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Identidade e Complexidade 6t2c31

por Leonardo Boff

Homem vem de humus que significa terra fecunda. Ado, Adam, em hebraico, "criatura humana feita de terra", provm de adam, que quer dizer Me-Terra. O ser humano filho e filha da Me-Terra. Ele a Terra em seu momento de conscincia, de responsabilidade e de amor. Estas palavras, Homo-humus, Adam-adam, j apontam para a estreita relao do ser humano para com a Terra e atravs da Terra para com todo o universo. nesta conexo que devemos buscar a identificao de sua natureza e de sua misso.

1. A carteira de identidade do ser humano

A histria pessoal parte da histria bio-scio-cultural. Esta, por sua vez, parte da histria csmica. Esse enraizamento confere ao ser humano concreto uma qudrupla identidade.

Uma csmica: somos feitos daquelas partculas elementares que tm a idade do universo (15 bilhes de anos) e daqueles materiais forjados h bilhes de anos no interior das grandes estrelas, especialmente os tomos de carbono, oxignio e nitrognio imprescindveis vida. Segundo informaes do Tycho Brahe Planatarium de Copenhagen, cada dia, caem cerca de 30 toneladas de poeira csmica sobre a Terra. Na Groenlndia pode ser vista e recolhida da neve junto com a poeira terrestre (com 2/3 de pureza). Bilhes destas partculas que podem ser mais antigas que a prpria Terra e o sistema solar.

Outra terrenal : surgimos a partir de formas primitivas de vida que se anunciaram na Terra h mais de 3,8 bilhes de anos com todos os seus componentes fsico-qumicos e ecolgicos. Essas formas foram se complexificando at aparecerem os hominidas bpedes com um crebro de 600 centmetros cbitos. Este lhes permitia fabricar utenslios e abrigos. Com o evoluir da espcie hominida em milhes de anos, emergiu, por fim, o homo sapiens com um crebro de 1500 centmetros cbitos, do qual ns somos descendentes diretos. Ele no rompeu a linha evolutiva nem perdeu a herana acumulada de toda a trajetria terrenal da vida.

A partir do surgimento dos mamferos h 216 milhes de anos, incorporou o calor afetivo que une me/pai/filhos. Soube estend-lo para um crculo maior na forma de enternecimento, de amizade e de amor.

Em terceiro lugar, temos uma identidade cultural: o ser humano criou a cultura, realidade especificamente humana. Criou-a a partir de intervenes sobre si mesmo e sobre a natureza. Essas intervenes permitiram que criasse o habitat humano que o gregos, com justeza, chamava de ethos. Ethos, em grego - donde vem a palavra tica, a morada humana. Quer dizer, aquele pedao do mundo que escolhemos cuidadosamente, organizamos e nele construmos nossa habitao permanente.

Intervir trabalhar. O trabalho o meio maior de forjamento da cultura. Ele no s cria instrumentos e aparatos tecnolgicos para transformar a natureza, mas tambm suscita contedos da conscincia, formas de sentir, de valorar, de se relacionar psicolgica e socialmente com os outros. Pertence ao trabalho cultural a criao de linguagens, idias, mitos, artes, etnias, organizaes sociais como a cidade, os estados-naes e hoje a planetizao. Cada cultura projetou seu grande sonho para cima e testemunhou seu encontro com o Mistrio que se esconde e se revela no universo e em cada coisa. Chamou-o por mil nomes: Olorum da cultura nag, Jav da cultura hebraica, Al da cultura muulmana, Tao da cultura chinesa e japonesa, Pai e Me da cultura crist. Tudo na cultura leva a marca registrada do ser humano que vem marcado tambm por ela.

Por fim, temos uma identidade pessoal: cada um possui um nome prprio, porque cada um representa um ponto onde termina e se compendia o processo evolutivo. Pelo fato de ser consciente, cada um faz uma sntese singular, nica, irrepetvel de tudo o que capta, sente, entende e ama. Com os materiais acumulados em seu inconsciente coletivo e com aqueles recolhidos em seu consciente faz uma leitura e uma apreciao que s ele e ningum mais pode fazer. Por isso cada pessoa humana representa um absoluto concreto. Ele a ponta da pirmide para onde convergem todas as linhas ascendentes da evoluo. Cada um est no topo. Em razo disso se entende a dignidade humana. Entende-se tambm a afirmao dos filsofos que ensinam: o ser humano singular um fim em si mesmo e no pode ser meio para nada.

Tal afirmao no deve levar a pessoa arrogncia, imaginando-se o centro do universo. A ponta da pirmide no est isolada. Est unida a toda a pirmide, com a intricada teia de solidariedades e interdependncias.

Assim como na nossa carteira de identidade esto inscritos os nomes de nosso pai, de nossa me e de nosso lugar de origem, assim tambm aqui, na nossa complexa carteira de identidade humana, aparecem os nossos quatro enraizamentos: o csmico, o terrenal, o cultural e o pessoal. Somos efetivamente um microcosmos. No precisamos ter vergonha de nossas mltiplas razes. Ao contrrio, temos razes de orgulho de nossa mestiagem universal. Precisamos humildemente acolher nosso bilionrio processo de fazimento. Saudar a imensa riqueza csmica que em ns desgua e que ganha um perfil pessoalssimo em cada indivduo. Ele surge como um Amazonas de interrogaes, um mar de desejos e um oceano de utopias.

Hoje, graas civilizao tecnolgica, aprofundamos ainda mais o nosso enraizamento seja na dimenso micro como na dimenso macro. Estamos deixando a Terra e nos lanando para os espaos celestes.

Sim, algo nosso, como a nave espacial Voyager 2, j virou corpo interestelar, pois como ultraou os confins do sistema solar. Libertada das foras gravitacionais de nosso sistema, viajar, se nada acontecer, por mais de 1 bilho de anos ao redor do centro da Via lctea. Carrega dentro de si um disco fonogrfico de ouro contendo nele e no seu invlucro dourado saudaes em 59 lnguas humanas; uma em lngua de baleia; um ensaio sonoro de doze minutos que inclui um beijo, um choro de beb e o registro eletrencelogrfico das emoes de uma jovem apaixonada; 116 imagens codificadas sobre nossa cincia, sobre nossa civilizao e sobre o ser humano; e noventa minutos dos maiores sucessos musicais da Terra, desde msica primitivas, ando por Bach e Stravinski at os blues modernos. Algo nosso se perenizou no universo.

Se um dia a nave for abordada por seres inteligentes de outros mundos, estes podero saber da histria dos humanos deste minsculo Planeta-Terra do sistema solar. Talvez a Terra e a humanidade possam j ter desaparecido. Ou pela evoluo nossa espcie possa j ter se transformado em outra. Permaneceu, entretanto, a Voyager como um sacramento da Terra. Sem qualquer intencionalidade agressiva, ela mesma significa uma mensagem de comunho, uma busca respeitosa de relao com outros eventuais companheiros de aventura csmica.

2. O ser humano, o ltimo a chegar ao cenrio da histria

De sada devemos renunciar a qualquer arrogncia ou pretenso de privilgio ou de domnio. No assistimos ao nascimento do universo. Ela no a Terra para ns. Ns somos para a Terra. Ela no fruto de nosso desejo. Nem precisou de ns para produzir sua imensa complexidade e biodiversidade. Ns somos resultado de processos csmicos e planetrios anteriores ao nosso aparecimento. Somos os ltimos a chegar. Entramos em cena quando j haviam transcorridos 99, 98% da histria do universo.

H 3,8 bilhes de anos, nossos anteados eram micrbios nas fendas profundas dos oceanos. H meio bilho de anos ramos peixes. H 235 milhes de anos ramos dinossauros. H 150 milhes de anos ramos pssaros. H 10 milhes de anos ramos primatas pulando alegremente de galho em galho nas savanas africanas. H um milho de anos ramos j plenamente humanos, tentando domesticar o fogo. H 100 mil anos enterrvamos com rituais e flores nossos mortos. H 40.000 j nos comunicvamos com a linguagem. H 10.000 anos fazamos as primeiras plantaes e domesticvamos cachorros e galinhas. Desde aquela poca a galinha ficou confinada nos galinheiros e virou expresso de uma dimenso humana, da histria e do universo.

Viemos desta longa histria. Como a vida emergiu da Terra, assim o ser humano emergiu da vida. Somos parentes e consangneos com todos os seres e os viventes do planeta. Entre o humanos e os chimpanzs h, por exemplo, 99,6% de genes ativos em comum. A verso humana do cromossomo o difere da do macaco reso por um nico aminocido. Das verses do cachorro, da r, do bicho-da-seda e do trigo por 11, 18, 43 e 53 aminocidos. Poderia haver um parentesco maior entre as espcies que esta? Os primatas superiores no so nossos ancestros. So nossos primos-irmos junto com os demais seres vivos.

Mas estes quatro dcimos de diferena e esse nico aminocido fazem toda a diferena. Precisamos nos deter nela, pois a emerge o humano da humanidade. Em que reside?

3. O esprito: primeiro no cosmos depois na pessoa

A singularidade do humano reside na autoconscincia, na liberdade, na autodeterminao, na capacidade de responsabilizar-se e de assim mostrar-se um ser tico. Capaz at de tomar decises em sua desvantagem para defender desvalidos. Reside na capacidade de compaixo, de enternecimento e de entreter laos de comunho com todos os seres e de sentir-se um com eles. Reside na capacidade de criao pela qual modifica seu mundo circundante. Reside na abertura ao mundo, cultura e ao infinito. O ser humano tudo isso e ainda mais, pois habitado por uma paixo insacivel que no encontra no universo nenhum objeto que lhe seja adequado e que o faa repousar. Ele um projeto infinito.

Todas estas determinaes podem ser resumidas pela palavra esprito. Ele um portador singular do esprito. Mas no o nico como logo veremos .

Para entendermos o esprito precisamos superar duas compreenses: a clssica e a moderna. A clssica diz que o esprito uma parte do ser humano ao lado da matria que seu corpo. Seria o lado imortal, vital, inteligente, capaz de amor e transcendncia. Convive por um determinado tempo, com o lado mortal, opaco e pesado: o corpo. Esta viso dualista e no responde pela unidade concreta do ser humano. Todo inteiro vivo e aberto, com um desejo de eternidade para o corpo e para o esprito.

A concepo moderna diz que esprito o modo de ser singular do homem/mulher, cuja essncia a liberdade. Ele seria o portador exclusivo da dimenso de esprito. Com certeza o esprito na pessoa liberdade. Mas o esprito humano no pode ser compreendido desconectado do processo cosmognico, do esprito na natureza, na histria e no cosmos. Ele no pode ficar ilhado como uma realidade parte sem relao com o processo global que se apresenta como um sistema aberto e marcado pela indeterminao e pela criao contnua.

H a concepo contempornea de esprito, elaborada a partir da nova cosmologia. Essa a que assumiremos. Coloca o esprito dentro do imenso processo da evoluo ascendente. A dentro, o esprito foi se constituindo e ganhando crescente emergncia e autoconscincia at implodir no esprito humano. O esprito possui uma ancestralidade como aquela do universo. Da ser importante arrancarmos, primeiramente, do esprito em sua dimenso csmica. A partir da veremos uma realizao singular no esprito humano. Que ento o esprito?

Na perspectiva cosmognica, entendemos por esprito a capacidade das energias primordiais e da prpria matria de interagirem entre si, de se auto-organizarem, de se constiturem em sistemas abertos, de se comunicarem e de se formarem a teia complexssima de inter-retro-relaes que sustentam o universo. O esprito fundamentalmente relao, interao e auto-organizao. Desde o primeiro momento da exploso primordial, criaram-se relaes e interaes, gerindo unidades ainda rudimentares que foram se organizando de forma sempre mais complexa. Emergia ento o esprito.

O universo cheio de esprito porque reativo, panrelacional, auto-organizativo e complexo. Neste sentido no h seres inertes diferena de outros chamados seres vivos. Todos participam, em seu grau, do esprito e da vida. A diferena entre o esprito de uma rocha e o esprito humano no de princpio, mas de grau. O princpio de relao, de interao e de auto-organizao complexa se realiza em ambos, apenas de forma diferente.

O esprito humano este mesmo dinamismo tornado consciente. Sente-se inserido no todo e vinculado a um corpo animado e vivificado. Atravs desse corpo entra em contato com todos os demais corpos e energias do universo. No nvel reflexo, esprito significa comunicao, irradiao, entusiasmo. Significa tambm criao e auto transcendncia para alm dele mesmo, gerindo comunidade com o mais distante e o mais diferente at com absoluta Alteridade, Deus. O homem/mulher-esprito o que de mais aberto e de mais universal existe. um n de relaes e re-ligaes para todos os lados e dimenses. A vida consciente, livre, criadora, amorizadora caracteriza vida humana. o esprito. a guia na pujana de sua natureza de guia. o smbolo em sua verdadeira acepo de ligar e re-ligar.

Se o esprito vida e relao, seu oposto no matria mas morte e ausncia de relao. Pertence ao esprito tambm sua capacidade de encapsulamento, de recusa comunicao com o outro, sua vontade de dominao. A guia pode virar galinha. o imprio do dia-blico como energia de desestruturao e morte.

4. A subjetividade csmica e pessoal

Os seres todos do universo quanto mais complexos mais vitais se apresentam. E quanto mais vitais, tambm mais interioridade e subjetividade possuem. Esta interioridade e subjetividade vai, por sua vez, se densificando at atingir um grau eminente no ser humano. Ele possui um centro a partir donde organiza toda sua vida consciente. Possui profundidade, dimenso ameaada de desaparecer na cultura materialista de consumo e de massas. Seu eu consciente dialoga com o seu eu profundo. To complexo quanto o macrocosmo o microcosmos interior do ser humano. Vem habitado por energias ancestrais, por vises e arqutipos abissais, paixes, eventualmente to virulentas quanto tufes e terremotos. Habitado por anjos e demnios, pelo sim-blico e pelo dia-blico, por tendncia de ternura e compaixo que enxugam qualquer lgrima e desanuviam qualquer perplexidade.

Dialogar com este universo interior, integr-lo a partir de um centro pessoal e livre, canalizar as pluriformes energias, particularmente ligadas libido, aos arqutipos do masculino e do feminino e do Self, harmonizar o sim-blico com o dia-blico num projeto coerente, livre e revelador da pessoa realizar o processo de individuao/personalizao.

Assumir este processo conferir um perfil singular e nico ao esprito de cada pessoa humana. Significa construir a sua prpria espiritualidade. Esta espiritualidade no vem enquadrada num marco religioso. Ela pertence caminhada de cada um, rumo escuta e conquista de seu prprio corao. Obviamente para uma pessoa religiosa, dialogar com sua realidade profunda, escutar apelos que afloram de seu centro, significa ouvir Deus e escutar a sua Palavra.

5. Qual a misso do ser humano no universo?

As reflexes que vertebramos acima, colocam-nos naturalmente a pergunta: qual o sentido do ser humano no conjunto dos seres e no universo?

Vamos logo dizendo: certamente no foi chamado existncia para dominar, ameaar e destruir as demais espcies. Seria contra o sentido da seta do tempo que se rege pela lei mais universal que existe: a solidariedade csmica. Ele membro, entre outros tantos, da imensa comunidade universal, planetria e bitica.

Por ser portador singular do esprito que pervade todas as coisas, chamado a agradecer, a celebrar e a louvar a indescritvel beleza e simetria dinmica da criao. A irar sua complexidade e sua criatividade. Convocado a ser capaz de fazer do caos e do dia-blico condio para um cosmos mais rico e mais sim-blico.

A tradio judaico-crist fala do sbado como a festa da criao. Os seis dias da criao representam o trabalho de Deus. No sbado Ele mesmo descansou, alegrou-se e festejou o resultado de sua ao criadora. O descanso a plenitude do trabalho e da criao.

Esse relato sim-blico oferece uma indicao para o ser humano. H seis dias para trabalhar e produzir. Mas h o dia da gratuidade, do cio, da festa e da dana. O trabalho penoso e divide as pessoas por seus vrios interesses, distinta repartio de seus frutos. No sbado todos devem olvidar estas diferenas e se colocar no mesmo cho, iguais e confraternizados, como filhos e filhas da Terra, e irmos e irms universais. No cabe produzir nem obras, nem pensamentos, nem estruturar interesses. Importa festejar, comer, danar e extasiar-se.

Ao viver esta dimenso, o ser humano comparte da profunda gratuidade do universo. Cumpre sua misso csmica na esteira da festa do prprio Deus. Quando volta, trabalhar sem sentir-se escravizado por ele ou vtima da lgica da produtividade.

Por seu esprito e por sua autoconscincia, o ser humano se mostra sempre concriador. Ele intervm no seu projeto. Ele se faz responsvel pelo sentido de sua liberdade e de sua criatividade. Emerge ento como um ser tico. Ele pode agir com a natureza ou contra ela. Pode desentranhar virtualidades presentes em cada coisa e em cada ecossistema. Conhecendo as leis da natureza, ele pode usar esse conhecimento para prolongar a vida, reduzir e at anular a entropia dos processos evolutivos. O futuro da Terra dependeria assim do ser humano.

As tradies dos povos falam do ser humano como jardineiro. Cultiva a Terra com cuidado e senso de esttica. um verdadeiro culto que gera cultura. Ele chamado a completar a criao deixada incompleta. A acrescentar-lhe dimenses que possivelmente sem ele jamais viriam luz. Tal vocao no deve servir de pretexto para o antropocentrismo e a ideologia da dominao do mundo. Sua interveno no mundo deve se fazer sem sacrificar a comunidade planetria e csmica da qual participa. Ele vocacionado para ser o sm-bolos e no o dia-blos da criao.

Ele tem ainda a misso de mdico da Terra. Historicamente se mostrou demente. Ameaou, desestruturou e matou. A mquina que mata pode tambm salvar. Somos chamados a revitalizar, a animar e a reintegrar o que foi durante sculos agredido, ferido e desestruturado. No podemos, numa atitude obscurantista, dar as costas cincia e tcnica e deixar a Terra com suas chagas e enfermidades. Se a ferimos outrora e continuamos a mago-la, devemos hoje san-la e dar-lhe condies de sade integral. As solues teraputicas devem se inspirar em muitas fontes e tradies curativas, ensaiadas pelos povos dos mais originrios aos mais contemporneos. Nesse af no devemos desprezar o concurso de nossa civilizao tcnico-cientfica, apesar de ter sido ela a principal causadora de seu traumatismos.

Por fim, nossa civilizao tecnolgica, to sim-blica quanto dia-blica, suscita uma pergunta radical: qual seu significado mais transcendente? A que ela, finalmente, se ordena? dominao da Terra? A fazermo-nos apenas mais ricos materialmente, ao preo de ficarmos mais pobres espiritualmente porque mais alienados de nossas razes csmicas? Ao responder a estas indagaes, surge outro aspecto da misso humano: a de salvar a Terra e a prpria espcie homo.

Importa reconhecer os inestimveis mritos da civilizao tecnolgica. Foi ela que nos permitiu sair da Terra. Avanar para dentro do espao exterior. Chegar Lua e, mediante sondas, satlites e robs, estudar quase todos os planetas e luas do sistema solar. Esta civilizao tecnolgica propiciou a realizao de uma das aspiraes mais ancestrais da humanidade: poder voar como os pssaros; poder viajar at onde pudssemos ir.

At onde podemos ir? At o sem fronteiras. Para alm do sol, das estrelas, das galxias e do inteiro universo. At o infinito. Pois at l chega nosso sonho e nosso desejo. E no voamos porque temos avies e foguetes espaciais. Voamos porque ansiamos voar. por causa desta sede irreprimvel que criamos o avio e os foguetes. a guia em ns que nos convoca sempre mais para cima e sempre mais para o alto.

A aventura espacial, iniciada nos anos sessenta, revela a dimenso csmica do projeto humano. Ela nos fornece uma compreenso mais concreta do radical desejo humano de sempre transcender, de violar todas as barreiras e de s se satisfazer com o infinito.

O cu profundo, acima de nossa cabeas, o maior sm-bolo desta transcendncia. Por isso os seres humanos querem chegar l. Bem o expressou o astronauta russo Yuri Romanenko ao retornar Terra, depois de ter ficado dois anos no espao: "O cosmos um m. Depois de ter estado l em cima, voc s pensa em voltar para l". Queremos voltar para o cu porque somos mais do que filho e filhas da Terra. Somos, na verdade, seres celestiais e csmicos. Do cosmos viemos e para o cosmos queremos consciente e inconscientemente voltar. Sempre fomos errantes. A partir do neoltico ficamos, por breve tempo, sedentrios em moradias, cidades e estados. Agora retomamos nossa errncia rumo s estrelas, nossa verdadeira morada. Os materiais que nos constituem no foram formados no seio das grandes estrelas vermelhas?

Mas no a nossa origem estelar que explica a explorao do espao acima de nossas cabeas. por uma razo bem mais prtica: sentimos a urgncia de sobreviver como espcie.

Primeiramente, o desenvolvimento exponencial do projeto tcnico-cientfico deu origem ao princpio de autodestruio. Pela primeira vez na histria nossa espcie pode se dizimar a si mesma. natural que as pessoas no queiram aceitar esse eventual veredicto de morte. Os que podem, querem fugir para o espao, bem longe da casa em chamas.

Em segundo lugar, as cincias da Terra nos forneceram dados bastante precisos dos impactos que o planeta sofreu durante o tempo de sua formao. Algumas vezes quase todo seu capital biolgico foi destrudo, como, por exemplo, no perodo cretceo-tercirio, 67 milhes de anos atrs. Desaparecem, ento, num lapso curto de tempo, os dinossauros. Curiosamente, constatou-se que todas as vezes que ocorreram dizimaes em massa na biosfera, seguiu-se uma pluriferao fantstica de novas formas de vida. uma espcie de vendetta do sistema-vida.

Sabemos hoje que existem prximos Terra cerca de 300 mil asterides com mais de 100 metros de dimetro. E mais de 2000 com um quilmetro ou mais. Na nuvem de Oort, nos confins do sistema solar (entre 20 a 100 mil unidades astronmicas), existem mais de um trilho de meteoros, asterides e cometas, alguns muito grandes. De vez em quando saem de l, por razes gravitacionais ainda no esclarecidas, e colidem com os planetas solares. Nenhum planeta nem a Terra so imunes contra eles. Caindo aqui fariam estragos formidveis. Alguns deles, dizem renomados cientistas, poderiam nos destruir.

Se desaparecer nossa espcie homo, seguramente ser substituda por uma outra, inteligente e, esperamos, mais sbia. Ser algum ramo direto da espcie homo ou de algum ser complexo de outra linhagem. Bilogos constataram que na rvore da vida, especialmente, a partir do surgimento dos animais, se verifica forte presso seletiva que propicia a criao de redes neuronais cada vez mais complexas, terminando no crebro humano. Esse processo se mantm . Ele ser responsvel pelo princpio de inteligibilidade e de amorizao que emergir como emergiu outrora. Mesmo atualmente, ele leva a humanidade a evoluir na direo de um superorganismo planetrio. Tende a faz-la mais societria, mais comunitria, mais solidria e cooperativa.

O perigo de uma hecatombe biolgica permanente. Em funo da salvaguarda da Terra e da biosfera, estudam-se hoje tecnologias de deflexo (desvio de rota) dos asterides. Ou at a ocupao deles por humanos. Criar-se-iam l condies de vida artificial, aproveitando materiais utilizveis como os gelos e outros elementos fsico-qumicos e orgnicos de que so abundantes. Esse alteraria sua trajetria para no danificar os planetas solares.

Outros aventam, seriamente, a possibilidade de os seres humanos comearem a terraformar (criao de condies adequadas para a vida, semelhantes as da Terra) os planetas vizinhos, especialmente Marte, a lua de Netuno, Trito, e a de Saturno, Tit. A se desenvolveria parte da humanidade sob condies tcnicas favorveis. Assim os ovos no estariam todos numa mesma cesta. Caso houvesse algum cataclisma na Terra, salvar-se-ia uma poro da humanidade, para dar continuidade ao projeto humano. Tal como na arca de No, no se salvariam apenas humanos mas tambm outros companheiros da comunidade vital, microorganismos, plantas e animais.

O sonho alcana mais longe. Com os avanos tecnolgicos crescentes, deve-se pensar em viagens siderais. Elas adentrariam a Via-Lctea em busca de outros sistemas estelares, possuidores de planetas habitveis. H cerca de centenas de milhares de milhes destes na nossa galxia.

O ser humano desenvolver-se- em tais paragens csmicas, gerando culturas diferentes, certamente outro tipo de pessoas, todas versadas em altas tecnologias como ns hoje somos versados no alfabeto ou nas tecnologias dos aparelhos domsticos. Lembrar-se-o talvez, como diz o cosmlogo Carl Sagan, de seu ancestrais quase mticos que, na segunda metade do sculo XX, no terceiro planeta do sistema solar, a Terra, se aventuraram pela primeira vez pelo mar-oceano dos espaos exteriores. Sorriro, nos irar-nos-o e amar-nos-o.

Cresce mais e mais esta conscincia: ou prolongamos a aventura dos vos espaciais ou corremos o risco de nos destruirmos por ns mesmos, ou de sermos destrudos por algum impacto vindo de fora. Os projetos espaciais norte-americanos, russos e europeus estariam a servio do inconsciente coletivo da humanidade. De forma antecipatria e prognstica, pressente um eventual cataclismo, capaz de interromper a aventura humana na Terra.

Importa ouvir o chamado do inconsciente coletivo, esse grande e sbio ancio que fala dentro de ns e associ-lo ao outro chamado que vem da cincia moderna, feita com conscincia. Esta nos conclama a entender mais radicalmente nossa misso que : salvar nossa espcie, junto com representantes de outras espcies, proteger nosso belo planeta contra ameaas de asterides fatais ou de quaisquer outros perigos vindo dos espaos siderais.

A misso do ser humano alcana mais longe ainda: ao terraformar outros planetas, cabe a ele disseminar vida, como dom maior da cosmognese, deve ele dar vida aos outros. Transportada a outros mundos, a vida far seu curso. Resistir s situaes adversas. Adaptar-se- Ao ambiente. Criar para si um ambiente adequado, como criou um dia a biosfera sobre a Terra. Complexificar-se- e gerar espcies talvez nunca dantes havidas, todas cheias de propsito e de beleza.

Essa misso radical do ser humano __ o de disseminador de vida no universo __ nos recordar a frase daquele que se entendeu como o Filho do Homem e que, ao seu tempo, disse: eu vim trazer vida e vida em abundncia. Essa misso no s do Filho do Homem mas de todos os homens, seus irmos e irms.

Nesta linha de reflexo, a dimenso em ns despertada como jamais antes. Se nos quedarmos apenas na dimenso-galinha, quer dizer, se ficarmos em casa, melhorando apenas nosso planeta, sem o propsito de ultra-lo, no estaremos a salvo de assaltos possveis que vm dos impactos exteriores ou de ns mesmos. A condio de sobrevivncia dar asas guia para que alce vo e se salve nos cus. Se o universo est se expandindo, ns, seres humanos, obedecemos mesma lgica: estamos nos expandindo tambm, viajando s estrelas.

Por fim, h uma derradeira misso do ser humano que somente discernvel a partir de uma perspectiva espiritual: o ser humano existe para permitir um realizao nica de Deus. Com freqncia temos asseverado que o ser humano revela uma abertura para o infinito. Essa abertura se ordena a recepcionar o prprio infinito dentro de si. como a taa cristalina. S realiza sua meta quando acolhe uma sede infinita para poder se auto-comunicar a Ele e sac-lo plenamente. Mais ainda: Deus sai de si totalmente e se entrega absolutamente ao diferente. Deus se fez humano para que o humano se fizesse Deus. Quando Deus resolveu sair de si mesmo e ir ao encontro de algum que o acolhesse totalmente, surgiu ento o ser humano. O ser humano o reverso de Deus. Permitir essa realizao divina a suprema misso do ser humano, homem e mulher. Para isso ele foi pensado, eternamente amado e colocado na criao.

Importa curvarmo-nos, reverentemente, diante desta nossa realidade humana, nossa misso e osso mistrio que se articula com o Mistrio absoluto.

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