da relao ensinar-aprendendo, aprender-ensinando. A capacidade de compreender que se ns, sozinhos, dermos um grande o, o efeito ser muito pequeno se comparado ao pequeno o dado juntamente com todos os que representamos.

s vezes prefervel errar coletivamente do que acertar sozinhos.

E fundamental que nos abramos a um mundo mais amplo, quebrando as amarras cio corporativismo, do economicismo, do imediatismo.

A solidariedade com as lutas populares nos aspectos culturais, pela moradia, sade, no combate corrupo e impunidade, em alianas com outros segmentos, tudo isso nos colocara na condio de inseridos na luta de um povo, de uma nao. luta por um pais com desenvolvimento sustentvel e distribuio de renda isto socialmente justo.

Devemos manter, permanentemente, uma ao enrgica contra qualquer tipo de discriminao: sexual, religiosa, racial, regional, fsica, social...

Devemos construir propostas alternativas para a poltica industrial, propostas para a gerao de empregos, como a reduo da jornada de trabalho, o fim do trabalho infantil, previdncia, educao, polticas sociais, crescimento sustentado, reforma agrria, etc. So questes que esto alm do mbito estritamente sindical, intimamente ligadas vida de todo ser humano.

Devemos nesse aspecto, poder influenciar nos destinos da nossa nao, na perspectiva generosa da solidariedade e da justia social.

Que tenhamos em mente a procura do novo, em todos os sentidos que envolvem a nossa luta. No proibido sonhar com um mundo novo, desde que comecemos a construi-lo, definindo-o passo a o.

No crime sonhar um mundo mais igualitrio. A nossa luta tem de ser movida pela indignao e pela esperana. A indignao ao ver 05 milhes que tm de viver como miserveis, e nc1uanto outros nos tentam convencer de que as desigualdade fazem parte do ser humano e ajudam a liberar as foras criativas. Para ns, a fonte de liberao da nossa criatividade so a unio e a solidariedade humana. Como dizem nossos irmos e irms na frica do Sul: ferir um ferir todos.

Tenhamos esperana!

Sejamos altivos!

Saiamos da crise!

H cerca de dois mil anos, o rebelde Jesus Cristo, filho de um carpinteiro, fazia uma assemblia... E entre outras coisas, disse: Felizes os que tm fome e sede de justia, porque serio saciados.

Que ns, trabalhadores, sejamos protagonistas das mudanas positivas para todos, que com certeza saio a boa-nova no prximo milnio.

Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim