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CONTEDO IDEOLGICO DA CARTA DOS DIREITOS HUMANOS Jos Maria Tavares de Andrade 4e6461

Dona Maria, 11 filhos, era viva e trabalhadora rural, quando a conheci, em 1987. Dona Maria, se viva for, tem 45 anos, a mesma idade da Declarao Universal dos Direitos Humanos. A conheci caminhando a p, pela margem da BR 101, em direo a Goiana (PE). Ela vinha de uma Usina de Acar do Grupo Votorantin -, tentando receber da Previdncia Social uns trocados, o que lhe restou com a morte violente do marido.

O marido de Dona Maria adoecera gravemente, lidando com agrotxico. A mdica da Usina prescreveu medicamentos para estmago, para dor e calmante! J no conseguindo levantar-se, ele pede Dona Maria que procure o encarregado, no eito distante, e pea-lhe uma autorizao para apresentar-se novamente ao servio mdico da empresa. Dona Maria volta com o recado: o encararegado exige a sua presena. Ele, que havia trabalhado doente nos ltimos dias levanta-se, cambaleando e revoltado, vai em direo ao eito. No aceiro do canavial cai morto!

Seu irmo foi avisado tambm e chega a tempo de reivindicar autpsia e um enterro condigno. O IML atesta a causa mortis que o miocrdio falou. O finado canavieiro tambm falava, reclamando do seu corao, por conta do trabalho com agrotxico.

Retomo neste artigo aspectos de um trabalho anterior, 1 percorrendo inicialmente cada um dos conceitos do tema, para em seguida confrontar os Direitos Humanos com o fato acima.

Contedo. Trata-se de um desafio hermenutico, jurdico, filosfico e semitico na base deste exerccio de Antropologia.

Ideolgico. Contedo ideolgico evoca em mim uma abordagem crtica de limites, de envelhecimento, ou do que foi possvel em 1948, pela Assemblia da ONU.

Com o Marxismo o conceito de ideologia ou de uma denotao etimolgica - estudo das idias -, para uma conceituao pejorativa de falsa-conscincia, ocultao. discurso ideolgico a cam3ufalagem dos valores e interesses das classes trabalhadoras. ideologia o discurso burgus, que procura tampar o Sol com a peneira, como se houvesse salrio justo e no houvesse compra e venda de fora de trabalho, por um preo de mercado, mercado livre.

Numa das comemoraes do primeiro de maio, na grande Joo Pessoa, falava, em nome do Centro de Defesa e Direitos Humanos, comparando a vida alienada do assalariado com uma radiola comprada prestao e que nunca quitada. O trabalhador vende cada dia, cada ms, cada ano, seu trabalho, sem controlar seus resultados, transformados em mercadoria, tambm na praa. A conscincia da alienao capitalista, na prxis revolucionria, equivale a um processo de desalienao, que permite inclusive um novo conceito de ideologia da inalienao.

A carta, ou seja, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, em seu contedo ideolgico, ser confrontada com o caso citado guisa de epgrafe. No ocupar-me-ei, portanto, nem do texto em si, nem do fato em si.

Na expresso Direitos Humanos, o termo Humanos como se fosse um adjetivo do substantivo Direitos. o Homem, entretanto, a substncia,a a medida, o critrio do Direito, sendo humano todo o tipo, captulo ou campo do Direito. A questo antropolgica que no nos entendemos sobre o Homem. Quanto vale a vida de um menino de rua, de um ndio, de um cidado britnico, de um trabalhador da cana? Alguns cidados norte-Americanos se revezaram nas reas de maior conflito na Nicargua herica, para evitar invaso e bombardeio, como se fossem pra-raios contra a ira de seu prprio governo imperialista. Este tem posies divergentes quanto s velhas exigncias de autodeterminao e quanto a novos direitos ecolgicos da comunidade de destino, ou Terra Ptria nas expresses de Edgar Morin.

Homem e Nao no tem preo, mas o Direito9 em sua teoria, seus fundamentos, filosofia, anda s voltas com bases de sustentao, havendo inclusive posies distintas do ponto de vista do socialismo e do liberalismo. Lembro a este respeito o que j escrevi: nem naturalizar o Homem, nem divinizar o Estado, como criador de Direitos Humanos. 2

como se declinando rapidamente sobre os termos do ttulo: contedo ideolgico de carta dos Direitos Humanos, devssemos adotar uma ordem exatamente inversa. Primeiro o Homem, medida de taodos os direitos, e neste Direito do Homem no mundo, a medida de todas as cartas (em seus aperfeioamemtos, desdobramentos de potencialidades e crises do mundo moderno); e finalmente, o contedo inabordvel em sua amplitude. O que me fez tratar o tema assim entendido, na confrontao de um caso com a carta de 1948, em seus limites e potencialidades, hoje mais que balzaquiana.

Existe um impacto ethos dos Direitos Humanos em nossa cultura. Constata-se inclusive formas de reao contra estes novos valores e seus protagonistas, cada vez mais presentes na lenta marcha histrica brasileira pelo Estado de Direito e pela Democracia. Um certo enfrentamento tico poderia ser mais facilmente estudado, por exemplo, entre valores evanglicos e a reproduo da cultura da violncia, alimentada e que nutre a imprensa policial.

O ethos da carta ser confrontado com a maioria 3 dos seus 30 artigos indicados pela numerao dos pargrafos, seguida do contedo em negrito, e o comentrio.

1. Igualdade e fraternidade revelam-se bem, diante da morte severina, mais morte matada que morte morrida. A Liga Camponesa, nasceu, antes de Gregrio Bezerra, como uma cooperativa morturia, daos irmos da alma.

2. Capacidade de gozar dos Direitos Humanos at em reas no soberanas (sic). Os latifundirios da cana (ecologicamente um desastre, economicamente inviveis e socialmente injustos) resistem como se fossem soberanos diante do Estado e da Nao.

3. Direito vida, neste caso, liga-se s condies de vida, inclusive de higiene e segurana do trabalho, seno direito autpsia e a enterro condigno.

4 e 5. No escravido, tortura ou castigo degradante, no caso, teria evitado a morte do canavieiro.

6 e 7. Reconhecimento como Pessoa Humana e no discriminao legal, relacionam-se antagonicamente, seja com Medicina, Medicina Legal, Segurana Pblica e Usina, seja com a famlia do indigente, que morreu 9a mingua.

8. Remdios contra as violaes da lei, alm de medicamentos corretos, seno preveno, salvaria o homem.

10. Igualdade perante Tribunais. Cumplicidades e impunidades generalizadas retardam a chegada de algozes e de herdeiros de direitos aos tribunais, feitos para outros.

12. Direito vida privada, famlia, lar, correspondncia. Que vida sobrou na famlia de 11 filhos, que destino, endereos, telefones, faxes?

13. Direito locomoo teria salvo o campons.

16. O direito a casar, associa a viva, ao nmero crescente de famlias me/filhos, no campo e na cidade.

17. Direito propriedade para quem a tem (sic). Esta a contradio e a discriminao maior do direito liberal, burgus: como ser homem forro em propriedades escravas? E o direito a ficar ou voltar a produzir alimentos? E a reforma Agrria?

18, 19 e 20. Liberdade de pensamento, de opinio, de reunio, associao. Dona Maria procurou o Sindicato Rural, ela no era associada. No contexto do caso, pensamento poade ser revolta; opinio pode ser fatalismo; reunio poderia ser sentinela (de defunto), lamento, luto.

21. A participao poltica condio de conquista da cidadania, sendo uma longa escada, que no caso foi atingido apenas o primeiro degrau, e pelos herdeiros.

22. Segurana e direitos econmicos, sociais culturais. Nada disto foi visto pelo homem, sem nome, do caso.

23. Direito ao trabalho livre escolha, salrio condigno, organizao sindical. Em 1992 acompanhei uma delegao de parlamentares brasileiros e alemes, em visita zona da cana. Um deles horrorizado, dizia: nas entre-safras precisa-se deslocar essa massa! Se fosse na atual seca, nem isto ele teria a dizer.

24. Direito a repouso. No caso, nem doente pde parar.

25 a 28. Padro de vida, sade, instruo, vida cultural, ordem social. preciso usar a carta e no se perder de vista esta utopia mnima, mesmo que seja um a priaori, sem viabilidade imediata para a maioria, mas objetivo cotidiano de luta conjunta e indignao constantes, vacina contra a indiferena, acomodao, fatalismo.

Notas:

1 Seminrio Escola Pblica e Direitos Humanos, Instituto interamericano de Direitos Humanos e Prefeitura da Cidade de Recife, 3.1.1987.

2 Direitos Humanos Um debate necessrio, Vol. 2, Brasiliense, So Paulo, 1989, p. 18.

3 Deixarei de referir-me aos artigos: 9, que trata de prises arbitrrias; 11, direito nacionalidade; 29 e 30, deveres e disposies finais. (Professor Adjunto do Departamento de Cincias Sociais da UFBP)

CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS
Revista semestral s Conselho Estadual dos Direitos do Homem e do Cidado

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