Incurses na
Histria das Anistias
Polticas no
Brasil
Homero
de Oliveira Costa
Breve
Reconstituio Histrica
Anistia
no Brasil: Colnia e Imprio
A Anistia
no Perodo Republicano
Os Anos
da Ditadura Militar: 1964-1985
Os
Comits Brasileiros de Anistia
Anistias
Ps Ditadura
Bibliografia
Breve
Reconstituio Histrica
Anistia uma
palavra originria do grego AMNISTIA, que significa esquecimento.
No Dicionrio Aurlio anistia o "ato pelo qual o poder
pblico declara impunveis, por motivo de utilidade social,
todos quanto, at certo dia, perpetraram determinados delitos, em
geral, polticos, seja fazendo cessar as diligncias
persecutrias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as
condenaes", assim, um ato pelo qual uma autoridade
concede perdo a indivduos implicados em crimes, em geral de
carter poltico.
Historicamente a
anistia surgiu na Grcia, mais especificamente no perodo de
Solon no ano de 594 a.C., Solon que institui entre os helenos um
regime democrtico, concede o primeiro ato de clemncia que a
Histria registra, reintegrando os direitos aos cidados
perseguidos pelos regimes tirnicos que lhe antecede e concede o
perdo a todos os perseguidos, exceto aos condenados por
traio ou homicdio. Depois foi usada tambm por Petroceides
em 405 a.C., que, segundo Rui Barbosa, "restabeleceu com
restries a comunho dos direitos civis e polticos, a favor
de numerosos cidados processados e condenados, tendo ordenado a
queima de todos os registros, os atenienses gratificados, fizeram
um acrpole e solene juramento de reconhecimento geral" 1.
Rui Barbosa se refere ainda anistia atribuda a Trasbulo,
resultado de um acordo de paz entre atenieses e espartanos.
Em Roma, ainda
segundo Rui Barbosa, a idia de anistia aparece com outro nome,
mas com o mesmo significado: o de generalis abolitio, que
significava perdo, esquecimento. Assim, historicamente, anistia
significa um ato eminentemente poltico que tem por objetivo
perdoar os crimes e processos decorrentes de lutas contra os
governos e estabelecer a paz. Antes de ser incorporada como um
Instituto Constitucional, tinha seu equivalente no direito de
graa. Roberto Ribeiro Martins diz que "Em sua
historicidade, a anistia uma extenso progressiva do direito
de graa usado desde tempos imemoriais. Para compreend-la
necessrio primeiro entender esta evoluo. Na antiguidade o
uso do perdo a determinados crimes j existia muito antes da
Grcia e continua sendo praticado at os dias recentes, numa
tradio milenar. Em certo sentido, quanto menor fosse a
organizao jurdica e as instituies de direito nos
Estados, mais o poder de graa era necessrio. Em no havendo
tribunais para julgar os crimes, quase sempre isso cabia aos
monarcas, os quais, a depender das convenincias e de sua
magnanimidade, podiam usar tambm seu poder de perdoar os
rus" (Martins, 1978: 19).2
No perodo medieval, com a
ascendncia ao poder poltico dos senhores de terra e o
estabelecimento de tiranias locais, leva-se, segundo Roberto
Ribeiro Martins a uma extrema vulgarizao o conceito de
"graa" que a a ser concedida a partir de
critrios pessoais dos senhores feudais, sem qualquer base legal.
Para ele "Os sinais entremostrados na histria, referem-se
aplicao da graa como medida abrangente de clemncia,
traduzida na comutao de pena de morte, quanto forma de
execuo, determinando-se por meio menos cruel de execuo, ou
ainda, a proibio de torturas no caso especfico tangido pela
medida da graa" (Martins, l978: 21).
Tal situao perdura at a Revoluo sa, que ser um
marco histrico, na medida em que a graa no texto da
Constituio de l791 ficou privativa como atribuio do
presidente da Repblica e a anistia, diferente de graa,
aparece, pela primeira vez na Constituio, como atribuio do
poder legislativo. (Ferreira, 1979: 66).
Como afirma Rui
Barbosa: "Em Frana, antes da Revoluo, j se praticava,
sob o nome de alvar de abolio geral, a anistia, no sentido
em que presentemente o empregamos, mas s com a revoluo de
l789, especialmente durante o primeiro perodo revolucionrio
(at l793) que se amida ali o exerccio desse poder soberano.
(Barbosa, 1955: 115-116).
Depois da
Revoluo sa, o instituto da anistia foi incorporado em
diversas Constituies democrticas da Europa, permanecendo
at nossos dias.
Anistia
no Brasil: Colnia e Imprio
A histria da
anistia no Brasil tem uma longa tradio. Da colnia
Repblica em vrios momentos de nossa histria, a anistia tem
estado presente. No perodo colonial, com o incio do processo
de colonizao, o governo de Portugal cria as capitanias
hereditrias, com os donatrios gozando de amplos poderes, que
iam da aplicao da pena de morte concesso de clemncia.
No primeiro caso, diversos condenados morte tiveram suas penas
comutadas desde que se comprometessem a lutar contra os invasores
e rebeldes.
As lutas nativistas
marcaram o processo de colonizao no Brasil. Durante todo o
perodo colonial so vrios os movimentos de contestao da
Ordem Colonial, alguns de carter mais , como o caso,
por exemplo, do movimento contra a Companhia do Comrcio do
Estado do Maranho em l684, que terminou com a represso,
priso e a subsequente anistia aos envolvidos, e a rebelio
conhecida como Emboabas (1708-1709). Outros tiveram uma carter
mais amplo, como o caso da Insurreio Pernambucana de l654
contra a invaso holandesa (domnio que se estendia de Sergipe
ao Maranho), que terminou com a expulso dos invasores, depois
de muitos anos de lutas. Com a de um acordo de paz, em
26 de janeiro de l654, concedida anistia aos derrotados, num
gesto que ficou conhecido como de profunda generosidade. At a
Independncia, em l822, ocorreram vrias outras rebelies e
conflitos, como a Guerra dos Mascates em Pernambuco (1711/1714), a
Revolta de Vila Rica (1720) a Inconfidncia Mineira (1789), a
Conjurao Baiana (l798) e a Revoluo Pernambucana de l817.
(Fausto: l994)
Em todos esses
movimentos, a dura represso e exceto os implicados na
Inconfidncia Mineira e na Conjurao Baiana, foram perdoados
depois.
Mas, com a
Independncia, em especial com a Constituio (outorgada) de
1824 que a anistia a a figurar como Instituto Constitucional,
cabendo ao Imperador conced-la ou no.
A exemplo do
perodo colonial, durante o Imprio, ocorreram diversas
rebelies. A primeira e mais importante a que ficou conhecida
com a Confederao do Equador. Ocorrida em l824 em Pernambuco,
visava constituio de uma federao republicana que
abrangeria os estados do Norte e Nordeste. Inspirada no iderio
republicano, tinha entre suas principais lideranas o grande
revolucionrio Cipriano Barata e o frei Caneca. A represso por
parte das tropas do Imperador foi violenta. Milhares de presos e
muitos executados, e entre eles o frei Caneca.3
Depois vieram vrias rebelies no
perodo regencial (1831-1840), com caractersticas muito
distintas se destacam, a Cabanagem (Gro-Par, l835-l840),
Balaiada (Maranho, l838-l840), Sabinada (Bahia, l837-l838),
Farroupilha (Rio Grande do Sul, l835-l845). Todas essas rebelies
foram reprimidas violentamente pelo Exrcito Imperial. Em todas
elas, milhares de mortos, presos, condenados e, em todas, so
concedidas anistia pelo Imperador. Em 1835, na Regncia,
concedida anistia a "todas as pessoas envolvidas em crimes
polticos at 1834 nas provncias de Minas Gerais e Rio de
Janeiro".
Em 1836 era
concedida anistia "todos os insurretos que tivessem se
submetido ordem legal e cooperado com sua manuteno. E, no
final do perodo Regencial, em 22 de agosto de l840,
antecipando-se ao golpe da Maioridade que derrubou Feij e levou
ao trono, com apenas 15 anos de idade, o imperador Pedro II,
baixava-se um decreto de anistia geral. Geral, sim, porm
condicional: era concedida apenas aos envolvidos em quaisquer das
rebelies provinciais que alcanavam: a Cabanagem, a Revoluo
Farroupilha, a Sabinada e a Balaiada, mas havia rgidas
condies para os anistiados se beneficiarem do decreto: deviam
se apresentar em 60 dias s autoridades, que lhes fixariam local
de residncia" (Martins, 1978: 43)
No segundo Reinado
(l840-l889), tambm ocorreram diversas rebelies. Entre elas,
destaca-se a Revoluo Praieira em l848 (Pernambuco) "o
ltimo movimento do ciclo de revoltas de carter democrtico e
popular que sacudiram o Imprio" (Martins, 1978: 43). Com a
derrota da rebelio, seus principais lderes, Felix Peixoto de
Brito e Melo, Borges da Fonseca e Pedro Ivo, foram presos e
condenados e embora o Imperador prometesse anistia, no foi
concedida.
As anistias neste
perodo foram as de l842, quando um decreto assinado pelo
Imperador anistia os envolvidos em crimes polticos
"cometidos em l842 nas provncias de So Paulo e Minas
Gerais" e a outra, em l875, envolvendo os bispos e padres de
Olinda e do Par, que foram incursos em crimes comuns de
desobedincia ao Monarca, episdio que ficou conhecido como
"Questo Religiosa" 4.
A
Anistia no Perodo Republicano
Desde a
implantao da Repblica no Brasil foram concedidas vrias
anistias. A primeira delas, em l895, pelo primeiro presidente
civil, Prudente de Morais. Anistiou basicamente os militares
(oficiais do Exrcito e da Armada) que haviam participado de
alguns conflitos que ocorreram durante os primeiros anos da
repblica no Brasil. No entanto, ela limitada e por isso foi
alvo de crticas de juristas, em especial de um dos intelectuais
mais respeitados da poca, Rui Barbosa.
A prxima foi em
l906, que anistia os que haviam participados dos episdios que
ficou conhecido como Revolta Popular da Vacina Obrigatria.5
Em l910 so
anistiados os que havia participado da revolta da chibata.6 Depois
veio a anistia de l916 (decretada pelo Congresso, em outubro) que
alcanava todos os revoltosos de l889 a l915.
Naquele momento,
dois anos aps o incio da guerra que envolvia diversos pases
do mundo (episdio conhecido como Primeira Grande Guerra Mundial)
e com a entrada no pas na guerra, mesmo que forma secundria,
era necessrio mobilizar tropas e nesse sentido, foi concedida
uma anistia, atingindo diversos militares punidos por
insubordinaes de variados motivos.
Depois vir a
anistia 1918 para os participantes da rebelio dos camponeses de
Contestado e os participantes da greve geral de l917 em So
Paulo. a ltima anistia concedida durante a chamada Primeira
Repblica.
Em outubro de 1930
ocorre o episdio que ficou conhecido como Revoluo de l930,
um golpe civil-militar, liderado por Getulio Vargas. Assumindo
provisoriamente o poder, 5 dias aps sua posse, ele vai conceder
anistia a "todos os civis e militares que direta ou
indiretamente se envolveram nos movimentos revolucionrios do
pas". Em l934, quando promulgada a segunda
Constituio Republicana (julho) concedida anistia aos que
haviam "participado de surtos revolucionrios verificado em
So Paulo e em suas ramificaes em outros estados", ou
seja, aos revoltosos de da chamada Revoluo Constitucionalista
de l932.
A prxima anistia
de abril de l945, quando Vargas concede anistia, significando a
libertao de 565 presos polticos, entre eles o lder da
Insurreio comunista de novembro de l935, Luis Carlos Prestes,
que estava preso desde maro de l936. No entanto, essa anistia
parcial. Vai beneficiar apenas os que haviam cometidos crimes
polticos ou "conexos" julgados pelo Tribunal de
Segurana Nacional.7 Os militares que participaram das rebelies
de l935 por exemplo, muitos dos quais indiciados e presos, quando
julgados, foram absolvidos pelo TSN, mas no so reintegrados
s foras armadas.
Depois da
redemocratizao de 1945, a primeira anistia concedida em
l956, no governo Juscelino Kubistchek, uma anistia ampla e
irrestrita a todos os civis e militares que "haviam se
envolvido nos movimentos de rebelio ocorridos a partir de 10 de
novembro de l955 e 1 de maro de l956".8 Depois vir a
anistia de l961 (Decreto Legislativo n.18), de carter mais
amplo. So anistiados todos os que "participaram, direta ou
indiretamente dos fatos ocorridos no territrio nacional, desde
16 de julho de l934 (...) e que constituem crimes polticos
definidos em lei". Essa anistia abrange os que haviam sido
punidos em l952 pela participao na campanha do petrleo,
alm dos implicados nos casos de Jacareacanga e Aragaras.9
Em l964 ocorre o
golpe militar e a instaurao de uma ditadura que ir durar
at l985. Durante os 21 anos de ditadura, concedida uma
anistia, em 18 de agosto de l979. Para compreend-la em seu
contexto, faz-se necessrio uma breve retrospectiva histrica.
Os
Anos da Ditadura Militar: 1964-1985
1964. Na madrugada de 31 de maro,
tropas militares se deslocam de Juiz de Fora (MG), para o Rio de
Janeiro, tendo frente o general Olimpio Mouro Filho. o
incio do golpe que derrubar o presidente Joo Goulart.
Contando com o apoio de outras unidades militares, h muito
envolvidas no golpe, e sem resistncias das tropas leais ao
presidente, o golpe se consolida sem que houvesse necessidade de
enfrentamento armado. um movimento vitorioso, que na verdade
apenas dava sequncia a uma longa tradio de intervenes
militares na poltica brasileira (a prpria proclamao da
Repblica foi um golpe militar), onde registram-se inmeros
episdios da participao dos militares na represso s lutas
populares. No incio da Repblica, para ficarmos apenas nesses
exemplos, tivemos a represso impiedosa a Canudos (l897) e o de
Contestado (l912). No plano das intervenes
militares, tivemos a Revoluo de l930, a participao
decisiva das Foras Armadas no golpe de l937, que instaura uma
ditadura (Estado Novo) que ir durar at 29 de outubro de l945.
De l945 a 1964, h
vrios episdios que expressam a participao das foras
armadas na poltica brasileira. Um deles foi a tentativa da UDN
(com apoio de militares de direita), visando impedir a posse do
presidente Juscelino Kubistschek (eleito em 3 de outubro de l954)
e que teve a participao decisiva do general Henrique Lott,
que, com apoio das foras armadas, garantiu sua posse (episdio
que ficou conhecido como a "novembrada de l954"), e a
outra foi a tentativa de golpe em l961, com a renncia de Jnio
Quadros e o veto militar posse do vice-presidente Joo
Goulart, que havia sido eleito diretamente.
Contra esse veto e
em defesa da posse de Goulart, articula-se uma ampla mobilizao
popular no pas. A reao mais decisiva foi a do governador do
Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que mobiliza suas tropas
(Brigada Militar), tem o apoio do comando do III Exrcito e de
grande parte da populao do estado (intelectuais, estudantes,
populares etc). Entricheirado no Rio Grande do Sul, Brizola,
contando com uma cadeia de rdio (conhecida como "cadeia da
legalidade"), conclamava o povo resistir ao golpe. E a
foi criado o ime: a persistncia do veto poderia implicar no
desencadeamento de uma guerra civil. A soluo encontrada foi o
estabelecimento do parlamentarismo, como forma de diminuir os
poderes do presidente (o retorno do presidencialismo se dar em
janeiro de l963, quando realizado um plebiscito e o
presidencialismo ganha por larga margem de votos).
E finalmente, o
golpe de l964, s que desta vez, muito diferente das
intervenes anteriores: agora so os prprios militares que
assumem o poder, cuja permanncia ir durar 21 anos (l964-85).
Em l964, nos
primeiros dias de ms de abril, o Congresso Nacional foi fechado
e uma junta militar, auto denominada Comando Supremo da
Revoluo, assume o poder. No dia 9, seis dias antes da posse do
general Castelo Branco, a Junta edita o Ato Institucional n 1,
com vigncia at 11 de junho de l964. Este ato, o primeiro dos
17 editados pelo regime militar, suspende as garantias
constitucionais e legais de instabilidade dos servidores
pblicos, da vitaliciedade da magistratura e cassa centenas de
parlamentares. Inicialmente foram atingidos 378, sendo trs
ex-presidentes (Juscelino Kubistschek, Jnio Quadros e Joo
Goulart), seis governadores de Estado, dois senadores, 63
deputados federais e mais de trezentos deputados estaduais e
vereadores. A represso atinge tambm centenas de militares
(Silva, l988). Aproximadamente 10 mil funcionrios pblicos
foram demitidos. Depois do Ato institucional n 1, a ditadura foi
se consolidando, editando outros Atos Institucionais.
O AI-2, em 27 de
outubro de l965, foi conseqncia da derrota nas eleies para
governador na Guanabara e Minas Gerais, vencidas pela oposio.
O AI-2 tornam indiretas as eleies para presidente da
Repblica, permite ao Executivo fechar o Congresso Nacional e
acaba com todos os partidos polticos, instituindo, na prtica,
um bipartidarismo controlado. Mas, de todos os Atos Institucionais
o mais repressivo foi o AI-5, editado em 13 de dezembro de l968.
Com seus 12 artigos, institucionaliza a ditadura. Atravs dele o
presidente tem poderes para decretar o recesso do Congresso (o que
o fez), das Assemblias Legislativas (o que ocorre em So Paulo,
Rio de Janeiro e Sergipe) e Cmaras Municipais. Suspende os
direitos polticos por 10 anos e cassa mandatos eletivos e
suspende as garantias do Habeas Corpus.
O sucessor de Castelo Branco foi o
marechal Costa e Silva que foi escolhido presidente por um
colgio eleitoral em 3 de outubro de l966 e tomou posse no dia 15
de maro de l967 e governa at agosto de l969 quando adoece.
Afastado o presidente, pela Constituio (l967), deveria assumir
o vice-presidente, Pedro Aleixo, no entanto, no aceito pelos
ministros militares e, portanto, no assume. Segundo Maria Helena
Moreira Alves, Pedro Aleixo "opa-se abertamente ao AI-5,
no servindo, portanto, aos propsitos das foras em controle
do Estado. Em reunio secreta, o Alto Comando das Foras
Armadas, dotados de poderes extraordinrios, concluiu que a
soluo constitucional no era vivel, decidindo que a
presidncia seria exercida por uma junta integrada pelos
ministros do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica"
(1985:144). A junta militar edita Atos Institucionais,
impe ao pas uma nova Constituio (Emenda Constitucional n
1), instituindo a pena de morte e o banimento (AI-13) aos acusados
de subverso.
Em l5 de maro de
l970 assume o governo o general Emlio Garrastazu Mdici. Sob
gide do AI-5, a ditadura sem disfarces. Os Atos
Institucionais e as cassaes continuam. H um controle rgido
da imprensa, com a censura, no apenas a imprensa como s
manifestaes culturais de uma maneira geral.10 E ser em
funo do regime que diversas organizaes de esquerda decidem
pelo enfrentamento armado ditadura. Os resultados so
conhecidos: a violenta represso, com a institucionalizao da
tortura.11 Centenas foram mortos pela represso, milhares foram
presos e, os que conseguiram escapar, vo para o exlio.12
Sucede Mdici, o
general Ernesto Geisel, que assume em l5 de maro de l974.
Prometendo uma "lenta, segura e gradual" distenso13,
continua cassando parlamentares, condenando padres com base na Lei
de Segurana Nacional (como foi o caso do padre Jentel), edita o
famigerado pacote de abril em l977 que, entre outras coisas, cria
a figura do senador binico (com o objetivo de dar maioria ao
governo no Senado).
E no seu governo
que ocorrem duas mortes que tiveram enorme repercusso: a do
jornalista Vlamidir Herzog e a do operrio Manoel Fiel Filho
(janeiro de l976). Na verso oficial ambos haviam se enforcado.
No primeiro caso, Geisel aceitou a verso de enforcamento14, mas
no segundo, exonera o comandante do II Exrcito, general Ednardo
Davila. De qualquer forma, os responsveis pelos assassinatos
no foram punidos. Em dezembro de l976 (dia 16) ocorre "o
ltimo ataque de vulto da represso contra as organizaes de
esquerda" 15: o assassinato de dirigentes do Partido
Comunista do Brasil no episdio que ficou conhecido como
"chacina da Lapa".16
Em l974 ocorreram
eleies para deputados estaduais, federais e senadores
(continuavam indiretas eleies para presidente, governadores e
prefeitos de capitais) e significou a primeira derrota eleitoral
do regime militar. O MDB elege 16 dos 23 senadores (e 4 milhes
de votos a mais do que a ARENA) e, pela primeira vez, desde l966
quando o bipartidarismo foi criado, o MDB ficava com maioria dos
votos para o Senado. Na Cmara dos Deputados, o MDB que nas
eleies de l970 elegera 87 deputados, contra 233 da ARENA,
conquista em l974, tem praticamente o dobro: 161 deputados
eleitos, enquanto a ARENA diminui para 203. As explicaes para
a derrota eleitoral da ditadura so muitas. Mas, essencialmente,
era expresso das insatisfaes populares.
A oposio cresce, a sociedade
civil pouco a pouco vai se reorganizando. Em l978 criado o
Movimento Feminista pela Anistia, tendo frente Terezinha
Zerbini. Nos anos seguintes, diversas organizaes da sociedade
civil tem um papel fundamental na denncia s arbitrariedades da
ditadura, mas duas se destacam: a Ordem dos Advogados do Brasil e
a Associao Brasileira de Imprensa.
Em l978, depois de
muita represso, o movimento estudantil e operrio saem s ruas
e surge, especialmente no ABC paulista, o que ficou conhecido como
"novo sindicalismo", sob a liderana de Luiz Incio da
Silva.
nesse contexto,
que surgem os Comits Brasileiros de Anistia. Neste ano
contabilizava-se 4.877 o nmero de punidos pela ditadura militar
e seus atos discricionrios. neste ano tambm que entra em
vigor uma nova Lei de Segurana Nacional (17 de dezembro).
Os
Comits Brasileiros de Anistia
Em l978 so
criados os primeiros Comits Brasileiros de Anistia, congregando
opositores da ditadura (estudantes, artistas, intelectuais, etc) e
familiares de presos polticos, com apoio decisivo de setores da
igreja catlica e de diversos parlamentares no Congresso
Nacional. Com a criao de comits em vrias capitais, so
organizadas diversas manifestaes pblicas (sempre sob ameaa
de forte aparato policial), debates, panfletos, cartazes,
abaixo-assinados, lanamento de livros e visitas aos presos
polticos.
No final do ano,
realizado em So Paulo o 1 Congresso Nacional da Anistia, com a
presena e participao de milhares de pessoas. Nesse
congresso, de grande importncia para o movimento, lana-se a
palavra de ordem "Anistia, ampla, geral e irrestrita".
Ampla, porque deveria alcanar todos os punidos com base nos Atos
Institucionais, geral e irrestrita porque no deveriam impor
qualquer condio aos seus beneficirios e sem o exame de
mrito dos atos praticados. A Luta ganha s ruas, tira os presos
polticos (em torno de 200) do isolamento e repercute no
Congresso Nacional.
Quando o general
Joo Batista Figueiredo assume a presidncia (l5 de maro de
l979), a luta pela anistia j estava nas ruas. No primeiro
momento o Regime Militar, que sequer itia a possibilidade de
anistia, a a itir, no a anistia, mas um indulto para os
presos polticos. No aceito nem pelos Comits de Anistia,
nem tampouco pelos parlamentares envolvidos com a luta pela
anistia (destacam-se, entre outros, o senador Saturnino Braga (MDB,
RJ), os deputados Edson Klain e Joo Gilberto, (MDB, RS), Jos
Eudes, Marcelo Cerqueira e Lisanas Maciel (MDB, RJ).Este ltimo
teve seu mandato cassado pelo general Geisel. Alm desses,
apoiaram o movimento pela anistia os deputados: Freitas Nobre,
lder do MDB na Cmara Federal, Edgar Amorim (MDB, MG) e em
especial o senador Teotnio Vilela (MDB, AL), que, no dizer de
Marcelo Cerqueira foi "a entidade unificadora da
anistia" por sua dedicao, sua coragem, pelo inusitado de
ser um liberal vindo do governo. Foi ele o ponto de desaguadouro
de todos os movimentos, a federao das entidades que
participaram da luta.17 Teotnio Vilela, junto com uma Comisso
formada por parlamentares principalmente do MDB, percorre o pas,
visitando os presos polticos e fazendo um exaustivo levantamento
da situao de cada um deles. A repercusso foi grande. Os
presos saem cada vez mais do isolamento. Recebem visitas, alm
dos parlamentares, de artistas (como Chico Buarque de Holanda,
Vinicius de Morais, Bruna Lobardi, Mario Lago, entre tantos
outros), do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o apoio
de intelectuais de renome como Alceu Amoroso de Lima (um dos
primeiros intelectuais a defenderem publicamente a anistia),
Antonio Cndido, Antonio Callado, Oscar Niemeyer e entre muitos
outros que marcaram suas presenas em atos pblicos, manifestos,
abaixo-assinados e visitas aos presos polticos.
Naquele momento
havia no Brasil cerca de 200 presos polticos, 128 banidos, 4.877
punidos por Atos de Exceo, 263 estudantes atingidos pela o
artigo 477 e cerca de 10 mil exilados.
Os atos, nas ruas e no Congresso
Nacional, se ampliam. No Congresso uma minoria, mas aguerrida
bancada de parlamentares do MDB, d uma contribuio
fundamental na luta pela anistia. O governo recua e encaminha ao
Congresso Nacional uma Lei de Anistia. Este Projeto, parcial, com
excluses e restries no foi aceito, nem pelos
parlamentares, nem tampouco pelos Comits de Anistia.
neste momento
sabendo j contar com o apoio de parlamentares, Comits de
Anistia e parcelas da opinio pblica, que os presos polticos
do Rio de Janeiro, em apoio a anistia ampla, geral e irrestrita e
em repdio ao projeto do governo, iniciam, uma greve de fome, em
22 de julho de l979.18
Essa greve teve uma
importncia enorme. Os presos polticos j haviam feito outras
greves, denunciando torturas, condies carcerrias, punies
arbitrrias, cerceamento de visitas, etc, mas, em geral, ficaram
restritas as paredes das celas, sem repercusso na sociedade.
Com a greve,
conseguem ter maior visibilidade junto imprensa, parlamentares,
intelectuais etc., e assim, chegar opinio pblica. At
ento a situao dos presos eram conhecidas basicamente pelos
familiares e militantes dos comits de anistia.
Os presos
polticos do Rio de Janeiro, que iniciaram a greve de fome
seguidos pelos de Itamarac (PE) receberam inmeras visitas:
estudantes, parlamentares, artistas, intelectuais de renome e at
mesmo polticos da ARENA, como foi o caso da visita do senador
Dinarte Mariz (RN). No Rio Grande do Norte a greve teve a adeso
do nico preso poltico, Maurcio Ansio de Arajo, tendo
solidariedade e o acompanhamento constante do Comit Norte
Riograndense de anistia.
A greve dura 32
dias. Em seu auge, o presidente Joo Batista Figueiredo se
compromete a revisar os inquritos e processos de cassaes e
as condenaes dos presos polticos (alguns so condenados
priso perptua e mais dezenas de anos de priso, como o
caso de Rholine Sonde Cavalcante, preso em Itamarac, PE). E no
dia 18 de agosto de l979 encaminha o projeto ao Congresso
Nacional, que aprovado e promulgado no dia 28 de agosto de
l979.
Composto de 15
artigos, diz em seu artigo n 1 " concedida anistia a
todos quanto, no perodo compreendido entre 2 de setembro de l961
e l5 de agosto de l979, cometeram crimes polticos ou conexos com
estes, crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos polticos
suspensos e aos servidores da istrao direta e indireta,
de fundaes vinculadas ao poder pblico, aos servidores dos
Poderes Legislativo e Judicirio. Aos militares e representantes
sindicais punidos com fundamento em atos institucionais e
complementares e outros diplomas legais". Composto de 3
pargrafos, diz em seu 2 pargrafo "Executam-se dos
benefcios da anistia os que foram condenados pela prtica de
crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal".
No era a anistia
ampla, geral e irrestrita pelo qual se lutava, dos presos
polticos, muito foram soltos imediatamente, mas outros,
condenados pela prtica qualificada como de "crimes de
terrorismo" (como Luciano Almeida, do Rio Grande do Norte,
preso em Itamarac) no foram beneficiados pela anistia e foram
soltos sob liberdade condicional e tambm foram anistiados todos
os torturadores, aqueles que, durante a ditadura haviam torturado
presos polticos indefesos e muitos de forma brbara vil e
covarde19. No entanto, no h como negar que foi um avano.
Foi, o que pode ser considerada a anistia possvel naquelas
circunstncias. Significou a libertao de muitos presos
polticos, possibilitou o retorno dos exilados (lderes
polticos e estudantis, sindicalistas, intelectuais etc),
reintegrando milhares de brasileiros sua ptria.
Anistias
Ps Ditadura
Em l985 significou o fim da
ditadura militar. Depois de 21 anos de regime discricionrio, e
de um longo processo de negociao com lideranas civis
(Tancredo Neves frente), tem incio o ciclo de governos civis.
Tancredo Neves,
o principal articulador do processo de transio, foi eleito
pelo Colgio Eleitoral, derrotando o candidato do PDS, Paulo
Maluf. No entanto, no assume o cargo. Adoece e morre antes da
posse. Assume em seu lugar o vice-presidente, Jos Sarney,
indicado pela coalizo da chamada Aliana Democrtica
(PMDB/PFL).
Em novembro de
l985, portanto, poucos meses depois de sua posse, o governo,
atravs de uma Emenda Constitucional (n 26) concede anistia a
"todos os servidores pblicos da istrao Direta e
Indireta e Militares, punidos por atos de exceo,
institucionais ou complementares (art.4). No 1 pargrafo diz:
" concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes
polticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de
organizaes sindicais e estudantis, bem como aos servidores
civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por
motivao exclusivamente poltica, com base em outros diplomas
legais".
A Constituio de
l988, nos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias,
determina, no seu artigo 8 " concedida anistia aos que,
no perodo de l8 de setembro de l946 at a data da promulgao
da Constituio, foram atingidos em decorrncia de motivao
exclusivamente poltica, por atos de exceo, institucionais ou
complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo
n 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n 864 de
12/09/1969, asseguradas as promoes, na inatividade, ao cargo,
emprego, posto ou graduao a que teriam direito se estivessem
em servio ativo, obedecidos os prazos de permanncia em
atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas
as caractersticas e peculiaridades das carreiras dos servidores
pblicos civis e militares e observados os respectivos regimes
jurdicos".
Essas duas leis,
que ampliam a anistia concedida em l979, ensejam diversas aes
indenizatrias, na qual os atingidos pediam a concesso da
anistia, tendo em conta a relao que se estabeleceu entre o
clima de perseguies polticas e as demisses. No entanto,
no eram beneficiados, entre outras excluses da lei, por
exemplo, os familiares de desaparecidos polticos
s em l996, que
foi aprovada uma lei que concede indenizaes s famlias dos
desaparecidos polticos, conhecida como Lei dos Mortos e
Desaparecidos Polticos (Lei 9.140/96). No entanto, no atingiu
todos os estados ficando restrita a So Paulo, Paran, Rio
Grande do Sul e Santa Catarina.
Depois de l996, a
mais ampla anistia concedida, veio quase 13 anos depois da
promulgao da Constituio(l988), atravs de uma Medida
Provisria, a de n 2.151 de 31 de maio de 2001, que regulamenta
o artigo 8 das Disposies Constitucionais Transitrias.
Constituda de 5 captulos (Do regime do anistiado poltico; Da
declarao da condio de anistiado poltico; Da reparao
econmica de carter indenizatrio; Das competncias
istrativas e Das disposies gerais e finais) e 22 artigos.
O perodo
abrangido pelos efeitos da anistia mais amplo, ou seja, de l8
de setembro de l946 a 05 de outubro de l988.
Essa anistia
importante porque, pela primeira vez, definida o regime
jurdico do anistiado, constitudo do direito declarao de
anistiado poltico, e, alm disso, inclui a reparao
econmica de carter indenizatrio (o ministro da Justia
formar uma Comisso Especial para analisar os pedidos),
contagem de tempo de afastamento das atividades profissionais e
funcionais para todos os efeitos e possibilita ainda a concluso
do curso aos estudantes por atos discricionrios.
No entanto, em que pese os
avanos, como a centralizao de todos os processos no
Ministrio da Justia, a criao de uma Comisso Permanente
de Anistia (com representes da Associao Brasileira de
Anistiados Polticos ABAP), essa Medida Provisria no
satisfez completamente a ABAP. Num comunicado datado de 08 de
junho de 2001, assinado pelo presidente Carlos Fernandes, a
Associao Brasileira de Anistiados Polticos diz que essa MP
"no registra, tambm, com clareza, o direito anistia e
as promoes para os militares punidos. Omite-se quanto ao
pagamento dos cinco anos de atrasados nos casos da indenizao
permanente, mensal e vitalcia, e quanto a outros aspectos que
julgamos fundamentais como, por exemplo, iseno de Imposto
de Renda sobre os benefcios, por seu carter indenizatrio e estabelece
obrigatoriedade de contribuio ao INSS sobre a prestao
nica, proporcional aos perodos considerados para efeito de
contagem de tempo de servio. Nega, tambm, indenizao aos
que foram cassados no Executivo ou no legislativo, em todos os
nveis do Governo".
Nesse sentido, como a MP deve ser
votada pelo Congresso Nacional, a ABAP apresentou, em junho de
2001, Cmara dos Deputados, atravs do deputado Fernando
Coruja (PDT/SC), vinte e seis emendas a MP, que sero discutidas
por uma Comisso Mista da Cmara e do Senado.
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** Homero
de Oliveira Costa -
Professor de Cincias Poltica da UFRN
e foi membro do Comit Norte Riograndense de Anistia
[email protected]
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