Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

2z282o

Por uma educao pela paz e pela no violncia

Observa-se hoje uma crescente preocupao da sociedade brasileira com o fenmeno da violncia urbana e sua banalizao. Neste contexto, a paz parece um horizonte muito distante de ser alcanado. Uma primeira dificuldade reside na prpria definio do que se entende por violncia e por paz. Para muitos, a violncia identifica-se com criminalidade e/ou agresso fsica. Esta a dimenso que ganha cada vez mais espao nos jornais e noticirios de rdio e TV. Para outros a violncia constitui um fenmeno to abrangente que simples conflitos de opinio so considerados como manifestaes de violncia. Contudo, pode-se afirmar que, na maioria das vises que se tem do fenmeno, o que est presente, como marca constitutiva, a tendncia destruio, ao desrespeito e negao do outro, podendo a ao situar-se no plano fsico, psicolgico ou tico. Da mesma forma, o conceito de paz mostra-se amplo e multidimensional. Observa-se que cada indivduo ou grupo de indivduos define a paz a partir da realidade em que vive e das necessidades mais urgentes desta realidade, o que, certamente, varia de acordo com o momento histrico em que se insere. A paz tambm pode ser compreendida a partir de diferentes dimenses: pessoal, coletiva, social, poltica.

A partir destas reflexes iniciais, este trabalho se prope a discutir alguns dos fatores que tm contribudo para o aumento de manifestaes violentas no interior das escolas e a provocar uma reflexo acerca de como a educao escolar pode atuar na construo de uma cultura da paz e da no violncia.

A VIOLNCIA E SUAS MANIFESTAES NA ESCOLA

Quando se busca identificar os fatores que determinam o crescimento da violncia urbana, verifica-se que uma das vertentes mais trabalhadas , sem dvida, a sua relao com a desigualdade social, ou seja, a sua dimenso estrutural. Problemas tais como a misria, a fome, o stress causado pelo desemprego, a falta de condies dignas de sobrevivncia, a falta de o a bens tais como sade e educao tm sido frequentemente relacionados violncia.

No entanto, no se pode afirmar que a pobreza e suas consequncias, constituem os nicos fatores determinantes deste fenmeno. Constata-se que estes fatores, por si ss, no explicam a perda dos referenciais ticos que sustentam as interaes entre grupos e indivduos(1), Observa-se, hoje, uma sociedade marcada por uma forte anorexia moral(2) , que se reflete no descompromisso, causado pelo sentimento individual de apatia em relao vida social, na ausncia de utopias, na perda do sentido de viver, na falta de solidariedade, na ausncia de parmetros definidos sobre o que certo e errado. A difuso, na sociedade atual, de valores individualistas significou em enfraquecimento nas formas de relacionamento.

Num mbito mais abrangente, observa-se uma crescente intolerncia com relao s diferenas tnicas, culturais, religiosas e outras que tm inspirado muitas das aes de destruio, de negao do outro e que esto presentes em nossa sociedade.

muitas guerras tm sido causada por questes de identidade cultural visando destruio do outro;... muitas consequncias cruis so decorrentes da globalizao do intercmbio cultural e do intercmbio econmico que levam desintegrao dos valores dos povos. Atualmente, a intolerncia tem suscitado sentimentos de exagerado nacionalismo, revivendo diferenas tnicas e religiosas e levando milhes ao refgio e perda do direito de ter direitos (UNESCO, 1999).

Como no poderia deixar de acontecer, o crescimento da violncia urbana acompanhado de um significativo aumento de manifestaes violentas no interior da escola. Estando a violncia presente na rua, nas relaes de trabalho, na mdia, inclusive nos programas infantis, no seria de se esperar que ela estivesse ausente do espao escolar. Pais e educadores/as tm manifestado uma grande preocupao com as frequentes expresses da violncia no interior das escolas, tais como: a interferncia e a presena do narcotrfico no cotidiano escolar, a depredao dos prdios e materiais escolares, as brigas e agresses entre alunos/as e entre estes/as e os adultos que trabalham nas escolas e a violncia familiar, que apesar de estar localizada, quase sempre, fora dos muros escolares, interfere significativamente no trabalho que a se realiza.

Ao analisar os fatores que tm contribudo para este crescimento da violncia nas escolas, possvel constatar que, da mesma forma que nos casos de violncia urbana, eles podem estar relacionados tanto a questes estruturais, quanto a questes culturais e/ou ticas. Podem ainda ter suas origens localizadas na estrutura social mais ampla ou na prpria dinmica escolar.

No que se refere ao nvel mais amplo, uma primeira constatao se destaca: mudou a escola e mudou o/a professor/a. A escola era vista enquanto instrumento de ascenso social, o professor possua status como mediador dessa ascenso, a escola era fonte privilegiada de informaes (Fvero, 97, p.32). Nos ltimos anos temos vivido uma reverso deste quadro. O baixo investimento do Estado no setor e a falta de polticas educacionais voltadas para uma real democratizao da escola e valorizao do magistrio tiveram como efeitos visveis o esvaziamento e a fragmentao na formao dos professores, a diminuio drstica nos salrios, o profundo mal-estar presente nos meios educacionais, a desvalorizao da educao e do magistrio e acabaram por gerar uma grave crise de identidade da escola.

Esta crise reflete-se, no enfraquecimento do papel desempenhado pela escola na sociedade. A expectativa de muitos pais e alunos continua sendo a de que a escola proporcione s crianas e aos jovens o o a uma vida melhor(3), atravs de suas funes clssicas: a transmisso dos saberes historicamente construdos e de uma disciplina que lhe seja til para o desempenho de uma profisso no futuro. Este discurso enfrenta, no entanto, srias contradies. Se de um lado, no imaginrio popular, a escola promete ascenso social e respeitabilidade, de outro a realidade desmente essa promessa, contribuindo para a falta de perspectivas presentes, hoje em nossa sociedade e, em especial, entre os jovens. Cresce a distncia entre as expectativas dos indivduos e a realidade.

Esta crise de identidade das escolas reforada quando se conjuga a ela a crise de valores que caracteriza nossa sociedade atual, presente tambm no cotidiano escolar. A ausncia de utopias, a perda dos laos de solidariedade, a crise nos modelos de comportamento, o desenraizamento cultural, afetivo e religioso afetam significativamente o trabalho que se realiza no interior da escola e esto na origem de uma cultura da violncia.

Apesar de haver uma ntima relao entre estes fatores, cujas origens esto na sociedade de uma maneira geral, e o aumento de aes violentas no espao escolar, no se pode afirmar que eles so os nicos determinantes do fenmeno. possvel que, no interior das escolas, esta cultura da violncia surja como uma forma no explcita de resistncia ao julgamento escolar e/ou protesto contra o mau exerccio, pelo adulto de sua funo. No raro, o sistema escolar, atravs de uma prtica que privilegia o desempenho individual, coloca o sujeito, seja professor/a ou aluno/a, a uma situao de solido e competio, que pode reforar aquele modelo de sociedade que se tem desenvolvido nos ltimos anos. Neste campo, constata-se que a avaliao dos resultados escolares e as notas, constitui um ponto de conflitos particularmente significativo no cotidiano escolar.

Sabe-se ainda que atos de violncia podem estar relacionados baixa qualidade de vida em termos de infra-estrutura. Aplicando esta concepo ao espao escolar, pode-se afirmar que, muitas vezes, o estado de abandono e precariedade em que se encontra grande parte das escolas pblicas pode, de algum modo, estar relacionado com manifestaes de violncia como a depredao escolar. Como podem educadores/as e alunos/as sentirem-se valorizados e respeitados, se o ambiente em que trabalham e estudam est abandonado?

EDUCAR PARA A PAZ E A NO VIOLNCIA

Estas reflexes apontam para a complexidade de se estabelecer caminhos possveis para o enfrentamento de questo da violncia na escola, dada a sua abrangncia. Contudo, possvel destacar algumas aes e estratgias, relacionadas a dois diferentes nveis de atuao: um primeiro que se refere ao conjunto da sociedade como um todo, incluindo-se a o governo e os sistemas de ensino e um outro que diz respeito, especificamente, ao trabalho pedaggico que se realiza no interior das escolas.

No que se refere ao nvel mais amplo, destaca-se a importncia de serem implementadas polticas pblicas sociais srias que promovam mais emprego, educao, sade, lazer para todos e de combate ao trabalho infantil e ao narcotrfico. Destaca-se ainda a necessidade de implementao de polticas educacionais voltadas para uma real valorizao da escola e do magistrio que vo, desde medidas gerais como a melhoria dos salrios dos professores de ensino e das condies fsicas e materiais das escolas, at medidas mais especficas, tais como um maior investimento e incentivo s prticas desportivas nas escolas e instituio de espaos coletivos, dentro dos horrios escolares, que tenham por objetivo proporcionar aos educadores/as momentos de reflexo sobre os problemas que afetam o cotidiano escolar e uma melhor formao profissional. Necessita-se, ainda, de um amplo debate com o objetivo de redefinir o papel da educao escolar, o que certamente poderia contribuir para a superao da atual crise de identidade da escola. Construir um caminho que busque reforar a funo formadora da escola, voltada para a aprendizagem escolar, concebida como um dos instrumentos de formao cultural e incluso social e para a construo do sujeito tico, poltico e social, constitui, certamente, um grande desafio para a sociedade e, em especial, para educandos e educadores.

No nvel mais especfico de atuao, que se refere ao trabalho que se realiza no interior da escola, promover uma educao que enfatize os valores humanos e sociais, a resoluo de conflitos atravs do dilogo e a construo da justia constitui um o importante para se enfrentar com determinao os desafios de superar a violncia escolar. Vivenciar valores como a amizade, a solidariedade, a justia, exercitar o dilogo e a participao nas diferentes instncias escolares, cuidar do espao fsico e dos materiais escolares, promover atividades extra-classe, intensificar as relaes com as famlias, zelar pelo bom relacionamento interpessoal, garantir espaos de reflexo coletiva sobre prtica educativa constituem algumas das estratgias pedaggicas para o enfrentamento da violncia escolar e a construo da paz. Cabe ressaltar mais uma vez a importncia de se voltar o trabalho pedaggico para a construo de um ser social dotado da capacidade de falar, como principal estratgia para a resoluo dos conflitos. Algumas experincias tm mostrado que a aquisio de confiana na palavra, pode substituir os atos violentos pela comunicao. Neste sentido, o dilogo pode ser considerado como instrumento privilegiado para diminuir manifestaes no verbais de violncia.

Dar voz aos estudantes, discutir com eles/as sobre suas prprias expectativas, desvendar os ingredientes ideolgicos da tarefa educacional, desenvolver formas participativas de construo de normas so fatores que podem contribuir, significativamente para a construo de um ser social capaz de falar, de respeitar, de lutar pela justia, de construir a paz. Para se enfrentar uma cultura da violncia, necessrio trabalhar por uma cultura da paz que enfatize os valores sociais e humanos, a tica, a solidariedade, o respeito aos direitos humanos no dia a dia.

Revista NOVAMERICA n 86 - Pgina 48

Maria das Graas C. de A. Nascimento


Membro da Equipe de Direitos Humanos Educao e Cidadania da Novamerica


Rio de Janeiro Brasil

Notas:

Consideramos que a pobreza no pode explicar algumas manifestaes de violncia, tais como: a cometida por grupo de jovens lutadores em bairros nobres da cidade, a violncia no trnsito ou os crimes cometidos por filhos de famlias economicamente favorecidas.

Termo utilizado por Jurandir Freire em conferncia proferida na PUC-Rio, em novembro de 1997.

A idia de vida melhor est, frequentemente, associada insero no mercado de trabalho e oportunidade de emprego em funo socialmente mais valorizadas.

Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim