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3d2c8

Marcas de tortura

Em muitos presos polticos, a tortura no deixou marcas fsicas, pois foram tomados os devidos cuidados para evita-las. Prova disso, foi um descuido do DOI-CODI-Il Exrcito, que permitiu encontrar, nos autos de um processo de So Paulo, um documento revelador das orientaes dadas s equipes de interrogatrio nos rgos de represso:

Aos inter A, B e C:

1 para orientar os trabalhos dos interrogatrios;

2 servio que deve ser tirado ( ilegvel).

Nas margens do documento encontrado, mais sugestes: Forar a barra, porm, sem deixar marcas (...) esses setores so novos para ns; no possumos nada a respeito. (rubrica ilegvel).

Outros presos foram vtimas de sevcias to atrozes que imprimiram sequelas permanentes em seus corpos. Houve inmeros casos, como o de Hilrio Gonalves Pinha em Curitiba e de Antonio Carlos de Meio Pereira em So Paulo, que ficaram definitivamente marcados pela tortura que sofreram.

Em 16 de julho de 1969, no Engenho Noruega, no municpio de Escada, Pernambuco, Elenaldo Celso Teixeira, advogado, e Lus Medeiros de Oliveira, estudante de engenharia, foram presos e barbaramente torturados num engenho vizinho que, por ironia do destino, chamava Liberdade:

Depois que o Petrnio chegou eles comearam a nos espancar com barras de ferro, qualquer pedao de ferro que encontravam pelo depsito e correias de ventilador de carro, isto durante uma poro de tempo. Bateram em mim e no Elenaldo. E depois nos levaram l para fora do Engenho, penduraram, amarraram cordas em volta dos calcanhares penduraram cada um de ns dois ando a corda por uma linha que tinha uns 2 ou 3 metros de altura e continuaram espancando e deram banho de lcool e ameaaram tocar fogo e tambm com o revlver enfiando no ouvido e puxando o gatilho mas sem ter bala no revlver. Depois de uma poro de tempo de espancamento eles ento cortaram as cordas e ns camos de cabea no cho. Uma dor violenta essa cabeada no cho e por fim nos arrastaram para o local onde estava o Gipe, deixaram o banco traseiro l no engenho e nos pam atrs e ai eu no vi mais nada. S me lembro que chegamos l em Recife, em algum local e depois quando ns descemos do Gipe eu ouvi escrito l na frente, Delegacia de Caxang. Fui jogado numa sala toda limpa e no cimento ns ficamos. Ficamos l at de manh s gemendo de dor e o cho todo sujo de sangue, tava todo mundo ensanguentado de ferimentos.

Lus Medeiros foi depois conduzido ao Pronto Socorro Oswaldo Cruz, antigo Pronto Socorro de Recife. Quando se recuperou, foi novamente conduzido para a Secretaria de Segurana Pblica de Pernambuco, embora continuasse com dores enormes nos rins e urinando sangue. Pediu mdico vrias vezes mas no foi atendido. Era constantemente interrogado e, durante os interrogatrios, torturado:

Eu sei que estava l muito ruim, e os ferimentos das pancadas que no tinham sarado, e as roupas que ficavam pregadas no corpo, sem dormir e no dia 22/08 veio o Miranda e mais uns 3 policiais que eu tinha visto l na sala do DOPS e ento disseram que iam me levar para descobrir tudo para ver quem participava comigo e que iam me queimar todo de cigarro ... E ai na hora deu aquele medo de ser torturado novamente e para escapar de l pulei pela janela da Secretaria e nessa hora estava o Miranda pedindo ao Comissrio Chefe um mao de cigarro para me queimar ... Eu corri do bureau onde estava e pisei no sof na janela e pulei l fora e ai no vi mais nada. S fui ver alguma coisa quando eu estava no Hospital, j tudo que mdico em torno de mim me cuidando l. O Miranda tava l tambm, rindo brincando.

Luis Medeiros de Oliveira sobreviveu. Desde aquela poca, entretanto, est paraltico, tetraplgico. Apesar disso, foi condenado pela Justia Militar como infrator da Lei de Segurana Nacional (LSN), tendo cumprido pena nessas condies.

Nas auditorias militares, os Conselhos de Justia fizeram consignar nos autos de interrogatrio e qualificao, por insistncia dos rus e advogados, os depoimentos de pessoas indelevelmente marcadas pela violncia que sofreram em dependncias policiais e militares.

Em carta anexada aos autos, Leovi Antonio Pinto Carsio, de 23 anos, preso em Belo Horizonte, descreveu em 1970:

(...) L, numa sala especialmente destinada a torturas, amarraram os pulsos e os tornozelos com cordas independentes, deitando-me numa mesa pequena e ando as cordas pelas travessas inferiores desta, foravam-me o tronco, aos arrancos, no sentido contrrio ao movimento da espinha. As dores eram atrozes e, ainda hoje sinto, uma vez por outra, ao longo da espinha. (...).

Este mesmo ru denuncia ainda em sua carta:

(...) Quero acrescentar ainda que, no dia 31 de janeiro, o companheiro Lucimar Brando Guimares, embora alquebrado pelas torturas, ainda no tinha a coluna fraturada. Neste dia os policiais da PMMG apanharam-no e, a partir de ento, no sabemos o que lhe aconteceu e que jamais ser relatado, pois hoje encontra-se paralisado pelo fraturamento da coluna vertebral. (...)

Outra carta anexa aos autos do processo a do sogro da professora Lenira Machado Dantas, de 30 anos, presa em So Paulo. Com a data de .1971, diz o texto:

(...) Como sogro de Lenira Machado Dantas, j ouvida nesta Auditoria como indiciada no processo 437/71, alegando que sua nora sofreu de grave ameaa de pneumonia em fins do ano ado, sofre de hepatite, tendo vomitado constantemente e, face leso na coluna vertebral, est com a perna direita quase paralisada e alarmante debilidade fsica, face ao prolongamento do encarceramento. (...)

Um caso de paralisia foi relatado na 2 Auditoria da Marinha do Rio, em 1972, no decorrer do depoimento da estudante Lcia Maria Murat Vasconcelos, de 23 anos:

(...) que, por ocasio de sua priso, a interroganda foi conduzida ao CODI da Rua Baro de Mesquita, local onde foi submetida a uma srie de torturas fsicas e psquicas; que sofreu espancamentos generalizados, inclusive aplicaes de choques eltricos na lngua, nos seios e na vagina; que, em seguida, foi levada Bahia, onde ficou constatado que a interroganda estava com uma paralisia na perna direita, estando a interroganda de posse de um laudo mdico que comprova o aqui alegado;

Em outras ocasies, as estruturas sseas dos torturados no resistiam aos espancamentos, como ocorreu com o estudante Alberto Vinicius Meio do Nascimento, 23 anos, durante sesso de torturas que sofreu na OBAN, em So Paulo, no dia 5 de dezembro de 1970.

(...) que, tambm, encostavam um cabo eltrico nas ndegas do interrogado provocando queimaduras que foram tratadas posteriormente, em Curitiba, por um sargento enfermeiro; que, na referida sala, o interrogado teve fraturado o pernio da perna esquerda, resultando, ainda, um surgimento de gua no joelho esquerdo; que, desta fratura existe notcia de um laudo mdico no Hospital Geral do Exrcito, em Curitiba; que o engessamento de sua perna foi feito dez dias aps a fratura; que no dia seguinte da fratura, ou seja, seis de dezembro, voltou a ser torturado (...); que no dia 9 de dezembro retornou a Curitiba (...) que, enquanto a perna esquerda do interrogado ainda no estava engessada, recebeu pontaps no com muita violncia do Cap. Magela (...).

Houve quem pudesse exibir, no prprio depoimento na Auditoria, as marcas das agresses que sofrera, como o estudante Joo Damasceno de Lima Neto, de 20 anos, 1972:

(...) que, no Recife, foi submetido a interrogatrio com um capuz metido em sua cabea e recebeu coao fsica de seus interrogadores, tanto que, ainda hoje, tem o corte na lngua, marcas nos pulsos e nos ps, bem como 4 dentes quebrados, sendo dois na arcada superior e dois na arcada inferior; (...)

Outros tiveram suas denncias de maus-tratos comprovadas por relatrio mdico encaminhado autoridade policial, como no caso do lavrador Joaquim Matias Neto, de 30 anos, que foi ouvido em Fortaleza, em 1972:

(...) que, aps esses maus-tratos, o interrogado teve a sua sade abalada, tanto assim que at hoje sente tonturas, dores de cabea, ouve vozes e rudos estranhos, tem dificuldades respiratrias; que, anteriormente, o interrogado gozava de perfeita e plena sade fsica; (...)

So comuns tambm os casos de perfurao dos tmpanos:

(...) que praticamente tudo o que consta como depoimento policial do interrogando no pode ser crido, porque foi obrigado a itir a autoria de crimes mediante torturas, de que resultou, inclusive, uma perfurao do tmpano direito do interrogando; (...) (Auto de interrogatrio de Jos Ivo Vannuchi, 21 anos, funcionrio pblico, So Paulo, 1970)

(...) Que o ouvido direito do interrogando foi perfurado com tapas que lhe eram aplicados pelo Dr. Porto, modalidade conhecida por telefone; (...) (Depoimento de Jos Jernimo de Oliveira, 26 anos, estudante, Fortaleza, 1971)

(...) Que tem provas das torturas sofridas na PE, pois l estouraram seu tmpano do ouvido esquerdo, alm de marcas que tem pelo corpo (e) que podem sofrer constatao mdica; (...) (Depoimento de Jlio Antonio Bittencourt Almeida, 24 anos, estudante, Rio, 1970)

Em carta com data de 1969, o engenheiro Digenes Arruda Cmara, de 55 anos, preso em So Paulo naquele mesmo ano, relata as conseqncias sobre a sua sade das sevcias que sofrera:

(...) foi quando, no incio da madrugada, tive a primeira crise cardaca. Deixaram-me em completo repouso durante o dia, uma noite e um dia, enquanto enfermeiros da Polcia Militar (e do) II Exrcito me davam injees. J ento, quase no podia andar; duas pessoas tinham que me levantar, agarrava-me com as mos nas paredes e arrastava lentamente as pernas. (...) Este era o meu estado fsico: no podia me levantar, nem podia andar; hematoma generalizado dos ombros e costas at os dedos dos ps, inclusive os braos e as mos, que ficaram quase pretas, saindo uma espcie de salmoura debaixo das unhas e das linhas de cada mo; ou ouvidos inflamados; uma costela do lado esquerdo, fraturada; o rim direito, afetado; a perna direita com vrios ligamentos da coxa rompidos, inclusive o joelho com o menisco fraturado, o que me deixou semi-paraltico por mais de dois meses.

Exames de corpo de delito

Em 13 de abril de 1971, no Recife, o Conselho Permanente de Justia do Exrcito designou os doutores Major Ivaldo Carneiro Valena e Capito Gustavo de Melo Pereira Leite, mdicos do Exrcito, para realizarem exame de corpo de delito no ru Carlos Alberto Soares. Este exame ocorreu na Diviso de Segurana da 2 Zona Area, Quartel da Base Area do Recife:

O exame, hoje realizado, revelou: a) Paresia da mo esquerda; b) Edema e equimose do segundo pododctilo direito; c) Crosta de aproximadamente trs centmetros de dimetro na superfcie plantar do p direito; d) Edema dos dorsos de ambos os ps; e) Escoriao linear de aproximadamente dois centmetros no punho esquerdo; f) Escoriao de aproximadamente um centmetro do tero mdio do antebrao direito; g) Escoriao de aproximadamente cinco centmetros de dimetro na face interna da coxa direita; h) Impotncia funcional parcial dos dedos da mo esquerda; i) Equimose na face posterior da bolsa escrotal, no podendo, entretanto, ser precisado o incio das leses, uma vez que no so recentes.

QUESITOS H ofensa integridade corporal ou sade do paciente?

RESPOSTA: SIM;

Qual instrumento ou meio que a produziu?

RESPOSTA: CONTUNDENTE;

O exame de corpo de delito realizado no preso poltico Hamilton Pereira da Silva, no Instituto Mdico Legal de So Paulo, em maio de 1973, por solicitao de seu advogado, apontou:

HISTRICO: Refere ter sido vtima de sevcias no ms de junho de setenta e dois. DESCRIO: Apresenta. a) Cicatriz irregular, medindo um centmetro, situada na regio maleolar externa esquerda; b) Cicatriz alongada, medindo um centmetro, situada na borda externa da poro mediana do p esquerdo. c) Cicatriz irregular, rsea, medindo trs por dois centmetros, situada na regio maleolar externa direita, adjacente a esta, h outra cicatriz, medindo um centmetro- d) Duas cicatrizes circulares, adjacentes, medindo um centmetro de dimetro cada, situadas na face externa do joelho esquerdo; e) Vestgio cicatricial rseo, irregular, medindo dois centmetros, situado na face anterior do joelho esquerdo. f) Vestgio cicatricial, rseo, medindo trs centmetros, situado na face externa do tero superior da perna direita. g) Vestgio cicatricial irregular, medindo quatro centmetros, situado na face externa da regio gltea direita; h) Vestgio ccatricial irregular, medindo dois centmetros e meio no maior comprimento, situado na face anterior do ombro direito.

Outra evidncia de tortura foi constatada por mdicos no ru Chizuo Osawa, de 24 anos, em 1970:

Foi examinado no Hospital Geral de So Paulo (onde entrou a 2 de maro de 1970 e saiu a 14, do mesmo ms, pelos Coronel-mdico Dr. Caio Tavares Iracema, Major-mdico Dr. Justo Claret Nogueira e Capito-mdico Dr. Remgio Loureiro da Silva. Constataram, entre outras coisas:

Abdmen equimoses em fase involutiva tambm nos flancos direito e esquerdo. Discreta hepatomegalia, inspirao profunda. (...) O paciente refere diminuio do movimento de flexo do p sobre a perna esquerda, bem como diminuio da fora do referido.

No apenas exames mdicos comprovaram a prtica de torturas, nos crceres, de rus por motivos polticos. Na opinio do pai de um deles, em carta ao juiz-auditor de So Paulo, em 1970, houve quem no camuflasse o cinismo, filho dileto da prepotncia:

(...) Poucos dias aps (no mais de 4 ou 5) viemos a saber que o nosso filho estava sendo seviciado na OBAN. Procurei l o mesmo Capito Maurcio que, inteirado dos motivos de minha apreenso, me respondeu textualmente: Seu filho est apenas levando socos e pontaps; mas isso no tem importncia, porque tambm os levaria numa briga na faculdade. Est tambm levando choques eltricos, mas no se impressione porque os efeitos so meramente psicolgicos.

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