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II.
Instrumento Internacionais
35.
O mandato do relator especial chama-o a levar em considerao o
trabalho j realizado no campo do direito alimentao atravs do
sistema das Naes Unidas (para. 11(b)). Uma rpida anlise acerca
da origem da norma , ento, necessria. O direito alimentao
foi essencialmente desenvolvido como um direito tratado; ele est
inserido principalmente nos dois Pactos Internacionais e foi refinado
pelo trabalho freqentemente hbil e criativo dos comits
estabelecidos pelos Estados para monitorar a implementao dos Pactos.
Entretanto, outros instrumentos internacionais e regionais tambm so
relevantes para nossa anlise.
A.
Direito humanitrio internacional
36.
O Direito humanitrio internacional precedeu os Pactos. fascinante
assistir ao nascimento de uma nova e original norma na conscincia
coletiva das Naes. A ICRC foi a primeira organizao a defender e
desenvolver sistematicamente o conceito de direito humanitrio: fundado
como conseqncia da Batalha de Solverino em 1859, ela hoje a
promotora e guardi desta lei. De um ponto de vista terico, uma meno
deveria tambm ser feita acerca da funo crucial desempenhada por
Fedor Fedorovich Martens, um filsofo de Direito e perito legal do
Governo russo na Conferncia Internacional da Paz realizada em The
Hague, em 1899, e seu assistente, Andre Mandelstam. A teoria deles
foi como segue: o direito humanitrio tem suas razes na conscincia
do mundo, tambm chamada conscincia pblica ou, mais
especificamente, conscincia de identidade, como definido por
Ludwig Feuerbach, o filsofo alemo que escreveu:
Conscincia
no seu sentido estrito existe apenas para um ser que tem como seu objeto
suas prprias espcies e sua prpria essncia. Ser dotado de conscincia
ser dotado de cincia (e, assim, de direito). Cincia a conscincia
das espcies. Entretanto, apenas um ser que tenha como seu objeto suas
prprias espcies, sua prpria essncia, est apto a tomar como seu
objeto, nos seus signficados essenciais, coisas e seres alm dele
mesmo.
Conscincia
de identidade a fundao do direito humanitrio. A primeira Conveno
de Gnova de 1864, colocada precocemente atravs da de
Henry Dunant, foi baseada no seguinte princpio: a vida de um homem
ferido deve ser salva; ele seu adversrio, mas ele tambm seu
companheiro, ele como voc; aos prisioneiros devem ser fornecidas gua
e comida. A conscincia do mundo, que advm da percepo
espontnea de identidade de todos os seres, requer isto.
38.
O Protocolo Adicional s Convenes de Gnova de 12 de agosto de
1949, e de acordo com a Proteo das Vtimas de Conflitos Armados No-Internacionais
(Protocolo II), estipula, no artigo 14:
Inanio
dos civis como um mtodo de combate proibido. , ento, proibido
atacar, destruir, remover ou tornar intil, para este propsito,
objetos indispensveis sobrevivncia da populao civil, como gneros
alimentcios, reas agrcolas para a produo de gneros alimentcios,
culturas, criao de animais, instalaes e abastecimento de gua
potvel e trabalhos de irrigao.
38.
O cerne do direito humanitrio internacional est contido nas quatro
Convenes de Gnova de 1949 e nos dois Protocolos Adicionais de
1977. Os mesmos princpios bsicos governam todos estes instrumentos:
operaes militares podem apenas ser realizadas contra alvos
militares, a desapropriao forada das populaes, que a causa
maior da fome, proibida; e todas as necessidades vitais da populao
civil, incluindo alimentao, obviamentente, devem ser encontradas em
todas as circunstncias.
B.
As Naes Unidas
39.
O desenvolvimento do direito alimentao deve agora ser considerado
atravs de uma anlise dos vrios instrumentos adotados dentro da
estrutura das Naes Unidas.
1.
Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
40.
Este instrumento internacional, que foi ratificado por 142 Estados, lida
com o direito alimentao mais compreensivamente que qualquer outro
tratado. No artigo 11, 1, os Estados-parte reconhecem o direito
de todos a um padro adequado de vida para si e sua famlia, incluindo
alimentao, vesturio e habitao adequados, e para a contnua
melhoria das condies de vida. No pargrafo 2 do mesmo artigo,
eles reconhecem que tais medidas podem ser necessrias para garantir
o direito fundamental de todos de estarem livres da fome. Os
Estados-parte devem tomar, individualmente e atravs de cooperao
internacional, as medidas, incluindo progamas especficos, que so
necessrios:
(a)
Para melhorar os mtodos de produo, conservao e
distribuio dos alimentos atravs da utilizao plena do
conhecimento tcnico e cientfico, atravs da disseminao do
conhecimento acerca dos princpios de nutrio e atravs do
desenvolvimento ou reforma dos sistemas agrrios de tal forma que se
alcance os mais eficientes desenvolvimento e utilizao de recursos.
(b)
Levando-se em conta os problemas de ambos os pases importadores
e exportadores de alimentos, para assegurar uma distribuio
equitativa dos suprimentos alimentcios mundiais com relao
necessidade.
41.
Como foi destacado no Comentrio Geral n. 12 pelo Comit dos
Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, o corpo responsvel pelo
monitoramento da implementao da Conveno, o direito humano a
alimentao adequada de crucial importncia para o gozo de todos
os direitos. Ele cabe a todos ... (HRI/GEN/1/Rer.
4, p. 57, para. 1). Ento, as palavras para si e sua famlia
no artigo 11, pargrafo 1, no implicam limitaes na aplicabilidade
deste direito no caso de indivduos ou no caso de familiares liderados
por uma mulher.
42.
O artigo 1 do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e
Culturais coloca adiante o direito das pessoas auto-determinao,
em virtude de que elas livremente determinem seu status
poltico e livremente busquem o seu desenvolvimento econmico, social
e cultural. Para este propsito, Todas as pessoas podem ... dispor
livremente de sua riqueza e recursos naturais e, conseqentemente,
Em caso algum uma pessoa pode ser privada de seus prprios meios de
subsistncia (para. 2).
2.
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos
43.
O direito vida est inserido no artigo 6 deste Pacto, que foi
ratificado por 145 Estados. O Comit de Direitos Humanos, o rgo
responsvel pelo monitoramento da implementao do Pacto, insiste que
este direito no deve ser intrepretado de um modo . Pelo contrrio,
a proteo requerida pelo direito vida obriga os Estados-parte a
realizar os positivos em, no mnimo, duas reas, que vo muito alm
da dimenso individual deste direito. No seu Comentrio Geral n.
6, no artigo 6, o Comit considera que os Estados tm o dever
supremo de prevenir guerras, atos de genocdio e outros atos de grande
violncia que causam perda de vidas arbitrariamente (HRI/GEN/1/Rev.
4, p. 85, para. 2). Os Estados-parte so chamados a realizar os
positivos para reduzir a mortalidade infantil e para aumentar a
expectativa de vida, especialmente adotando medidas para eliminar a
subnutrio e epidemias (ibid., p. 86, para. 5).
3.
Declarao Universal para a Erradicao da Fome e Subnutrio
44.
A primeira Conferncia Mundial da Alimentao foi sediada em Roma, em
novembro de 1974; em 16 de novembro, ela adotou a declarao,
em que ela solenemente declara que:
1.
Todo homem, mulher e criana tem o direito alienvel de estar livre da
fome e da subnutrio, para que se desenvolva plenamente e mantenha
suas faculdades fsicas e mentais. A sociedade hoje j possui recursos
suficientes, capacidade de organizao e tecnologia e, portanto, a
competncia para alcanar este objetivo. Dessa forma, a erradicao
da fome um objetivo comum de todos os pases da comunidade
internacional, especialmente dos pases desenvolvidos e de outros que
estejam em posio de ajudar.
45.
A Declarao continua a dizer que uma responsabilidade fundamental
dos Governos para
trabalhar juntos para aumentar a produo de alimentos e para uma
distribuio mais equitativa e eficiente dos alimentos entre os pases
e dentro dos pases (para. 2). Alm disso, deve ser dada prioridade
ao combate da subnutrio crnica e doenas incapacitantes entre
os grupos vulnerveis e de baixa renda (para. 2). Em suma, Como
de responsabilidade comum de toda a comunidade internacional
assegurar a disponibilidade por todo tempo de suprimentos mundiais
adequados de gneros alimentcios bsicos, atravs das reservas
apropriadas, incluindo reservas emergenciais, todos os pases devem
cooperar no estabelecimento de um sistema efetivo de segurana mundial
contra a fome ... (para.12).
4.
Instrumentos Temticos
46.
Com relao ao tratado baseado e ao direito temtico internacional, a
ateno devida a:
(a)
A proibio de discriminao racial no gozo dos direitos, inter
alia, econmicos, sociais e culturais;
(b)
A proibio de discriminao contra mulheres no gozo destes
direitos;
(c)
A proibio de atos de genocdio infligindo
deliberadamente ao grupo condies de vida calculadas de forma a
trazer-lhes destruio fsica no todo ou em parte;
(d)
A proibio de crimes de apartheid cometidos com o propsito de estabelecer e manter a
dominao de um grupo racial de pessoas sobre qualquer outro grupo
racial de pessoas e oprimindo-os sistematicamente, incluindo a
imposio deliberada sobre um grupo racial ou grupos que vivam em
condies calculadas de forma a causar a sua destruio fsica no
todo ou em parte ou tomando quaisquer medidas legislativas e
outras medidas calculadas de forma a prevenir um grupo racial ou grupos
de participar na vida ... econmica ... do pas e a criao
deliberada de condies de preveno o pleno desenvolvimento de tal
grupo ou tais grupos...
5.
Conveno dos Direitos da Criana
47.
Para se implementar este instrumento, que foi ratificado por no menos
de 191 Estados-parte deve-se:
(a)
Tomar medidas apropriadas no combate de doenas e subnutrio,
inclusive provendo alimentao nutritiva e gua potvel (art. 24 (2)
(c));
(b)
Assegurar que pais e crianas sejam informadas acerca da sade
e nutrio infantil, as vantagens da amamentao, higiene e
saneamento do meio ambiente (art.24 (2) (e));
(c)
Reconhecer o direito de toda criana a um padro de vida
adequado ao desenvolvimento fsico infantil (art. 27 (4)) e,
providenciando assistncia material com relao nutrio (art.27
(3));
(d)
Assegurar a recuperao da manuteno para a criana atravs
dos pais ou outras pessoas que tenham responsabilidade financeira pela
criana (art.27 (4)); e
(e)
Proteger a criana contra a explorao econmica e contra a
realizao de qualquer trabalho que possa ser arriscado ou que possa
interferir na educao da criana, ou que seja prejudicial sade
ou desenvolvimento da criana (art. 32 (1)).
6.
Conveno Internacional na Proteo dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famlias
48.
Este instrumento foi adotado em 1990, mas no revestiu-se ainda de fora,
j que ele foi ratificado por apenas 10 Estados. Ele reconhece
tratamento igualitrio para trabalhadores nativos e migrantes e suas
famlias com relao ao gozo dos direitos econmicos, sociais e
culturais; particularmente, ele estabelece o direito dos trabalhadores
migrantes de transferir seus ganhos e economias, em particular
aqueles fundos necessrios ao sustento de suas famlias, do Estado
onde esto empregados para o seu Estado de origem ou qualquer outro
Estado (art. 47 (1)).
7.
Convenes da OIT
49.
Vrias convenes protegem indiretamente o direito alimentao
adequada, em que elas provejam um sistema de salrios mnimos,
segurana e bem-estar sociais,
o banimento de trabalho forado,
os direitos das pessoas indgenas,
e uma idade mnima em que as crianas possam ser empregadas.
C.
Tratado Regional de Direito
50.
Ao lado do tratado internacional de direito, desenvolvido principalmente
dentro da estrutura das Naes Unidas, existe ainda um tratado
regional de direito. A ateno aqui dada a dois instrumentos. O
primeiro o Protocolo Adicional Conveno Americana de Direitos
Humanos na rea dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (o
Protocolo de So Salvador) de 1988, que foi ratificado por 11
Estados. O artigo 12 do Protocolo estipula que: Todos tm direito a
adequada nutrio que garanta possibilidade de gozar do maior nvel
de desenvolvimento fsico, emocional e intelectual. O segundo
instrumento a Carta Social Europia, revisada em 1996. No artigo 4
(1), a Carta reconhece o direito dos trabalhadores a uma remunerao
tal que proveja a eles e a suas famlias um decente padro de vida.
51.
Sintetizando o captulo II, pode ser dito que o direito alimentao
adequada um direito humano reconhecido em termos gerais na estrutura
de ambos os tratados internacionais, universal e regional de direito.
Algumas vezes ele abrangido pelo direito mais genrico a um padro
de vida adequado. Expressado mais indiretamente, ele se torna o direito
de estar livre da fome, um direito que deve ser gozado a todo
tempo. Em um nvel coletivo, o direito das pessoas auto-determinao
e ao livre uso de seus recursos naturais, e o e internacional dos
pases ricos para os pases mais pobres so igualmente essenciais
para a efetivao do direito alimentao.
Ludwig Feuerbach, Manifestes philosophiques, traduzido em francs
por Louis Alth, Paris, Presses universitaires de , 1960,
pp. 57-58.
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