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Mortos sob tortura

Nos processos polticos analisados pelo Projeto BNM constatou-se, consignado nos autos, o testemunho de pessoas que presenciaram, nos crceres brasileiros, a morte de outros presos polticos, sob tortura. Pode ser que, nas mesmas circunstncias, tenham se dado outras mortes de pessoas tidas como desaparecidas ou apontadas como falecidas em tiroteio com os agentes do governo. Como neste trabalho no cabem as conjecturas dada a natureza da pesquisa mas to somente os relatos oficialmente registrados nos processos, ser feita neste captulo a narrativa dos episdios de mortes denunciadas em juzo, deixando para abordar no seguinte, que encerra esta reportagem, a questo dos desaparecidos.

Chaci Charles Schreider

Ao depor no Rio, em 1969, a estudante Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de 25 anos, denunciou:

(...) que a declarante ouviu os gritos de Chael, quando espancado; (...) que das dez horas da noite s quatro da manh, Antonio Roberto e Chael ficaram apanhando; (...) que l pelas quatro horas da madrugada, Chael e Roberto saram da sala onde se encontravam, visivelmente ensanguentados, inclusive no pnis, na orelha e ostentando cortes nas cabeas; (...) que ouvia gritos de Chael dizendo no saber de nada; (...) que tais torturas duraram at sete horas da manh, quando Chael parou de gritar, ficando cado no cho; (...) que Chael foi pisado; que era uma sexta-feira, tendo Chael morrido no sbado; C..) que Chael estava gritando desesperadamente na Policia do Exrcito, no sbado pela manh; que somente vinte dias depois veio (a) ter notcias da morte de Chael; que Antonio Roberto assistiu morte de Chael; (...) CHARLES CHAEL, que foi chutado igual a um co, cujo atestado de bito registra 7 costelas quebradas, hemorragia interna, hemorragias puntiformes cerebrais, equimoses em todo o corpo. (...)

Em seus depoimentos no Rio e em So Paulo, o estudante Antnio Roberto Espinosa, de 23 anos, confirma o que declarara Maria Auxiliadora Lara Barcelos:

(...) que estava preso no quartel j citado, em companhia de Chael, o qual, no aguentando os sofrimentos, acabou falecendo; (...)

(...) que aps essas 3 horas de torturas, Chael foi conduzido a uma sala contgua, onde havia uma mquina de choques; que, nesta ocasio, o declarante foi colocado no corredor contguo sala de onde o declarante ouvia os gritos de Maria Auxiliadora e Chael; (..) que o declarante, enquanto sofria choques, ouvia os gritos de Chael, at que s 2 horas da tarde cessaram os gritos de Chael; que Chael havia sido assassinado pelo Capito Jos Luiz, pelo Capito Lauria e pelos policiais do DOPS; que capaz de reconhec-los; (...)

O auto de autpsia de Chael Charles Schreider foi realizado, a 24 de novembro de 1969, no Servio Mdico-Legal do Hospital Central do Exrcito, no Rio, e assinado pelo Major-mdico Dr. Oswaldo Cayammi Ferreira, chefe do SML; pelo Capito-mdico Dr. Guilherme Achilles de Faria Mello; e pelo mdico civil Dr. Rubens Pedro Macuco Janini. Traz a seguinte concluso: Justificada a causa da morte encerrada a necrpsia e concluda por contuso abdominal com roturas do mesocolon transverso e mesentrio, com hemorragia interna.(...)

Joo Lucas Alves e Severino Viana Cal

O assassinato dessas duas pessoas foi denunciado, em 1970, no decorrer do interrogatrio, em Juiz de Fora, do estudante Afonso Celso Lana Leite, de 25 anos:

(...) que os interrogatrios dos acusados, inclusive os do interrogado, foram feitos sob torturas as mais atrozes, ocasionando a morte de dois companheiros seus: Joo Lucas Alves e Viana Cal; que esses dois companheiros morreram em virtude de no terem aquiescido com os depoimentos que lhe eram impostos pelos torturadores THACYR MENEZES SIA, do DOPS, ARIOSVALDO, do DOPS e diversos outros, dos quais no se lembra o nome, no DOPS; (...)

No mesmo processo, o trocador de nibus Antonio Pereira Mattos, de 36 anos, refora a denncia:

(...) que d, como exemplos de torturas, o caso de Joo Lucas Alves que, depois de seis (6) meses de priso, mais ou menos, e depois de barbaramente torturado, em conseqncia veio a falecer, e foi dado pelas Autoridades Policiais, como causa mortis, o suicdio, quando do conhecimento do pbico, e isto consta da percia mdica, que esse companheiro tinha os olhos perfurados ao falecer e as unhas arrancadas; (...) que morreu tambm, em razo de torturas, um outro companheiro do interrogado, de nome Severino Viana Cal; (...) que Severino Viana Cal faleceu na Guanabara e Joo Lucas Alves, na (delegacia de) Furtos e Roubos de Belo Horizonte, ambos companheiros do interrogado na Guanabara; que soube que o falecimento de Joo Lucas Alves ocorreu em razo de torturas, porque os prprios policiais contaram ao interrogado; (...)

O auto de corpo de delito de Joo Lucas Alves, 36 anos, foi reallzado a 6 de maro de 1969 no Departamento de Medicina Legal de Belo Horizonte, e est assinado pelos doutores Djezzar Gonalves Leite e Joo Bosco Nacif da Silva. Nela consta:

Autoridade que requisitou Del. de Furtos e Roubos.

LESES CORPORAIS: (...) Duas escoriaes lineares alargadas, medindo a maior cerca de 5 cm, e situadas na face interna, tero inferior do antebrao esquerdo. Escoriaes vermelhas situadas nos 4 ltimos pododtilos (dedos do p) esquerdos: Edema do p direito. Contuso com equimose arroxeada sobre a unha do primeiro pododtilo direito. Equimose arroxeada na regio gltea direita, face posterior da regio escapular direita e flanco direito. Regio anal normal. Ausncia da unha do primeiro pododtilo esquerdo.

CAUSA DA MORTE asfixia mecnica7

Eduardo Leite

A morte premeditada de Eduardo Leite, em 1970, foi denunciada, no Rio, pelo estudante Ottoni Guimares Fernandes Jnior, de 24 anos, que esteve com ele no crcere privado numa residncia no bairro de So Conrado:

(...) que os policiais apresentaram para o interrogado, ainda quando se encontravam na casa de So Conrado, um cidado de nome Eduardo Leite, cognominado Bacuri; que Bacuri tambm estava sendo torturado em outra dependncia da casa; que, no instante em que apresentaram Bacuri ao interrogado, os policiais declararam que ele iria ser morto, como realmente ocorreu no ms de novembro, em So Paulo; (...)

Em So Paulo, o economista Vinicius Jos Nogueira Caldeira Brant, de 30 anos, tambm declarou em Juzo ter visto Eduardo Leite num crcere oficial paulista:

(...) que as ameaas de sua vida tiveram uma base concreta ao se concretizarem na pessoa de outro preso, que sofria juntamente com o interrogado, tratando-se de Eduardo Leite, que estava preso na solitria ao lado da sua, no DOPS; que dali foi retirado na madrugada do dia 27 de outubro, 3 dias depois que os jornais haviam noticiado a sua fuga, sendo de conhecimento pblico que Bacuri foi assassinado com requintes de perversidade; (...)

A certido de bito de Eduardo Leite, de 25 anos, tcnico em telefonia, foi assinada, a 8 de dezembro de 1970, pelo mdico-legista Dr. Aloisio Fernandes. D como causa mortis: hemorragia interna e fratura de crnio por ferimento prfuro contuso por projteis de arma de fogo (balas). Consta ainda que o local do bito foi a Estrada Bertioga/Boracia e o sepultamento deu-se no cemitrio de Areia Branca, em Santos.

O exame necroscpico, realizado na mesma data no Posto Mdico-Legal de Santos, e assinado pelos doutores Aloisio Fernandes e Dcio Brando Camargo, registra:

HISTRICO: Segundo consta, este cadver foi encontrado s vinte e duas horas do dia sete de dezembro do corrente ano, na estrada que liga o Distrito de Bertioga com o de S. Sebastio. (...)

CONCLUSO Em face dos achados necroscpios, conclumos que a morte se deu por fratura do crnio, destruio da massa enceflica, hemorragia interna, traumatismos consequentes a ferimentos contusos produzidos por instrumentos prfuro-contundentes (bala), com leso do encfalo e do corao

Luiz Eduardo da Rocha Menino

A 1 Auditoria de So Paulo consignou nos autos, em 1972, as seguintes declaraes do fsico Laurindo Martins Junqueira Filho, de 26 anos:

(...) quer afirmar, tambm, que nesse processo de torturas assistiu a espancamentos de um companheiro de organizao, chamado Luiz Eduardo da Rocha Menino, e que posteriormente, ainda na fase do interrogatrio, esse companheiro foi retirado da OBAN em estado lastimvel, vindo a falecer em conseqncia das torturas que recebeu; (...)

No mesmo ano, essas declaraes foram reiteradas, em So Paulo, pelo depoimento da sociloga Eleonora de Oliveira Soares, de 27 anos:

(...) que durante sua estadia na OBAN sofreu torturas fsicas, desde choques eltricos at pauladas no corpo, ameaas de torturarem sua filha menor, de um ano e dez meses, e ter assistido morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino no recinto da OBAN, morte esta provocada por torturas; (...)

O ru Ricardo Prata Soares tambm confirmou em juzo, em 1972, ter presenciado os suplcios do referido preso:

(...) que o depoimento policial foi realizado sob coaes moral e fsica, s quais deixou o interrogando de resistir aps presenciar as torturas infligidas em Luiz Eduardo da Rocha Merlino, que deram como conseqncia, em poucos dias, no falecimento do mesmo; (...)

O exame necroscpico do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, de 23 anos, foi realizado no Instituto Mdico-Legal de So Paulo, a 12 de agosto de 1971, e assinado pelos mdicos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini. Nele consta:

HISTRICO: Segundo consta, foi vtima de atropelamento.

Joaquim Alencar Seixas

Ao depor em So Paulo, em 1972, a senhora Fanny Aksclrud Seixas, de 54 anos, fez registrar no auto de interrogatrio e qualificao da 2a Auditoria do Exrcito:

(...) que no procede o (ilegvel) de seu interrogatrio de fls. 217, onde consta que seu marido morreu em tiroteio travado com a Polcia, na rua, porquanto a interrogada o viu no interior da OBAN sendo seviciado, ouvindo inclusive a sua voz e seus gritos; que a interrogada viu quando colocaram o corpo de seu marido numa camionete, ouvindo naquele momento algum indagar de quem era aquele corpo, ao que responderam que se tratava de Joaquim Alencar Seixas; (...)

O exame necroscpico de Joaquim Alencar Seixas, 49 anos, foi feito no Instituto Mdico-Legal de So Paulo, a 19 de abril de 1971, e assinado pelos mdicos legistas Prsio Jos R. Carneiro e Paulo Augusto de Q. Rocha. Constata-se que, entre vrias equimoses e hematomas, a vtima foi atingida por sete tiros. Consta ainda:

HISTRICO: faleceu em virtude de ferimentos recebidos aps travar violento tiroteio com os rgos da Secretaria de Segurana do Estado de So Paulo, s treze horas de dezesseis de abril de mil novecentos e setenta e um, na Av. do Cursino Ipiranga Capital .

Carlos Nicolau Daniell

A primeira denncia desta morte foi na 1 Auditoria de So Paulo, em 1973, atravs do auto de interrogatrio e qualificao da professora Maria Amlia de Almeida Telles, de 28 anos:

(...) que, conduzidos para a OBAN todos os trs ou seja:

Carlos Nicolau Danielli, (ela e) seu marido, foram encaminhados para trs salas de tortura diferentes, sendo que pediu a eles que no torturassem seu marido, pois estava tuberculoso, acabara de sair de um sanatrio e era diabtico; que seu marido quando foi preso portava um carto de diabtico e uma receita; que seu marido chegou a ficar em estado de coma e s ento recebeu insulina, porque seno morreria naquela hora; que seu marido desmaiou e, em estado de coma, eles me chamaram para v-lo; que Carlos Danielli foi torturadssimo durante trs dias, pois a interroganda ouvia seus gritos at que ele faleceu; (...) que eles mostraram para a interroganda um jornal noticiando a morte de Carlos Nicolau Danielli, descrevendo que ele teria sido morto num tiroteio, exatamente como a histria da morte que teriam a depoente e seu marido; ~...) que Carlos Nicolau Danielli era pai de trs filhos; (...)

Em 1973, tambm em So Paulo, o motorista Csar Augusto Telles, de 29 anos, confirmou o depoimento de sua esposa:

(...) apeados do carro, fomos levados para o Opala sob a mira das referidas armas, sob ameaa de morte em caso de resistncia, onde verifiquei que j se encontrava dentro do veculo meu amigo Carlos Danielli, manietado por um outro elemento e denotando ter sido espancado; j mesmo ao entrar no ptio desse departamento policial, ao descer do carro Carlos Danielli foi espancado vista de centenas de pessoas que ali se aglomeravam. (...) Fomos levados, em seguida, para o interior do edifcio, onde, ao entrar, ouvi de imediato gritos lancinantes que reconheci serem de Carlos Danielli, no pavimento trreo. (...) J pela madrugada, sob ameaa constante de morte e ouvindo constantemente os gritos de Carlos Danielli, minha esposa entrou em estado de choque psquico, o que tornou intil os esforos de seus agressores. (...) Nesse meio tempo e at o 49 dia, Nicolau Danielli continuou sendo torturado barbaramente e, medida que o tempo ava, seus gritos se transformavam em lamentos e, finalmente, constatamos o seu silncio, apesar de que ouvamos o barulho de espancamentos. No 50 dia, foram apresentadas a mim e minha esposa manchete de jornais que anunciavam a morte de Carlos Danielli, como tendo tombado num tiroteio com agentes policiais. Sob os nossos protestos de que ele havia sido morto como conseqncia e ao cabo das torturas que sofreu na OBAN, fomos ameaados de ter o mesmo destino. (...)

A certido de bito de Carlos Nicolau Danielli, 43 anos, datada de 30 de dezembro de 1972 e assinada pelo Dr. Isaac Abramovitc, registra como causa mortis: anemia aguda traumtica. D como local do bito a Av. Armando de Arruda Pereira, 1800 S. Paulo. Seu corpo foi sepultado no cemitrio de Perus.

O exame necroscpico, realizado no Instituto Mdico Legal de So Paulo, a 2 de janeiro de 1973, assinado pelos mdicos legistas Isaac Abramovitc e Paulo A. de Queirz Rocha. No se refere a marcas de sevcias e traz a seguinte CONCLUSO: Conclumos que o examinado faleceu em virtude de anemia aguda traumtica produzida por projtil de arma de fogo, cuja direo foi de trs para frente, ligeiramente de baixo para cima e no plano sagital.

Odijas Carvalho de Souza

A morte sob tortura deste preso poltico, em Pernambuco, est consignada em dois processos penais. O primeiro tem como ru Alberto Vincios Meio do Nascimento, estudante, ouvido pelo Conselho de Justia em 1971, no Recife:

(...) que aqui no DOPS, presenciou a tortura, ou melhor, escutou os efeitos da tortura por que ou um preso por nome Odijas; que aps essas torturas o referido preso veio a falecer; (...) que o responsvel por essas ocorrncias o prprio delegado do DOPS, que o Dr. Silvestre; que segundo Odijas lhe contou ainda em vida, existe um investigador que responsvel por torturas; que esse investigador foi um dos torturadores de Odijas, chegando a bater no mesmo at se cansar, segundo relato do prprio Odijas; que esse investigador atende pelo nome de Miranda; (...)

No segundo processo figura a estudante Lylia da Silva Guedes, de 18 anos, interrogada no Recife em 1971:

(...) que assistiu quando um outro prisioneiro era torturado, sendo tal prisioneiro de nome Odijas Carvalho de Souza; que o referido indivduo se encontrava sentado, despido, e era agredido por cerca de quinze pessoas; que a interroganda reconheceria cerca de dez dessas pessoas, entre essas: MIRANDA, EDMUNDO, EUSEBIO, DR. CARLOS DE BRITO, OSWALDQ FAUSTO, ROCHA, BRITO, sendo as torturas comandadas pelo Dr. SILVESTRE, atual diretor do DOPS do Recife PE; que, em conseqncia das torturas, ODIJAS CARVALHO veio a falecer; (...) que a interroganda pde relacionar os diversos elementos que torturaram Odijas por j conhecer os referidos indivduos da DOPS do Recife e v-los diariamente, inclusive quando foi torturada dois dias; que os jornais noticiaram a morte de ODIJAS, como tendo ocorrido no dia 8 de fevereiro, em virtude de embolia pulmonar; (...)

De fato, na certido de bito de Odijas Carvalho de Souza, 25 anos, fornecida a 8 de fevereiro de 1971 pelo Hospital da Polcia Militar do Estado de Pernambuco, e assinada pelo mdico legista Dr. Ednaldo Paz de Vasconcelos, consta: causa mortis Embolia pulmonar.

Alexandre Vannucchi Leme

Todas as denncias sobre a morte deste estudante de Geologia da USP foram feitas em 1973, na 1 Auditoria Militar de So Paulo, exceo apenas para este depoimento do engenheiro Marcus Costa Sampaio, de 27 anos, colhido no mesmo ano pela Auditoria Militar de Fortaleza:

(...) que quando estava nesta ltima cela, de certa feita ouviu os gritos e gemidos de uma pessoa que foi colocada na cela solitria; que j estava em tal cela 15 dias antes do interrogando chegar ao pavilho; (...) quer esclarecer tambm que, durante sua permanncia em tal pavilho, sempre ouviu gritos e gemidos, quer durante o dia, quer durante noite; que observou, com respeito quele rapaz da solitria, que no incio os seus gritos tinham certa intensidade, que foi diminuindo gradativamente at se tornar dbil; que esse rapaz foi chamado a depor, ocasio em que deixou, caminhando normalmente, essa solitria e, em seguida, retornou mesma solitria nos braos de alguns soldados, ao que lhe parecem pertenciam Polcia Militar, o que no tem certeza; que em seguida o interrogando constatou que o carcereiro, ao abrir a porta da cela onde se encontrava o mencionado rapaz, saiu correndo e foi chamar algumas pessoas; que foi dada a ordem para que os presos permanecessem no fundo de suas celas e no se aproximassem das portas das mesmas que davam para o corredor e, em seguida, foi determinada uma revista em todas as celas e em todos os presos, sob a alegativa que se procurava instrumentos cortantes, ocasio em que declarou, o carcereiro, que aquele moo da solitria havia tentado o suicdio cortando os pulsos; que o interrogando veio a saber que o nome desse rapaz da solitria era ALEXANDRE VANNUCHI; que estando aqui em Fortaleza, e lendo o jornal O Estado de 5. Paulo, viu duas notcias: uma que diz respeito morte do mesmo ALEXANDRE VANNUCCHI, que teria ocorrido por atropelamento ao tentar fugir de uma abordagem policial, notcia esta que era dada como tendo sido fornecida por rgos policiais; que tambm, no mesmo jornal e na mesma edio, (havia) uma outra notcia dando conta de que o magnfico reitor da Universidade de So Paulo, Miguel Reali, buscava o paradeiro do referido moo que cursava Geologia e era (o) representante dos alunos na Congregao da Escola de Geologia; (...)

Consta do auto de interrogatrio e qualificao do radiotcnico Carlos Vitor Alves Delamnica, de 27 anos, ouvido em So Paulo, em 1973:

(...) que ainda na fase que ei na OBAN, e como prova cabal das torturas a mim e a outros submetidos, veio a falecer, em conseqncia dos maus-tratos e das barbaridades, o meu vizinho de cela, o estudante do 49 ano de Geologia, Alexandre Vannucchi; (...)

A mesma tragdia foi testemunhada pelo vendedor Roberto Ri. beiro Martins de 28 anos:

(...) essas torturas foram presenciadas por muitas pessoas, como tambm presenciei muitas pessoas sendo torturadas, entre as quais posso citar Luiz Vergatti, Jos Augusto Pereira e o caso mais grave deu-se com um jovem de nome Alexandre Vannucchi. Durante dois ou trs dias ouvi os seus gritos e, por fim, na tardezinha do dia 19 de maro, salvo engano, vi o seu cadver ser retirado da cela forte, espalhando sangue por todo o ptio da carceragem, e depois ouvi comentrios dos carcereiros que falavam em suicdio, e para justificar foi feita uma revista em todas as celas; (...)

Tambm a psicloga Leopoldina Brs Duarte, de 25 anos, revelou ter presenciado esta morte:

(...) esclarecendo que foi coagida a , pois quando chegou ao DOPS haviam mais acusaes e, caso a interroganda no (as) aceitasse, teria de voltar para o DOI e, como l havia sido muito torturada com ameaas de priso de seu pai e irmo e, inclusive, assistindo morte de um menino que, mais tarde, veio a saber que se chamava Alexandre Vannucchi, no teve condies de recusar a ; (...)

Igual experincia teve a auxiliar pedaggica Neide Richopo, de 26 anos, conforme narrou em seu depoimento:

(...) que, alm de ser torturada e de assistir torturas em outras pessoas, presenciou tambm o assassinato de um rapazinho no DOI, chamado Alexandre; que se ouviam os gritos de tortura de Alexandre durante todo o dia e, no segundo dia, ele foi arrastado, j morto, da cela onde ele se encontrava. E, depois disso, os interrogadores apresentaram, pelo menos, trs verses sobre a morte dele como sendo suicdio, sendo que a verso oficial totalmente diferente das trs anteriores, pois era a de que ele havia sido atropelado; que (ele) jamais poderia ser atropelado, porque j estava morto quando saiu do DOI. Que tudo o que disse com referncia morte de Alexandre porque encara isso como meio de coao psicolgica. Se a interroganda no assinasse o seu depoimento, poderia acontecer com ela o mesmo que aconteceu com Alexandre; (...)

Includo em processo poltico com outros companheiros de farda, este tenente da Polcia Militar de So Paulo, de 63 anos, veio a morrer em conseqncia das sevcias sofridas, conforme depoimento registrado pelo Conselho de Justia. Em 1975, escreveu o capito PM, Manoel Lopes, de 68 anos, em carta ao juiz-auditor:

(...) Neste dia, quando me recolheram cela, encontrei na mesma Carlos Gomes Machado, Luiz Gonzaga Pereira e Jos Ferreira de Almeida, que tinham ido para o DOPS e agora retornavam ao DOI. Jos Ferreira de Almeida, deitado num colcho imundo estendido sobre o cho, agarrou a mo que eu lhe estendia para cumpriment-lo e me disse: Lopes, eu no agento mais, eu te acusei injustamente quando me torturavam; perdoa-me; e os soluos vieram-lhe at a garganta, dizendo por fim: eu vou morrer. (...)

Tambm em carta s autoridades, o coronel PM Carlos Gomes Machado, 62 anos, reafirmou a denncia:

(...) Alm disso, embora sabendo ser eu cardaco, no podendo sofrer emoes, levaram-me para ver outros colegas meus serem torturados, como foram os casos do tenente Atlio Geromin, que ficou com marcas indelveis nas duas pernas, visto que fora amarrado em uma cadeira de braos chamada, pelos interrogadores, de cadeira do drago; tenente Jos Ferreira de Almeida que, apesar de seus 63 anos de idade, foi levado morte em virtude das torturas que lhe foram aplicadas, tais como pau-de-arara, choques eltricos, palmatria, etc., que se repetiam diariamente; (...)

Assinado pelos doutores Harry Shibata e Marcos Almeida, o exame necroscpico de Jos Ferreira de Almeida foi realizado no Instituto Mdico Legal de So Paulo, a 12 de agosto de 1975, e registra: HISTRICO: segundo consta, faleceu por enforcamento em sua cela, onde estava detido.

Wladimir Herzog

A 7 de novembro de 1975, o jornalista Rodolfo Osvaldo Konder, co-ru no mesmo processo do jornalista Wladimir Herzog, prestou depoimento juramentado, em So Paulo, cujos termos foram tomados e assinados pelo padre Olivo Caetano Zolin e pelos juristas Prudente de Moraes Neto, Goffredo da Silva Telles Jnior, Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach, Jos Roberto Leal de Carvalho e Arnaldo Malheiros Filho. O depoimento foi, posteriormente, anexado aos autos do processo:

(...) No sbado pela manh, percebi que Wladimir Herzog tinha chegado. (...) Wladimir Herzog era muito meu amigo e ns comprvamos sapatos juntos, e eu o reconheci pelos sapatos. Algum tempo depois, Wladimir foi retirado da sala. Ns continuamos sentados l no banco, at que veio um dos interrogadores e levou a mim e ao Duque Estrada a uma sala de interrogatrio no andar trreo, junto sala em que ns nos encontrvamos. Wladimir estava l, sentado numa cadeira, com o capuz enfiado, e j de macaco. Assim que entramos na sala, o interrogador mandou que tirssemos os capuzes, por isso ns vimos que era Wladimir, e vimos tambm o interrogador, que era um homem de trinta e trs a trinta e cinco anos, com mais ou menos um metro e setenta e cinco de altura, uns 65 quilos, magro mas musculoso, cabelo castanho claro, olhos castanhos apertados e uma tatuagem de uma ncora na parte interna do antebrao esquerdo, cobrindo praticamente todo o antebrao. Ele nos pediu que dissssemos ao Wladimir que no adiantava sonegar informaes. Tanto eu, como Duque Estrada de fato aconselhamos Wladimir a dizer o que sabia, inclusive porque as informaes que os interrogadores desejavam ver confirmadas, j tinham sido dadas por pessoas presas antes de ns. Wladimir disse que no sabia de nada e ns dois fomos retirados da sala e levados de volta ao banco de madeira onde antes nos encontrvamos, na sala contgua. De l, podamos ouvir nitidamente os gritos primeiro do interrogador e, depois, de Wladimir, e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem a pimentinha e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Algum ligou o rdio e os gritos de Wladimir confundiam-se com o som do rdio. Lembro-me bem que durante essa fase o rdio dava notcia de que Franco havia recebido a extrema-uno, e o fato me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Wladimir estava sendo torturado e gritava. A partir de um determinado momento, o som da voz de Wladimir se modificou, como se tivessem introduzido coisa em sua boca; sua voz ficou abafada, como se lhe tivessem posto uma mordaa. Mais tarde, os rudos cessaram. (...) O interrogador saiu novamente da sala e dali a pouco voltou para me apanhar pelo brao e me levar at sala onde se encontrava Wladimr, permitindo mais uma vez que eu tirasse o capuz. Wladimir estava sentado na mesma cadeira, com o capuz enfiado na cabea, mas agora me parecia particularmente nervoso, as mos tremiam muito e a voz era dbil. (...) Na manh seguinte, domingo, fomos chamados (...) para ouvirmos uma preleo sobre a penetrao russa no Brasil, feita por um homem que me pareceu o principal responsvel pela anlise das informaes colhidas no DOI. Este cidado, acompanhado pelo Doutor Paulo, um japons de cerca de quarenta e poucos anos, magro, um metro e setenta de altura, e de um interrogador de cerca de vinte e cinco anos, alourado, magro e alto, com mais ou menos um metro e setenta e sete. O homem que me pareceu ser o principal um homem moreno, rosto redondo, gordo, estatura mediana, e uma barba emoldurando o rosto. Ele primeiro se estendeu sobre a questo da espionagem russa no Brasil, e depois nos comunicou que Wladimir Herzog se suicidara na vspera, para concluir que Wladimir devia ser um agente da KGB, sendo ao mesmo tempo o brao direito do governador Paulo Egydio. (...) Que o interrogador de Wladimir Herzog vestia camiseta branca de gola olmpica e mangas curtas, e uma cala de brim que lhe pareceu ser do uniforme do Exrcito. (...) Que o interrogador de Wladimir, antes descrito pelo depoente como sendo aquele que tinha uma tatuagem de ncora no brao, era branco. Que quando se iniciou a tortura de Wladimir, o declarante, estando na sala ao lado, chegou a ouvir sons de pancadas que lhe eram desferidas. Que o declarante, embora no possusse relgio, calcula que a tortura de Wladimir tenha durado cerca de duas horas, menos que a do prprio declarante, que teria durado cerca de quatro horas. Que a tortura de Wladimir a que acima se referiu foi aquela que pde ouvir, ignorando se Wladimir sofreu outras posteriormente em outra dependncia do prprio DOI. (...)

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