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Emprego
e Renda: Os Direitos Igualdade das Mulheres Trabalhadoras no Brasil
Solange
Sanches, Coordenadora de Pesquisa, DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos)
A implementao dos
direitos humanos, tal como definidos na Declarao Universal, pode ser
compreendida sob dois aspectos. Um aspecto, fundamental, a palavra, o
enunciado desses direitos: todas as pessoas so iguais e tem direito
vida, ao trabalho, a uma justa remunerao e proteo da
sociedade.
O segundo aspecto,
igualmente crucial, o entendimento, ou seja, a situao em que
esses enunciados encontram-se inscritos no ser, no construir e no viver
das sociedades que a eles se associam.
No Brasil, os
enunciados de direito encontram-se formalmente em vigor. No entanto,
nada mais longnquo do cotidiano do que o viver esses direitos. A distncia
tanto maior quanto mais nos aproximamos do ser pobre, trabalhador,
mulher ou negro neste pas. Particularmente distante para as mulheres
trabalhadoras, muitas negras, em sua maioria, pobres.
Na circunstncia em
que os direitos existem, mas a realidade encontra-se distante de seu
cumprimento, necessrio construir, descobrir ou redescobrir
argumentos para contribuir com sua implementao.
Por isso, importante
relembrar alguns artigos da Declarao Universal dos Direitos da
Pessoa Humana, aprovada pela Assemblia Geral das Naes Unidas, em
1948.
Artigo 23
1 Toda pessoa tem o
direito ao trabalho, livre escolha de emprego, justas e favorveis
condies de trabalho e proteo contra o desemprego.
2 Toda pessoa, sem
qualquer discriminao, tem o direito igual pagamento para trabalho
igual.
3 Todos os que
trabalham tem direito justa e favorvel remunerao que garanta a
si e sua famlia uma existncia condizente com a dignidade humana, e
suplementada, se necessrio, por outros meios de proteo social.
(...)
Artigo 25
1 Toda pessoa tem
direito a um padro de vida adequado para a sade e bem estar de si
mesmo e de sua famlia, incluindo alimentao, vesturio, habitao
e assistncia mdica e os servios sociais necessrios, e o direito
proteo em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice
ou outra carncia de sustento em circunstncias fora de seu controle.
A justificativa destes
direitos encontra-se na prpria Declarao:
Artigo 1: Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Artigo 3: Toda pessoa
tem direito vida, liberdade e segurana pessoal.
Artigo 5: Ningum ser
submetido tortura ou punio ou tratamento cruel, desumano e
degradante.
Portanto, o direito ao
trabalho, a uma justa remunerao e condies de vida adequadas,
sem distines de qualquer espcie, so direitos condio de
realizao da pessoa humana, da forma como lhe aprouver.
A situao das
mulheres trabalhadoras no pas mostra que estes direitos tm sido
violados. As condies de vida e trabalho das mulheres brasileiras
podem ser avaliadas atravs de dois indicadores bsicos: o o ao
emprego e a remunerao. Ambos so indicadores tanto de qualidade de
vida, como das condies de igualdade. E, para as mulheres no Brasil,
ambos demonstram a persistncia de um ambiente de ms condies de
vida e de desigualdade.
O emprego no
somente um direito, mas a forma por excelncia da insero social e
de garantia de condies dignas de sobrevivncia. atravs de sua
insero produtiva que os indivduos obtm no apenas os recursos,
mas fundamentalmente o seu reconhecimento como cidados e suas
possibilidades de realizao enquanto pessoas. A privao do emprego
um ataque frontal aos direitos humanos.
Os anos noventa foram
marcados por altas taxas de desemprego, decorrentes de mltiplos
fatores: polticas econmicas recessivas, reconverso tecnolgica,
crises internacionais. O elevado desemprego atingiu todos os
trabalhadores, mas se distribuiu de forma diferenciada, atingindo mais
as mulheres e, especialmente, as mulheres negras.
Em toda a dcada, as
taxas de desemprego foram mais altas para as mulheres nos perodos em
que a atividade econmica mostrou resultados mais favorveis e nos
momentos mais crticos. O trabalho da mulher permanece sendo
considerado como mais facilmente descartvel e socialmente menos necessrio,
tanto no interior das empresas como no sustento das famlias. Para as
mulheres, as taxas de desemprego atingiram o pice de 21,9%, em 1999,
na regio metropolitana de So Paulo, segundo dados da PED
Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada pelo convnio DIEESE/SEADE
e MTB/FAT.
Mesmo nos momentos de
retomada das contrataes, a taxa de desemprego das mulheres reage com
menor intensidade do que a dos homens. Essa a situao no ano 2000,
quando a melhoria do mercado de trabalho faz recuar o desemprego
masculino em 13,3%, mas o feminino diminui apenas 3,7%, na rea
metropolitana de So Paulo.
A mesma pesquisa mostra
dados semelhantes para cinco outras regies onde tambm realizada.
Em todas, o desemprego das mulheres mais elevado, mostrando que, no
conjunto do pas, a situao de desigualdade semelhante. Mais
ainda, revela que a situao de discriminao em relao s
mulheres se mantm, em que pesem alguns avanos obtidos na busca pela
eqidade.
TABELA 1 Taxas de
Desemprego, segundo sexo
Regio Metropolitana
de So Paulo 1989-1998 (em %)
Fonte: DIEESE/SEADE e
MTB/FAT. PED - Pesquisa de emprego e desemprego
TABELA 2 Taxas de
desemprego, segundo sexo
Brasil Regies
Metropolitanas 1999-2000 (em %)
As mulheres negras so,
de longe, as mais afetadas pelo desemprego, mostrando as conseqncias
danosas da combinao de dois preconceitos: o de sexo e de cor. As
taxas de desemprego entre as mulheres negras so mais de 11 pontos
superiores s taxas verificadas para os homens no-negros na regio
metropolitana de So Paulo nos anos de 1998 e 2000. Mesmo na comparao
com as mulheres no-negras, o desemprego das mulheres negras ultraa
esta taxa em quase seis pontos percentuais.
A persistncia de
taxas mais elevadas para as mulheres, qualquer seja sua cor, demonstra
que se trata de um fato estrutural, que no decorre de situaes atpicas.
Portanto, resistente mudanas na conjuntura econmica e mesmo no
ordenamento legal. Trata-se de um dado constitutivo da realidade
brasileira.
Tabela 3 Taxas de
Desemprego, por sexo segundo raa
Regio Metropolitana
de So Paulo 1998/2000
(em %)
Fonte: DIEESE/SEADE,
MTB/FAT e entidades regionais. PED Pesquisa de Emprego e
Desemprego
Obs.: Negros: inclui
pretos e pardos; no-negros: brancos e amarelos
Se a privao do
emprego acarreta conseqncias danosas, nem por isso o estar ocupada
ou empregada muda radicalmente a situao de desigualdade das
mulheres. A remunerao mdia das mulheres brasileiras situa-se em
torno de 60% da auferida pelos homens, embora venha apresentando uma
lenta diminuio das diferenas. A desigualdade na remunerao
persiste mesmo consideradas variveis como funes e cargos ocupados,
tempo de permanncia no emprego e mesmo escolaridade. Embora a
escolaridade entre as mulheres venha crescendo em ritmo mais acelerado
do que entre os homens, o crescimento da remunerao feminina nem de
longe acompanha esta conquista. Ou, dito de maneira mais direta, a
escolaridade segue tendo maior valor para os homens no mercado de
trabalho.
TABELA 4 Rendimento
mdio real anual dos
ocupados no trabalho principal, segundo sexo
Brasil - Regies
metropolitanas 1999-2000
(em R$ de janeiro/2001)
Fonte: DIEESE/SEADE,
MTB/FAT e instituies regionais. PED Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaborao: DIEESE.
Apud: BOLETIM DIEESE. Edio especial, maro 2001
Nota: (1) No Distrito
Federal, valores em reais de dezembro de 2000.
A remunerao das
mulheres pode ser considerada um dos indicadores mais veementes da
desigualdade social brasileira. Rendimentos inferiores para trabalho
igual j significam desrespeito aos direitos humanos em si, o que j
seria bastante grave. Ocorre que tambm contribuem de forma decisiva
para a situao de pobreza e de ms condies de vida de milhares
de famlias no pas.
No Brasil, j so
cerca de 26% as famlias chefiadas por mulheres, negras e no negras,
segundo dados de 1999 da PNAD Pesquisa Nacional de Amostra por Domiclios,
realizada pelo IBGE. Esta tambm uma proporo crescente na
realidade social brasileira. No incio da dcada de noventa, as
mulheres chefes de famlia estavam ao redor dos 20%. Alm disso, no
possvel hoje considerar, dada a perda de poder aquisitivo da populao
e o crescimento da participao das mulheres na atividade econmica,
que seus rendimentos no sejam responsveis, em grande medida, pelo
sustento das famlias, mesmo nos lares em que vrias pessoas concorrem
para a formao da renda familiar.
Os rendimentos das
mulheres negras, mais uma vez, ultraam todos os parmetros da
desigualdade. Na regio metropolitana de So Paulo, recebem apenas um
tero, em mdia, do que pago aos homens no-negros.
Na hiptese de uma famlia
mdia, com 4 pessoas, pode-se inferir que os rendimentos per
capita nesses lares esto entre R$ 103,00 a
R$ 191,25, no conjunto.
Tabela 5 Rendimento
mdio real mensal, segundo sexo e raa
Regio Metropolitana
de So Paulo 2000
(em R$ de novembro de
2000)
Fonte:
DIEESE/SEADE, MTB/FAT e entidades regionais. PED Pesquisa de Emprego
e Desemprego
Obs.: Negros: inclui
pretos e pardos; no-negros: brancos e amarelos
Desta forma, a situao
das mulheres trabalhadoras no pas expressa uma situao estrutural
de desigualdade, combinando discriminaes em relao a sexo e
cor e constituindo, assim, um dos pilares da enorme dvida social no pas,
em flagrante violao aos direitos humanos.
Bibliografia
CUT / CGT / Fora
Sindical / DIEESE. Mapa das Questes
de Gnero: perspectivas para a ao sindical frente s
transformaes no mundo do trabalho.
So Paulo, 1999.
DIEESE.
Anurio dos Trabalhadores
2000-2001. So Paulo:
DIEESE, 2001. 5a ed.
______.
8 de Maro de 2001 Dia Internacional da Mulher.
DIEESE: So Paulo (BOLETIM DIEESE, edio especial, maro de
2001)
______.
20 de novembro Dia Nacional da Conscincia Negra.
DIEESE: So Paulo (BOLETIM DIEESE, edio especial, novembro
de 2000)
INSPIR/DIEESE/Solidarity
Center AFL-CIO. Mapa da
Populao Negra no Mercado de Trabalho no Brasil.
So Paulo: INSPIR/SolidarityCenter AFL-CIO, 1998.
SEADE.
Insero das Mulheres Negras no Mercado de Trabalho da Regio
Metropolitana de So Paulo. So
Paulo: SEADE/SERT/Conselho Estadual da Condio Feminina/DIEESE/CIDA-ACDI,
2001. (Mulher &
Trabalho, n.4, junho/2001)
triste pensarmos que
temos que construir leis que probam a discriminao, quando na
verdade deveramos ter um Estado que garantisse apenas a aplicao da
Constituio ou que gerasse polticas publicas inclusivas. difcil
perceber que temos uma escola que ainda educa para o preconceito; um
mercado de trabalho que no absorve as travestis ou transexuais; uma
sociedade que ainda mata homossexuais com o apoio do discurso de muitas
igrejas, gerado a partir da intolerncia introjetada. Mas isso no nos
imobiliza mais!
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