A ofensiva dos EUA na Amrica Latina: golpes,
retirada e radicalizao
James Petras
5z4z1f Introduo
A atual ofensiva poltico-militar dos EUA se pe de manifesto
na Amrica Latina em mltiplos contextos, usando uma variedade
de tticas (militares e polticas) e instrumentos, dirigida
a sustentar regimes clientes em decadncia, desestabilizar os
regimes independentes, pressionar a centro-esquerda para que se desloque
para a direita e destruir ou isolar os movimentos populares em ascenso
que desafiam o imprio dos EUA e seus lacaios. Procederemos discutindo
em primeiro lugar as formas particulares da ofensiva dos EUA em cada
pas, para logo em seguida explorar as razes gerais e
especficas da ofensiva na Amrica Latina contempornea.
Esta discusso nos dar as bases para a anlise
terica da natureza especfica de "Novo Imperialismo"
que reveste esta ofensiva e seu impacto sobre os partidos eleitorais
de centro-esquerda e os movimentos sociopolticos radicais. Na
seo final discutiremos as alternativas polticas
existentes no contexto da ofensiva dos EUA e do novo imperialismo.
Ofensiva Poltico-Militar: Mtodos Diversos, Objetivo
nico
O aspecto mais chamativo da ofensiva poltico-militar dos EUA
na Amrica Latina constitudo pelas variadas
tticas utilizadas para estabelecer ou consolidar os regimens
clientes e derrotar os movimentos sociopolticos populares opostos
dominao imperial. O centro da ateno
sobre a interveno estadunidense de alta intensidade
se d na Colmbia e Venezuela. Em ambos pases Washington
mantm apostas muito altas, que tm a ver com interesses
polticos, econmicos e ideolgicos, assim como
com consideraes geopolticas. Ambos pases
tm costas para os pases caribenhos e andinos, de igual
forma para o Brasil; a emergncia de um regime revolucionrio
na Colmbia ou a estabilizao de um regime nacionalista
na Venezuela poderiam inspirar transformaes similares
nas regies adjacentes e minar o controle que os EUA exercem
atravs de seus regimes clientes. Mais ainda, caso se produzam
mudanas polticas significativas, estas poderiam afetar
o controle dos EUA sobre a produo e o abastecimento
de petrleo, no s na Venezuela e Colmbia,
como tambm poderiam impor presso sobre Mxico
e Equador para que retrocedam em seus processos de privatizaes.
A todo custo Washington quer manter um abastecimento seguro de petrleo
no atual perodo de "guerra no declarada" contra
pases produtores de petrleo do Golfo - quer dizer, Iraque
e Ir - e frente crescente vulnerabilidade da Arbia
Saudita. Geopoliticamente, as transformaes sciopolticas
na Colmbia e Venezuela poderiam levar a um pacto de integrao
com a Cuba revolucionria, destruindo assim o embargo de quarenta
anos de Washington e criando uma alternativa vivel ao Acordo
de Livre Comrcio (ALCA/FTAA em ingls) patrocinado pelos
EUA. Washington optou por diferentes estratgias para esses dois
pases.
Para derrotar a insurgncia popular na Colmbia, adotou
uma estratgia de "guerra total". Na Venezuela, combina
uma estratgia civil de desestabilizao poltico-econmica
que culminaria em um golpe militar. A estratgia contra-insurgente
de Washington na Colmbia operava sob a cortina de uma campanha
anti-narcticos, para justificar a acelerada escalada militar.
As campanhas anti-narcticos se centravam em regies em
que as FARC (Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia)
eram mais fortes, ao mesmo tempo que ignoravam virtualmente as reas
controladas pelos paramilitares aliados das Foras Armadas Colombianas.
O avano poltico-militar das FARC a fins dos 90 obrigaram
ao governo colombiano ir mesa de negociaes
e incrementaram sua dependncia de ajuda militar e de assessores
do exrcito dos EUA. Nos EUA (e na Colmbia) as "negociaes
de paz" foram vistas como uma ttica temporria para
prevenir uma ofensiva a grande escala das FARC sobre os centros urbanos
de poder e como uma trgua para fortalecer a capacidade militar
do exrcito colombiano. Tambm para estender e aprofundar
a influncia militar dos EUA sobre as foras militares-paramilitares,
bem como sobre a estratgia militar das mesmas. Os "negociadores
da paz" do governo tambm esperavam distrair ou dividir
as FARC oferecendo-lhes uma "opo eleitoral",
tal como sucedeu na Amrica Central (El Salvador e Guatemala).
As FARC, conhecedoras do brutal assassinato em massa de ativistas polticos
(4.000-5.000) na segunda metade dos 80 e do abjeto e estrepitoso fracasso
dos guerrilheiros centro-americanos, convertidos em polticos
eleitoralistas para quase no obterem mudanas sociais
significativas, negaram-se a se render. Insistiram em reformas fundamentais
das estruturas do estado e da economia como pr-condies
para qualquer acordo de paz duradouro. Essas propostas de reformas democrticas
e scio-econmicas foram totalmente inaceitveis
para os regimes dos EUA e de Pastrana, que estavam se dirigindo na direo
oposta, para uma maior militarizao da vida poltica
e da liberalizao da economia. Ao largo de todo o perodo
de negociaes de paz, os EUA e Pastrana combinaram uma
retrica de paz com o financiamento e a promoo
de grupos paramilitares (atravs do exrcito colombiano)
envolvidos na tomada e destruio de povoados e aldeias,
o deslocamento de milhes de camponeses e sindicalistas, e o
assassinato de milhares de camponeses suspeitos de terem simpatias esquerdistas.
O objetivo era o de isolar s FARC dentro da zona desmilitarizada
e ao mesmo tempo treinar, armar e acumular tropas nas fronteiras, levar
adiante inspees de reconhecimento de alta tecnologia
para identificar alvos estratgicos. Por fim, romper abruptamente
com as negociaes e atacar de surpresa a regio
por ar e por terra, capturando ou matando os lderes das FARC
e desmoralizando os insurgentes em retirada. No preciso
dizer que essas tticas falharam. A guerrilha continua ativa
fora da zona de paz, fortaleceram suas foras no interior da
zona desmilitarizada e no sofreram perdas srias quando
Pastrana rompeu as negociaes de paz. Os Estados Unidos
fizeram da Colmbia um "caso experimental" para sua
ofensiva poltico- militar na Amrica Latina. Antes de
mais nada porque as FARC so a formao anti-imperialista
mais forte que ameaa tomar o poder do estado. Em segundo lugar,
porque tem fronteira com a Venezuela e tida como um aliado
do Presidente Chvez. A derrota das FARC permitiria aos EUA "cercar"
e incrementar a presso externa sobre Venezuela, e reforar
a campanha de desestabilizao interna. medida
que a base poltica de Pastrana se corri - devido
prolongada recesso e aos cortes sociais resultantes do enorme
oramento militar - os EUA aumentam sua ajuda militar. Agora,
toda a economia colombiana est subordinada estratgia
militar estadunidense; e a estratgia militar est dirigida
por uma poltica de terra arrasada - guerra total. Isto significa
que todas as consideraes civis e econmicas da
Colmbia so secundrias para o interesse primordial
de Washington de "ganhar a guerra" contra as FARC. Dadas a
fora e a experincia das FARC e a formidvel capacidade
estratgica de seu dirigente, Manuel Marulanda, e de seu Comando
Geral, a guerra entre os EUA e Colmbia promete um desenrolar
prolongado e sangrento, em que provavelmente haja uma escalada de grandes
dimenses de interveno dos EUA, um maior uso
do terror paramilitar e maiores e mais indiscriminados bombardeios de
alvos civis. Entretanto, uma vitria militar dos EUA
bastante duvidosa: o resultado final poderia estar mais prximo
do Vietn do que do Afeganisto.
Os primeiros sinais de que a ofensiva de Washington poderia ter um efeito
boomerang so visveis na Colmbia. Faz menos de
duas semanas, logo depois de os EUA terem pressionados o Presidente
Pastrana para que terminasse com as conversaes de paz
e declarasse a rea desmilitarizada como zona de guerra, o primeiro
general a frente das tropas que entraram na zona renunciou. Declarou
publicamente que a vitria militar era impossvel. A causa
imediata de sua renncia foi a destruio pelas
FARC de uma ponte que levava at a antiga zona desmilitarizada,
sob o comando militar direto do general. A exitosa ofensiva militar
das FARC que se seguiu ao trmino das conversaes
de paz, levou o Embaixador dos EUA na Colmbia a itir que o
Plano Colmbia era um fracasso.
Em contraste com a estratgia militar de terra arrasada na Colmbia,
os EUA implementam um enfoque cvico-militar para derrocar o
presidente Chvez na Venezuela. Chvez um nacionalista
liberal: tem seguido uma poltica econmica interna bastante
ortodoxa ao mesmo tempo que tem empreendido uma poltica exterior
nacionalista e independente. A estratgia dos EUA tem vrias
fases e combina ataques cvico-econmico-miditicos
com esforos para provocar fissuras dentro do exrcito
com vistas a provocar um golpe de estado. A primeira fase deste conflito
a desestabilizao da economia, atravs
de aes bem coordenadas de grupos agregados de negcios
e profissionais, e dirigentes sindicais de direita. O propsito
o de mobilizar a oposio pblica e centrar
a ateno das mdias na instabilidade do pas,
inibindo os investimentos dos capitalistas menos politizados que, no
entanto, tm medo de ver diminuir seus lucros frente a uma situao
conflitiva. Os meios de comunicao empreendem uma campanha
sistemtica para derrocar o regime de Chvez, defendendo
uma tomada violenta do poder. Os protestos governamentais e pblicos
contra o comportamento subversivo da mdia permitem que Washington
orquestrem uma campanha internacional contra as "violaes
liberdade de expresso", em especial atravs
da Associao Inter-Americana de Imprensa, influenciada
pelos EUA. A segunda fase da estratgia da istrao
Bush consiste em ar diretamente da desestabilizao
a um golpe militar. Isto inclui duas fases. A primeira a de
mobilizar os recursos de inteligncia dos EUA, oficiais venezuelanos
reformados e aqueles denominados "dissidentes" entre os oficiais
militares na ativa dos ramos mais reacionrios do exrcito
- no caso da Venezuela, a Fora Area e a Marinha.
A idia a de forar uma discusso poltica
no comando militar, provocar outros oficiais com idias afins
para que "saiam" em defesa dos oficiais expulsos e reforar
a mensagem da mdia/empresrios acerca da "instabilidade"
e de uma iminente "derrubada de Chvez", estimulando
assim um incremento da fuga de capitais. O segundo o o
de organizar os oficiais autoritrios da marinha e da fora
area para que pressionem o exrcito - o grosso do apoio
a Chvez - para conseguir adeses, neutralizar os oficiais
apolticos e isolar os leais a Chvez. A estratgia
de duas fases de Washington culminaria em um golpe militar com apoio
ativo dos EUA, no qual uma "junta cvico-militar de transio"
acabaria no poder. Vinculada a sua estratgia interna, baseada
em seus lacaios venezuelanos, Washington implementou uma "estratgia
externa". O Secretrio de Estado Powell denunciou Chvez
publicamente como autoritrio, e tanto ele como o FMI deram publicamente
seu apoio a um "governo de transio" - um sinal
claro e evidente do apoio dos EUA aos golpistas internos. As "Foras
Especiais" dos EUA j operam no Equador, Colmbia,
Peru, Panam, Afeganisto, Imen, Filipinas, Gergia,
Uzbequisto e outros estados lacaios da sia Central.
mais do que provvel que, no caso de uma tentativa de
golpe, o Pentgono envie elementos tticos operativos
e assessores polticos para "conduzir o golpe" e se
assegurar de que emirja a configurao apropriada de personalidades
civis com propsitos propagandsticos.
O perigo que o regime venezuelano enfrenta o de que, na "guerra
de desgaste poltico" de Washington, em que abundam as avalanches
propagandsticas dirias e as aes provocadoras,
Chvez no pode depender das constantes mobilizaes
de massas. Deve implementar seriamente polticas scio-econmicas
redistributivas radicais para manter o compromisso das massas e o apoio
ativo organizado. A ofensiva orquestrada pelos EUA est orientada
a criar uma "tenso permanente" como um arma psicolgica
para esgotar o apoio popular e afundar a moral do exrcito. A
poltica exterior independente de Chvez o que
suscita o antagonismo dos EUA. Isto inclui sua oposio
ao Plano Colmbia, sua crtica guerra dos EUA
no Afeganisto e ofensiva imperial a nvel mundial,
suas relaes cordiais com Iraque, Ir e Cuba,
e seu rechao a permitir que os EUA colonizem o espao
areo venezuelano. Sua poltica exterior no foi
complementada com reformas scio-econmicas integrais que
redundem no bem-estar de milhes de seus partidrios desempregados
e mal remunerados que vivem nos bairros pobres e nas vilas miserveis.
Os esforos dos EUA em derrocar Chvez esto baseados
em seu rechao, a incios de outubro, a apoiar a ofensiva
imperial mundial - a assim chamada "campanha anti-terrorista".
Assessores prximos a Chvez me informaram que uma delegao
de altos funcionrios de Washington visitaram Chvez e
lhe disseram sem rodeios que "pagaria um alto preo por
sua oposio ao Presidente Bush". Pouco depois, a
cmara de comrcio local e os dirigentes sindicais lanaram
suas campanhas - ainda quando o Presidente Chvez havia introduzido
uma reforma impositiva muito modesta (que em grande parte afetava s
companhias petrolferas estrangeiras), um plano de aquisio
(remunerada) de terras, e havia privatizado a maior empresa eltrica
pblica de Caracas. Claramente, os intentos de Chvez
de montar sobre dois cavalos - uma poltica exterior independente
e uma poltica interna liberal-reformista - o tornam muito vulnervel
estratgia golpista desenhada pelos EUA.
A ttica imperial dos EUA na Venezuela difere substancialmente
da empregada na Colmbia, em grande parte porque num caso est
defendendo um estado cliente contra a insurgncia popular e no
outro est tentando criar um movimento civil para provocar um
golpe. Entretanto, estrategicamente, o resultado poltico buscado
o mesmo: o de consolidar um regime lacaio que subordine o pas
ao imprio neomercantilista personificado na ALCA, e se converta
em vassalo disposto a se fazer de polcia do imprio na
Amrica Latina e talvez de provedor de mercenrios para
as novas guerras de ultramar.
Argentina o terceiro pas em que Washington est
intervindo. Depois do levantamento popular de massas do 19/20 de dezembro
de 2001, e da cada de cinco "Presidentes" lacaios,
Washington comeou a operar atravs de uma estratgia
de vrias fases que foi desenhada para continuar transferindo
ativos de bilhes de dlares s companhias estadunidenses,
prejudicar os competidores europeus e assegurar novamente para si uma
posio privilegiada no sistema poltico e econmico
da Argentina. O colapso do regime vassalo de De La Ra, e a debilidade
do regime de Duhalde para "impor" um retorno ao status quo
anterior ao levantamento popular, levou Washington a recorrer aos achegados
civis incondicionais (o ex-presidente Menem e o ex-ministro de economia
Murphy) e ao aparato de inteligncia militar - relativamente intacto
desde os dias da sangrenta ditadura. O problema de Washington com o
regime de Duhalde no sua "retificao"
das "medidas populistas" (acedeu ao pagamento parcial da dvida,
jurou apoio incondicional ofensiva global dos EUA, prope
limitar o gasto pblico, etc.).
O problema dos EUA que Duahlde no pode cumprir de maneira
enrgica com seus compromissos com o FMI e Wall Street. Os movimentos
populares esto crescendo em tamanho e atividade, e so
mais organizados e radicais. Em suas assemblias, defendem questes
fundamentais assim como preocupaes imediatas. Suas demandas
incluem o repdio dvida externa, a nacionalizao
da banca e dos setores econmicos estratgicos e a redistribuio
da renda - em uma palavra, repudiam o "modelo neoliberal",
em um momento em que os EUA esto pressionando para estender
e aprofundar seu controle por meio da ALCA neomercantilista. Cabe poucas
dvidas de que o regime de Duhalde est preparado para
aceder maioria das demandas do FMI - mas lhe falta capacidade
de implementar o pacote completo de austeridade e resgatar economicamente
os bancos no tempo e nas condies que Washington e o
FMI demandam. Cada concesso ao FMI - como os cortes oramentrios
- atia o fogo de mais manifestaes de professores
e funcionrios pblicos; o resgate dos bancos estrangeiros
requer continuar o confisco das poupanas privadas; o rebaixamento
drstico dos oramentos provinciais provoca mais desemprego,
fome e revoltas. O regime de Duhalde j aumentou o nvel
de represso e desatou seus capachos de rua - mas os movimentos
ainda proliferam e o tnue verniz de legitimidade deste regime
est se dissolvendo. O diretor da CIA Tenet j assinalou
a "preocupao" dos EUA com a instabilidade
na Argentina - referindo-se s mobilizaes populares.
Os recursos estadunidenses no aparato de inteligncia argentino
esto lanando bales de sondagem que avaliam a
resposta aos rumores de um golpe militar.
Essas tentativas, jogadas, exploratrias, foram desenhadas para
assegurar um consenso entre as elites militares, financeiras e econmicas
- junto com os banqueiros e multinacionais estadunidenses e europias,
especialmente espanholas. A mdia dos EUA e da Europa comearam
a fazer eco da estratgia em desenvolvimento de Washington -
escrevendo sobre o "caos", o "colapso", e a "instabilidade
crnica" do regime civil. Washington aponta para um regime
cvico-militar, se e quando Duhalde renuncie ou seja derrocado.
A estratgia de Washington a de decapitar a oposio
popular. Pode ser resumida como o Triplo M, um regime conformado pelo
ex-presidente Menem, o ex-ministro da economia Murphy e os Militares.
A falta de todo apoio social entre as camadas mdias e pobres
urbanos significa que esse seria um "regime de fora":
desenhado para pr a classe mdia contra a parede, levando-a
a um xodo massivo por meio de uma reduo brutal
dos nveis de vida para cumprir com os compromissos da dvida
externa. Em resumo, Washington est trabalhando em duas direes:
por um lado pressionando Duhalde para que se dobre a suas demandas assumindo
poderes ditatoriais totais, e pelo outro preparando as condies
para um novo regime vassalo "cvico-militar", mais
autoritrio e direitista. O recurso das ditaduras militares com
uma fachada cvica proporciona istrao
Bush a fachada ideolgica de "defender a democracia e a
liberdade de mercado". A mdia dos EUA pode embelezar isto,
assim como toda uma variedade de motivos relacionados. A estratgia
de militarizao de Washington tambm
evidente no Equador, Bolvia e Paraguai, onde os regimes lacaios,
desprovidos de toda legitimidade popular, se aferram ao poder e impem
as frmulas neomercantilistas de Washington (mercados livres
na Amrica Latina e protecionismo e subsdios nos EUA).
No Brasil e Mxico, Washington depende grandemente de instrumentos
polticos e diplomticos. No caso do Mxico, Washington
tem o direto istrao Fox em poltica
econmica e um virtual agente no Ministro de Relaes
Exteriores, Jorge Castaeda. A meta da subordinao
mexicana ao neomercantilismo dos EUA no questionada,
dado que Fox e Castaeda esto totalmente de acordo. O
que sim questionado a efetividade do regime em implementar
as polticas estadunidenses. O esforo de Fox para converter
o sul do Mxico e a Amrica Central em uma grande planta
de ensamblagem, centro petrolfero e turstico dos EUA
(Plano Puebla-Panam) tem se chocado com uma oposio
substancial. O deslocamento massivo de capitais estadunidenses para
China, onde os salrios so mais baixos, tem provocado
o desemprego em grande escala nos povoados da fronteira entre Mxico
e EUA. Os assim chamados "benefcios recprocos"
da "integrao" brilham por sua ausncia.
O dumping estadunidense de cereais e outros produtos agrcolas
tem sido devastador para os camponeses e agricultores mexicanos. A tomada
de controle estadunidense de todos os setores da economia mexicana (finanas,
telecomunicaes, servios, etc.) tem levado a
um fluxo massivo de pagamentos ao exterior por conta de benefcios
e licenas. Quanto s relaes exteriores,
a influncia de Washington nunca foi maior, dado que Castaeda
copia grosseiramente as polticas do Departamento de Defesa e
da CIA - declarando apoio incondicional poltica estadunidense
no Afeganisto e em qualquer interveno militar
futura, e intervindo toscamente na poltica interna de Cuba e
provocando o pior incidente na histria recente das relaes
diplomticas Cubano-Mexicanas.
As grosseiras intervenes anti-cubanas de Castaeda
apoiando Washington tiveram resultado contrrio, com a grande
maioria da classe poltica mexicana pedindo um voto de censura
para o ministro ou sua renncia. No entanto, se v claramente
que a mera presena de to desavergonhado promotor da
poltica estadunidense, como Castaeda na istrao
Fox, indicativa da conquista agressiva de espao por
parte de Washington no sistema poltico mexicano. A poderosa
presena de bancos e corporaes multinacionais
dos EUA e de numerosos vassalos polticos locais e regionais,
facilitam a recolonizao do Mxico - contra uma
fora laborativa cada vez mais empobrecida e difcil de
controlar. No Brasil, os EUA tm estado ativos, tanto na esfera
poltica como na econmica. Seu apoio a Cardoso produziu
resultados sem precedentes: a virtual entrega das principais empresas
pblicas nos setores das finanas, os recursos naturais
e o comrcio. Mais significativo ainda que os vnculos
dos capitais dos EUA e Europa com os imprios brasileiros nos
setores da mdia e os grandes negcios, tm tido
uma poderosa influncia sobre a classe poltica e sobre
a conformao da poltica eleitoral. Este bloco
de poder tem conseguido fazer virar polticos eleitoralistas
de centro-esquerda para direita, com o objetivo de assegurar o o
mdia e o apoio financeiro para ganhar as eleies
nacionais. A hegemonia dos EUA sobre o Brasil um processo poltico.
Sua influncia se transmite tanto atravs de intermedirios
locais e regionais como dos monoplios miditicos nacionais.
A "conquista" mais recente da ofensiva estadunidense
a da direo do assim chamado Partido dos Trabalhadores,
e em particular de seu candidato presidencial Lus Incio
Lula da Silva. Em resposta ofensiva dos EUA, Lula escolheu
um magnata txtil do direitista Partido Liberal como candidato
vice-presidncia. Tentou congraar a si mesmo
buscando uma reunio com Kissinger, declarando sua lealdade ao
FMI e jurando cumprir os compromissos da dvida externa, as indstrias
privatizadas, etc.. A guinada direita de Lula e do Partido
dos Trabalhadores significa que todos os maiores partidos eleitorais
permanecero dentro da rbita estadunidense e garantiro
a hegemonia indiscutvel dos EUA sobre as classes polticas.
Em resumo, a ofensiva imperial tem adotado uma variedade de tticas
e enfoques em diferentes pases, em uma variedade de contextos
poltico-militares. Ao mesmo tempo que d uma maior supremacia
interveno militar e aos golpes militares (sempre
com alguma forma de fachada civil) em certos pases (Colmbia,
Venezuela), Washington continua por um lado instrumentalizando seus
vassalos polticos e diplomticos, e por outro "dando
a volta" em seus adversrios polticos. O objetivo
estratgico de construir um imprio neomercantilista enfrenta
uma grande variedade de obstculos polticos, sociais
e militares, o que particularmente evidente na Colmbia,
Venezuela e Argentina. Em outras palavras, a projeo
imperial de poder est longe de ter se realizado. Encontra-se
enredada em uma srie de relaes conflitivas e
num contexto em que os fracassos scio-econmicos do imprio
no ado no criam um terreno favorvel ao avano
nem justificam a suposio de uma vitria inevitvel.
Pelo contrrio, a atual ofensiva imperial em parte o
resultado de importantes reveses nos anos recentes e do crescimento
da oposio entre seus antigos partidrios nas
classes mdias de alguns pases.
A Decadncia do Imprio: As Bases da Ofensiva Imperial
A ofensiva poltico-militar dos EUA na Amrica Latina
faz parte de uma campanha mundial para reverter a deteriorao
de sua influncia poltica e sua dominao
econmica, e para estender e consolidar seu poder imperial por
meio de uma combinao de bases militares e regimes polticos
vassalos. Com o incio em 7 de outubro de 2001 do bombardeio
massivo e a subsequente ocupao do Afeganisto,
Washington procedeu a estabelecer um regime ttere, completamente
dependente do poder militar dos EUA. A construo de satlites
se estendeu at a sia Central, onde Washington afastou
abruptamente os enlaces russos e estabeleceu bases militares e relaes
patro-cliente com os regimes. Processos similares de intervenes
militares, ocupaes de bases e relaes
patro-cliente foram estabelecidas com os governantes das Filipinas,
Imen e Gergia. Na Amrica Latina, antes do 7 de
outubro de 2001, os EUA j haviam estabelecido bases militares
no Equador, Peru, Aruba, El Salvador e no norte de Brasil. Mais significativo
ainda que a localizao de novas bases foi acompanhada
de um papel operacional extenso e direto no financiamento, treinamento
e direo de operaes de contra-insurgncia
das foras militares e paramilitares colombianas que combatem
a insurgncia popular.
importante fazer notar dois pontos. Primeiro, parte desta expanso
do poder dos EUA est dirigida a se contrapor aos avanos
dos movimentos populares e dos regimes anti-imperialistas. Segundo,
a ofensiva no s busca recuperar a influncia perdida,
seno estabelecer novos centros estratgicos de poder
de maneira a impor um imprio mundial indiscutvel. No
caso da Amrica Latina, ambos processos esto a caminho:
um esforo imperial orquestrado para derrotar os desafios populares
ao poder imperial e estabelecer um imprio neomercantil mais
exclusivo, explorador e repressivo do que o que existiu durante o perodo
denominado como "neoliberal". O propsito imediato
da ofensiva poltico-militar dos EUA na Amrica Latina
o de recuperar sua dominao em uma regio
em que seus regimes lacaios esto desacreditados e perdendo sua
capacidade de controlar as polticas macroeconmicas devido
oposio das massas. Essencialmente, a presena
militar de longo prazo dos EUA tem um objetivo poltico - sustentar
regimes desacreditados, substituir regimes vassalos fracos por juntas
cvico- militares mais autoritrias e derrocar governos
nacionais independentes que se recusam a seguir as polticas
de Washington. Que os regimes vassalos dos EUA esto se debilitando,
salta vista pelo fracasso do modelo econmico liberal,
o declive vertical da popularidade registrado nas pesquisas de opinio,
a fuga crescente de capitais locais e o que mais importante,
em alguns pases, a beligerncia cada vez maior de robustos
movimentos populares de massas dirigidos a desafiar a autoridade do
regime - quando no, o poder do estado.
O desafio mais poderoso e organizado ao projeto de construo
de satlites do imprio se d na Colmbia.
A oposio popular ao regime cvico-militar se
baseia em um poderoso movimento agrcola multi-setorial (que
inclui agricultores, camponeses e trabalhadores rurais), prejudicado
pelos cortes dos crditos, da poltica de portas abertas
s importaes de alimentos baratos estadunidenses
e o baixo preo de seus produtos de exportao.
A oposio incluiu tambm lutas sindicais militantes,
particularmente dos sindicatos petroleiros, dos funcionrios
pblicos e da indstria. A terceira e mais significativa
oposio se encontra no movimento guerrilheiro mais poderoso
e melhor organizado da historia recente da Amrica Latina. As
Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC)
e o Exrcito de Libertao Nacional (ELN) de menor
tamanho, incluem mais de 20.000 combatentes. A tarefa principal dos
especialistas em contra-insurgncia a de dirigir os esquadres
da morte paramilitares para que expulsem do campo pela fora
centenas de milhares de camponeses simpatizantes da guerrilha, e ass
os habitantes progressistas dos bairros pobres, ativistas estudantis,
trabalhadores pelos direitos humanos e lderes sindicais. A violncia
das foras paramilitares est orientada a isolar as guerrilhas
de sua base natural de massas - e fonte de alimentos e recrutas - de
maneira a facilitar as Foras Armadas no enfrentamento direto
com a guerrilha. A amplitude e a profundidade da violncia militar
- 40.000 civis assassinados na dcada de 1990 - sugerem o grau
em que a guerrilha esteve e est profundamente enraizada na populao
trabalhadora e camponesa. A guerrilha controla ou tem influncia
sobre a metade dos municpios rurais do pas e no
sofreu derrotas significativas, apesar das freqentes "campanhas
de extermnio" do exrcito. Pelo contrrio,
a guerrilha se encontra ativa a menos de 80 quilmetros da capital,
Bogot, controla estradas principais e domina uma vasta faixa
de zonas rurais.
Ao mesmo tempo que imersos em uma guerra mvel, mais do que de
posies, os insurgentes tm, de fato, estabelecido
um sistema de duplo poder em vrias regies do pas.
Mais ainda, os insurgentes tm a vantagem do conhecimento do terreno,
a proximidade com a populao local e uma direo
estrategicamente superior que, mais do que compensa a superioridade
tecnolgica e numrica do exrcito dirigido pelos
EUA, em sua maioria composto por recrutas. A entrada massiva de armas
e oficiais estadunidenses est orientada a reforar o
regime e a impedir sua deteriorao ou colapso frente
recesso que j leva dois anos, o descontentamento
civil e as arremetidas da guerrilha. Na Venezuela, o regime de Chvez
tem desafiado a poltica exterior dos EUA em vrias regies
vitais: 1) No Oriente Mdio, nos Estados do Golfo e do Norte
da frica. O governo de Chvez tem fortalecido a OPEP
e visitado Iraque, Ir e Lbia, rompendo assim o boicote
dos EUA. 2) No Sul da sia, Chvez se ops
interveno militar dos EUA ("a resposta ao terror
no mais terror"); na Amrica Latina se
ops ao Plano Colmbia e estratgia militar
contra-insurgente dos EUA, proibiu os vos espies estadunidense
sobre o espao areo venezuelano, rechaou a implementao
imediata da ALCA, desenvolveu laos ntimos com Cuba e
ofereceu sua mediao na disputa entre a guerrilha e o
regime na Colmbia. Em termos mais gerais, Chvez tem fortalecido
a OPEP e revitalizou sua capacidade de tomada de decises, e
sobretudo Chvez tem rechaado a submeter-se
cruzada pela dominao mundial do tandem Bush-Rumsfeld.
Esta ltima tomada de posio a que levou
os EUA a retirarem temporariamente seu embaixador e enviar uma delegao
de alto nvel de funcionrios do Departamento de Estado
que ameaaram Chvez em um estilo que lembra mais a mfia
do que os diplomatas de carreira. A poltica exterior independente
de Chvez marca um claro contraste com os anteriores regimes
vassalos corruptos, que se faziam de eco da poltica internacional
dos EUA.
O terceiro pas que tem sido testemunha de um acentuado declive
da influncia dos EUA a Argentina. O colapso do regime
de De La Ra e seu squito de ministros, a reboque dos
banqueiros estrangeiros e dos bancos multilaterais controlados pela
Europa e EUA, fizeram soar as campainhas de alarme em Washington. A
instalao da camarilha de Duhalde e suas concesses
a Washington e ao FMI no tm pacificado Casa
Branca porque seu regime tido como instvel e incapaz
de pr fim de maneira efetiva s mobilizaes
de massas. O fato poltico mais significativo o de que
a grande maioria da classe mdia tem se colocado contra o neoliberalismo
e seus promotores estrangeiros, e rechaam a todos os polticos
locais associados com eles. diferena do golpe de 1976,
em que os EUA e os generais foram capazes de botar a culpa na esquerda
pela "desordem" e "violncia", em 2002 so
os regimes liberais direitistas pr-estadunidenses os que confiscaram
as poupanas da classe mdia, fazendo baixar seus nveis
de vida e reprimindo violentamente as assemblias e os aos
da classe mdia.
Um golpe cvico-militar respaldado pelos EUA teria lugar em um
vazio poltico, praticamente sem nenhuma base social de apoio
e dependendo exclusivamente da represso violenta contra a totalidade
prtica das organizaes da sociedade civil. O
total descrdito poltico dos lacaios polticos
dos EUA, como o ex-presidente Menem, o ex-ministro (ministro por 15
dias) Murphy e os comandantes genocidas do exrcito, significa
que Washington enfrenta uma correlao de foras
scio-polticas bastante desfavorvel neste momento
e num futuro imediato. Neste contexto, as estratgias mais provveis
de Washington sero as de chamar Duhalde a tomar medidas repressivas
ainda mais severas como um meio de desmobilizar a oposio
para cumprir com as condies dos bancos estrangeiros,
com a promessa de novos emprstimos do FMI. Outro cenrio
possvel seriam novas eleies, em que uma renovada
verso de coalizo de centro-esquerda chegue ao poder,
e Washington recorra a uma estratgia de desgaste poltico
- minando os investimentos, emprstimos, etc. a efeito de provocar
o descontentamento, para assim descarregar um golpe de estado em um
entorno de caos e polticas falidas.
Neste contexto tem lugar uma corrida entre os movimentos de massas e
Washington, para ver quem consegue preencher o espao deixado
pela direita civil em desintegrao. Os EUA tm
as armas do estado mas no a base social. Os movimentos de massas
tm o apoio popular mas nenhuma direo nacional
organizada em uma posio de impulsionar a tomada do poder
do estado. Colmbia, Venezuela e Argentina expressam claramente
os centros da influncia e poder em decadncia dos EUA.
No entanto, foras alternativas avanam em vrios
outros pases latino-americanos. H sinais claros de que
os regimes vassalos no Paraguai (Macchi), Bolvia (Quiroga),
Equador (Noboa), Peru (Toledo) esto desacreditados e tm
pouco apoio popular na implementao da agenda de Washington.
E mais, h poderosos movimentos de massas multi-setoriais nos
trs primeiros pases que tm demonstrado sua capacidade
para a ao direta ao bloquear algumas das leis mais retrgradas.
Ao o que esses movimentos so poderosos, sua fora
reside em regies e em classes sociais particulares (camponeses)
e so propensos a negociar acordos limitados (que nunca so
implementados pelo regime - o que deste modo precipita novas mobilizaes
e confrontaes).
Analisar a influncia poltica de Washington no Brasil
muito complexo. Por um lado, o regime centro-direitista e pr-estadunidense
de Cardoso perdeu muito apoio na opinio pblica - exceto
entre os banqueiros estrangeiros e as elites locais - debilitando assim
a hegemonia dos EUA. Por outro lado, a esquerda tem sido severamente
debilitada pela guinada direita da direo do
Partido dos Trabalhadores e seu candidato presidencial Lus Incio
Lula Da Silva. Sua aliana com o direitista Partido Liberal e
a adoo da maior parte da agenda neoliberal deixam os
EUA em uma situao em que s podem ganhar. A guinada
direita alienar muitos dos votantes de base do PT e
talvez divida o partido, resultando na perda das eleies.
Ou, caso se d o resultado improvvel de uma vitria
do PT-Liberais, as conseqncias polticas no
afetaro os interesses fundamentais dos EUA. A incgnita
em qu medida a guinada direita do PT vai resultar
em um reagrupamento da esquerda - em que os poderosos movimentos sociais
(Trabalhadores Sem Terra, pequenos agricultores, movimentos urbanos
e habitacionais), os partidos de esquerda radicais (PSTU, PCdoB, etc.)
e os dissidentes da esquerda do Partido dos Trabalhadores possam unir
foras. Independentemente dos partidos eleitorais, h
uma poderosa e crescente corrente de opinio nacionalista e anti-imperialista,
que se ope fortemente ALCA e s polticas
econmicas promovidas pelos EUA e Europa que trouxeram consigo
uma dcada de estancamento econmico.
Mais ainda, o exrcito brasileiro no um aliado
de confiana para o Pentgono, dado que h uma
forte corrente nacionalista com razes histricas que
poderia resistir a uma maior interveno estadunidense.
Em resumo, seria um equvoco atribuir a atual ofensiva poltico-militar
dos EUA exclusivamente a fatores globais. A contra-ofensiva dos EUA
desde antes ao 11 de setembro e ao 7 de outubro. O Plano Colmbia
comeou quase dois anos antes. Certamente, a ofensiva imperial
na Amrica Latina recebeu um mpeto ideolgico
e militar maior logo depois dos eventos da segunda metade de 2001, mas
igualmente importante o avano dos movimentos populares
e a extenso dos sentimentos anti-imperialistas e anti-liberais
a setores substantivos das classes mdias em alguns dos maiores
pases. A complexa interao entre a decadncia
da influncia na Amrica Latina e nos Estados do Golfo,
combinada com a competio da Europa, mudou dramaticamente
a concepo do imprio por parte de Washington.
O Novo Imperialismo: Do Neoliberalismo ao Neomercantilismo
O caso dos "regimes falidos" no interior do imprio
neoliberal dos EUA na Amrica Latina foi ilustrado dramaticamente
pela Argentina, mas se repete em outros pases. O Neoliberalismo,
como estratgia imperial para obter o controle dos mercados,
das empresas nacionais e dos recursos naturais, parece estar chegando
a seu ponto final. Isto no significa o fim do imperialismo.
O que est acontecendo um maior grau de controle do
estado imperial sobre as economias e circuitos de circulao
do capital e mercadorias. A ALCA de Washington precisamente
um plano para a construo de um imprio neomercantilista,
em que os EUA estabelecem o marco legal para consolidar uma posio
privilegiada nos mercados e na economia latino-americanos, acima e contra
seus concorrentes europeus/japoneses. Os imprios neomercantilistas
se baseiam essencialmente em decises de estado unilaterais (rechaando
as negociaes) e na supremacia militar, ambas desenhadas
para impor polticas aos concorrentes internacionais, regionais
e nacionais. Dada a debilidade dos estados-clientes neoliberais para
conter a insurgncia popular, o estado imperial neomercantilista
opta por um maior uso da fora e da militarizao
da poltica.
Contra as conquistas econmicas na Amrica Latina de seus
aliados europeus, o neomercantilismo busca limitar as perdas futuras
atando a Amrica Latina aos Estados Unidos.
A transio de um imprio neoliberal a um neomercantil
no uma mudana abrupta; o novo imperialismo
ainda tem muitas das caractersticas do anterior: EUA ainda importam
muito mais mercadorias do que h 30 anos, e continuar
sendo dependente das importaes num futuro previsvel.
Mas de modo cada vez maior, Washington est indo na direo
do controle das importaes, cotas e tarifas para proteger
as indstrias domsticas no- competitivas, desde
o ao at o camaro.
Segundo, muitas das exportaes dos EUA tm sido
subsidiadas e, em certa medida, o protecionismo sempre existiu, mesmo
nos momentos mais lgidos do imprio neoliberal. A verdadeira
questo o grau e, o que mais importante, a
direo do comrcio subsidiado pelo estado. Os
EUA tm incrementado desproporcionadamente seus subsdios
agricultura, e por causa do dlar sobrevalorizado aram
a impor tarifas alfandegrias ao ao, a um custo para
os exportadores de ultramar de quase 10 bilhes de dlares
em ingressos no-percebidos. Europa far represlias;
os clientes latino-americanos, no - especialmente aqueles comprometidos
com a ALCA.
Terceiro, medida que os EUA am a ser um imprio
de comrcio e investimentos dirigidos pelo estado, na Amrica
Latina manter sua retrica neoliberal implementando ao
mesmo tempo uma estratgia estatista, desorientando assim os
analistas superficiais. Vrios fatores levam a uma coincidncia
entre o neomercantilismo e o incremento da militarizao.
Em primeiro lugar, a evidente assimetria das relaes
comerciais - os EUA protegem e do subsdios a sua indstria,
mas exigem "livre comrcio" para Amrica Latina
- conduz a desequilbrios que s podem ser impostos e
mantidos pela fora. Segundo, o Neomercantilismo degrada e aliena
setores das classes mdias locais, dos agricultores, e dos pequenos
negcios urbanos, estreitando assim a base poltica do
regime lacaio local. Em terceiro lugar, o papel cada vez maior do estado
imperial politiza a oposio ao estado. Em quarto lugar,
o neomercantilismo debilita o emprego local nas indstrias e
nos servios sociais do setor pblico, engrossando as
filas dos desempregados e subempregados e ampliando a base social para
a ao direta de massas. Quinto, a presso do estado
imperial sobre os estados vassalos para que cumpram com o pagamento
da dvida externa, elimina a maior parte do ingresso para financiar
servios sociais locais ou projetos de capital, reduzindo o emprego
de profissionais e o desenvolvimento da infra-estrutura. Em resumo,
a transio economia neomercantil requer mais
explorao e dominao. A ideologia global
"anti-terrorista" usada para justificar uma maior militarizao
estadunidense na Amrica Latina um ardil propagandstico:
as bases econmicas da militarizao esto
enraizadas na transio para um novo imperialismo.
A Ofensiva dos EUA: Seu Impacto
na Esquerda
A atual ofensiva imperial dos EUA tm tido um impacto diferenciado nas
formaes de esquerda na Amrica Latina. Em geral, podemos dizer que
os partidos eleitoralistas tm virado direita e que os movimentos
sociopolticos tm se radicalizado. A ofensiva no s tem afetado as
configuraes polticas e as estratgias, seno que tambm aos
programas econmicos. Comecemos pelo lado negativo - aqueles setores da
esquerda que, como resultado da interveno dos EUA, ameaas,
presses e propaganda, guinaram direita. Os dois casos mais
destacados so os do Partido Sandinista (FSLN) na Nicargua e o
Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em ambos casos houve uma gradual
guinada para o centro durante a ltima dcada. Nas eleies
presidenciais da Nicargua de 2001, Daniel Ortega escolheu um candidato
neoliberal para vice-presidente e logo aps o 11 de setembro avalizou o
bombardeio dos EUA sobre Afeganisto, sua ofensiva militar a escala
mundial, a ALCA, o pagamento da dvida externa e a poltica neoliberal
ortodoxa. Isso no serviu de nada: Washington e o embaixador dos EUA
intervieram nas eleies favorecendo o candidato liberal convencional
e lanaram ameaas ao eleitorado caso votassem por uma guerrilha
reciclada convertida em liberal. Ortega perdeu as eleies e o apoio
da militncia e da esquerda, sem conseguir garantir o apoio das elites
capitalistas.
No Brasil, a direo do Partido dos Trabalhadores ou de um
programa socialista a um social-democrata e, recentemente, a um
neoliberal. Enquanto que o Partido ainda conta com uma forte minoria de
social-democratas de esquerda e um contingente de intelectuais
marxistas, sua orientao atual a de se deslocar para a
centro-esquerda para assegurar alianas com o conservador Partido
Liberal e o PMDB (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro).
Enquanto que os dirigentes do partido do a guinada para a direita, o
dirigente mximo, Lula, assume as caractersticas de um caudilho
autoritrio - mais interessado em ganhar posies de poder do que em
reformar ou mudar o sistema scio-econmico. Lula e seus seguidores na
direo tm tomado medidas tanto simblicas quanto efetivas para
assegurar a Washington sua vontade de ser vassalos obedientes: prometem
garantir o pagamento da dvida, defender as empresas privatizadas e
estimular os investidores estadunidenses. No nvel
simblico-substantivo, a escolha por parte de Lula de um magnata
txtil, hostil aos sindicatos militantes, aos homossexuais e ao
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e favorvel ALCA sugerem
que o PT continua em movimento para a direita. Lula bajulou
Kissinger, arquidefensor das guerras imperiais e da OMC, durante sua
recente visita a So Paulo. Lula visitou Washington para dar garantias
Casa Branca de seu apoio total campanha global
"anti-terrorista". A guinada direita, ainda mais
pronunciada por parte do PT depois do 11 de setembro, sugere que a
presso de Washington acelerou um processo que j estava tendo lugar
como resultado da poltica partidria interna.
No Mxico, o voto do PRD (junto com os outros dois principais partidos
de direita) a favor da legislao que prejudicava as comunidades
dirigidas pelos zapatistas - e de fato, todas as comunidades indgenas
- um indicador das polticas conciliatrias da atual direo. A
negativa do atual lder do Partido em denunciar os provocadores
pronunciamentos do ministro de relaes exteriores mexicano e das
aes contra Cuba, so indicadores de que alguns setores do PRD podem
estar competindo com o PAN para serem os lacaios favoritos de Washington
no Senado mexicano. Em resumo, a ofensiva dos EUA teve um impacto
significativo em empurrar a maioria dos partidos eleitoralistas de
centro-esquerda para a direita. Em quase todos os casos, no entanto,
esta guinada direita j estava a caminho - a presso s acelerou o
processo e talvez empurrou esses partidos muito mais para a direita do
que se podia prever. Em contrapartida, a ofensiva poltico-militar
estadunidense e o grande empurro dado para impor a ALCA tm aumentado
a extenso, profundidade e radicalizao de muitos dos movimentos
scio-polticos da regio.
Na Colmbia, a presso dos EUA para romper as negociaes de paz e
militarizar a zona neutral, levou a grandes e exitosas contra-ofensivas
das guerrilhas, a uma colaborao mais estreita entre as FARC e o ELN
e a uma drstica deteriorao da economia, incluindo os fluxos de
petrleo e energia, e o abastecimento de gua, produto dos ataques da
guerrilha. Mais ainda, sob condies de guerra e confrontao de
classes, provvel que as demandas programticas da insurgncia se
radicalizem. Ao menos em sua primeira fase, a ofensiva estadunidense na
Colmbia tem conduzido a vrias derrotas tticas e, parte da
captura de umas poucas populaes isoladas na zona desmilitarizada,
tem levado a perdas significativas entre os esquadres da morte
paramilitares patrocinados pelos exrcitos dos EUA e Colmbia.
Na Argentina, o intento de Duhalde para tranqilizar os EUA quanto ao
pagamento da dvida, oferecendo votar contra Cuba, honrar com o FMI,
etc., fortaleceu a oposio e radicalizou as demandas. Os grupos e
classes de oposio, outrora dspares, convergem cada dia mais para
uma coalizo efetiva. As reunies de unidade nacional contam com a
presena de milhares e os aos da classe mdia continuam um
atrs do outro com grandes bloqueios de estradas a cargo dos
desempregados. A economia continua se afundando, se prev um
crescimento negativo de dois dgitos. A massa da classe mdia com seus
fundos ainda confiscados sabe que os banqueiros estadunidenses e
europeus e seus clientes argentinos puderam enviar aos EUA, Europa e
Uruguai cerca de 40 bilhes de dlares antes que suas contas fossem
congeladas.
O resultado um rechao poderoso e consciente para com a classe
poltica. A ofensiva dos EUA teve o efeito de isolar seus vassalos
polticos. No teve nenhum efeito quanto a amortizar ou neutralizar o
ascenso popular. Enquanto o regime de Duhalde respalda a ofensiva dos
EUA, se v socialmente impotente e politicamente isolado, incapaz de
implementar medidas polticas significativas. Mais importante ainda
que Washington no possui interlocutores estveis na manso
presidencial - o regime de Duhalde poderia terminar antes de cumprir o
perodo de seu mandato.
Na Venezuela, a ofensiva estadunidense tem mobilizado exitosamente as
elites comerciais (Fedecamaras), a hierarquia religiosa e os chefes
sindicais em manifestaes de grande escala com a esperana de
provocar um golpe militar e substituir Chvez por um vassalo local. Por
outro lado, Chvez tem respondido fomentando manifestaes massivas
de seus partidrios entre os pobres das cidades e os sindicalistas
dissidentes. Tambm conta com a lealdade dos comandantes do Exrcito.
A interveno dos EUA tem radicalizado os discursos de Chvez, que
tem dado sinais de que poderia introduzir mudanas scio-econmicas
mais substanciais a favor dos pobres. As confrontaes esto levando
a uma maior polarizao social entre as classes altas ricas e classes
medias prsperas por um lado, e a classe mdia pauperizada e pobres
urbanos e rurais pelo outro. A ofensiva de Washington tem polarizado o
pas e radicalizado as demandas polticas e sociais em ambos os lados:
as classes ricas e o empresariado apiam abertamente uma soluo
militar para voltar a impor um regime lacaio que reverta a poltica
exterior independente de Chvez; os pobres pedindo a Chvez que use
mo de ferro para tratar a oposio orientada do exterior e que
implemente um programa redistributivo radical. Chvez at o momento
mantm uma cada vez mais insustentvel "posio
intermediria" - resistindo aos intentos da direita para
derroc-lo, convocando a mobilizaes de massas em apoio ao regime
constitucional, mantendo sua poltica exterior independente mas sem se
comprometer claramente em um processo de transformaes sociais
claramente delineado.
No Mxico, Brasil, Bolvia, Equador e Paraguai, os EUA tm assegurado
o respaldo dos regimes lacaios a sua ofensiva mundial. Mas nesse
processo, os prprios regimes se convertem cada vez mais em
instrumentos isolados e ineficientes das polticas dos EUA dentro da
Amrica Latina. Mais ainda, abaixo do nvel do governo, h pouco
apoio para qualquer campanha militar estadunidense que favorea s
polticas econmicas assassinas e que se sustenta em foras militares
repressivas com um largo histrico de massacrar movimentos populares.
Washington consegue garantir alinhamentos favorveis por parte da
maioria dos regimes nos fruns internacionais, por meio das ameaas e
da compra de votos, mas tem perdido a hegemonia ideolgica em toda a
regio, exceto em alguns crculos de elites intelectuais e entre as
ONG's conformistas. Em contraste com isto, os bloqueios de estradas se
multiplicam - desde as "auto-pistas" da Patagnia at os
caminhos rurais da Bolvia ou as selvas da Colmbia: "eles"
no am. Os EUA conseguem obter promessas dos Presidentes tteres,
mas cada vez mais os palcios presidenciais e os prdios do congresso
so cercados por manifestantes, enquanto que o cheiro de pneus
queimando se infiltra por entre os arames farpados e a pelas caras
de mau dos soldados fortemente armados. A ofensiva estadunidense tem
intimidado ou cooptado os polticos oportunistas precisamente no
momento em que o eleitorado os estava abandonando.
Concluso
Claramente, estamos entrando em um perodo de ofensiva poltica
e militar dos EUA, golpes militares (ou tentativas de golpes), ao
direta das massas, polarizao poltica e novas
formas de representao social. No h resultados
uniformes - os benefcios e as perdas que resultem da ofensiva
estadunidense no podem ser medidos contando os votos dos presidentes
e o nvel de assentimento dos generais leais. Os movimentos sociais
em avano e a insurgncia popular tm desmascarado
o saque imperial e tm derrubado regimes lacaios, mas os resultados
polticos importantes esto ainda por vir. Os conflitos
sociais e os enfrentamentos militares acontecem a escala continental;
presidentes lacaios sobem e descem, impem substitutos. Movimentos
e partidos crescem e logo enfrentam desafios decisivos: fazer compromissos
ou lutar pelo poder. As falhas e as limitaes dos programas
reformistas voltaram a colocar o socialismo na agenda. Tem surgido uma
nova gerao que no viveu na prpria carne
as derrotas polticas e o terror das dcadas de 1960 e
1970, mas que certamente tem vivido a fome, a pobreza, o desemprego
e a corrupo poltica da dcada de 1990.
Nenhum dos movimentos militantes emergentes ou das insurgncias
populares experimentaram uma derrota histrica nesta dcada.
O movimento, com ascensos e descensos temporais, ainda segue uma trajetria
ascendente. Entretanto, nenhum resultado inevitvel
nem predeterminado: a organizao consciente, a clareza
poltica e a audaz interveno humana so
necessrias para se contrapor a atual ofensiva imperial e convert-la
em uma derrota histrica, e mais do que isso, em uma revoluo
socialista vitoriosa.
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