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I Definio e Histria do
Direito Alimentao
1.
Como o direito alimentao definido? Existem inmeras
respostas a essa pergunta, com pequenas variaes, incluindo a definio
derivada do Acordo Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e
Culturais (O Acordo) e do Comentrio Geral n
12 adotado em Maio de 1999 pelo Comit dos Direitos Econmicos, Sociais e
Culturais, rgo responsvel pelo monitoramento da implementao do
Acordo.
A definio usada neste relatrio a seguinte: o direito
alimentao o direito de ter um o regular, permanente e livre
tanto diretamente ou por meios de compras financiadas, alimentao
suficiente e adequada tanto quantitativamente como qualitativamente,
correspondendo s tradies culturais das pessoas a quem o consumo
pertence, e que assegura uma realizao fsica e mental, individual e
coletiva, de uma vida digna e livre de medo.
2.
A conseqncia do direito alimentao a segurana
alimentar. Esta a definio dada no primeiro pargrafo do Plano de
Ao da Cpula de Alimentao Mundial: Segurana alimentar
existe quando todas as pessoas, em qualquer momento, tm o fsico
e econmico alimentao suficiente, segura e nutritiva, que v de
encontro a sua necessidade e preferncias alimentares para uma vida
saudvel e ativa. Os parmetros para segurana alimentar variam
com a idade: ao nascer, bebs precisam de 300 calorias por dia; entre a
idade de 1 a 2, 1000 calorias por dia; na idade de 5, as crianas
precisam de 1.600 calorias dirias. Para manter sua fora todos os
dias, os adultos precisam entre 2.000 e 2.7000 calorias, dependendo de
onde moram e que tipo de trabalho eles fazem.
3.
Uma distino deveria ser desenhada entre dois conceitos: Fome
ou desnutrio de um lado, e m nutrio do outro. Fome ou desnutrio
se referem a um insuficiente fornecimento, ou, no pior, uma completa
falta de calorias. M nutrio, por outro lado, caracterizada pela
falta ou escassez, na alimentao que de outra maneira, proporciona
calorias suficientes, de micronutrientes principalmente vitaminas
(molculas orgnicas) e minerais (molculas inorgnicas). Estes
micronutrientes so vitais ao funcionamento das clulas e
especialmente do sistema nervoso. Uma criana pode estar recebendo
calorias suficientes mas se falta micronutrientes, ela ir sofrer de
crescimento retardado, infeces e outras incapacidades.
O que o Fundo das Naes Unidas para a Criana (UNICEF) chama de
fome escondida desnutrio e/ou m nutrio entre o
nascimento e os cinco anos, que tem efeitos desastrosos: uma criana
sofrendo de desnutrio e/ou m nutrio nos primeiros anos de vida
nunca se recuperar. Ele no pode alcanar no futuro, e estar
incapaz para a vida.
4.
O conceito de direito alimentao construdo de
diferentes componentes. O primeiro deles a noo de alimentao
adequada, como estabelecido no artigo 11, pargrafos 1 e 2 do
Acordo. No seu Comentrio Geral n12,
o Comit dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais d a seguinte
definio:
O
direito alimentao adequada alcanado quando todos os homens,
mulheres e crianas, sozinhos ou em comunidade com outros, [tm]
o fsico e econmico em todos os momentos a alimentao
adequada ou meios para sua obteno. O direito alimentao
adequada deve, portanto, no ser interpretado em um estreito ou
senso no qual o equipara com um pacote mnimo de calorias,
protenas e outros nutrientes especficos. O direito alimentao
adequada ter de ser realizado progressivamente. De qualquer modo,
os Estados tm uma obrigao central de tomar aes necessrias de
atenuar e aliviar a fome....at em tempos de desastres naturais ou
outros (HRI/GEN/1/Rev.4, p.58, para.6).
5.
Dois outros componentes do conceito de direito alimentao so
as noes de adequao e sustentabilidade:
O
conceito de adequao... serve para sublinhar um nmero de
fatores que devem ser levados em considerao na determinao se
alimentos particulares ou dietas que so veis podem ser
considerados os mais apropriados sob as circunstncias dadas...A noo
de sustentabilidade est intrinsecamente ligada noo de
alimentao adequada e segurana alimentar, implicando que a
alimentao seja vel tanto agora como para as geraes
futuras. O significado preciso de adequao para um grande
alcance, determinado por principalmente condies sociais, econmicas,
culturais, climticas, ecolgicas entre outras, enquanto
sustentabilidade incorpora a noo de disponibilidade e
ibilidade a longo prazo. (ibid., para. 7)
6.
Um componente adicional a noo de dieta:
Necessidades da dieta implica que a dieta como um todo contm
uma mistura de nutrientes para um crescimento fsico e mental,
desenvolvimento e manuteno, e atividade fsica que esto em
conformidade com as necessidades humanas psicolgicas em todos os estgios
atravs do ciclo vital e de acordo com o gnero e a ocupao (ibid.,
p.59, para.9)
7.
De acordo com a definio do conceito de direito alimentao,
todos tm o direito alimentao correspondente a sua cultura
particular:
Aceitao
cultural ou do consumo implica em uma necessidade que tambm deve
se considerar...percebidos os valores no baseados em nutrientes,
fixados alimentao e matria do consumo alimentar considerando
a natureza do fornecimento da alimentao vel (ibid., p.59,
para.11)
8.
Finalmente, existe o componente de ibilidade:
ibilidade
econmica implica que custos pessoais ou domsticos associados com a
aquisio de comida para uma dieta adequada deveriam estar a um nvel
que o alcance e a satisfao de outras necessidades bsicas no
sejam ameaadas. ibilidade econmica se aplica a qualquer modelo
de aquisio ou titularidade atravs da qual pessoas obtenham sua
alimentao e uma medida do alcance para o qual satisfatrio
o gozo do direito alimentao (ibid., para.13)
9.
Na histria das idias, duas coisas so vitais: a verdade de
um conceito e a escolha do momento. Como
pode a verdade de um conceito ser definido? Um conceito uma
unidade compreensvel de uma pluralidade perceptvel. A verdade de um
conceito pode, portanto, ser medido por sua maior e melhor possvel
apropriao ao seu assunto. O problema do tempo certo, por outro
lado, mais complicado.
10.
Kairos
uma palavra chave na clssica filosofia grega. Ela significa o
tempo certo o tempo propcio quando uma idia uma proposio
tem uma tendncia a ser aceita pela conscincia coletiva. Existe
um mistrio inexplicvel na histria das idias: uma idia pode ser
certa e verdadeira por geraes, s vezes, sculos, sem impressionar
o debate pblico ou tomar forma em um movimento social, em outras
palavras na conscincia coletiva. A idia continua inaceitvel at
aquele momento misterioso
que os Gregos chamam kairos.
11.
At onde o direito alimentao diz respeito, o tempo
certo veio em Novembro de 1996 em Roma, na Cpula da Alimentao
Mundial organizada pela FAO. De qualquer modo, o direito alimentao
tem sido considerado um direito humano desde 1948, quando ele apareceu
no pargrafo 1 do artigo 25 da Declarao Universal dos Direitos
Humanos nestes termos:
Todos
tm o direito a um padro de vida adequado sade e ao bem-estar prprio
e de sua famlia, incluindo alimentao, vesturio, habitao,
cuidados mdicos e servios sociais necessrios, o direito segurana
em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice e outros
casos de perda dos meios de subsistncia em circunstncias fora de seu
controle.
A
Declarao Universal data de 1948; O Comit da Alimentao Mundial,
de 1996. Ento, ele levou quase meio sculo para produzir o primeiro
plano de ao coerente intencionado a fazer
do direito alimentao, uma realidade. Um caso similar a
Conveno das Naes Unidas para Preveno e Punio do crime de
Genocdio, que data de 1948, enquanto o Estatuto de Roma da Corte
Internacional Criminal responsvel por faz-la cumprir, foi adotada em
1998.
12.
Em 13 de Novembro de 1996, A Cpula da Alimentao Mundial
adotou a Declarao de Roma sobre a Segurana Alimentar, no qual os
participantes da Cpula se comprometeram a implementar, monitorar e
acompanhar o Plano de Ao da Cpula em todos os nveis, em cooperao
com a comunidade internacional (Compromisso Sete). Para este fim, os
cinco objetivos seguintes foram definidos:
Objetivo
7.1: Adotar aes dentro da estrutura nacional de cada pas para
aumentar a segurana alimentar e proporcionar a implementao dos
compromissos do Plano de Ao da Cpula da Alimentao Mundial
Objetivo
7.2: Melhorar a cooperao
subregional, regional e internacional e mobilizar e otimizar o uso de
recursos disponveis para apoiar esforos
nacionais para o alcance mais cedo possvel da segurana da
manuteno mundial da alimentao
Objetivo
7.3: Monitorar ativamente a implementao do Plano de Ao da Cpula
da Alimentao Mundial
Objetivo
7.4: Deixar claro o contedo do direito alimentao adequada e o
direito fundamental de todos de serem livres da fome, como determinado
pelo Acordo Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
e outros instrumentos regionais e internacionais relevantes, e dar
particular ateno implementao e realizao completa e
progressiva deste direito como um meio de alcanar a segurana
alimentar para todos.
Objetivo
7.5: Compartilhar responsabilidades no alcance da segurana alimentar
para todos, para que a implementao do Plano de Ao da Cpula da
Alimentao Mundial acontea ao nvel mais baixo no qual seu propsito
poderia ser melhor alcanado.
A
nova Cpula para considerar e avaliar o progresso feito ser realizada
em Roma, em Novembro de 2001.
13.
Todos os seres humanos, sem distino de sexo, idade, status
social ou origem tnica ou religiosa tm o direito alimentao. A
existncia deste direito faz surgir obrigaes dos Estados. Asbjrn
Eide, em seu excepcional relatrio
sobre o direito alimentao
estabeleceu trs principais obrigaes que podem ser citadas como
segue: respeitar, proteger e realizar o direito alimentao.
Respeito 81z1j
14.
Um Estado que respeita o direito alimentao das pessoas que
moram em seu territrio deveria assegurar que todo indivduo tenha
o permanente em todos os momentos alimentao suficiente e
adequada, e deveria abster-se de tomar medidas sujeitas a impedir algum
a tal o. Um exemplo de uma prtica que viola este direito
quando um Governo em guerra com uma parte de sua prpria populao
impede a parte da populao que ele v como hostil ao o
alimentao. Um outro exemplo da no-observncia do direito
alimentao por um Governo, descrito pelo Relator Especial da situao
dos direitos humanos no Sudo, a tragdia
de Bar-el-Ghaza, onde milhares de pessoas morreram de fome em
1998. A milcia Muraheleen mantida pelo Governo em Khartoum perseguiu
uma estratgia de contra-ataque caracterizada (de acordo com o relator
Especial) pelas seguintes violaes dos direitos humanos: saque de gros,
seqestro de mulheres e crianas como danos de guerra, incndio de
colheitas e casas, morte de civis e roubo de rebanhos. O Relator
Especial volta concluso de um trabalho de uma ONG na regio em que
mas para esses abusos dos direitos humanos, no teria existido fome
no Sudo em 1998 (E/CN.4/1999/38/Add.1, paras. 49 e 50). O caso
citado uma clara violao da obrigao de respeitar o direito
alimentao.
Proteo p2f27
15.
A segunda obrigao que os Estados devem ter proteger o
direito alimentao. Sob esta obrigao, eles devem assegurar que
indivduos e empresas no privem as pessoas de o permanente a
alimentao adequada e suficiente. O Representante Permanente da Algria
para o Escritrio das Naes Unidas em Genebra, e o Presidente do
Grupo de Trabalho do Direito ao Desenvolvimento, mantm que o direito
alimentao o que poderia ser designado como um direito
matriz, ele uma matriz para outros direitos como o
direito ao desenvolvimento. Na maioria dos casos, o
o alimentao uma questo de ter condies financeiras,
portanto, renda. Esta segunda obrigao, impe um nmero de deveres
para o Estado, tais como o dever de promover a produo, redistribuir
impostos e promover a segurana social alm de combater a corrupo.
16.
A questo da
Reforma Agrria particularmente importante a este respeito. Muitos
movimentos sociais ao redor do mundo esto, freqentemente, fazendo
campanhas para forar seus Governos a cumprir esta Segunda obrigao.
Um deles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no
Brasil, um pas onde 1 por cento dos proprietrios de terra possuem 46
por cento de todas as terras e onde 4,5 milhes de famlias camponesas
no tm nenhuma terra. De acordo com o Secretrio Geral da UNCTAD,
Sr. Rubens Ricupero, no se tem feito nenhuma reforma agrria
apropriada no Brasil desde a colonizao portuguesa no sculo
dezesseis.
O MST, que foi fundado em 1984, pacificamente, reivindica e ocupa terras
arveis que no esto sendo cultivadas. Desde 1984, ele tem
reivindicado mais de 8 milhes de hectares de terras no cultivadas e
instalado mais de 300.000 pessoas nelas. Suas cooperativas de produo
e marketing so independentes e proporcionam escola para crianas e
adultos, empregando 1.000 professores. O MST est fazendo campanha para
persuadir o Governo Brasileiro a proteger o direito alimentao.
Realizao 122j21
17.
A terceira obrigao do Estado satisfazer
o direito alimentao. O Comentrio Geral n
12 sintetiza esta obrigao assim:
Sempre
que um indivduo ou um grupo incapaz por razes fora de seu
controle, de gozar do direito alimentao adequada pelos meios de
sua disposio, os Estados tm a obrigao de satisfazer (proporcionar)
[o direito a alimentao] diretamente (HRI/GEN/1/Rev.4, p. 60,
para. 15).
Um
apelo de um Estado para um auxlio humanitrio internacional, quando
ele prprio incapaz de garantir o direito alimentao da populao,
surge sobre esta terceira obrigao. Estados que, atravs de negligncia
ou orgulho nacional perdido, no fazem nenhum apelo ou
propositadamente, atrasam em faz-lo (como no caso da Etipia sob a
ditadura de Haile Menguistu no comeo dos anos 80) esto violando esta
obrigao. Para tomar outro exemplo, uma terrvel fome estava
devastando a Repblica Democrtica da Coria no incio dos anos 90:
WFP e vrias ONGs fizeram um grande esforo l, especialmente aps
1995, mas ele gradualmente se tornou claro e a maioria dos auxlios
internacionais estavam sendo desviados pelo exrcito, os servios
secretos e o Governo. A ONG Ao contra a Fome parou sua ajuda naquele
momento devido a dificuldade ao o s vtimas da fome.
31.
As trs obrigaes colocadas aos Estados por virtude da existncia
do direito alimentao tambm se aplicam s organizaes
intergovernamentais, particularmente, s Naes Unidas. Pode existir
uma pequena dvida em que o Conselho de Segurana, ao submeter as
pessoas iraquianas a um embargo econmico cruel desde 1991, est
claramente violando sua obrigao de respeitar o direito alimentao
das pessoas no Iraque. Esta a opinio de, entre outros, Denis
Halliday, um antigo Secretrio Geral Auxiliar das Naes Unidas e
antigo Coordenador Humanitrio para o Iraque,
e do Sr. Marc Bossuyt, em seu trabalho sobre as conseqncias adversas
das sanes econmicas na satisfao dos direitos humanos,
submetido Subcomisso da Promoo e Proteo dos Direitos
Humanos em 2000 (E/CN.4/Sub.2/2000/33, paras.59-73)
32.
razovel acreditar que o direito alimentao inclui no
apenas o direito ao alimento slido, mas tambm o direito nutrio
lquida e gua potvel. Alm disso, o termo alimentao no
definido em sentido em nenhum dos textos citados (resolues,
tratados, etc.). Poderia ele se referir apenas a alimento slido?
Alimentao deveria tambm incluir nutrio lquida ou quase lquida
e etc? A questo absurda de qualquer forma. bvio que o direito
alimentao deve incluir o direito substancial gua potvel.
33.
Como alimento slido, gua potvel est em pouca reserva para
as centenas de milhes de pessoas do mundo. Para mencionar algumas
estatsticas: mais de um bilho de pessoas no mundo no tm o
ao moderno sistema de abastecimento de gua; 2,4 bilhes de pessoas no
tm sistema de saneamento bsico; 4 bilhes de casos de diarria so
registrados a cada ano no mundo, 2,2 milhes dos quais so fatais, na
maioria em crianas. Richard Jolly, Presidente do Conselho Colaborador
do Saneamento e Abastecimento de gua (WSSCC), tem estimado que o custo
de proporcionar a todas as pessoas o o gua potvel que vai de
encontro s necessidades da sade pblica, a partir do ano de 2015,
ser de US$10 bilhes por ano; isto equivalente ao montante gasto
em sorvetes todo ano pelos europeus ou o que as pessoas dos Estados
Unidos gastam alimentando seus bichos de estimao.
34.
A Comisso de Direitos Humanos no d uma definio restrita
do termo alimentao em nenhum lugar da sua resoluo 2000/10,
incluindo o pargrafo 11. Como ele no coloca sua prpria definio,
ns devemos assumir o termo usado no seu encontro usual,
que no faz distino clara entre alimentao slida, lquida,
semi-slida ou semi-lquida. Como a Subcomisso tem j recomendado
um encontro com o relator especial no direito gua potvel e
saneamento,
ele deveria estender o mandato do Relator Especial ao direito
alimentao e aos aspectos nutricionais da gua potvel.
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