Matana
Oficial
Revista
poca Denuncia Grupo de Extermnio RN
Edio n 344,
20 de Dezembro de 2004 - Pgs. 36 a 39 a5p3x

Escndalo
no Judicirio e na Polcia do RN

REGALIAS
- Por determinao do juiz Carlos Adel (RN),
Jorge permanece preso numa delegacia, com direito a bebida
alcolica, mulheres e eios eventuais pela orla
de Natal.

CARREIRA - O subsecretrio Maurlio
Medeiros mantm Jorge nos quadros da polcia
potiguar apesar de o policial estar preso h nove
anos. Agora, Jorge quer se aposentar.

MATADOR - Jorge Abafador foi condenado a 47 anos de priso
por assassinatos
WALTER
NUNES
Eram
5 e meia da manh de um domingo de agosto de 2001
quando a juza da cidade baiana de Juazeiro Olga
Regina de Souza Santiago e seus dois filhos acordaram
com rajadas de balas perfurando as paredes, portas e janelas
de sua casa. Luz e telefones foram cortados e homens andavam
no telhado da residncia. Havia cerca de 50 policiais
bem armados empenhados na invaso. Para defender
Olga, apenas dois guardas municipais, cada um com um revlver,
que foram logo dominados e espancados na frente dos vizinhos
que assistiram a tudo. A empregada da juza tambm
apanhou, foi arrastada pelos cabelos e teve uma costela
quebrada. O plano, que segundo a magistrada foi arquitetado
pelo comando da polcia local, era mat-la
com a prpria arma, uma escopeta antiga dada por
seu av.
A
operao s no foi at
o fim porque, no momento em que os soldados se preparavam
para entrar no quarto, Olga ligou do celular para um desembargador
e denunciou aos berros a invaso. A juza
tirou fotos e filmou tudo. O Superior Tribunal federal,
a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e a Organizao
das Naes Unidas j pediram previdncias
sobre caso. At hoje ningum foi punido.
E, no que depender do Congresso Nacional, nunca ser.
Olga Regina vinha sendo perseguida porque no
fazia vista grossa aos excessos da polcia de Juazeiro.
Chegou a fechar uma delegacia onde havia materiais de
tortura e deu voz de priso a um policial que atirou
em um menino de rua. Por isso fez inimigos dentro da polcia
baiana.
O
caso da juza mostra a que ponto podem chegar os
grupos de matadores. Mas nem de longe o pior
que se pode encontrar entre outras histrias contadas
nas 943 pginas do relatrio final da Comisso
Parlamentar de Inqurito que investigou os grupos
de extermnio no Nordeste. O documento
uma minuciosa descrio de como agem essas
organizaes criminosas e quais so
suas ligaes com os poderes pblicos
locais. O mais surpreendente, no entanto, descobrir
que todo o trabalho da I pode ter o mesmo final das
vtimas descritas nas suas pginas: o extermnio.
H
60 dias a Comisso Parlamentar de Inqurito
est parada. O prazo para a finalizao
dos trabalhos estourou e os dois requerimentos pedindo
mais tempo I dormem sono profundo na mesa do
presidente da Cmara, Joo Paulo Cunha (PT).
No dia 26 de agosto o deputado Bosco Costa (PSDB-SE),
presidente da I, tentou colocar o texto final em votao,
mas o nmero de deputados presentes no
alcanava o mnimo necessrio para
votar o relatrio. H um processo de esvaziamento
da comisso comandado por parlamentares do PFL
que usam as prprias regras da Cmara para
adiar cada vez mais a deciso final da Comisso.
Se o pedido de prorrogao do prazo no
for aceito, um trabalho de dois anos, que custou aos cofres
pblicos cerca de R$ 120 mil e gerou uma pilha
de mais de 50 pastas de documentos, terminar como
se nunca tivesse existido – e casos como o da juza
Olga Regina voltaro ao esquecimento.
Para chegar s quase mil pginas do
relatrio final,deputados do baixo clero da Cmara
buscaram casos nos nove Estados do Nordeste brasileiro
e juntaram histrias de chacinas, torturas, assassinatos
por encomenda, mutilaes, ameaas
e perseguies a vtimas, na maioria
jovens pobres, polticos, sindicalistas, militantes
dos movimentos defensores dos direitos humanos e trabalhadores
rurais. H histrias de arrepiar.
Num
dos casos descritos no documento, ocorrido na Bahia, policiais
retiraram um adolescente de dentro de casa para execut-lo.
Ele s foi salvo porque sua me ligou para
um programa de rdio e denunciou “ao vivo”
a tentativa de execuo do filho. Em outro
episdio, tambm na Bahia, um adolescente
pobre chamado Daniel mata um policial militar numa briga.
Nos dias seguintes cinco meninos chamados Daniel ou parentes
prximos de algum chamado Daniel so
executados no mesmo bairro onde acontecera a morte do
policial.
Depois
da anlise dos fatos, a concluso do relatrio
chocante: os grupos de extermnio so
fruto da omisso, conivncia e prevaricao
das instituies oficiais. E justamente
por apontar o dedo para autoridades que hoje a comisso
tem dificuldade para colocar o relatrio em votao.
O relator da I, deputado Luiz Couto (PT-PB), diz que
desde que a I ou a chamar para depor pessoas em
altos cargos no poder pblico comeou a
haver resistncia ao trabalho. “A impresso
que d que querem que essa I d
em nada e que o clima de impunidade que h no pas
continue”, lamenta. Para investigar os grupos de
extermnio em Salvador e a perseguio
juza de Juazeiro o deputado tentou chamar
para depor o ex-governador baiano Csar Borges
e a ex-secretria de Segurana Pblica
do Estado Ktia Alves. As duas convocaes
foram rejeitadas por integrantes da I, que no
se interessam em saber como um peloto inteiro
da PM teve o descaramento de emboscar uma juza
federal na frente de toda a vizinhana. Nos bastidores
alguns deputados nordestinos tentam esvaziar a comisso.
A liderana do PFL, por exemplo, j usou
o regimento da Cmara para impedir que o prazo para
a votao do relatrio seja estendido.
a tentativa de exterminar a I.
O
relatrio final da comisso apoiado
por ONGs que atuam na defesa dos direitos humanos. Sandra
Carvalho, diretora da organizao brasileira
Justia Global, com escritrios nos Estados
Unidos e na Inglaterra e que dedica a abastecer organismos
internacionais com informaes sobre o Brasil,
considera o relatrio da I “um diagnstico
importante, que mostra que nos lugares em que existem
grupos de extermnio as instituies
so fracas e a democracia frgil”.
A Justia Global mandou documentos do relatrio
da I para a Organizao dos Estados Americanos,
que prepara um manifesto sobre a situao.
No
de hoje que o tema “grupos de extermnio”
chama a ateno de rgos
internacionais. Em setembro do ano ado a relatora
especial da ONU para casos de execues
sumrias, Asma Jahangir, visitou o Brasil e produziu
um texto em que se diz espantada com a quantidade de informaes
sobre violaes de direitos humanos perpetradas
por foras de segurana, em particular a
Polcia Militar.
A relatora da ONU no consegue
entender situaes como a de Jorge Luiz
Fernades, conhecido no Rio Grande do Norte como Jorge
Abafador. Preso desde 1995 e condenado a 47 anos de priso
por assassinados – em um deles matou a uma mulher
grvida -, Abafador cumpre pena numa delegacia
onde tem vrias regalias. Documentos da Corregedoria
e da Ouvidoria da Secretaria de Segurana do Estado
dizem que Abafador recebe mulheres, toma cerveja e liga
de seu celular para os amigos. Dentro de sua cela.O condenado
tambm sai e volta para a priso quando
quer. H a suspeita de que de 1995 at hoje
ele esteve envolvido em vrios atentados e assassinados
em Natal, mas, como est oficialmente preso, o
prprio Estado acaba virando seu libi.
Pela lei, Abafador j deveria estar cumprindo pena
em uma penitenciria, mas o juiz da Vara de Execues
Penais de Natal, Carlos Adel, no transfere o preso.
Jorge Abafador ganhou notoriedade quando entrou para a
polcia e ou a atuar sob o comando do delegado
Maurlio Pinto de Medeiros. Medeiros acusado
de ser o fundador do grupo de extermnio Meninos
de Ouro, formado por policiais. Segundo o Ministrio
Pblico do Rio Grande do Norte e a I, os Meninos
de Ouro promoviam chacinas nos bairros pobres de Natal
a pretexto de fazer o que chamavam de “limpeza social”.
Abafador era um dos meninos mais aplicados. Hoje Maurlio
Pinto de Medeiros o subsecretrio da Secretaria
de Segurana Pblica do Estado, rgo
responsvel por manter at hoje o condenado
Jorge Luiz Fernandes nos quadros da Polcia Civil.
O “policial” Abafador, alis, pleiteia
uma aposentadoria por invalidez. Fez recentemente exames
psiquitricos para mostrar que merecia o beneficio
e, fiel a seu estilo, ameaou de morte a equipe
mdica que o examinou.
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