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O
CANALHA E A CANALHICE NA CULTURA POPULAR
Gutenberg
Costa
Como bem
disse o saudoso amigo escritor Jos Luiz Silva, em seu livro
Na Calada do Caf So Luiz, pg. 27: O canalha um
sertanejo s avessas. Ele antes de tudo, um fraco.
Portanto, o povo
sertanejo e nordestino tem o canalha como a figura do capeta, do
traidor, do Judas, do falso, do ruim, perverso, mau amigo, mau
filho, mau marido e mau vizinho.
O
canalha invejoso, azarento, egosta; delator, falso e,
principalmente, inimigo nmero um do povo.
Consultando a
obra do escritor Raimundo Nonato Calepino Potiguar, pg.
80, encontramos o verbete Canaiada: Molecagem, Sujeira,
Babozeira, Safadeza. Corruptela popular de canalhada,
que a arte do canalha.
O matuto quando
se v diante de uma sujeira, feita por um tipo canalha,
esbraveja: Isso uma canaiada!.
Outro grande
dicionarista, Tom Cabral, em Dicionrio de Termos e Expresses
Populares, pg. 174, nos mostra outra variante popular do
canalha/canalhismo: Canaismo, corruptela de canalhismo e
Cala a boca mundia, deixa de canaismo na mesa.
Canalhice maior no
h do que na estria da fbula do sapo e do escorpio. Ajudado
pelo sapo, que mostrava o seu companheirismo ajudando-o atravessar
o rio em suas costas, o escorpio, em agradecimento, pica o sapo.
Por que fizeste isto comigo, senhor escorpio? Perguntou o
sapo. O canalha respondeu, covardemente: Isto faz parte do meu
instinto, senhor sapo!.
Foi o instinto de
cavalheirismo que forou ao prprio homem matar a galinha dos
ovos de ouro, naquele conto popular. O lobo vestiu-se de cordeiro
para, como canalha, enganar os animais desprovidos de maldade. O
canalha no final da vida paga um preo alto, segundo os exemplos
de estrias contadas pelo povo. No inferno, o capeta maioral
que o espera h tempos.
Na literatura de
cordel, o canalha inspirao dos poetas, nos incontveis ttulos.
Citaremos alguns do nosso acervo:
O ladro
besta e o sabido, de Pinto e Rouxinol; A moa que bateu na
me e virou cachorra, de Rodolfo Coelho Cavalcanti;
Encontro de Canco de Fogo com Pedro Malazarte, de
Minervino Francisco Silva; O rapaz que virou bode porque
profanou de Frei Damio, de Jos Costa Leite; O filho que
matou a me, Sexta-feira da Paixo por causa de um pau de
macaxeira, de Olegrio Fernandes e O homem que ganhou na
loteria esportiva ajudado pelo diabo, de Rodolfo Coelho
Cavalcanti.
Nas ditas
frases e filosofias do povo, a canalhice e o canalha
sempre usado quando o primeiro vtima do segundo, em suas
artimanhas diablicas. Muitos estudiosos da paremiologia
nordestina fizeram citaes desses provrbios em seus livros,
entre eles, Cmara Cascudo, Leonardo Mota e Fontes Ibiapina.
Vejamos Alguns exemplos:
Acende uma
vela para Deus e outra para o diabo.
Cachorro lambeu a vergonha na cara dele.
o co do livro segundo.
um pedao de mau caminho.
um cano de esgoto.
um santinho de pau oco.
um satans pregando quaresma.
um resto de parto que a ona deixou.
um cheio de canto de unha.
E por a vai a canalhice.
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