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Por uma educao pela paz e pela no violncia
Observa-se hoje uma
crescente preocupao da sociedade brasileira com o fenmeno da violncia
urbana e sua banalizao. Neste contexto, a paz parece um horizonte
muito distante de ser alcanado. Uma primeira dificuldade reside na prpria
definio do que se entende por violncia e por paz. Para muitos, a
violncia identifica-se com criminalidade e/ou agresso fsica. Esta
a dimenso que ganha cada vez mais espao nos jornais e noticirios
de rdio e TV. Para outros a violncia constitui um fenmeno to
abrangente que simples conflitos de opinio so considerados como
manifestaes de violncia. Contudo, pode-se afirmar que, na maioria
das vises que se tem do fenmeno, o que est presente, como marca
constitutiva, a tendncia destruio, ao desrespeito e negao
do outro, podendo a ao situar-se no plano fsico, psicolgico ou
tico. Da mesma forma, o conceito de paz mostra-se amplo e
multidimensional. Observa-se que cada indivduo ou grupo de indivduos
define a paz a partir da realidade em que vive e das necessidades mais
urgentes desta realidade, o que, certamente, varia de acordo com o
momento histrico em que se insere. A paz tambm pode ser compreendida
a partir de diferentes dimenses: pessoal, coletiva, social, poltica.
A partir destas reflexes
iniciais, este trabalho se prope a discutir alguns dos fatores que tm
contribudo para o aumento de manifestaes violentas no interior das
escolas e a provocar uma reflexo acerca de como a educao escolar
pode atuar na construo de uma cultura da paz e da no violncia.
A VIOLNCIA E SUAS
MANIFESTAES NA ESCOLA
Quando se busca
identificar os fatores que determinam o crescimento da violncia
urbana, verifica-se que uma das vertentes mais trabalhadas , sem dvida,
a sua relao com a desigualdade social, ou seja, a sua dimenso
estrutural. Problemas tais como a misria, a fome, o stress causado
pelo desemprego, a falta de condies dignas de sobrevivncia, a
falta de o a bens tais como sade e educao tm sido
frequentemente relacionados violncia.
No entanto, no se
pode afirmar que a pobreza e suas consequncias, constituem os nicos
fatores determinantes deste fenmeno. Constata-se que estes fatores,
por si ss, no explicam a perda dos referenciais ticos que
sustentam as interaes entre grupos e indivduos(1),
Observa-se, hoje, uma sociedade marcada por uma forte anorexia
moral(2) , que se reflete no descompromisso, causado pelo
sentimento individual de apatia em relao vida social, na ausncia
de utopias, na perda do sentido de viver, na falta de solidariedade, na
ausncia de parmetros definidos sobre o que certo e errado. A
difuso, na sociedade atual, de valores individualistas significou em
enfraquecimento nas formas de relacionamento.
Num mbito mais
abrangente, observa-se uma crescente intolerncia com relao s
diferenas tnicas, culturais, religiosas e outras que tm inspirado
muitas das aes de destruio, de negao do outro e que esto
presentes em nossa sociedade.
muitas guerras tm
sido causada por questes de identidade cultural visando destruio
do outro;... muitas consequncias cruis so decorrentes da globalizao
do intercmbio cultural e do intercmbio econmico que levam
desintegrao dos valores dos povos. Atualmente, a intolerncia tem
suscitado sentimentos de exagerado nacionalismo, revivendo diferenas
tnicas e religiosas e levando milhes ao refgio e perda do
direito de ter direitos (UNESCO, 1999).
Como no poderia
deixar de acontecer, o crescimento da violncia urbana acompanhado
de um significativo aumento de manifestaes violentas no interior da
escola. Estando a violncia presente na rua, nas relaes de
trabalho, na mdia, inclusive nos programas infantis, no seria de se
esperar que ela estivesse ausente do espao escolar. Pais e
educadores/as tm manifestado uma grande preocupao com as
frequentes expresses da violncia no interior das escolas, tais como:
a interferncia e a presena do narcotrfico no cotidiano escolar, a
depredao dos prdios e materiais escolares, as brigas e agresses
entre alunos/as e entre estes/as e os adultos que trabalham nas escolas
e a violncia familiar,
que apesar de estar localizada, quase sempre, fora dos muros escolares,
interfere significativamente no trabalho que a se realiza.
Ao analisar os fatores
que tm contribudo para este crescimento da violncia nas escolas,
possvel constatar que, da mesma forma que nos casos de violncia
urbana, eles podem estar relacionados tanto a questes estruturais,
quanto a questes culturais e/ou ticas. Podem ainda ter suas origens
localizadas na estrutura social mais ampla ou na prpria dinmica
escolar.
No que se refere ao nvel
mais amplo, uma primeira constatao se destaca: mudou a escola e
mudou o/a professor/a. A escola era vista enquanto instrumento de
ascenso social, o professor possua status como mediador dessa ascenso,
a escola era fonte privilegiada de informaes (Fvero, 97, p.32).
Nos ltimos anos temos vivido uma reverso deste quadro. O baixo
investimento do Estado no setor e a falta de polticas educacionais
voltadas para uma real democratizao da escola e valorizao do
magistrio tiveram como efeitos visveis o esvaziamento e a fragmentao
na formao dos professores, a diminuio drstica nos salrios, o
profundo mal-estar presente nos meios educacionais, a desvalorizao
da educao e do magistrio e acabaram por gerar uma grave crise de
identidade da escola.
Esta crise reflete-se,
no enfraquecimento do papel desempenhado pela escola na sociedade. A
expectativa de muitos pais e alunos continua sendo a de que a escola
proporcione s crianas e aos jovens o o a uma vida melhor(3),
atravs de suas funes clssicas: a transmisso dos saberes
historicamente construdos e de uma disciplina que lhe seja til para
o desempenho de uma profisso no futuro. Este discurso enfrenta, no
entanto, srias contradies. Se de um lado, no imaginrio popular,
a escola promete ascenso social e respeitabilidade, de outro a
realidade desmente essa promessa, contribuindo para a falta de
perspectivas presentes, hoje em nossa sociedade e, em especial, entre os
jovens. Cresce a distncia entre as expectativas dos indivduos e a
realidade.
Esta crise de
identidade das escolas reforada quando se conjuga a ela a crise de
valores que caracteriza nossa sociedade atual, presente tambm no
cotidiano escolar. A ausncia de utopias, a perda dos laos de
solidariedade, a crise nos modelos de comportamento, o desenraizamento
cultural, afetivo e religioso afetam significativamente o trabalho que
se realiza no interior da escola e esto na origem de uma cultura da
violncia.
Apesar de haver uma ntima
relao entre estes fatores, cujas origens esto na sociedade de uma
maneira geral, e o aumento de aes violentas no espao escolar, no
se pode afirmar que eles so os nicos determinantes do fenmeno.
possvel que, no interior das escolas, esta cultura da violncia surja
como uma forma no explcita de resistncia ao julgamento escolar
e/ou protesto contra o mau exerccio, pelo adulto de sua funo. No
raro, o sistema escolar, atravs de uma prtica que privilegia o
desempenho individual, coloca o sujeito, seja professor/a ou aluno/a, a
uma situao de solido e competio, que pode reforar aquele
modelo de sociedade que se tem desenvolvido nos ltimos anos. Neste
campo, constata-se que a avaliao dos resultados escolares e as
notas, constitui um ponto de conflitos particularmente significativo no
cotidiano escolar.
Sabe-se ainda que atos
de violncia podem estar relacionados baixa qualidade de vida em
termos de infra-estrutura. Aplicando esta concepo ao espao
escolar, pode-se afirmar que, muitas vezes, o estado de abandono e
precariedade em que se encontra grande parte das escolas pblicas pode,
de algum modo, estar relacionado com manifestaes de violncia como
a depredao escolar. Como podem educadores/as e alunos/as sentirem-se
valorizados e respeitados, se o ambiente em que trabalham e estudam est
abandonado?
EDUCAR PARA A PAZ E A NO
VIOLNCIA
Estas reflexes
apontam para a complexidade de se estabelecer caminhos possveis para o
enfrentamento de questo da violncia na escola, dada a sua abrangncia.
Contudo, possvel destacar algumas aes e estratgias,
relacionadas a dois diferentes nveis de atuao: um primeiro que se
refere ao conjunto da sociedade como um todo, incluindo-se a o governo
e os sistemas de ensino e um outro que diz respeito, especificamente, ao
trabalho pedaggico que se realiza no interior das escolas.
No que se refere ao nvel
mais amplo, destaca-se a importncia de serem implementadas polticas
pblicas sociais srias que promovam mais emprego, educao, sade,
lazer para todos e de combate ao trabalho infantil e ao narcotrfico.
Destaca-se ainda a necessidade de implementao de polticas
educacionais voltadas para uma real valorizao da escola e do magistrio
que vo, desde medidas gerais como a melhoria dos salrios dos
professores de ensino e das condies fsicas e materiais das
escolas, at medidas mais especficas, tais como um maior investimento
e incentivo s prticas desportivas nas escolas e instituio de
espaos coletivos, dentro dos horrios escolares, que tenham por
objetivo proporcionar aos educadores/as momentos de reflexo sobre os
problemas que afetam o cotidiano escolar e uma melhor formao
profissional. Necessita-se, ainda, de um amplo debate com o objetivo de
redefinir o papel da educao escolar, o que certamente poderia
contribuir para a superao da atual crise de identidade da escola.
Construir um caminho que busque reforar a funo formadora da
escola, voltada para a aprendizagem escolar, concebida como um dos
instrumentos de formao cultural e incluso social e para a construo
do sujeito tico, poltico e social, constitui, certamente, um grande
desafio para a sociedade e, em especial, para educandos e educadores.
No nvel mais especfico
de atuao, que se refere ao trabalho que se realiza no interior da
escola, promover uma educao que enfatize os valores humanos e
sociais, a resoluo de conflitos atravs do dilogo e a construo
da justia constitui um o importante para se enfrentar com
determinao os desafios de superar a violncia escolar. Vivenciar
valores como a amizade, a solidariedade, a justia, exercitar o dilogo
e a participao nas diferentes instncias escolares, cuidar do espao
fsico e dos materiais escolares, promover atividades extra-classe,
intensificar as relaes com as famlias, zelar pelo bom
relacionamento interpessoal, garantir espaos de reflexo coletiva
sobre prtica educativa constituem algumas das estratgias pedaggicas
para o enfrentamento da violncia escolar e a construo da paz. Cabe
ressaltar mais uma vez a importncia de se voltar o trabalho pedaggico
para a construo de um ser social dotado da capacidade de falar, como
principal estratgia para a resoluo dos conflitos. Algumas experincias
tm mostrado que a aquisio de confiana na palavra, pode
substituir os atos violentos pela comunicao. Neste sentido, o dilogo
pode ser considerado como instrumento privilegiado para diminuir
manifestaes no verbais de violncia.
Dar voz aos estudantes,
discutir com eles/as sobre suas prprias expectativas, desvendar os
ingredientes ideolgicos da tarefa educacional, desenvolver formas
participativas de construo de normas so fatores que podem
contribuir, significativamente para a construo de um ser social
capaz de falar, de respeitar, de lutar pela justia, de construir a
paz. Para se enfrentar uma cultura da violncia, necessrio
trabalhar por uma cultura da paz que enfatize os valores sociais e
humanos, a tica, a solidariedade, o respeito aos direitos humanos no
dia a dia.
Revista NOVAMERICA n 86 - Pgina 48
Maria das Graas C. de A.
Nascimento
Membro da Equipe de Direitos Humanos Educao e Cidadania da
Novamerica
Rio de Janeiro Brasil
Notas:
Consideramos que a
pobreza no pode explicar algumas manifestaes de violncia, tais
como: a cometida por grupo de jovens lutadores em bairros nobres
da cidade, a violncia no trnsito ou os crimes cometidos por filhos
de famlias economicamente favorecidas.
Termo utilizado por
Jurandir Freire em conferncia proferida na PUC-Rio, em novembro de
1997.
A idia de vida melhor
est, frequentemente, associada insero no mercado de trabalho
e oportunidade de emprego em funo socialmente mais valorizadas.
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