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Tortura
e Maus tratos contra Criana e Adolescente - Distines
Nilton Joo de
Macedo Machado
Sumrio
4p6e45
1.
Introduo
2.
Violncia domstica
3.
Maus tratos
4.
Tortura e a Lei n. 9.455/97
5.
Concluso
1.
INTRODUO
115o6p
A
histria da civilizao demonstra que, para concretizar a
tentativa de a humanidade coexistir em sociedade, estabeleceram-se
leis e regras de conduta para serem seguidas por todos os seres
humanos, as quais, possuam destinatrios certos e
generalizados: as camadas mais baixas e desprovidas do corpo
social; tais leis, na realidade, se revelavam como instrumento
para que as classes dominantes atingissem seus objetivos.
Neste
caminhar da humanidade, as fontes bibliogrficas servem para
possibilitar a compreenso dos motivos pelos quais determinadas
prticas que um dia eram lcitas, institucionalizadas, aram
depois a ilcitas e criminalizadas, como a tortura, esta definida
enciclopedicamente como meio
de que se usa para a obteno de confisses.
No
documento de apresentao deste oportuno Seminrio Nacional
sobre A Eficcia da Lei de Tortura, ao ser descrita a
atualidade da tortura, faz-se meno que tambm
largamente aplicada como meio de punio e imposio de
disciplina em presdios e centros de medidas scio-educativas
para adolescentes, alm de meio de extorso econmica contra
suspeitos, autores de crimes e presidirios, sem referncia
sua imposio s
crianas e adolescentes especialmente no seio familiar.
Este
trabalho, considerando os aspectos j enfocados na Mesa 1 (Tortura
no Brasil como herana cultural dos perodos autoritrios),
ar ao largo de retrospectiva sobre o emprego da tortura ao
decorrer da histria (desde os primeiros registros de sua utilizao
na Antigidade e posteriormente na Idade Mdia, at o incio
de seu banimento e conseqente proibio em fins do sculo
XIX), sem olvidar, no entanto que, em territrio brasileiro, a
tortura e as leis que visavam regulament-la e por fim proibi-la,
tambm atravessaram todas
essas fases, que culminaram com sua criminalizao, refletindo
claramente a evoluo pela qual ou a sociedade brasileira.
Diante
da diviso dos temas, mas para no perder a mira nos aspectos
conceituais e normativos
(tema desta Mesa 2), procurarei analisar a tortura na tipificao
prevista no inciso
II, do art. 1, da Lei n. 9.455/97,
comparando-a e evidenciando pontos comuns e divergentes com o
crime de maus tratos de que trata o art. 136, do Cdigo Penal,
especificamente quando
praticados contra crianas e adolescentes, por seus pais e/ou
responsveis, vale dizer, a
tortura domstica longe dos organismos oficiais e sem finalidade
probatria, mas como castigo pessoal e/ou medida de carter
preventivo.
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2. VIOLNCIA DOMSTICA
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na famlia onde tudo comea; sua funo importante para o
desenvolvimento da criana e do adolescente, pois no s os
torna aptos, como tambm pode qualific-los como inaptos e at
desajustados para viver em sociedade.
A
partir do momento em que o ncleo familiar se desestrutura, por
diversos e conhecidos fatores, podem resultar atos violentos e
agressivos ameaadores do convvio familiar; pode-se dizer que
da a-se ao que doravante se donominar violncia
domstica contra a criana e o adolescente,
exteriorizada como abuso do poder disciplinar e coercitivo dos
pais ou responsveis em relao aos filhos e pupilos. Tal abuso
pode durar dias, meses ou anos porquanto, enquanto no levado ao
conhecimento das agncias oficiais de proteo, tudo se reveste
com a caracterstica do sigilo, vale dizer melhor, em famlia de regra prevalece a lei do silncio.
O Estatuto da
Criana e do Adolescente ECA (Lei n. 8.069/90), ao implantar
a doutrina da proteo integral em substituio antiga
doutrina da situao irregular do revogado Cdigo de Menores,
em perfeita simetria com o comando constitucional (CRFB, art. 227)
reconhece os direitos prprios de toda criana e adolescente,
necessrios sua total proteo (art. 1), como escreve
Josiane Rose Petry Veronese:
As
medidas de proteo criana e ao adolescente so aplicveis
sempre que os seus direitos, reconhecidos pelo Estatuto, forem
ameaados ou violados, seja por ao ou omisso da sociedade
ou do Estado, por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsveis
ou mesmo em razo de sua prpria conduta art. 98 e
incisos.
A
seu turno, no art. 18 do mesmo Estatuto, contextualizado no Cap.
II, que trata Do Direito Liberdade, ao Respeito e
Dignidade, impe que
dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente,
pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatrio ou constrangedor.
Da
resulta cristalizado que dever primrio dos pais e responsveis
garantir o cumprimento dos direitos da criana e do adolescente,
remanescendo no s como de carter supletivo, mas tambm de
natureza complementar, a interveno estatal na ordem familiar,
vale dizer, na falha do mecanismo familiar dever do Estado
garantir os direitos fundamentais de todas as crianas e
adolescentes.
Haver violncia,
no sentido deste trabalho, toda vez que houver violao aos
direitos fundamentais das criana e dos adolescentes,
especificados e garantidos na Constituio da Repblica no seu
art. 227, e repetidos pelo ECA, tais como vida, sade,
alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao,
cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia
familiar e comunitria, alm de deverem estar a salvo de toda
forma de negligncia, discriminao, explorao, crueldade e
opresso.
Bem
por isto serve a advertncia de Mnica Santos Barison citada por
Grace Afonso, para que o termo violncia no pode ser
considerado como um termo global, porque ela pode caracterizar
determinados fenmenos num dado momento histrico. A violncia
s pode ser entendida pela formao ideolgica da sociedade em
conexo com uma anlise de sua conjuntura social
Os
abusos que caracterizam violncia contra crianas e adolescentes
se apresentam, de rotineiro, no geral (claro que no s em
termos domsticos, mas tambm nos estabelecimentos de proteo
e at mesmo nas ruas), sob forma de agresso fsica, sexual,
psicolgica ou mesmo como negligncia no cumprimento e observncia
daqueles direitos fundamentais. Uma no menos grave que a
outra, pois todas ofendem aqueles direitos fundamentais
garantidos.
A
violncia domstica
encontrada em todas as classes sociais, mas assume maior
visibilidade nas camadas populares, primeiro por serem mais
numerosas e, segundo, por serem elas as que mais procuram, com
maior freqncia, os servios pblicos; por isto, vm a lume
fatores como pobreza crnica, desemprego, subemprego, baixos salrios,
m ou falta de habitao, alcoolismo e drogas, dentre outros,
como responsveis pela desestruturao familiar, com conseqncias
diretas na manuteno de prole consistente, gerando mais violncia.
Grace Afonso informa, com dados do Programa SOS Criana da
Secretaria de Estado Menor de So Paulo, ter ficado comprovado
que 47% dos meninos de rua investigados em So Paulo e
Curitiba, abandonaram seus lares em decorrncia da violncia domstica,
no perodo de fevereiro/88 a maro/90.
a violncia domstica praticada contra crianas e adolescentes
gerando mais violncia, a qual, segundo Suely Ferreira Fernandes,
pode ser observada e constatada a partir das seguintes caractersticas:
a)
Indicadores fsicos da
criana ou adolescente presena de toda espcie de
leses fsicas, exemplificadas como queimaduras, feridas,
fraturas que no se adequam coisa alegada. Ocultamento de leses
antigas.
b)
Comportamento da criana
ou adolescente muito agressivo ou aptico.
Extremamente hiperativo ou depressivo; assustvel ou temeroso;
tendncias autodestrutivas; teme aos pais, alega sofrer agresso
dos pais; alega causas pouco viveis s suas leses; apresenta
baixo conceito de si; foge constantemente de casa; tem problemas
de aprendizagem e que podem ser caracterizadas como maus
tratos.
c)
Caractersticas da famlia
oculta as leses da criana ou adolescente ou as
justifica de forma no convincente ou contraditria; descreve a
criana como m e desobediente; defende a disciplina severa,
abusa de lcool e/ou drogas; tem expectativas irreais da criana
ou adolescente; tem antecedentes de maus-tratos na famlia.
Na
realidade, estas pistas so apenas meros indicadores de
comportamentos para os profissionais que atendem aos protegidos,
principalmente na rea da sade e assistncia social, buscarem
a consolidao e padronizao de critrios para diagnsticos.
Neste
ponto, a atuao sria e destemida dos Conselhos Tutelares,
pelo menos nas cidades de mdio e pequeno porte, tem servido para
receber notcias e apurar atos de violncia domstica, muitas
vezes reiterada, contra crianas e adolescentes.
Aos
pais e/ou responsveis que se revelarem incapazes de cuidar do
bem estar dos filhos ou pupilos, ou que no exeram com
dignidade os devedores para com eles, cuja responsabilidade lhes
foi confiada pela lei ou pelo juiz, em momento inicial podero
ser aplicadas as medidas previstas no art. 129 e seguintes do ECA,
sobressaltando a advertncia para aqueles que pratiquem maus
tratos que no
constituam crime -; depois, se o problema persistir, a soluo
ser a colocao da vtima em famlia substituta (guarda,
tutela e adoo); por fim, poder o agressor ser afastado do
lar, consoante dispe o art. 130:
Verificada
a hiptese de maus tratos, opresso ou abuso sexual impostos
pelos pais ou responsvel, a autoridade judiciria poder
determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da
morada comum.
A
partir da prtica de tais atos, e com dificuldade probatria na
maioria das vezes, que se poder verificar se constituem
simples crime de constrangimento especial previsto no art. 232, do
ECA, de maus tratos de que cuida o art. 136, do Cdigo Penal ou
tortura-castigo, inserida no inciso II, do art. 1 da Lei
9.455/97.
Este
o dilema do aplicador da lei penal.
3. MAUS TRATOS
6t53j
No
h dvida que os compndios de histria registram que, no
primitivo direito romano o pai dispunha de absoluto poder
disciplinar em relao ao filho, nele includo at o de mat-lo,
de transferi-lo a outrem ou mesmo entreg-lo como indenizao,
venda, doao ou penhor[9];
o poder de punio domstica, alm de no observar qualquer
regra de proporcionalidade e contraditrio, era absoluto, no
respondendo o pater familias pelos castigos e excessos impostos no
s aos filhos, como mulher e aos escravos.
2j2m5m
Com
a evoluo da civilizao e a partir do cristianismo, tal
poder que se situava na rbita do exerccio regular de
direito - foi se abrandando com exigncia de moderao,
ando a ser punidos seus excessos quando deles resultassem leses
corporais graves ou morte.
Hoje
o ptrio poder encarado como complexo de deveres em relao
aos pais, institudo no interesse dos filhos e da famlia,
havendo denominao at de ptrio-dever.
No
Brasil, como noticia Luiz Rgis Prado,
o Cdigo Criminal do Imprio (1830) no tratou dos maus tratos,
justificando os castigos moderados; o Cdigo Penal de 1890 no
tratou da matria, cabendo ao Cdigo de Menores de 1927 faz-lo,
nos arts. 137 a 141, os quais foram adotados na Consolidao das
Leis Penais de 1932, nos incisos VI a X, do art. 292 (castigos
imoderados, maus tratos habituais, privao de alimentos ou de
cuidados, fadiga fsica ou intelectual por excesso de trabalho,
por esprito de lucro, ou por egosmo ou por desumanidade...
de maneira que a sade do fatigado seja afetada ou gravemente
comprometida).
O
Cdigo Penal de 1940, no Captulo III, do Ttulo I, da Parte
Especial, utilizando uma forma unitria e com a rubrica maus
tratos no s englobou aqueles crimes individualizados na
legislao anterior, como ampliou a proteo legal dispensada
para alcanar, alm dos menores de dezoito anos, e agora sem
limite etrio, todos aqueles que se encontrem sob a autoridade,
guarda ou vigilncia de outrem, para fins de educao, ensino,
tratamento ou custdia. A idade, de at 14 anos, servir apenas
para maior apenao, consoante 3 acrescentado pela Lei n.
8.069/90..
Efetivamente,
prev o art. 136, do Cdigo
Penal:
Expor
a perigo a vida ou a sade de pessoa sob sua autoridade, guarda
ou vigilncia, para fim de educao, ensino, tratamento ou custdia,
quer privando-a de alimentao ou cuidados indispensveis, quer
sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de
meios de correo ou disciplina.
Sujeito
ativo deste crime apenas aquele que tenha a vtima sob guarda,
vigilncia ou autoridade, para fim de educao, ensino,
tratamento ou custdia. Por isto delito prprio, pois
exige-se uma especfica relao jurdica entre os sujeitos
ativo e ivo; no havendo relao de subordinao entre o
agente e a vtima de direito pblico ou privado, no se
tratar de maus tratos, mas de perigo para a vida ou sade de
outrem (, art. 132).
Autoridade
o poder, derivado de direito pblico ou privado, exercido por
algum sobre outrem (v.g. diretores de escola/alunos;
carcereiros/presos, tambm pais/filhos, etc.). Guarda a assistncia
permanente e no apenas ocasional prestada ao incapaz de
zelar por si prprio e cuidar de sua defesa e incolumidade (v.g.
pais, tutores e curadores, em relao a filhos, tutelados e
curatelados); por fim vigilncia a assistncia acautelatria,
com vistas a resguardar a integridade pessoal alheia (v.g. guias
alpinos/alpinistas; salva-vidas/banhistas, etc.).
J
o sujeito ivo aquele que estiver sob a autoridade, guarda
ou vigilncia do sujeito ativo, para fins de educao
(atividade docente que tenha por escopo aperfeioar, sob o
aspecto intelectual, moral, fsico, tcnico ou
profissionalizante, a capacidade individual); ensino (so os
conhecimentos transmitidos com vistas formao de um fundo
comum de cultura ensino primrio, secundrio, etc.),
tratamento (que rene no apenas os processos e meios curativos,
de carter mdico-cirrgico, como tambm a istrao de
cuidados peridicos, destinados a prover a subsistncia alheia e
custdia (que a deteno de uma pessoa para fim autorizado
legalmente).
Da
delimitao do sujeito ivo do crime de maus tratos,
exclui-se, por evidente, a esposa e filho maior de vinte e um
anos, ante absoluta ausncia de relao de subordinao
com o marido e pais, respectivamente.
O
ncleo do tipo o verbo expor,
significando criar uma situao de perigo vida ou sade
da pessoa subordinada; tpico crime de perigo, de contedo
variado por prever mltiplos meios de maltratar a pessoa:
1)
privando-a da alimentao
necessria, claro que de forma habitual, pois da omisso
alimentar deve resultar perigo, o que no se vislumbra com apenas
uma conduta; pode se caracterizar com privao parcial e, desde
que exponha a vida ou a sade da pessoa subordinada a perigo,
constitui maus tratos, no sentido do texto. Flvio Monteiro de
Barros argumenta que alimentao precria no pode ser
imposta como sano disciplinar nem mesmo ao preso (art. 45,
1, da Lei n. 7.210/84), sob
pena de caracterizao do delito de tortura do 1, do art. 1
da Lei n. 9.455/97.
De
outra parte bom ressalvar que a privao total ou parcial dos
alimentos que exponha o subordinado a perigo deve ser dolosa; se a
conduta decorre da pobreza que no permita sequer ao prprio
agente alimentar-se, resulta evidente que no se poder cogitar
do crime em comento em relao ao subordinado.
2)
privando-a dos cuidados
indispensveis tem-se que esto compreendidos entre
aqueles que representam o mnimo necessrio vida e sada da
pessoa, como no levar criana doente ao mdico ou priv-la da
higiene necessria. Nesta modalidade a conduta tambm
omissiva e para caracterizar maus tratos tambm se exige
habitualidade,
embora seja possvel sua perfectibilizao com uma s atitude,
como o pai deixa o filho dormir sem agasalho no inverno fora de
casa, em regio fria, sabendo-se que pode contrair doena grave
como pneumonia.
3)
sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado Trabalho excessivo o que supera
as foras fsicas ou mentais da vtima, ou o que produz fadiga
anormal, enquanto inadequado o trabalho imprprio para as
condies orgnicas da vtima, segundo a idade ou sexo. Em
qualquer das hipteses, o referencial para a anlise a prpria
vtima, levando-se em conta o seu condicionamento fsico,
capacidade mental, a sua fora muscular, a sua idade e sexo.
4)
abusando dos meios de correo
e disciplina esta modalidade do crime consiste no abuso de
meios de correo ou disciplina, infligindo castigos excessivos
que resultem perigo para a vida ou sade da pessoa, atuando o
agente imbudo para um fim inicialmente lcito (correo ou
disciplina), ao contrrio das anteriores, quando os maus tratos so
impostos por malvadez, intolerncia, impacincia, grosseria etc.
A
legislao civil ite aos pais e tutores o direito de usar
meios corretivos ou disciplinares, de modo comedido (embora h
quem sustenta que os educadores hoje nada mais podem fazer,
a no ser dialogar mas isto outro tema). O que constitui
delito de maus-tratos o excesso do meio corretivo ou
disciplinar que pe em perigo a vida ou sade da vtima (quando
cria o perigo pode constituir ilcito civil ou istrativo).
Nesta
linha Fbio Monteiro de Barros faz importante distino, pois
no responde por maus tratos a me que raspa o cabelo do
filho como reprimenda, pois no colocou em risco a vida ou a sade;
todavia, poder responder pelo delito previsto no art. 232 da Lei
n. 8.069/90, devido ao vexame a que submeteu a vtima.
Relembrando-se
que no crime de maus tratos o dolo de perigo, pode-se
distinguir que, se houver dolo de dano, como, por exemplo, agresso
fsica excessiva do pai ao filho, malgrado o animus corrigendi, o
delito ser de leses corporais (, art. 129), podendo se
transformar no crime de tortura do inciso II do art. 1 da Lei n.
9.455/97, se presentes a elementares que sero a seguir
estudadas.
Assim,
para que se configure o crime delito de maus tratos necessrio
que o abuso dos meios corretivos ou disciplinares ocorra mediante:
a)
Castigos fsicos que no representem agresso contra a vtima.
Sobre o assunto, ministra-nos Frederico Marques os seguintes
exemplos: O pai ou mestre que pe o menor de joelhos, por
longo tempo, ou que o obriga a subir ou descer escadas, pode
incorrer em crime de maus tratos, se excessiva a punio
disciplinar a ponto de tornar periclitante a sade da vtima. Em
tais hipteses, o crime ser de leses corporais, to-s se o
abuso do poder disciplinar foi praticado com dolo de dano. Se
houver emprego de violncia fsica, causadora de intenso
sofrimento fsico ou mental, o agente responder pelo crime de
tortura (art. 1, II, da Lei n. 9.455/97).
b)
Violncia moral. Exemplos: ameaas, intimidaes, terror,
impedimento do sono etc., desde que idneos a expor a perigo a
vida ou sade. Se, entretanto, a grave ameaa causar intenso
sofrimento fsico ou mental, o agente responder pelo delito de
tortura previsto no inciso II do art. 1 da Lei n. 9.455/97. Se,
porm, o sofrimento no for intenso, haver delito de maus
tratos, que, nesse caso, assume o perfil de crime subsidirio.
Acrescente-se
ainda que os castigos corporais ainda que moderados esto
abolidos das escolas e presdios. No mbito domstico, no
entanto, continua sendo aplicado pelos pais para o fim de educao
e disciplina, o que perfeitamente lcito, desde que de maneira
mdica. No fcil estabelecer um exato critrio para se
distinguir entre meios corretivos ou disciplinares lcitos e ilcitos,
devendo a matria ficar sujeita ao prudente arbtrio do juiz,
que, ao julgar, se colocar perante o caso concreto na posio
psicolgica de um bom pai de famlia (RT,
463:367, 415:267).
4. A TORTURA E A LEI N.
9.455/97
52283b
A
Declarao Universal dos Direitos do Homem Humanos, em seu
artigo V j proclamava, sem definies, que Ningum
ser submetido tortura ou a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante.
Posteriormente,
a Assemblia Geral da Organizao das Naes Unidas (ONU)
em sua XL Sesso, adotou, em 10 de dezembro de 1984, a Conveno
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penais Cruis,
Desumanos ou Degradantes, que foi aprovada pelo
Congresso Nacional atravs o Decreto Legislativo n. 04, de 22
de maio de 1989 e promulgada pelo Presidente da Repblica
pelo Decreto n. 40, de 15 de fevereiro de 1991, a qual, na
Parte I, artigo 1, estabelece:
Para
os fins da presente Conveno, o termo tortura designa qualquer ato atravs
do qual dores ou sofrimentos agudos, fsicos ou mentais, so
infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela
ou de uma terceira pessoa, informaes ou confisses; de
castig-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou
coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo
baseado em discriminao de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos so infligidos por um funcionrios
pblico ou outra pessoa no exerccio de funes pblicas,
ou por sua instigao, ou com o seu consentimento ou
aquiescncia. No se
considerar como tortura as dores ou sofrimentos que sejam
conseqncia unicamente de sanes legtimas, ou que
sejam inerentes a tais sanes ou delas decorram.
O
repdio mundial tortura, sem aceitao de hiptese
alguma, est claro no artigo 2 que, em seu item 2 dispe:
Em nenhum caso
podero invocar-se circunstncias excepcionais tais como
ameaa ou estado de guerra, instabilidade poltica interna
ou qualquer outra emergncia pblica como justificao
para tortura.
O legislador
brasileiro calou-se no tocante a tortura at o advento da
Constituio da Repblica de 1988 que,
em seu artigo 5, inciso III, prev que ningum
ser submetido tortura nem a tratamento desumano ou
degradante. No inciso XLIII do mesmo artigo, a Carta
Magna ainda prescreveu que a
lei considerar crimes inafianveis e insuscetveis de
graa ou anistia a prtica de tortura, o trfico ilcito
de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evit-los, se omitirem.
Nos
trabalhos constituintes, a Sub-Comisso dos Direitos
Polticos, dos Direitos Coletivos e Garantias procurou
definir a tortura como ...qualquer
ato atravs do qual se inflige intencionalmente dor ou
sofrimento fsico, mental ou psicolgico a uma pessoa, com o
propsito de obter informaes ou confisso, para puni-la
ou constrang-la ou a terceiros.
No
obstante tal repdio, o direito brasileiro no conhecia a
definio legal e criminalizao
da tortura, como figura autnoma, at a vigncia da Lei n.
9.455/97, embora tenha sido equiparada a crime hediondo, de
acordo com o art. 2 da Lei n 8.072/90, e criminalizada
genericamente no j revogado art. 233 do ECA (Lei n.
8.069/90).
No
Cdigo Penal, encontramos meno tortura como
circunstncia legal agravante (art. 61, II, letra d) tambm
como uma das causas que qualificam o crime de homicdio,
contida no inciso III, do 2 do art. 121, do Cdigo Penal
de 1940: III com
emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo
comum.
Como
se observa-se da exposio de motivos do Cdigo Penal, o
legislador entendeu que a tortura seria um dos meios cruis
de levar a vtima morte, devendo, portanto, ser punido com
maior intensidade; tal fato no ou despercebido de
Alberto Silva Franco, que lanou sua crtica no sentido de
que, nos diversos incisos do art.121, o legislador adotou
uma tcnica legislativa denominada exemplo-padro.
O que, em verdade, qualifica
o homicdio no a tortura em si, mas, sim ,o emprego de
meio cruel do qual a tortura e a asfixia so
exemplos. Outros meios, alm desses, podem ocorrer na
realidade desde que guardem similitude, na sua crueldade, com
os exemplos propostos. Destarte, a expresso tortura,
na hiptese do homicdio qualificado, no encontra
preenchimento no delito agora criado pela Lei 9.455/97: tem um
significado vulgar, no juridico-penal. Tortura, nessa
acepo, qualquer suplcio violento infligido a algum
que se traduz em meio cruel para a execuo do
homicdio.
Conclui
o mestre: Se os atos postos em prtica pelo agente, com o
propsito de matar, tm o contexto prprio desse meio
cruel, independentemente da definio tpica da Lei
9.455/97, ocorrer homicdio qualificado. Caso contrrio, a
ao criminosa ficar ao abrigo do homicdio simples.
Posteriormente
ao Cdigo Penal, buscando demonstrar que os detentores do
poder no eram totalmente coniventes com os mtodos adotados
pelos rgos de segurana, houve modesta tentativa de
reprimir os abusos praticados pelos agentes estatais,
camuflando-se a prtica da tortura sob o tipo penal do
abuso de autoridade que adveio com a Lei 4.898,
sancionada a 09 de dezembro de 1965, em a qual, em pelo menos
duas alneas (art. 3, i e 4, b) possvel considerar que a ao ali descrita constitui
tortura, no objeto deste trabalho.
De
outra parte, como se viu anteriormente, a Lei 8.069/90 que no
art. 233 (revogado pela Lei 9.455/97) cominou penas,
estabeleceu resultados preterdolosos, mas
tambm no definiu o que seria tortura.
Mas,
no obstante as crticas e at a certeza da pecha de
inconstitucionalidade (embora o Colendo Supremo Tribunal
Federal a tenha afastado por diferena de apenas um
respeitvel voto), o escopo do art. 233, da Lei 8.069 era
mesmo punir os excessos cometidos pelos pais ou os
responsveis por menores no convvio com suas proles ou
tutelados, haja vista que, em algumas vezes, tais excessos
chegam prximo
do sadismo, ultraando, por vezes,
a sanha dos torturadores oficiais do regime militar.
Ainda
era necessria uma lei especfica, que contivesse uma
definio de tortura, previsse sanes e estabelecesse
seus destinatrios, de forma a impedir que a impunidade
continuasse imperando no Brasil.
Assim
surgiu a Lei n. 9.455 em 07 de abril de 1997 que, apesar de
simples e de poucos artigos, muito abrangente, englobando
vrias e distintas condutas e punindo-as com severidade mas,
dada a celeridade com que foi apreciada, votada e sancionada,
encontra-se repleta de defeitos que tm se tornado objeto de
inmeras crticas e anlises doutrinrias, em um esforo
dos juristas por interpret-la, principalmente em face de
diversos choques havidos entre o novo ordenamento e as leis
anteriores (a comear pelo fato de o crime de tortura no
ter sido estruturado como crime prprio, mas como crime
comum, que qualquer pessoa pratic-lo, destoando at mesmo
da moldura constitucional,
ando pela subjetividade em elementos da figura delitiva
que a torna vulnervel diante da garantia da reserva legal),
muitas que, com certeza, sero abordados oportunamente neste
seminrio, cabendo aqui apenas a anlise proposta e
especfica sobre a eficcia do inciso II, do art. 1, que
prescreve constituir tortura submeter algum, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violncia ou grave ameaa, a intenso sofrimento fsico ou
mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de
carter preventivo, caracterizando crime punido
com pena de recluso, de dois a oito anos, complementando no
1 que, Na
mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a
medida de segurana a sofrimento fsico ou mental, por
intermdio da prtica de ato no previsto em lei ou no
resultante de medida legal.
Nos
dispositivos transcritos a lei capitula a espcie que Luiz
Flvio Gomes denominou tortura pena ou tortura-castigo,
pois (o castigo a finalidade do agente). Difere da
tortura-prova (quando meio para a obteno de uma prova).
Esse crime absorve os delitos de maus-tratos e leso leve. O
sofrimento
intenso depende, evidentemente, de cada vtima
concreta, de cada caso concreto. O mesmo sofrimento pode ser
intenso para uma e no intenso para outra pessoa. Mas Direito
Penal isso mesmo: Direito para cada caso concreto.
De
incio tem-se, como leciona mestre Alberto Silva Franco, que
itida a tortura agora como crime comum, tanto nesta
modalidade de submisso (submeter), como na de constrangimento (constranger do inciso I), para sua
compreenso tpica integral, depende-se de uma valorao
judicial de amplo espectro, pois o diploma legal omitiu uma
definio indispensvel, qual seja, os
limites conceituais do sofrimento
fsico ou do sofrimento
mental provocados, um ou outro, pela conduta de
constrangimento ou submisso. Ainda que se ita, para
argumentar, que possvel, atravs de percia
mdico-legal, detectar o sofrimento fsico de algum, no
se pode ignorar que vrios sofrimentos fsicos podem ser
infligidos sem que deles decorram vestgios. Por outro lado,
o sofrimento mental de uma pessoa constitui um conceito
extremamente poroso, que, por isso, flutua no ar, sem nenhum
ponto de engate na realidade. O sofrimento mental,
dimensionado em termos no-concretos, mostra-se de extrema
variabilidade, podendo ser diverso conforme a maior ou menos
sensibilidade ou capacidade reativa de qualquer pessoa. Uma
ao criminosa , no entanto, um acontecimento emprico
que deve ser taxativamente descrito e no um acontecimento
cujo preenchimento decorra de uma avaliao pessoal do juiz
.
E
prossegue o grande mestre hodierno: A
locuo sofrimento mental constitui, portanto, uma
clusula tpica de carter to genrico que pe em risco
o princpio da legalidade. Nessa linha de considerao,
Srgio Salomo Schecaira (op. Cit., p. 2) chama a ateno
para o carter indeterminado do tipo de tortura que pode
conduzir a uma negao do prprio princpio da legalidade,
pelo emprego de elementos do tipo sem preciso semntica.
E
arremata:
O
que dizer-se, ento, quando se exige que esse sofrimento
mental seja intenso
( 1, do art. 1 da Lei 9.455/97)? (sic).
A
crtica acompanha por Luiz Flvio Gomes,
que afirma depender o sofrimento
intenso de cada vtima, de cada caso concreto,
asseverando em nota de rodap, para tanto; O
legislador, ao utilizar a expresso intenso sofrimento,
colocou na lei um conceito poroso (Hassemer), de difcil compreenso. um tipo aberto, que
exige complemento valorativo do juiz.V. FRANCO, Alberto
S., Breves anotaes, cit., p. 62. V., ainda, a acertada
crtica de SCHECAIRA, Srgio S., Algumas Notas, Boletim
IBCCrim, n. 54, mai.. 1997, p. 2).
Para
determinarmos o que "intenso"
e, ento, resultar no mais na tificao de maus tratos,
mas de tortura, tenho ser necessrio analisar, primeiramente,
alguns outros aspectos do referido texto legal (inciso II).
Assim
como no inciso I (do art. 1 da Lei n. 9.455/97), a conduta
tipificada no inciso II divide-se em dois elementos, um
objetivo e outro subjetivo. O elemento objetivo consiste em submeter
algum, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violncia ou grave ameaa a intenso sofrimento fsico ou
mental. Nele observa-se o dolo genrico do agente de
violentar ou ameaar a vtima, que deve encontrar-se em seu
poder, ou que esteja sob sua guarda ou autoridade.
O
elemento subjetivo se faz presente na finalidade do agente
- ou seu dolo especfico - de
infligir tal intenso sofrimento fsico ou mental como forma
de aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo.
Desta
forma, necessrio que o sofrimento
fsico ou mental (de acordo com cada vtima) decorrente
da violncia ou grave ameaa seja praticado com vistas
punio ou preveno de uma ao da vtima, como o
caso do pai que bate no filho para castig-lo por uma m
ao, ou at mesmo do carcereiro que priva o detento sob
sua guarda da refeio para manter a disciplina.
A
partir desta anlise podemos entender o "intenso
sofrimento", como aquele sofrimento excessivo,
extremamente rude e que excede os limites do vel tendo
em vista o fim perseguido pelo agente e as condies
pessoais de cada vtima..
No
h dvida que o adjetivo intenso vago e impreciso (incidindo na crtica de ser
tipo aberto e dependente do subjetivismo de cada aplicador),
com o que deixou-se ao intrprete a tarefa de considerar a
ao do agente como tpica, ou no, em relao Lei de
Tortura, resultando em caso negativo, que pode se tratar do
crime de maus ratos antes analisado.
Da
mesma forma,
se no estiver presente o elemento subjetivo, no caso
em tela o fim correcional ou disciplinar, a conduta do agente
poder ser atpica, como no inciso anterior.
A
propsito da vtima da submisso
(e no podemos olvidar que nosso objeto so crianas e
adolescente), o texto simplesmente a relaciona como algum, pretendendo abranger qualquer pessoa,
independentemente de idade, sexo, ou condio social,
bastando que esteja naquelas condies de subordinao
descritas, vale dizer, alm da criana e do adolescente.
Quanto
guarda, poder ou
autoridade, so aquelas relaes analisadas quando do
crime de maus tratos.
A
violncia exigida no
texto legal (assim como no inciso I e sem perder de vista
que nosso objetivo foi tratar da violncia domstica), diz
respeito a vis
corporalis, ou seja violncia fsica sobre o
indivduo, que pode se consumar por meio de agresses ou
abusos praticados sobre o corpo da vtima, como tapas,
coices, batidas, mordaas, torniquetes, enfim, toda e
qualquer forma ou instrumento que produza alterao da
anatomia do ofendido considerada violncia fsica.
Para
tal violncia fsica, h duas espcies: a imediata
e a mediata, com a
primeira sendo aquela aplicada diretamente sobre o corpo do
ofendido, podendo caracterizar-se por golpes, choques,
mordaas, amarras e todos as aes que se abatam sobre a
vtima, enquanto a outra configura-se naquela exercida sobre
terceira pessoa ou coisa, mas que, indiretamente, gera os
efeitos pretendidos no indivduo, exemplificadas nas
sevcias a pessoa querida ou da famlia ou na destruio
de bens pessoais ou objetos de valor sentimental.
Observa-se,
assim, que a violncia pode se manifestar de vrias
maneiras, e no pelo fato de no se fazerem presentes
leses corporais na vtima que no restar configurado o
delito, basta que dela resulte o intenso sofrimento fsico
ou mental.
O
texto faz ainda meno a "grave
ameaa" como forma de produzir o intenso sofrimento
fsico ou mental. Tal modalidade configura-se na violncia
moral (vis compulsiva), exercida sobre o indivduo
atravs de promessas de mal futuro, srio e crvel,
comportando tambm os tipos imediato e mediato, ou seja,
ameaa ao indivduo ou a pessoa da famlia, amigo ou bens.
Vale salientar que, para que esteja caracterizada a grave
ameaa, basta que a vtima sinta-se intimidada com a mesma,
a ponto de consentir com o torturador (no caso a pessoa a quem
est subordinada), fazendo ou deixando de fazer o que ele
impe ou exige, mediante intendo sofrimento.
Podemos
concluir, portanto, que o crime de tortura tendo como vtima
criana ou adolescente (alis, qualquer pessoa) restar
consumado se, da
violncia ou grave ameaa, aplicadas como forma de castigo
pessoal ou medida de carter preventivo, causar intenso
sofrimento fsico ou mental.
No
se deve olvidar, outrossim, que o sofrimento fsico est
intimamente ligado ao conceito de dor, tormento, ao o que
o sofrimento mental relaciona-se com a angstia, o temor, a
violao moral ou psicolgica; se no estiverem presentes
quaisquer destes elementos a conduta ser atpica pelo menos
em relao Lei n. 9.455/97.
A
este propsito tive oportunidade de relatar, no Tribunal de
Justia de Santa Catarina, hiptese onde ficou caracterizado
o intenso sofrimento infligido por uma mulher responsvel
pela guarda e educao de criana mediante pagamento, que
serve como precedente :
TORTURA
E MAUS TRATOS CRIANA DISTINO.
A
distino entre os crimes de maus tratos e tortura deve ser
encontrada no s no resultado provocado na vtima, como no
elemento volitivo do agente; assim, se abusa do direito de
corrigir para fins de educao, ensino, tratamento e
custdia, haver maus tratos, ao o que caracterizar
tortura quando a conduta praticada como forma de castigo
pessoal, objetivando fazer sofrer, por prazer, por dio ou
qualquer outro sentimento vil.
Caracteriza
tortura a conduta do agente que, tendo criana sob sua
guarda, a pretexto de corrigi-la, submete-a de forma contnua
e reiterada, a maus tratos fsicos e morais, causando-se
intenso e angustiante sofrimento fsico e mental (TJSC,
Ap. Criminal n. 98.014413-2, de So Jos do Cedro, j. em
18.5.1999).
No
corpo do acrdo, fiz constar:
2.
Desde os primeiros tempos da civilizao moderna o tema da
tortura vem preocupando os estudiosos, humanistas e pregadores
dos direitos humanos e provocando luta incessante diante das
barbries cometidas contra as pessoas fragilizadas pela
condies sociais ou fsicas. Contra as crianas,
especificamente, como no caso, a violncia normalmente ocorre
em casa e so situaes vivenciadas no cotidiano, como
parte do processo de "aprendizagem", sendo que os
"professores" na maioria das vezes so os pais ou
responsveis.
No
Brasil, a Constituio Federal de 1988 afirmou que
"ningum ser submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante" (art. 5, inc. III),
considerando crime inafianvel a sua prtica (art. 5,
inc. XLIII), mas a primeira tentativa de regulamentar a
matria no mbito da infncia e juventude, foi o art. 233,
da Lei n. 8.069/90 Estatuto da Criana e do Adolescente
, posteriormente revogado com a edio da Lei n. 9.455/97
que definiu como crime "submeter algum, sob sua guarda,
poder ou autoridade, com emprego de violncia ou grave
ameaa, a intenso sofrimento fsico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo"
(art. 1, inc. II).
Mas
os problemas no pararam por a, ao contrrio, a tarefa do
julgador, diante do caso em concreto, tornou-se maior, diante
da dificuldade de comprovao do elemento subjetivo que
diferenciaria os "maus tratos" da
"tortura", exatamente o objeto destes autos.
Segundo
o art. 136, do Cdigo Penal, o crime de maus tratos consiste
no fato de o indivduo expor a perigo a vida ou a sade de
pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilncia, para fim de
educao, ensino, tratamento ou custdia, quer privando-a
da alimentao ou cuidados indispensveis, quer
sujeitando-a a trabalhado excessivo ou inadequado, ou ainda
abusando de meios de meios de correo ou disciplina.
J
o crime de tortura, segundo MARIA HELENA DINIZ, no mbito do
direito penal, "o ato criminoso de submeter a vtima
a um grande e angustiante sofrimento provocado por maus-tratos
fsicos ou morais" (Dicionrio Jurdico, SP, Saraiva,
1998, v. 4, p. 586).
ANA
PAULA NOGUEIRA FRANCO, sobre a matria, ensinou que "ao
analisar as aes nucleares dos tipos comeam a surgir as
diferenciaes. No delito de maus tratos a ao a
exposio ao perigo atravs das modalidades: a) privando de
cuidados necessrios ou alimentos; b) sujeitando a trabalho
excessivo; c) abusando de meio corretivo. J no art. 1, II,
da Lei n. 9.455/97, a ao se resume em submeter algum
(sob sua autoridade, guarda ou vigilncia) a intenso
sofrimento fsico ou mental com emprego de violncia ou
grave ameaa. Nota-se que o elemento subjetivo do tipo do
art. 136 o dolo de perigo, o resultado se d com a
exposio do sujeito ivo ao perigo de dano. No crime de
tortura, o resultado se d com o efetivo dano, ou seja, o
intenso sofrimento fsico ou mental provocado pela violncia
ou grave ameaa. Nesta ltima situao o agente age com
dolo de dano.
"Outra
questo importante de se ressaltar, que no crime de
maus-tratos o agente abusa de seu ius
corrigendi para fim de educao, ensino, tratamento ou
custdia. Diferentemente no crime de tortura, no qual o
agente pratica a conduta como forma de castigo pessoal ou
medida de carter preventivo" (Distino entre
Maus-Tratos e Tortura e o art. 1, da Lei de Tortura, in
Boletim do IBCCrim, n. 62/Jan-98, p. 11).
Neste
sentido tambm o entendimento da jurisprudncia:
"A
questo dos maus-tratos e da tortura deve ser resolvida
perquerindo-se o elemento volitivo. Se o que motivou o agente
foi o desejo de corrigir, embora o meio empregado tenha sido
desumano e cruel, o crime de maus tratos. Se a conduta no
tem outro mvel seno o de fazer sofrer, por prazer, dio
ou qualquer outro sentimento vil, ento pode ela ser
considerada tortura" (RJTJSP, 148/280).
Concluindo:
o crime de maus-tratos essencialmente de perigo, ao o
que a tortura, assim como as leses corporais, crime de
dano.
A
pena prevista para o crime de tortura abordado limita-se entre
um mnimo de 02 (dois) e um mximo de 08 (oito) anos de
recluso, desconsideradas as causas especiais de aumento que
no sero aqui abordadas, salvo que se o crime
cometido contra criana, gestante, deficiente e
adolescente, aumenta-se a
pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um tero), conforme expressa o
4, do art. 1 da lei.
Neste
aspecto tem-se que tal circunstncia de aumento deve incidir
porque as pessoas vtimas arroladas no inciso, face s suas
caractersticas pessoais, tm reduzida capacidade de defesa,
embora o legislador tenha se omitido no que diz respeito aos
velhos e enfermos, que tm recebido tratamento diferenciado
na lei penal.
Prev
a lei, ainda, a possibilidade de que, em virtude da tortura,
possam advir conseqncias terrveis, explicitando-as da
seguinte forma no 3 do art. 1: Se resulta leso
corporal de natureza grave ou gravssima, a pena de
recluso de quatro a dez anos; se resulta morte, a recluso
de oito a dezesseis anos.
5.
CONCLUSO
As
dificuldades conceituais e normativas contidas na Lei de
Tortura, especialmente no inciso II, do art. 1, tm levado
os aplicadores, diante de cada caso concreto, a continuar
classificando apenas como maus tratos (art. 136, do ),
condutas que se encontrariam tipicidade especfica na mesma
lei.
De
outro lado, no que tange s crianas e adolescentes, h a
dificuldade na comprovao das condutas tpicas diante da
lei do silncio que, de regra, impera nas famlias,
estas em geral sendo aquelas menos favorecidas. Resta aos
rgos de proteo previstos no ECA e ao Ministrio
Pblico a grande responsabilidade de detectar, apontar
e comprovar tais condutas, sob pena de se continuar
afirmando ser ineficaz a Lei de Tortura.
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