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OS
50 ANOS
DA DECLARAO UNIVERSAL
DOS DIREITOS HUMANOS
J.
A. Lindgren Alves
No dia 10 de dezembro, a
Assemblia Geral das Naes Unidas celebrou, em Nova York, o 50
aniversrio da Declarao Universal dos Direitos Humanos, proclamada
por aquele mesmo rgo, em Paris, em 1948. No contexto de tal comemorao,
todos os Estados, organizaes governamentais e no-governamentais,
assim como os homens e as mulheres de todos os continentes tero
refletido, espera-se, sobre o significado daquele documento um
documento extraordinrio, que inspirou o estabelecimento de direitos
constitucionais na maioria dos pases, lanou as bases do Direito
Internacional dos Direitos Humanos e modificou o sistema westfaliano
das relaes internacionais ao erigir a pessoa fsica em sujeito de
direitos erga omnes.
Havendo a Carta das Naes
Unidas, assinada em So Francisco, EUA, em 1945, entronizado a promoo
dos direitos humanos e liberdades fundamentais entre os propsitos da
Organizao, uma de suas primeiras preocupaes foi a de definir esses
direitos e liberdades a que fazem jus todos os indivduos pelo simples
fato de serem humanos. Uma definio internacionalmente acordada era
necessria porque, embora a idia de direitos fundamentais pudesse ser
indiretamente depreendida de diferentes religies em diversas culturas,
poucos Estados e apenas do Ocidente haviam-na, at ento,
incorporado ao Direito Positivo e menos ainda a suas prticas polticas.
Preparada e aprovada no
tempo recorde de dois anos e meio, a Declarao foi resultado de
delicadas negociaes entre os membros da Comisso dos Direitos Humanos
das Naes Unidas (desde 1946, o principal foro internacional para a matria)
e da Assemblia Geral (ento composta de 56 Estados, predominantemente
ocidentais, liberais e socialistas). Fundamentos no reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da famlia humana, os trinta
artigos da Declarao compem uma relao de direitos iguais e
inalienveis, a serem observados como o ideal comum a ser atingido
por todos os povos e todas as naes. A lista, precedida pela proibio
de discriminaes de qualquer tipo entre os seres humanos, inicia-se no
artigo 3, pelo direito vida, liberdade e segurana pessoal (o
que nega ipso facto a esdrxula, mas hoje corrente, interpretao
interpretao de que os direitos humanos so direitos de
bandidos). Ela proscreve a escravido e a tortura; probe a priso,
deteno e exlio arbitrrios; estipula o direito de todos a remdios
jurdicos para violaes sofridas; determina o direito a julgamento
justo; consagra as liberdades de movimento, conscincia e expresso;
prescreve o direito de se participar do governo do respectivo pas,
diretamente ou por meio do voto, assim como os direitos scio-econmicos
ao emprego, educao e satisfao de muitas outras necessidades
imprescindveis a qualquer ser humano concreto, inclusivo a um padro
de vida capaz de assegurar a cada um e a sua famlia sade e
bem-estar(Artigo 25).
Constituindo pouco mais
do que uma recomendao aos governos, a Declarao de 1948 ps em
marcha, desde o primeiro momento, uma srie incessante de atividades,
dentro e fora das Naes Unidas, com o objetivo de garantir a aplicao
dos direitos por ela definidos. Na esfera normativa, serviu de base
elaborao de todos os demais documentos e tratados internacionais de
direitos humanos, obrigatrios para os Estados partes, os mais
importantes dos quais so os dois Pactos de 1966 sobre Direitos Civis e
Polticos e sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais; a Conveno
sobre a Eliminao da Discriminao Racial, de 1965; a Conveno
sobre a Eliminao da Distribuio contra a mulher, de 1979; a Conveno
contra a Tortura, de 1984; a Conveno sobre os Direitos da Criana, de
1989. Pela tica da implementao, forneceu p quadro original de referncia
para o conjunto de relatores, grupos de trabalho e outros mecanismos de
acompanhamento gradativamente criados pelas Naes Unidas para monitorar
a situao de pases especficos ou as violaes de determinados
direitos em escala planetria.
Em junho de 1993, em
Viena, na Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos, os direitos e
liberdades proclamados pela Declarao Universal receberam reforo
extraordinrio. Com a participao de mais de 170 pases,
representando praticamente todas as sociedades de um mundo j sem colnias,
a Conferncia de Viena reafirmou, por consenso, em seu documento final, o
compromisso solene de todos os Estados de promover o respeito universal
e a observncia e proteo de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais, cuja natureza universal no ite dvidas
(Artigo 1 da Declarao de Viena). Nenhum Estado pode, portanto,
agora, coerentemente, recusar-se a aceitar suas obrigaes nessa rea,
ainda que no tenha tido participao direta na elaborao da Declarao
Universal e sua proclamao.
Ao se olhar em
retrospecto para o difcil caminho percorrido para a assero
internacional dos direitos humanos, os avanos conceituais decorrentes do
documento de 1948 parecem impressionantes. Isto no significa que a
Declarao seja hoje respeitada em toda parte, nem que os direitos nela
definidos sejam firmemente protegidos em qualquer lugar. Os desafios
permanecem graves, na vertente econmico-social, assim como os direitos
civis e polticos. Os efeitos colaterais da globalizao
provam-no amplamente, tanto pela crescente excluso social, quanto pelos
fundamentalismos vigentes em todo o mundo. importante lembrar, porm,
que, no obstante as ameaas ostensivas e dissimuladas, a Declarao
Universal j representou, por meio sculo, um instrumento emancipatrio
importante para os oprimidos de todos os continentes. No absurdo,
pois, encar-la, no turbilho deste fim de sculo, como o manifesto
abrangente de uma utopia totalizante a ltima que sobrou para a
construo de um mundo menos cruel, num futuro mais humano. Por ser hoje
consensual e legitimamente integrada ao discurso contemporneo, talvez
ela possa representar o antdoto necessrio ao eficientismo excludente
de outros consensos ora predominantes.
(Cnsul Geral em So
Francisco, EUA, autor dos livros Os Direitos Humanos com Tema Global
e A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos)
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