Comentrio
ao artigo 26 65515i

Cesare
de Florio La Rocca
A
histria da educao, de suas motivaes, seus
objetivos, suas modalidades, seus limites, est ligada
mesma histria da humanidade e suas origens, perde-se na
noite dos tempos. inegvel, porm, que como direito
fundamental da pessoa humana, a educao encontra um
lugar na legislao das naes somente nos tempos
modernos. E, mesmo assim, com formulaes frequentemente
elitistas e excludentes, que, na prtica, permitiam o
o a instncias educativas apenas dos filhos das
classes privilegiadas. uma conquista da histria
contempornea da humanidade o reconhecimento da educao
como direito fundamental da pessoa humana e, em
particular, do ser
em formao.
A
formulao adotada pela Declarao Universal dos
Direitos Humanos , ao mesmo tempo, genrica, abrangente
e especfica. Nela aparecem claramente as dimenses instruo,
da formao, da expanso.
Poderamos afirmar que o artigo 26 conseguiu resumir em
seu texto o objetivo fundamental da educao que o de
educar para a vida.
E no apenas a vida do cotidiano, e sim desse, inserido
de maneira dinmica, construtiva e participativa na prpria
caminhada existencial do gnero humano.
O
direito educao, portanto, s ficar claro em sua
abrangncia se for pensado e pragmaticamente reconhecido
luz dos outros direitos fundamentais formulados a
afirmados pela Declarao. E para entend-lo em sua
plenitude, precisamos incorporar nossa reflexo todas
as pginas escritas pela histria da humanidade nesses
ltimos cinquenta anos. No caso do Brasil, precisamos ter
presente o recente panorama legal, a Constituio de
1988 e o Estatuto da Criana e do Adolescente de 1990. So
estes diplomas legais no benevolamente outorgados, e sim
uma autntica conquista da sociedade que os escreveu a
mil mos, a mil inteligncias, a mil coraes.
Ainda
porm, e no poderia ser diferente se considerarmos a
histria brasileira anterior e o pouco tempo
transcorrido, existe um abismo entre o Brasil legal e o
Brasil real. Os esforos e a luta por uma educao
cidad esto em plena atuao.
J
foi dito que uma nao no se constri apenas por meio
da educao, mas sem educao certo que impossvel
se construir uma nao. E acrescentaria, luz do
processo de planetarizao da existncia humana, que
sem educao no se constri a convivncia pacfica
entre indivduos e povos, no respeito s diferenas e
na luta permanente pela superao das desigualdades.
Esse dplice aspecto da educao, a expanso da
personalidade individual e a abertura para a compreenso
e o respeito pelas diferenas que permite a construo
de uma ambincia de convivncia harmoniosa em nvel de
mundo, claramente declarado pela formulao do artigo
26.
Paulo
Freire afirma que o ato de educar um ato poltico, ou
seja, de construo da plis planetria, na qual
direitos e deveres individuais e valores como compreenso,
tolerncia, amizade entre as naes encontrem
definitivo direito de cidadania.
aqui que desponta a questo fundamental da educao:
processo educativo somente possvel se for iluminado
pela tica dos direitos humanos. A relao
educador-educando em si deve ser uma relao tica, na
qual os respectivos planos so diferentes, mas o aducador
tambm atua como eterno aprendiz. A funo modelar do
educador irrenuncivel, pois a criana aprende muito
mais com o exemplo do educador do que com o seu discurso.
O
artigo da Declarao objeto desta reflexo estabelece a
universalidade, a gratuidade e a obrigatoriedade da educao
fundamental, a universalidade do o ao ensino
profissional e a igualdade de oportunidades para o o
aos estudos superiores, tornando-se o mrito parmetro
fundamental. Vale ressaltar, porm, que s teremos uma
escola pblica universal e de qualidade se a educao e
os educadores forem espelho permanente de uma tica
vivenciada e transmitida.
Quando
se trata de educao, no podemos deixar de lembrar que
o educando um sujeito. E no apenas de direitos, como
tambm de cognio e de desejos. Toda abordagem
educativa ser adequada e coroada de sucesso, medida
que essa tridimensional subjetividade do educando for
respeitada pelo educador.
E
nesse sentido que a educao deve sempre tomar em
considerao o direito que o educando tem de o
multiplicidade de linguagens pedaggicas, para alm da
leitura e da escrita. As linguagens dramtica, musical,
corporal, eletrnica devem ser simultaneamente utilizadas
no processo educativo, estimulando no educando suas
potencialidades criativas e imaginativas.
A
elaborao dos parmetros para a educao pblica
brasileira constitui um marco histrico na construo
de uma nova escola pblica, universal, de qualidade.
Educao
no apenas uma questo do Poder Pblico; uma
questo de cidadania, portanto deve envolver a sociedade
como um todo e em todos os seus segmentos.
No
h dvida: a Declarao Universal dos Direitos Humanos
ser apontada no futuro como o maior feito da humanidade
do sculo XX. Tambm no h dvida de que educao
condio fundamental para o desenvolvimento ou
respeitoso, defensor, protetor dos valores mais irrenunciveis
da pessoa humana, ou transformar-se- naquela que foi
chamada a tragdia do desenvolvimento.
A
educao o poderoso, o nico processo capaz de
estimular a construo de um novo humanismo, no qual os
homens e as mulheres sejam capazes de buscar, em seu
universo anterior, os valores autnticos que no mais os
faam sentir-se sem-terra em suas prprias terras,
sem-tetos em suas prprias casas.
Os
gregos acreditavam que nenhuma criao intelectual ou
artstica era possvel sem a presena e a inspirao
das musas, senhoras de cada atividade do gnio humano.
As
nossas musas da humanidade contempornea, inspiradoras de
uma educao para a vida individual e planetria, tm
nomes e misses novas e antigas ao mesmo tempo: tica,
esttica, imaginao.
Presidente
do Projeto Ax, Bahia e Prmio Cidadania Mundial 1997.
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