Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique
Comentrio ao Artigo 11 4z336c

2k3q71

O artigo 11 da Declarao Universal dos Direitos Humanos elenca o direito do acusado presuno de inocncia at a sentena final, ao processo e julgamento pblicos e plenitude de defesa, alm de sufragar a regra de ouro do direito penal como hortus conclusus, exigindo que a definio legal do delito seja anterior ao fato denunciado e que a pena aplicvel s possa ser a ali prevista, caso tenha sido posteriormente agravada, deixando espao para a retroatividade da lei posterior mais benigna. A anterioridade da lei bem como a irretroatividade da lei nova que desfavorece o acusado, esto entre as maiores conquistas humanizadoras do direito penal e dispensam comentrios em anotaes assistemticas como as que seguem.

Em todos os seus tpicos, o dispositivo traa uma sbia limitao ao exerccio do mandato de coero legitimada. Sente-se objetivamente a preocupao anti-estado de fora porque a pr-histria e a histria do circuito funcional do direito sempre apresentaram a triste tendncia em transformar a dominao, o poder em violncia institucional e at constitucional. O dispositivo cuida de despersonalizar a inclinao para a violncia jurdica deslegitimadora to profundamente quanto possvel, aspecto sob o qual se pode perceber no direito presuno de inocncia uma incisiva proteo do arbtrio de instruir a perseguio processual sob a tica do agente e no da conduta. Presumir a inocncia um modo de abstrair a pessoa, um veil of ignorance no sentido que Rawis d imparcialidade, pois, em direito penal, sempre se retrata uma pessoa abstrata, o homem comum, o homem mdio, ou do que comum a todos os seres humanos, salvo na escolha ou dosagem da pena em concreto. Ao presumir a inocncia do ru, o juiz abstrai tambm a sua prpria pessoa, imparcialidade que no uma virtude ou estado de esprito, mas um esforo, uma conquista em cada caso.

Essa leitura da presuno da inocncia tem, ao que parece, uma justificao metdica, uma vez que a acusao desde sua pea inicial , por definio, uma presuno de culpa do acusado. A Denncia est necessariamente informada por elementos objetivos, cujos significados desenham a individualizao de uma conduta e de seu agente, o que estabelece, desde o incio do procedimento, mais que uma possibilidade real, uma probabilidade de culpa, ou seja, se esses elementos ou seus significados jurdicos no forem desconstitudos, a culpa, normalmente, confirma-se. Assim, o despacho interlocutrio do recebimento da acusao, por sua natureza, reconhece que ela tem fundamento, o que, a rigor, envolve, em alguma medida, a presuno de culpa. Do ponto de vista da vida tal como ela , a presuno de culpa comprova-se pelo olhar com que a sociedade a a ver o ru, o que hoje, muitas vezes, se produz por intermdio dos meios de comunicao de massa e se reproduz cruelmente na massa, s vezes de forma to irreversvel que a prpria absolvio do acusado no tem a fora de restaurar a inocncia. Diante dessa realidade, a presuno de inocncia do acusado um princpio de resistncia ao fascnio do Julgamento social intuitivo que se alimenta da fragilidade psicolgica de criaturas cujo sentido de identidade e cuja inteligncia crtica esto seriamente corrodos pelo zeitgeist, avassaladoramente implantado pela banalizao miditica. A partir dessa constatao, teramos de itir uma grave contradio entre o procedimento tal como ele , uma presuno de culpa, e a regra de procedimento que manda presumir a inocncia. Talvez se possa dizer que as duas presunes so a mesma coisa, servindo-nos da teoria do ver corno, que Wittgenstein trabalhou na segunda parte das Investigaes Filosficas. A presuno de culpa e a presuno de inocncia seriam a mesma prestino tal como no desenho de Wittgenstein: o coelho e o pato so o mesmo desenho. Conforme o processo mental do observador, quando ele v o coelho no v o pato, e quando ele v o pato no v o coelho, ou seja, a obrigao de ver a presuno como presuno de inocncia uma negao do processo mental que v no procedimento uma presuno de culpa, projetando toda a responsabilidade de provar e demonstrar no acusador. Em ltima anlise, no h presuno de culpa porque, em princpio, no h culpa, ou seja, a culpa exceo, embora reconhecvel mediante prova capaz de mostr-la de forma lquida e certa. A presuno de inocncia sobrevive se a instruo deixar espao para qualquer dvida.

UMA EXTENSO NECESSRIA

A preocupao do artigo 11 da Declarao Universal dos Direitos Humanos emerge da evidncia de que o teor literal de uma norma jurdica uma coisa, e a ao dessa norma jurdica outra, ou seja, o que se faz com uma norma jurdica raramente tem a ver, em sentido estrito, com o seu teor liberal. Normalmente, a subsuno ars inveniendi, no apenas em razo) da natureza da linguagem e dos princpios hermenuticos que enclausuram o texto, mas sobretudo em razo das dificuldades inerentes reproduo probatria do fato e dos princpios hermenuticos que enclausuram a faticidade, ou seja, do que J. J. Rambach, citado por Gadamer, chamou de substilitas applicandi, no sentido de uma compreenso que atualiza a relao entre a norma e o fato desenhado pela prova. Diante disso, associa-se a presuno de inocncia com a plenitude de defesa do acusado. A culpa s pode ser reconhecida quando se der ao acusado o defesa plena, mas foroso reconhecer que o que se tem exigido luz desse princpio, quando se trata de um excludo ou de um suprfluo social, no tem muito a ver com o direito que se pretendeu consagrar no texto. No h a mnima relao de identidade entre a recente defesa de Collor no Supremo Tribunal Federal e o que (ou no ) a defesa dos rus marginais. E certo que se exige alguma defesa, mas tambm certo que o esteretipo da defesa minimal reconhecido jurisprudencialmente como defesa defesa nenhuma, ou seja, meramente formal, s tem a forma ou aparncia de defesa. Aqui a responsabilidade no do texto do artigo 11, que se circunscreve ao o e no podia entrar nos detalhes substantivos e, muito menos, nos qualitativos da exigncia. Nos muitos anos em que exerci a magistratura no Rio Grande do Sul, so incontveis as vezes em que fui moralmente constrangido a transformar a presuno de inocncia em ao, colhendo ex officio provas cuja importncia para a defesa e cuja praticabilidade cuidava de predeterminar no curso do interrogatrio do ru, ante o deprimente desinteresse do defensor dativo. Em processos penais, a distncia entre a defesa formal e a presuno de culpa quase nenhuma.

Acontecem, entre ns, violaes ainda mais intolerveis. As que acabo de lembrar so, at certo ponto, institucionais, no sentido de uma institucionalidade consuetudinria, mas a que a seguir comento, embora ligeiramente, institucional em sentido estrito. Refiro-me s internaes de menores realizadas luz do Estatuto da Criana e do Adolescente, que pretendem livrar o menor da jurisdio penal, da linguagem penal, da processualidade penal que caracterizava a legislao precedente. A nova lei substitui a punibilidade (disfarada) pelo estado de carncia pedaggica e compreende a deciso judicial como uma destinao educativa, a pena como uma educao compulsria, na pior das hipteses a de internao. Acontece que o Estatuto aplicado pelo mecanismo burocrtico que aplicava a lei anterior sem suficientes reajustes operacionais, estruturais e culturais, de tal sorte que o menor, na mesma medida em que se diz que no acusado, no tem defesa, e na mesma medida em que se diz que no punido ou condenado, internado em estabelecimentos que, normalmente, so estruturalmente a prpria negao do encaminhamento pedaggico, falsa e conscientemente comemorado pela deciso judicial. Em suma, a pretexto de uma lei idealmente correta, mas totalmente alienada da realidade, estamos dispensando aos menores com desvios de conduta um tratamento penal medieval, sem acusao, sem presuno de inocncia, sem defesa e com pena previamente definida. E o caso tpico e trgico de uma lei excelente em tese, que se torna, na aplicao, mais cruel que a pssima lei anterior, porque aplicada numa sociedade que no tem a organizao que ela pressupe e em um Estado sem instituies preparadas para aplic-la, e, muito menos, para executar as decises judiciais nela fundamentadas.

UMA EXTENSO DESNECESSRIA

A mdia tem uma funo socialmente relevante, tanto que o rdio e a televiso so servios pblicos. O jornalismo brasileiro tem, entre outras paixes, a de participar de investigaes, a de investigar ele prprio e, principalmente, a de julgar. Diz-se que isso se a na esfera moral da existncia, o que, no momento, no importa. O que importa que isso se a em nossa coexistncia.

Concretamente, a mdia assume um papel de poder policial e judicirio paralelos, mas, enquanto os poderes legtimos esto enclausurados em princpios, diretrizes e normas legitimadas procedimentalmente em mandatos de coero cada vez mais cuidadosamente controlados (hoje se pensa em mecanismos para o controle social do exerccio desses mandatos), a mdia no apenas se arvora ela prpria em titular desse controle, mas assume, a seu critrio, os prprios mandatos de coero, e os exerce na mais absoluta permissividade, definindo, depois do fato, a regra moral a ele referida precisamente ela que adota explicitamente o relativismo tico e aplicando punies no previstas constitucionalmente e irrecorrveis, destruindo reputaes, estabilidades, carreiras e vidas inteiras sem conceder aos acusados um espao de defesa equivalente ao da acusao, quando concede algum, proclamando, em cima dessa tragdia, o triunfo da liberdade de imprensa.

Ora, o conceito dessa liberdade jamais teve tal abrangncia e se nega a si mesmo na medida em que se transforma, seja pelas urdiduras do monoplio, seja pela clandestinidade da competio gerenciada, que parceiriza as empresas e as transforma na linguagem doxal do poder, e, como tal, tende a ser nica na medida em que se apropria da opinio pblica. certo que h legislao a respeito, mas a elaborao legislativa controlada pela prpria linguagem doxal. H tambm um preceito constitucional prevendo genericamente a nocividade e a reparabilidade desses desvios de conduta da mdia. Entretanto, outra vez sob a presso da linguagem doxal, raramente a jurisprudncia pune a mdia em quotas que ultraem o que ela prpria j providenciou oramentariamente para manter essa jurisdio paralela, que acaba sendo, seja do ponto de vista financeiro seja do ponto de vista do marketing, unia de suas mercadorias de maior consumo. Com seus poderes policiais e jurisdicionais paralelos, isentos de qualquer controle que no seja uma lei de imprensa, elaborada indiretamente por ela prpria, e no princpio constitucional de reparao carente ainda de uma legislao que o complemente condignarnente, a mdia , hoje, a mais recorrente violao do artigo 11 da Declarao Universal dos Direitos Humanos.

UMA CONCLUSO PRIMA FACIE

Na verdade, porque so princpios, e no propriamente normas, dispositivos como esses do artigo 11, reproduzidos em nossa Constituio Federal de 1988, no artigo 5, funcionam, na prtica, de modo geomtrico, ou seja, como assintotas cujas linhas so tangentes em relao a um ponto que se desloca para um infinito difuso e incerto, que a gente costuma chamar de futuro, mas que, de certo modo, a gente pode chamar tambm de Histria, se que o ser humano, embora no e de evento, consegue manter alguma coisa advinda de suas origens, conservada em seu ado e destinada a ter esse tnue sentido de continuidade em seu futuro. Nesse caso, a Declarao Universal dos Direitos Humanos suscetvel de aperfeioamentos, porque, mesmo que no tenhamos nenhuma essncia, como afirma a hermenutica filosfica, to certo dizer cartesianamente cogito, ergo sum, como dizer que a coexistncia humana , por definio, um direito justia, embora esta lhe seja interminavelmente concedida em parte e em parte negada, talvez porque justia e injustia tambm sejam como o desenho do coelho e do pato sobre o qual se torturam as Investigaes Filosficas de Ludwig Wittgenstein.

Jos Paulo Bisol Secretrio de Estado da Justia e Segurana do Rio Grande do Sul, magistrado aposentado e ex-senador.

A lei a mesma para todo mundo, deve ser aplicada da mesma maneira para todos, sem distino.

volta

Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim