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A ofensiva dos EUA na Amrica Latina: golpes, retirada e radicalizao James Petras 5z4z1f

Introduo

A atual ofensiva poltico-militar dos EUA se pe de manifesto na Amrica Latina em mltiplos contextos, usando uma variedade de tticas (militares e polticas) e instrumentos, dirigida a sustentar regimes clientes em decadncia, desestabilizar os regimes independentes, pressionar a centro-esquerda para que se desloque para a direita e destruir ou isolar os movimentos populares em ascenso que desafiam o imprio dos EUA e seus lacaios. Procederemos discutindo em primeiro lugar as formas particulares da ofensiva dos EUA em cada pas, para logo em seguida explorar as razes gerais e especficas da ofensiva na Amrica Latina contempornea. Esta discusso nos dar as bases para a anlise terica da natureza especfica de "Novo Imperialismo" que reveste esta ofensiva e seu impacto sobre os partidos eleitorais de centro-esquerda e os movimentos sociopolticos radicais. Na seo final discutiremos as alternativas polticas existentes no contexto da ofensiva dos EUA e do novo imperialismo.

Ofensiva Poltico-Militar: Mtodos Diversos, Objetivo nico

O aspecto mais chamativo da ofensiva poltico-militar dos EUA na Amrica Latina constitudo pelas variadas tticas utilizadas para estabelecer ou consolidar os regimens clientes e derrotar os movimentos sociopolticos populares opostos dominao imperial. O centro da ateno sobre a interveno estadunidense de alta intensidade se d na Colmbia e Venezuela. Em ambos pases Washington mantm apostas muito altas, que tm a ver com interesses polticos, econmicos e ideolgicos, assim como com consideraes geopolticas. Ambos pases tm costas para os pases caribenhos e andinos, de igual forma para o Brasil; a emergncia de um regime revolucionrio na Colmbia ou a estabilizao de um regime nacionalista na Venezuela poderiam inspirar transformaes similares nas regies adjacentes e minar o controle que os EUA exercem atravs de seus regimes clientes. Mais ainda, caso se produzam mudanas polticas significativas, estas poderiam afetar o controle dos EUA sobre a produo e o abastecimento de petrleo, no s na Venezuela e Colmbia, como tambm poderiam impor presso sobre Mxico e Equador para que retrocedam em seus processos de privatizaes. A todo custo Washington quer manter um abastecimento seguro de petrleo no atual perodo de "guerra no declarada" contra pases produtores de petrleo do Golfo - quer dizer, Iraque e Ir - e frente crescente vulnerabilidade da Arbia Saudita. Geopoliticamente, as transformaes sciopolticas na Colmbia e Venezuela poderiam levar a um pacto de integrao com a Cuba revolucionria, destruindo assim o embargo de quarenta anos de Washington e criando uma alternativa vivel ao Acordo de Livre Comrcio (ALCA/FTAA em ingls) patrocinado pelos EUA. Washington optou por diferentes estratgias para esses dois pases.

Para derrotar a insurgncia popular na Colmbia, adotou uma estratgia de "guerra total". Na Venezuela, combina uma estratgia civil de desestabilizao poltico-econmica que culminaria em um golpe militar. A estratgia contra-insurgente de Washington na Colmbia operava sob a cortina de uma campanha anti-narcticos, para justificar a acelerada escalada militar. As campanhas anti-narcticos se centravam em regies em que as FARC (Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia) eram mais fortes, ao mesmo tempo que ignoravam virtualmente as reas controladas pelos paramilitares aliados das Foras Armadas Colombianas. O avano poltico-militar das FARC a fins dos 90 obrigaram ao governo colombiano ir mesa de negociaes e incrementaram sua dependncia de ajuda militar e de assessores do exrcito dos EUA. Nos EUA (e na Colmbia) as "negociaes de paz" foram vistas como uma ttica temporria para prevenir uma ofensiva a grande escala das FARC sobre os centros urbanos de poder e como uma trgua para fortalecer a capacidade militar do exrcito colombiano. Tambm para estender e aprofundar a influncia militar dos EUA sobre as foras militares-paramilitares, bem como sobre a estratgia militar das mesmas. Os "negociadores da paz" do governo tambm esperavam distrair ou dividir as FARC oferecendo-lhes uma "opo eleitoral", tal como sucedeu na Amrica Central (El Salvador e Guatemala). As FARC, conhecedoras do brutal assassinato em massa de ativistas polticos (4.000-5.000) na segunda metade dos 80 e do abjeto e estrepitoso fracasso dos guerrilheiros centro-americanos, convertidos em polticos eleitoralistas para quase no obterem mudanas sociais significativas, negaram-se a se render. Insistiram em reformas fundamentais das estruturas do estado e da economia como pr-condies para qualquer acordo de paz duradouro. Essas propostas de reformas democrticas e scio-econmicas foram totalmente inaceitveis para os regimes dos EUA e de Pastrana, que estavam se dirigindo na direo oposta, para uma maior militarizao da vida poltica e da liberalizao da economia. Ao largo de todo o perodo de negociaes de paz, os EUA e Pastrana combinaram uma retrica de paz com o financiamento e a promoo de grupos paramilitares (atravs do exrcito colombiano) envolvidos na tomada e destruio de povoados e aldeias, o deslocamento de milhes de camponeses e sindicalistas, e o assassinato de milhares de camponeses suspeitos de terem simpatias esquerdistas.

O objetivo era o de isolar s FARC dentro da zona desmilitarizada e ao mesmo tempo treinar, armar e acumular tropas nas fronteiras, levar adiante inspees de reconhecimento de alta tecnologia para identificar alvos estratgicos. Por fim, romper abruptamente com as negociaes e atacar de surpresa a regio por ar e por terra, capturando ou matando os lderes das FARC e desmoralizando os insurgentes em retirada. No preciso dizer que essas tticas falharam. A guerrilha continua ativa fora da zona de paz, fortaleceram suas foras no interior da zona desmilitarizada e no sofreram perdas srias quando Pastrana rompeu as negociaes de paz. Os Estados Unidos fizeram da Colmbia um "caso experimental" para sua ofensiva poltico- militar na Amrica Latina. Antes de mais nada porque as FARC so a formao anti-imperialista mais forte que ameaa tomar o poder do estado. Em segundo lugar, porque tem fronteira com a Venezuela e tida como um aliado do Presidente Chvez. A derrota das FARC permitiria aos EUA "cercar" e incrementar a presso externa sobre Venezuela, e reforar a campanha de desestabilizao interna. medida que a base poltica de Pastrana se corri - devido prolongada recesso e aos cortes sociais resultantes do enorme oramento militar - os EUA aumentam sua ajuda militar. Agora, toda a economia colombiana est subordinada estratgia militar estadunidense; e a estratgia militar est dirigida por uma poltica de terra arrasada - guerra total. Isto significa que todas as consideraes civis e econmicas da Colmbia so secundrias para o interesse primordial de Washington de "ganhar a guerra" contra as FARC. Dadas a fora e a experincia das FARC e a formidvel capacidade estratgica de seu dirigente, Manuel Marulanda, e de seu Comando Geral, a guerra entre os EUA e Colmbia promete um desenrolar prolongado e sangrento, em que provavelmente haja uma escalada de grandes dimenses de interveno dos EUA, um maior uso do terror paramilitar e maiores e mais indiscriminados bombardeios de alvos civis. Entretanto, uma vitria militar dos EUA bastante duvidosa: o resultado final poderia estar mais prximo do Vietn do que do Afeganisto.

Os primeiros sinais de que a ofensiva de Washington poderia ter um efeito boomerang so visveis na Colmbia. Faz menos de duas semanas, logo depois de os EUA terem pressionados o Presidente Pastrana para que terminasse com as conversaes de paz e declarasse a rea desmilitarizada como zona de guerra, o primeiro general a frente das tropas que entraram na zona renunciou. Declarou publicamente que a vitria militar era impossvel. A causa imediata de sua renncia foi a destruio pelas FARC de uma ponte que levava at a antiga zona desmilitarizada, sob o comando militar direto do general. A exitosa ofensiva militar das FARC que se seguiu ao trmino das conversaes de paz, levou o Embaixador dos EUA na Colmbia a itir que o Plano Colmbia era um fracasso.

Em contraste com a estratgia militar de terra arrasada na Colmbia, os EUA implementam um enfoque cvico-militar para derrocar o presidente Chvez na Venezuela. Chvez um nacionalista liberal: tem seguido uma poltica econmica interna bastante ortodoxa ao mesmo tempo que tem empreendido uma poltica exterior nacionalista e independente. A estratgia dos EUA tem vrias fases e combina ataques cvico-econmico-miditicos com esforos para provocar fissuras dentro do exrcito com vistas a provocar um golpe de estado. A primeira fase deste conflito a desestabilizao da economia, atravs de aes bem coordenadas de grupos agregados de negcios e profissionais, e dirigentes sindicais de direita. O propsito o de mobilizar a oposio pblica e centrar a ateno das mdias na instabilidade do pas, inibindo os investimentos dos capitalistas menos politizados que, no entanto, tm medo de ver diminuir seus lucros frente a uma situao conflitiva. Os meios de comunicao empreendem uma campanha sistemtica para derrocar o regime de Chvez, defendendo uma tomada violenta do poder. Os protestos governamentais e pblicos contra o comportamento subversivo da mdia permitem que Washington orquestrem uma campanha internacional contra as "violaes liberdade de expresso", em especial atravs da Associao Inter-Americana de Imprensa, influenciada pelos EUA. A segunda fase da estratgia da istrao Bush consiste em ar diretamente da desestabilizao a um golpe militar. Isto inclui duas fases. A primeira a de mobilizar os recursos de inteligncia dos EUA, oficiais venezuelanos reformados e aqueles denominados "dissidentes" entre os oficiais militares na ativa dos ramos mais reacionrios do exrcito - no caso da Venezuela, a Fora Area e a Marinha.

A idia a de forar uma discusso poltica no comando militar, provocar outros oficiais com idias afins para que "saiam" em defesa dos oficiais expulsos e reforar a mensagem da mdia/empresrios acerca da "instabilidade" e de uma iminente "derrubada de Chvez", estimulando assim um incremento da fuga de capitais. O segundo o o de organizar os oficiais autoritrios da marinha e da fora area para que pressionem o exrcito - o grosso do apoio a Chvez - para conseguir adeses, neutralizar os oficiais apolticos e isolar os leais a Chvez. A estratgia de duas fases de Washington culminaria em um golpe militar com apoio ativo dos EUA, no qual uma "junta cvico-militar de transio" acabaria no poder. Vinculada a sua estratgia interna, baseada em seus lacaios venezuelanos, Washington implementou uma "estratgia externa". O Secretrio de Estado Powell denunciou Chvez publicamente como autoritrio, e tanto ele como o FMI deram publicamente seu apoio a um "governo de transio" - um sinal claro e evidente do apoio dos EUA aos golpistas internos. As "Foras Especiais" dos EUA j operam no Equador, Colmbia, Peru, Panam, Afeganisto, Imen, Filipinas, Gergia, Uzbequisto e outros estados lacaios da sia Central. mais do que provvel que, no caso de uma tentativa de golpe, o Pentgono envie elementos tticos operativos e assessores polticos para "conduzir o golpe" e se assegurar de que emirja a configurao apropriada de personalidades civis com propsitos propagandsticos.

O perigo que o regime venezuelano enfrenta o de que, na "guerra de desgaste poltico" de Washington, em que abundam as avalanches propagandsticas dirias e as aes provocadoras, Chvez no pode depender das constantes mobilizaes de massas. Deve implementar seriamente polticas scio-econmicas redistributivas radicais para manter o compromisso das massas e o apoio ativo organizado. A ofensiva orquestrada pelos EUA est orientada a criar uma "tenso permanente" como um arma psicolgica para esgotar o apoio popular e afundar a moral do exrcito. A poltica exterior independente de Chvez o que suscita o antagonismo dos EUA. Isto inclui sua oposio ao Plano Colmbia, sua crtica guerra dos EUA no Afeganisto e ofensiva imperial a nvel mundial, suas relaes cordiais com Iraque, Ir e Cuba, e seu rechao a permitir que os EUA colonizem o espao areo venezuelano. Sua poltica exterior no foi complementada com reformas scio-econmicas integrais que redundem no bem-estar de milhes de seus partidrios desempregados e mal remunerados que vivem nos bairros pobres e nas vilas miserveis. Os esforos dos EUA em derrocar Chvez esto baseados em seu rechao, a incios de outubro, a apoiar a ofensiva imperial mundial - a assim chamada "campanha anti-terrorista". Assessores prximos a Chvez me informaram que uma delegao de altos funcionrios de Washington visitaram Chvez e lhe disseram sem rodeios que "pagaria um alto preo por sua oposio ao Presidente Bush". Pouco depois, a cmara de comrcio local e os dirigentes sindicais lanaram suas campanhas - ainda quando o Presidente Chvez havia introduzido uma reforma impositiva muito modesta (que em grande parte afetava s companhias petrolferas estrangeiras), um plano de aquisio (remunerada) de terras, e havia privatizado a maior empresa eltrica pblica de Caracas. Claramente, os intentos de Chvez de montar sobre dois cavalos - uma poltica exterior independente e uma poltica interna liberal-reformista - o tornam muito vulnervel estratgia golpista desenhada pelos EUA.

A ttica imperial dos EUA na Venezuela difere substancialmente da empregada na Colmbia, em grande parte porque num caso est defendendo um estado cliente contra a insurgncia popular e no outro est tentando criar um movimento civil para provocar um golpe. Entretanto, estrategicamente, o resultado poltico buscado o mesmo: o de consolidar um regime lacaio que subordine o pas ao imprio neomercantilista personificado na ALCA, e se converta em vassalo disposto a se fazer de polcia do imprio na Amrica Latina e talvez de provedor de mercenrios para as novas guerras de ultramar.

Argentina o terceiro pas em que Washington est intervindo. Depois do levantamento popular de massas do 19/20 de dezembro de 2001, e da cada de cinco "Presidentes" lacaios, Washington comeou a operar atravs de uma estratgia de vrias fases que foi desenhada para continuar transferindo ativos de bilhes de dlares s companhias estadunidenses, prejudicar os competidores europeus e assegurar novamente para si uma posio privilegiada no sistema poltico e econmico da Argentina. O colapso do regime vassalo de De La Ra, e a debilidade do regime de Duhalde para "impor" um retorno ao status quo anterior ao levantamento popular, levou Washington a recorrer aos achegados civis incondicionais (o ex-presidente Menem e o ex-ministro de economia Murphy) e ao aparato de inteligncia militar - relativamente intacto desde os dias da sangrenta ditadura. O problema de Washington com o regime de Duhalde no sua "retificao" das "medidas populistas" (acedeu ao pagamento parcial da dvida, jurou apoio incondicional ofensiva global dos EUA, prope limitar o gasto pblico, etc.).

O problema dos EUA que Duahlde no pode cumprir de maneira enrgica com seus compromissos com o FMI e Wall Street. Os movimentos populares esto crescendo em tamanho e atividade, e so mais organizados e radicais. Em suas assemblias, defendem questes fundamentais assim como preocupaes imediatas. Suas demandas incluem o repdio dvida externa, a nacionalizao da banca e dos setores econmicos estratgicos e a redistribuio da renda - em uma palavra, repudiam o "modelo neoliberal", em um momento em que os EUA esto pressionando para estender e aprofundar seu controle por meio da ALCA neomercantilista. Cabe poucas dvidas de que o regime de Duhalde est preparado para aceder maioria das demandas do FMI - mas lhe falta capacidade de implementar o pacote completo de austeridade e resgatar economicamente os bancos no tempo e nas condies que Washington e o FMI demandam. Cada concesso ao FMI - como os cortes oramentrios - atia o fogo de mais manifestaes de professores e funcionrios pblicos; o resgate dos bancos estrangeiros requer continuar o confisco das poupanas privadas; o rebaixamento drstico dos oramentos provinciais provoca mais desemprego, fome e revoltas. O regime de Duhalde j aumentou o nvel de represso e desatou seus capachos de rua - mas os movimentos ainda proliferam e o tnue verniz de legitimidade deste regime est se dissolvendo. O diretor da CIA Tenet j assinalou a "preocupao" dos EUA com a instabilidade na Argentina - referindo-se s mobilizaes populares. Os recursos estadunidenses no aparato de inteligncia argentino esto lanando bales de sondagem que avaliam a resposta aos rumores de um golpe militar.

Essas tentativas, jogadas, exploratrias, foram desenhadas para assegurar um consenso entre as elites militares, financeiras e econmicas - junto com os banqueiros e multinacionais estadunidenses e europias, especialmente espanholas. A mdia dos EUA e da Europa comearam a fazer eco da estratgia em desenvolvimento de Washington - escrevendo sobre o "caos", o "colapso", e a "instabilidade crnica" do regime civil. Washington aponta para um regime cvico-militar, se e quando Duhalde renuncie ou seja derrocado. A estratgia de Washington a de decapitar a oposio popular. Pode ser resumida como o Triplo M, um regime conformado pelo ex-presidente Menem, o ex-ministro da economia Murphy e os Militares. A falta de todo apoio social entre as camadas mdias e pobres urbanos significa que esse seria um "regime de fora": desenhado para pr a classe mdia contra a parede, levando-a a um xodo massivo por meio de uma reduo brutal dos nveis de vida para cumprir com os compromissos da dvida externa. Em resumo, Washington est trabalhando em duas direes: por um lado pressionando Duhalde para que se dobre a suas demandas assumindo poderes ditatoriais totais, e pelo outro preparando as condies para um novo regime vassalo "cvico-militar", mais autoritrio e direitista. O recurso das ditaduras militares com uma fachada cvica proporciona istrao Bush a fachada ideolgica de "defender a democracia e a liberdade de mercado". A mdia dos EUA pode embelezar isto, assim como toda uma variedade de motivos relacionados. A estratgia de militarizao de Washington tambm evidente no Equador, Bolvia e Paraguai, onde os regimes lacaios, desprovidos de toda legitimidade popular, se aferram ao poder e impem as frmulas neomercantilistas de Washington (mercados livres na Amrica Latina e protecionismo e subsdios nos EUA).

No Brasil e Mxico, Washington depende grandemente de instrumentos polticos e diplomticos. No caso do Mxico, Washington tem o direto istrao Fox em poltica econmica e um virtual agente no Ministro de Relaes Exteriores, Jorge Castaeda. A meta da subordinao mexicana ao neomercantilismo dos EUA no questionada, dado que Fox e Castaeda esto totalmente de acordo. O que sim questionado a efetividade do regime em implementar as polticas estadunidenses. O esforo de Fox para converter o sul do Mxico e a Amrica Central em uma grande planta de ensamblagem, centro petrolfero e turstico dos EUA (Plano Puebla-Panam) tem se chocado com uma oposio substancial. O deslocamento massivo de capitais estadunidenses para China, onde os salrios so mais baixos, tem provocado o desemprego em grande escala nos povoados da fronteira entre Mxico e EUA. Os assim chamados "benefcios recprocos" da "integrao" brilham por sua ausncia. O dumping estadunidense de cereais e outros produtos agrcolas tem sido devastador para os camponeses e agricultores mexicanos. A tomada de controle estadunidense de todos os setores da economia mexicana (finanas, telecomunicaes, servios, etc.) tem levado a um fluxo massivo de pagamentos ao exterior por conta de benefcios e licenas. Quanto s relaes exteriores, a influncia de Washington nunca foi maior, dado que Castaeda copia grosseiramente as polticas do Departamento de Defesa e da CIA - declarando apoio incondicional poltica estadunidense no Afeganisto e em qualquer interveno militar futura, e intervindo toscamente na poltica interna de Cuba e provocando o pior incidente na histria recente das relaes diplomticas Cubano-Mexicanas.

As grosseiras intervenes anti-cubanas de Castaeda apoiando Washington tiveram resultado contrrio, com a grande maioria da classe poltica mexicana pedindo um voto de censura para o ministro ou sua renncia. No entanto, se v claramente que a mera presena de to desavergonhado promotor da poltica estadunidense, como Castaeda na istrao Fox, indicativa da conquista agressiva de espao por parte de Washington no sistema poltico mexicano. A poderosa presena de bancos e corporaes multinacionais dos EUA e de numerosos vassalos polticos locais e regionais, facilitam a recolonizao do Mxico - contra uma fora laborativa cada vez mais empobrecida e difcil de controlar. No Brasil, os EUA tm estado ativos, tanto na esfera poltica como na econmica. Seu apoio a Cardoso produziu resultados sem precedentes: a virtual entrega das principais empresas pblicas nos setores das finanas, os recursos naturais e o comrcio. Mais significativo ainda que os vnculos dos capitais dos EUA e Europa com os imprios brasileiros nos setores da mdia e os grandes negcios, tm tido uma poderosa influncia sobre a classe poltica e sobre a conformao da poltica eleitoral. Este bloco de poder tem conseguido fazer virar polticos eleitoralistas de centro-esquerda para direita, com o objetivo de assegurar o o mdia e o apoio financeiro para ganhar as eleies nacionais. A hegemonia dos EUA sobre o Brasil um processo poltico. Sua influncia se transmite tanto atravs de intermedirios locais e regionais como dos monoplios miditicos nacionais. A "conquista" mais recente da ofensiva estadunidense a da direo do assim chamado Partido dos Trabalhadores, e em particular de seu candidato presidencial Lus Incio Lula da Silva. Em resposta ofensiva dos EUA, Lula escolheu um magnata txtil do direitista Partido Liberal como candidato vice-presidncia. Tentou congraar a si mesmo buscando uma reunio com Kissinger, declarando sua lealdade ao FMI e jurando cumprir os compromissos da dvida externa, as indstrias privatizadas, etc.. A guinada direita de Lula e do Partido dos Trabalhadores significa que todos os maiores partidos eleitorais permanecero dentro da rbita estadunidense e garantiro a hegemonia indiscutvel dos EUA sobre as classes polticas.

Em resumo, a ofensiva imperial tem adotado uma variedade de tticas e enfoques em diferentes pases, em uma variedade de contextos poltico-militares. Ao mesmo tempo que d uma maior supremacia interveno militar e aos golpes militares (sempre com alguma forma de fachada civil) em certos pases (Colmbia, Venezuela), Washington continua por um lado instrumentalizando seus vassalos polticos e diplomticos, e por outro "dando a volta" em seus adversrios polticos. O objetivo estratgico de construir um imprio neomercantilista enfrenta uma grande variedade de obstculos polticos, sociais e militares, o que particularmente evidente na Colmbia, Venezuela e Argentina. Em outras palavras, a projeo imperial de poder est longe de ter se realizado. Encontra-se enredada em uma srie de relaes conflitivas e num contexto em que os fracassos scio-econmicos do imprio no ado no criam um terreno favorvel ao avano nem justificam a suposio de uma vitria inevitvel. Pelo contrrio, a atual ofensiva imperial em parte o resultado de importantes reveses nos anos recentes e do crescimento da oposio entre seus antigos partidrios nas classes mdias de alguns pases.

A Decadncia do Imprio: As Bases da Ofensiva Imperial

A ofensiva poltico-militar dos EUA na Amrica Latina faz parte de uma campanha mundial para reverter a deteriorao de sua influncia poltica e sua dominao econmica, e para estender e consolidar seu poder imperial por meio de uma combinao de bases militares e regimes polticos vassalos. Com o incio em 7 de outubro de 2001 do bombardeio massivo e a subsequente ocupao do Afeganisto, Washington procedeu a estabelecer um regime ttere, completamente dependente do poder militar dos EUA. A construo de satlites se estendeu at a sia Central, onde Washington afastou abruptamente os enlaces russos e estabeleceu bases militares e relaes patro-cliente com os regimes. Processos similares de intervenes militares, ocupaes de bases e relaes patro-cliente foram estabelecidas com os governantes das Filipinas, Imen e Gergia. Na Amrica Latina, antes do 7 de outubro de 2001, os EUA j haviam estabelecido bases militares no Equador, Peru, Aruba, El Salvador e no norte de Brasil. Mais significativo ainda que a localizao de novas bases foi acompanhada de um papel operacional extenso e direto no financiamento, treinamento e direo de operaes de contra-insurgncia das foras militares e paramilitares colombianas que combatem a insurgncia popular.

importante fazer notar dois pontos. Primeiro, parte desta expanso do poder dos EUA est dirigida a se contrapor aos avanos dos movimentos populares e dos regimes anti-imperialistas. Segundo, a ofensiva no s busca recuperar a influncia perdida, seno estabelecer novos centros estratgicos de poder de maneira a impor um imprio mundial indiscutvel. No caso da Amrica Latina, ambos processos esto a caminho: um esforo imperial orquestrado para derrotar os desafios populares ao poder imperial e estabelecer um imprio neomercantil mais exclusivo, explorador e repressivo do que o que existiu durante o perodo denominado como "neoliberal". O propsito imediato da ofensiva poltico-militar dos EUA na Amrica Latina o de recuperar sua dominao em uma regio em que seus regimes lacaios esto desacreditados e perdendo sua capacidade de controlar as polticas macroeconmicas devido oposio das massas. Essencialmente, a presena militar de longo prazo dos EUA tem um objetivo poltico - sustentar regimes desacreditados, substituir regimes vassalos fracos por juntas cvico- militares mais autoritrias e derrocar governos nacionais independentes que se recusam a seguir as polticas de Washington. Que os regimes vassalos dos EUA esto se debilitando, salta vista pelo fracasso do modelo econmico liberal, o declive vertical da popularidade registrado nas pesquisas de opinio, a fuga crescente de capitais locais e o que mais importante, em alguns pases, a beligerncia cada vez maior de robustos movimentos populares de massas dirigidos a desafiar a autoridade do regime - quando no, o poder do estado.

O desafio mais poderoso e organizado ao projeto de construo de satlites do imprio se d na Colmbia. A oposio popular ao regime cvico-militar se baseia em um poderoso movimento agrcola multi-setorial (que inclui agricultores, camponeses e trabalhadores rurais), prejudicado pelos cortes dos crditos, da poltica de portas abertas s importaes de alimentos baratos estadunidenses e o baixo preo de seus produtos de exportao. A oposio incluiu tambm lutas sindicais militantes, particularmente dos sindicatos petroleiros, dos funcionrios pblicos e da indstria. A terceira e mais significativa oposio se encontra no movimento guerrilheiro mais poderoso e melhor organizado da historia recente da Amrica Latina. As Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC) e o Exrcito de Libertao Nacional (ELN) de menor tamanho, incluem mais de 20.000 combatentes. A tarefa principal dos especialistas em contra-insurgncia a de dirigir os esquadres da morte paramilitares para que expulsem do campo pela fora centenas de milhares de camponeses simpatizantes da guerrilha, e ass os habitantes progressistas dos bairros pobres, ativistas estudantis, trabalhadores pelos direitos humanos e lderes sindicais. A violncia das foras paramilitares est orientada a isolar as guerrilhas de sua base natural de massas - e fonte de alimentos e recrutas - de maneira a facilitar as Foras Armadas no enfrentamento direto com a guerrilha. A amplitude e a profundidade da violncia militar - 40.000 civis assassinados na dcada de 1990 - sugerem o grau em que a guerrilha esteve e est profundamente enraizada na populao trabalhadora e camponesa. A guerrilha controla ou tem influncia sobre a metade dos municpios rurais do pas e no sofreu derrotas significativas, apesar das freqentes "campanhas de extermnio" do exrcito. Pelo contrrio, a guerrilha se encontra ativa a menos de 80 quilmetros da capital, Bogot, controla estradas principais e domina uma vasta faixa de zonas rurais.

Ao mesmo tempo que imersos em uma guerra mvel, mais do que de posies, os insurgentes tm, de fato, estabelecido um sistema de duplo poder em vrias regies do pas. Mais ainda, os insurgentes tm a vantagem do conhecimento do terreno, a proximidade com a populao local e uma direo estrategicamente superior que, mais do que compensa a superioridade tecnolgica e numrica do exrcito dirigido pelos EUA, em sua maioria composto por recrutas. A entrada massiva de armas e oficiais estadunidenses est orientada a reforar o regime e a impedir sua deteriorao ou colapso frente recesso que j leva dois anos, o descontentamento civil e as arremetidas da guerrilha. Na Venezuela, o regime de Chvez tem desafiado a poltica exterior dos EUA em vrias regies vitais: 1) No Oriente Mdio, nos Estados do Golfo e do Norte da frica. O governo de Chvez tem fortalecido a OPEP e visitado Iraque, Ir e Lbia, rompendo assim o boicote dos EUA. 2) No Sul da sia, Chvez se ops interveno militar dos EUA ("a resposta ao terror no mais terror"); na Amrica Latina se ops ao Plano Colmbia e estratgia militar contra-insurgente dos EUA, proibiu os vos espies estadunidense sobre o espao areo venezuelano, rechaou a implementao imediata da ALCA, desenvolveu laos ntimos com Cuba e ofereceu sua mediao na disputa entre a guerrilha e o regime na Colmbia. Em termos mais gerais, Chvez tem fortalecido a OPEP e revitalizou sua capacidade de tomada de decises, e sobretudo Chvez tem rechaado a submeter-se cruzada pela dominao mundial do tandem Bush-Rumsfeld. Esta ltima tomada de posio a que levou os EUA a retirarem temporariamente seu embaixador e enviar uma delegao de alto nvel de funcionrios do Departamento de Estado que ameaaram Chvez em um estilo que lembra mais a mfia do que os diplomatas de carreira. A poltica exterior independente de Chvez marca um claro contraste com os anteriores regimes vassalos corruptos, que se faziam de eco da poltica internacional dos EUA.

O terceiro pas que tem sido testemunha de um acentuado declive da influncia dos EUA a Argentina. O colapso do regime de De La Ra e seu squito de ministros, a reboque dos banqueiros estrangeiros e dos bancos multilaterais controlados pela Europa e EUA, fizeram soar as campainhas de alarme em Washington. A instalao da camarilha de Duhalde e suas concesses a Washington e ao FMI no tm pacificado Casa Branca porque seu regime tido como instvel e incapaz de pr fim de maneira efetiva s mobilizaes de massas. O fato poltico mais significativo o de que a grande maioria da classe mdia tem se colocado contra o neoliberalismo e seus promotores estrangeiros, e rechaam a todos os polticos locais associados com eles. diferena do golpe de 1976, em que os EUA e os generais foram capazes de botar a culpa na esquerda pela "desordem" e "violncia", em 2002 so os regimes liberais direitistas pr-estadunidenses os que confiscaram as poupanas da classe mdia, fazendo baixar seus nveis de vida e reprimindo violentamente as assemblias e os aos da classe mdia.

Um golpe cvico-militar respaldado pelos EUA teria lugar em um vazio poltico, praticamente sem nenhuma base social de apoio e dependendo exclusivamente da represso violenta contra a totalidade prtica das organizaes da sociedade civil. O total descrdito poltico dos lacaios polticos dos EUA, como o ex-presidente Menem, o ex-ministro (ministro por 15 dias) Murphy e os comandantes genocidas do exrcito, significa que Washington enfrenta uma correlao de foras scio-polticas bastante desfavorvel neste momento e num futuro imediato. Neste contexto, as estratgias mais provveis de Washington sero as de chamar Duhalde a tomar medidas repressivas ainda mais severas como um meio de desmobilizar a oposio para cumprir com as condies dos bancos estrangeiros, com a promessa de novos emprstimos do FMI. Outro cenrio possvel seriam novas eleies, em que uma renovada verso de coalizo de centro-esquerda chegue ao poder, e Washington recorra a uma estratgia de desgaste poltico - minando os investimentos, emprstimos, etc. a efeito de provocar o descontentamento, para assim descarregar um golpe de estado em um entorno de caos e polticas falidas.

Neste contexto tem lugar uma corrida entre os movimentos de massas e Washington, para ver quem consegue preencher o espao deixado pela direita civil em desintegrao. Os EUA tm as armas do estado mas no a base social. Os movimentos de massas tm o apoio popular mas nenhuma direo nacional organizada em uma posio de impulsionar a tomada do poder do estado. Colmbia, Venezuela e Argentina expressam claramente os centros da influncia e poder em decadncia dos EUA. No entanto, foras alternativas avanam em vrios outros pases latino-americanos. H sinais claros de que os regimes vassalos no Paraguai (Macchi), Bolvia (Quiroga), Equador (Noboa), Peru (Toledo) esto desacreditados e tm pouco apoio popular na implementao da agenda de Washington. E mais, h poderosos movimentos de massas multi-setoriais nos trs primeiros pases que tm demonstrado sua capacidade para a ao direta ao bloquear algumas das leis mais retrgradas. Ao o que esses movimentos so poderosos, sua fora reside em regies e em classes sociais particulares (camponeses) e so propensos a negociar acordos limitados (que nunca so implementados pelo regime - o que deste modo precipita novas mobilizaes e confrontaes).

Analisar a influncia poltica de Washington no Brasil muito complexo. Por um lado, o regime centro-direitista e pr-estadunidense de Cardoso perdeu muito apoio na opinio pblica - exceto entre os banqueiros estrangeiros e as elites locais - debilitando assim a hegemonia dos EUA. Por outro lado, a esquerda tem sido severamente debilitada pela guinada direita da direo do Partido dos Trabalhadores e seu candidato presidencial Lus Incio Lula Da Silva. Sua aliana com o direitista Partido Liberal e a adoo da maior parte da agenda neoliberal deixam os EUA em uma situao em que s podem ganhar. A guinada direita alienar muitos dos votantes de base do PT e talvez divida o partido, resultando na perda das eleies. Ou, caso se d o resultado improvvel de uma vitria do PT-Liberais, as conseqncias polticas no afetaro os interesses fundamentais dos EUA. A incgnita em qu medida a guinada direita do PT vai resultar em um reagrupamento da esquerda - em que os poderosos movimentos sociais (Trabalhadores Sem Terra, pequenos agricultores, movimentos urbanos e habitacionais), os partidos de esquerda radicais (PSTU, PCdoB, etc.) e os dissidentes da esquerda do Partido dos Trabalhadores possam unir foras. Independentemente dos partidos eleitorais, h uma poderosa e crescente corrente de opinio nacionalista e anti-imperialista, que se ope fortemente ALCA e s polticas econmicas promovidas pelos EUA e Europa que trouxeram consigo uma dcada de estancamento econmico.
Mais ainda, o exrcito brasileiro no um aliado de confiana para o Pentgono, dado que h uma forte corrente nacionalista com razes histricas que poderia resistir a uma maior interveno estadunidense. Em resumo, seria um equvoco atribuir a atual ofensiva poltico-militar dos EUA exclusivamente a fatores globais. A contra-ofensiva dos EUA desde antes ao 11 de setembro e ao 7 de outubro. O Plano Colmbia comeou quase dois anos antes. Certamente, a ofensiva imperial na Amrica Latina recebeu um mpeto ideolgico e militar maior logo depois dos eventos da segunda metade de 2001, mas igualmente importante o avano dos movimentos populares e a extenso dos sentimentos anti-imperialistas e anti-liberais a setores substantivos das classes mdias em alguns dos maiores pases. A complexa interao entre a decadncia da influncia na Amrica Latina e nos Estados do Golfo, combinada com a competio da Europa, mudou dramaticamente a concepo do imprio por parte de Washington.

O Novo Imperialismo: Do Neoliberalismo ao Neomercantilismo

O caso dos "regimes falidos" no interior do imprio neoliberal dos EUA na Amrica Latina foi ilustrado dramaticamente pela Argentina, mas se repete em outros pases. O Neoliberalismo, como estratgia imperial para obter o controle dos mercados, das empresas nacionais e dos recursos naturais, parece estar chegando a seu ponto final. Isto no significa o fim do imperialismo. O que est acontecendo um maior grau de controle do estado imperial sobre as economias e circuitos de circulao do capital e mercadorias. A ALCA de Washington precisamente um plano para a construo de um imprio neomercantilista, em que os EUA estabelecem o marco legal para consolidar uma posio privilegiada nos mercados e na economia latino-americanos, acima e contra seus concorrentes europeus/japoneses. Os imprios neomercantilistas se baseiam essencialmente em decises de estado unilaterais (rechaando as negociaes) e na supremacia militar, ambas desenhadas para impor polticas aos concorrentes internacionais, regionais e nacionais. Dada a debilidade dos estados-clientes neoliberais para conter a insurgncia popular, o estado imperial neomercantilista opta por um maior uso da fora e da militarizao da poltica.
Contra as conquistas econmicas na Amrica Latina de seus aliados europeus, o neomercantilismo busca limitar as perdas futuras atando a Amrica Latina aos Estados Unidos.

A transio de um imprio neoliberal a um neomercantil no uma mudana abrupta; o novo imperialismo ainda tem muitas das caractersticas do anterior: EUA ainda importam muito mais mercadorias do que h 30 anos, e continuar sendo dependente das importaes num futuro previsvel. Mas de modo cada vez maior, Washington est indo na direo do controle das importaes, cotas e tarifas para proteger as indstrias domsticas no- competitivas, desde o ao at o camaro.
Segundo, muitas das exportaes dos EUA tm sido subsidiadas e, em certa medida, o protecionismo sempre existiu, mesmo nos momentos mais lgidos do imprio neoliberal. A verdadeira questo o grau e, o que mais importante, a direo do comrcio subsidiado pelo estado. Os EUA tm incrementado desproporcionadamente seus subsdios agricultura, e por causa do dlar sobrevalorizado aram a impor tarifas alfandegrias ao ao, a um custo para os exportadores de ultramar de quase 10 bilhes de dlares em ingressos no-percebidos. Europa far represlias; os clientes latino-americanos, no - especialmente aqueles comprometidos com a ALCA.
Terceiro, medida que os EUA am a ser um imprio de comrcio e investimentos dirigidos pelo estado, na Amrica Latina manter sua retrica neoliberal implementando ao mesmo tempo uma estratgia estatista, desorientando assim os analistas superficiais. Vrios fatores levam a uma coincidncia entre o neomercantilismo e o incremento da militarizao. Em primeiro lugar, a evidente assimetria das relaes comerciais - os EUA protegem e do subsdios a sua indstria, mas exigem "livre comrcio" para Amrica Latina - conduz a desequilbrios que s podem ser impostos e mantidos pela fora. Segundo, o Neomercantilismo degrada e aliena setores das classes mdias locais, dos agricultores, e dos pequenos negcios urbanos, estreitando assim a base poltica do regime lacaio local. Em terceiro lugar, o papel cada vez maior do estado imperial politiza a oposio ao estado. Em quarto lugar, o neomercantilismo debilita o emprego local nas indstrias e nos servios sociais do setor pblico, engrossando as filas dos desempregados e subempregados e ampliando a base social para a ao direta de massas. Quinto, a presso do estado imperial sobre os estados vassalos para que cumpram com o pagamento da dvida externa, elimina a maior parte do ingresso para financiar servios sociais locais ou projetos de capital, reduzindo o emprego de profissionais e o desenvolvimento da infra-estrutura. Em resumo, a transio economia neomercantil requer mais explorao e dominao. A ideologia global "anti-terrorista" usada para justificar uma maior militarizao estadunidense na Amrica Latina um ardil propagandstico: as bases econmicas da militarizao esto enraizadas na transio para um novo imperialismo.

A Ofensiva dos EUA: Seu Impacto na Esquerda

A atual ofensiva imperial dos EUA tm tido um impacto diferenciado nas formaes de esquerda na Amrica Latina. Em geral, podemos dizer que os partidos eleitoralistas tm virado direita e que os movimentos sociopolticos tm se radicalizado. A ofensiva no s tem afetado as configuraes polticas e as estratgias, seno que tambm aos programas econmicos. Comecemos pelo lado negativo - aqueles setores da esquerda que, como resultado da interveno dos EUA, ameaas, presses e propaganda, guinaram direita. Os dois casos mais destacados so os do Partido Sandinista (FSLN) na Nicargua e o Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em ambos casos houve uma gradual guinada para o centro durante a ltima dcada. Nas eleies presidenciais da Nicargua de 2001, Daniel Ortega escolheu um candidato neoliberal para vice-presidente e logo aps o 11 de setembro avalizou o bombardeio dos EUA sobre Afeganisto, sua ofensiva militar a escala mundial, a ALCA, o pagamento da dvida externa e a poltica neoliberal ortodoxa. Isso no serviu de nada: Washington e o embaixador dos EUA intervieram nas eleies favorecendo o candidato liberal convencional e lanaram ameaas ao eleitorado caso votassem por uma guerrilha reciclada convertida em liberal. Ortega perdeu as eleies e o apoio da militncia e da esquerda, sem conseguir garantir o apoio das elites capitalistas.

No Brasil, a direo do Partido dos Trabalhadores ou de um programa socialista a um social-democrata e, recentemente, a um neoliberal. Enquanto que o Partido ainda conta com uma forte minoria de social-democratas de esquerda e um contingente de intelectuais marxistas, sua orientao atual a de se deslocar para a centro-esquerda para assegurar alianas com o conservador Partido Liberal e o PMDB (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro). Enquanto que os dirigentes do partido do a guinada para a direita, o dirigente mximo, Lula, assume as caractersticas de um caudilho autoritrio - mais interessado em ganhar posies de poder do que em reformar ou mudar o sistema scio-econmico. Lula e seus seguidores na direo tm tomado medidas tanto simblicas quanto efetivas para assegurar a Washington sua vontade de ser vassalos obedientes: prometem garantir o pagamento da dvida, defender as empresas privatizadas e estimular os investidores estadunidenses. No nvel simblico-substantivo, a escolha por parte de Lula de um magnata txtil, hostil aos sindicatos militantes, aos homossexuais e ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e favorvel ALCA sugerem que o PT continua em movimento para a direita. Lula bajulou Kissinger, arquidefensor das guerras imperiais e da OMC, durante sua recente visita a So Paulo. Lula visitou Washington para dar garantias Casa Branca de seu apoio total campanha global "anti-terrorista". A guinada direita, ainda mais pronunciada por parte do PT depois do 11 de setembro, sugere que a presso de Washington acelerou um processo que j estava tendo lugar como resultado da poltica partidria interna.

No Mxico, o voto do PRD (junto com os outros dois principais partidos de direita) a favor da legislao que prejudicava as comunidades dirigidas pelos zapatistas - e de fato, todas as comunidades indgenas - um indicador das polticas conciliatrias da atual direo. A negativa do atual lder do Partido em denunciar os provocadores pronunciamentos do ministro de relaes exteriores mexicano e das aes contra Cuba, so indicadores de que alguns setores do PRD podem estar competindo com o PAN para serem os lacaios favoritos de Washington no Senado mexicano. Em resumo, a ofensiva dos EUA teve um impacto significativo em empurrar a maioria dos partidos eleitoralistas de centro-esquerda para a direita. Em quase todos os casos, no entanto, esta guinada direita j estava a caminho - a presso s acelerou o processo e talvez empurrou esses partidos muito mais para a direita do que se podia prever. Em contrapartida, a ofensiva poltico-militar estadunidense e o grande empurro dado para impor a ALCA tm aumentado a extenso, profundidade e radicalizao de muitos dos movimentos scio-polticos da regio.

Na Colmbia, a presso dos EUA para romper as negociaes de paz e militarizar a zona neutral, levou a grandes e exitosas contra-ofensivas das guerrilhas, a uma colaborao mais estreita entre as FARC e o ELN e a uma drstica deteriorao da economia, incluindo os fluxos de petrleo e energia, e o abastecimento de gua, produto dos ataques da guerrilha. Mais ainda, sob condies de guerra e confrontao de classes, provvel que as demandas programticas da insurgncia se radicalizem. Ao menos em sua primeira fase, a ofensiva estadunidense na Colmbia tem conduzido a vrias derrotas tticas e, parte da captura de umas poucas populaes isoladas na zona desmilitarizada, tem levado a perdas significativas entre os esquadres da morte paramilitares patrocinados pelos exrcitos dos EUA e Colmbia.

Na Argentina, o intento de Duhalde para tranqilizar os EUA quanto ao pagamento da dvida, oferecendo votar contra Cuba, honrar com o FMI, etc., fortaleceu a oposio e radicalizou as demandas. Os grupos e classes de oposio, outrora dspares, convergem cada dia mais para uma coalizo efetiva. As reunies de unidade nacional contam com a presena de milhares e os aos da classe mdia continuam um atrs do outro com grandes bloqueios de estradas a cargo dos desempregados. A economia continua se afundando, se prev um crescimento negativo de dois dgitos. A massa da classe mdia com seus fundos ainda confiscados sabe que os banqueiros estadunidenses e europeus e seus clientes argentinos puderam enviar aos EUA, Europa e Uruguai cerca de 40 bilhes de dlares antes que suas contas fossem congeladas.
O resultado um rechao poderoso e consciente para com a classe poltica. A ofensiva dos EUA teve o efeito de isolar seus vassalos polticos. No teve nenhum efeito quanto a amortizar ou neutralizar o ascenso popular. Enquanto o regime de Duhalde respalda a ofensiva dos EUA, se v socialmente impotente e politicamente isolado, incapaz de implementar medidas polticas significativas. Mais importante ainda que Washington no possui interlocutores estveis na manso presidencial - o regime de Duhalde poderia terminar antes de cumprir o perodo de seu mandato.

Na Venezuela, a ofensiva estadunidense tem mobilizado exitosamente as elites comerciais (Fedecamaras), a hierarquia religiosa e os chefes sindicais em manifestaes de grande escala com a esperana de provocar um golpe militar e substituir Chvez por um vassalo local. Por outro lado, Chvez tem respondido fomentando manifestaes massivas de seus partidrios entre os pobres das cidades e os sindicalistas dissidentes. Tambm conta com a lealdade dos comandantes do Exrcito. A interveno dos EUA tem radicalizado os discursos de Chvez, que tem dado sinais de que poderia introduzir mudanas scio-econmicas mais substanciais a favor dos pobres. As confrontaes esto levando a uma maior polarizao social entre as classes altas ricas e classes medias prsperas por um lado, e a classe mdia pauperizada e pobres urbanos e rurais pelo outro. A ofensiva de Washington tem polarizado o pas e radicalizado as demandas polticas e sociais em ambos os lados: as classes ricas e o empresariado apiam abertamente uma soluo militar para voltar a impor um regime lacaio que reverta a poltica exterior independente de Chvez; os pobres pedindo a Chvez que use mo de ferro para tratar a oposio orientada do exterior e que implemente um programa redistributivo radical. Chvez at o momento mantm uma cada vez mais insustentvel "posio intermediria" - resistindo aos intentos da direita para derroc-lo, convocando a mobilizaes de massas em apoio ao regime constitucional, mantendo sua poltica exterior independente mas sem se comprometer claramente em um processo de transformaes sociais claramente delineado.

No Mxico, Brasil, Bolvia, Equador e Paraguai, os EUA tm assegurado o respaldo dos regimes lacaios a sua ofensiva mundial. Mas nesse processo, os prprios regimes se convertem cada vez mais em instrumentos isolados e ineficientes das polticas dos EUA dentro da Amrica Latina. Mais ainda, abaixo do nvel do governo, h pouco apoio para qualquer campanha militar estadunidense que favorea s polticas econmicas assassinas e que se sustenta em foras militares repressivas com um largo histrico de massacrar movimentos populares. Washington consegue garantir alinhamentos favorveis por parte da maioria dos regimes nos fruns internacionais, por meio das ameaas e da compra de votos, mas tem perdido a hegemonia ideolgica em toda a regio, exceto em alguns crculos de elites intelectuais e entre as ONG's conformistas. Em contraste com isto, os bloqueios de estradas se multiplicam - desde as "auto-pistas" da Patagnia at os caminhos rurais da Bolvia ou as selvas da Colmbia: "eles" no am. Os EUA conseguem obter promessas dos Presidentes tteres, mas cada vez mais os palcios presidenciais e os prdios do congresso so cercados por manifestantes, enquanto que o cheiro de pneus queimando se infiltra por entre os arames farpados e a pelas caras de mau dos soldados fortemente armados. A ofensiva estadunidense tem intimidado ou cooptado os polticos oportunistas precisamente no momento em que o eleitorado os estava abandonando.

Concluso
Claramente, estamos entrando em um perodo de ofensiva poltica e militar dos EUA, golpes militares (ou tentativas de golpes), ao direta das massas, polarizao poltica e novas formas de representao social. No h resultados uniformes - os benefcios e as perdas que resultem da ofensiva estadunidense no podem ser medidos contando os votos dos presidentes e o nvel de assentimento dos generais leais. Os movimentos sociais em avano e a insurgncia popular tm desmascarado o saque imperial e tm derrubado regimes lacaios, mas os resultados polticos importantes esto ainda por vir. Os conflitos sociais e os enfrentamentos militares acontecem a escala continental; presidentes lacaios sobem e descem, impem substitutos. Movimentos e partidos crescem e logo enfrentam desafios decisivos: fazer compromissos ou lutar pelo poder. As falhas e as limitaes dos programas reformistas voltaram a colocar o socialismo na agenda. Tem surgido uma nova gerao que no viveu na prpria carne as derrotas polticas e o terror das dcadas de 1960 e 1970, mas que certamente tem vivido a fome, a pobreza, o desemprego e a corrupo poltica da dcada de 1990. Nenhum dos movimentos militantes emergentes ou das insurgncias populares experimentaram uma derrota histrica nesta dcada. O movimento, com ascensos e descensos temporais, ainda segue uma trajetria ascendente. Entretanto, nenhum resultado inevitvel nem predeterminado: a organizao consciente, a clareza poltica e a audaz interveno humana so necessrias para se contrapor a atual ofensiva imperial e convert-la em uma derrota histrica, e mais do que isso, em uma revoluo socialista vitoriosa.

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