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McLuhan
Ps-moderno ou Revoluo Tecnopsicolgica
Marcelo
Bolshaw Gomes (*)
A
Pele da Cultura (Uma investigao sobre a nova realidade eletrnica).
Autor: Derrick de Kerckhove. Original: The Skin of
Culture (Investigating the New Electronic Reality) foi publicada
pela Somerville House Books Limited, Toronto, Ontrio, Canad,
em 1995. Traduo portuguesa: Luis Soares e Catarina Carvalho.
Coleo Mediaes, dirigida por Jos Bragana de Miranda.
Lisboa: Relgio D'gua Editores, maro de 1997. 294 pginas.
"Os arquitetos
de Babel foram punidos por aquilo que os tornava orgulhos:
a universalidade de sua linguagem" - comentou Kerckhove
pela Internet sobre os atentados terroristas ao World Trade
Center. Ele, na verdade, retomou um dos temas de seu livro
A Pele da Cultura, em que compara o mito bblico da destruio
da Torre de Babel e das muralhas de Jeric com o fenmeno
de uma 'catstrofe de software', isto , de uma imploso da
linguagem universal em novos e variados padres."A
overdose de informao permite visualizar a repetio de
um padro. No foi apenas um atentado terrorista contra um
alvo simblico do capitalismo, houve uma ruptura com um padro
saturado de ver o mundo. Osana Bin Laden derrubou a crena
do ocidente em sua razo materialista".
Desconcertante?
Talvez isso seja o mnimo do que se pode dizer das idias
do professor canadense Derrick de Kerckhove, diretor, h mais
de vinte anos, do Programa de Cultura e Tecnologia da Universidade
de Toronto; aluno-assistente, colaborador e sucessor do pensamento
de Marshall McLuhan. Sucessor porque Kerckhove, em vrios
sentidos, superou o seu mestre tanto em suas qualidades (principalmente
na anlise da televiso) como em seu estilo fragmentrio e
aparentemente superficial, cheio de frases de efeito e profecias
bombsticas. McLuhan para quem no est lembrado o autor
dos livros 'A Galxia de Gutenberg' e 'Os meios
de comunicao com extenses do homem' e das frases "O
meio a mensagem" e "O mundo ser uma aldeia global"
(entre outras talvez mais importantes e menos conhecidas como:
"A inflao a falta de identidade do dinheiro"
e "Quando a informao se move a uma velocidade eltrica,
o mundo das tendncias e dos rumores torna-se o mundo 'real'"
- por exemplo).
E, como dissemos,
Kerckhove no fica atrs de seu mestre: para ele, por exemplo,
o dinheiro e o alfabeto esto com seus dias contados. que
a desmaterializao da economia, a virtualizao cada vez
maior dos valores de suas referncias fsicas, esto, pouco
a pouco, substituindo a codificao fontica pela imagem e
transformando o dinheiro em informao. A idia de crtica
cultura do alfabeto como uma forma de tecnologia e de um
retorno tecnologia audio-visual atravs da TV j existia
em McLuhan e tambm, em sua forma reciclada, no pensamento
do filsofo francs Pierre Levy (com o qual, alis, Kerckhove
mantm interessante dilogo sobre o conceito de inteligncia
coletiva). Porm, a originalidade de Kerckhove est relacionado
sua genial anlise da origem e do destino lingsticos do
dinheiro, embutidos em uma simples constatao: "O dinheiro
teve na sociedade o mesmo papel do relgio na unidade de processamento
do computador - sincronizar todos os clculos que a mquina
faz." Ora, se a mquina de sincronia social a a se
reconhecer enquanto tal, ela ento no precisa mais de lastro
material ou de qualquer tipo de equivalncia fsica: o dinheiro
volta a ser informao.
Reparem, porm
que, ao contrrio do idealismo de McLuhan que sonhava com
um futuro prximo utpico, Kerckhove estuda um ado ainda
parcialmente presente, uma realidade que no partilhada
por todos e construda em nome de todos: a Telecracia.
E mais: Kerckhove no , como seu mestre, um entusiasta da
globalizao. Ele teme a guerra e o nacionalismo. Mas sobretudo
no estudo sobre a televiso que mestre e aluno mais se aproximam
e mais se distanciam: ambos descrevem a mdia eletrnica como
uma extenso, no s do sistema nervoso e do corpo, mas tambm
da imaginao e da conscincia humanas. Para ambos, a TV fala
ao corpo e no mente. Sendo que, enquanto McLuhan louva
a televiso como uma grande conquista da humanidade, vendo
nessa exteriorizao do inconsciente social apenas como uma
psicopedagogia pblica; Kerckhove compreende a mdia eletrnica
tambm como um rgo de controle e anlise do corpo social.
E um rgo tambm sujeito a mudanas sociais, pois, para ele,
as redes de computadores esto prestes a engolir a televiso
e se pulverizar em vrios objetos-prtese ligados em rede
(roupas, rios, veculos, etc).
Kerckhove observa
ainda, devido a esta imploso nanotcnica, a crescente e progressiva
perda das fronteiras psicolgicas entre o eu e o meio ambiente.
Como McLuhan e Levy, ele aponta a Literacia (o imprio
da escrita como modelo social dominante) como a responsvel
pela 'privatizao da mente' e na criao artificial da idia
de um 'eu' individual uniforme; porm Kerckhove cr que com
Telecracia e agora com as redes audiovisuais a distino
entre espao e identidade poder ruir definitivamente. O ego
ser politicamente incorreto.
Assim, os meios
de comunicao so extenses do homem, mas o homem tambm
faz parte da mquina social: somos extenses biolgicas de
um sistema de cognio coletiva, somos apenas a Pele da
Cultura: "Eu sou a Terra a olhar para si mesma".
E essa inverso do enfoque original mcluhaniano que faz
Kerckhove, no apenas um mero continuador de seu mestre, mas
um pensador singular que superou dialeticamente sua maior
influncia: "A melhor vingana contra as psicotecnologias
que nos transformam em extenses delas prprias inclu-las
dentro de nossa psicologia pessoal. Um novo ser humano est
a nascer."
Agora a
analogia inicial entre o ataque terrorista ao World Trade
Center e o mito da queda da Torre de Babel se explica melhor:
longe de apoiar as aes anti-americanas dos extremistas islmicos,
o evento representa, na leitura de Kerckhove, uma agem
decisiva da Literacia para Telecracia, um marco em relao
ao desenvolvimento da linguagem humana, em que a imagem em
tempo real superou a lgica das palavras e das interpretaes.
Resumindo: Derrick
de Kerckhove o mais desconcertante autor contemporneo e
seu livro 'A Pele da Cultura' , como diz seu ciber-confrade
Pierre Levy, "o manifesto da psicotecnologia".
(*)
Professor-assistente do Departamento de Comunicao Social
(DECOM), do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes (CCHLA)
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Mestre
em Cincias Sociais pela UFRN e pesquisador do Grupo de Estudos
da Complexidade (GRECOM). Home-page: www.ufrnet.br/~mbolshaw