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3y8h

Modos e instrumentos de tortura

Reza o artigo 59 da Declarao Universal dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil: Ningum ser submetido tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Em vinte anos de Regime Militar, este princpio foi ignorado pelas autoridades brasileiras. A pesquisa revelou quase uma centena de modos diferentes de tortura, mediante agresso fsica, presso psicolgica e utilizao dos mais variados instrumentos, aplicados aos presos polticos brasileiros. A documentao processual recolhida revela com riqueza de detalhes essa ao criminosa exercida sob auspcio do Estado. Os depoimentos aqui parcialmente transcritos demonstram os principais modos e instrumentos de tortura adotados pela represso no Brasil.

O pau-de-arara

(...) O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que e atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o conjunto colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 cm. do solo. Este mtodo quase nunca utilizado isoladamente, seus complementos normais so eletrochoques, a palmatria e o afogamento. (...)

(...) que o pau-de-arara era uma estrutura metlica, desmontvel, (...) que era constitudo de dois tringulos de tubo galvanizado em que um dos vrtices possua duas meias-luas em que eram apoiados e que, por sua vez, era introduzida debaixo de seus joelhos e entre as suas mos que eram amarradas e levadas at os joelhos; (...).

o choque eltrico

(...) O eletrochoque dado por um telefone de campanha do Exrcito que possua dois fios longos que so ligados ao corpo, normalmente nas partes sexuais, alm dos ouvidos, dentes, lngua e dedos. (...)

(...) que foi conduzido s dependncias do DOI-CODI, onde foi torturado nu, aps tomar um banho pendurado no pau-de-arara, onde recebeu choques eltricos, atravs de um magneto, em seus rgos genitais e por todo o corpo, (...) foi-lhe amarrado um dos terminais do magneto num dedo de seu p e no seu pnis, onde recebeu descargas sucessivas, a ponto de cair no cho, (...)

A pimentinha e dobradores de tenso

(...) havia uma mquina chamada pimentinha, na linguagem dos torturadores, a qual era constituda de uma caixa de madeira; que no seu interior tinha um m permanente, no campo do qual girava um rotor combinado, de cujos terminais uma escova recolhia corrente eltrica que era conduzida atravs de fios que iam dar nos terminais que j descreveu; que essa mquina dava uma voltagem em torno de 100 volts e de grande corrente, ou seja, em torno de 10 amperes; que detalha essa mquina porque sabe que ela a base do princpio fundamental: do princpio de gerao de eletricidade; que essa mquina era extremamente perigosa porque a corrente eltrica aumentava em funo da velocidade que se imprimia ao rotor atravs de uma manivela; que, em seguida, essa mquina era aplicada com uma velocidade muito rpida a uma parada repentina e com um giro no sentido contrrio, criando assim uma fora contra eletromotriz que elevava a voltagem dos terminais em seu dobro da voltagem inicial da mquina; (...)

(...) um magneto cuja caracterstica era produzir eletricidade de baixa voltagem e alta amperagem; que, essa mquina por estar condicionada em uma caixa vermelha recebia a denominao de pimentnha; (...)

(...) que existiam duas outras mquinas que so conhecidas, na linguagem tcnica da eletrnica, como dobradores de tenso, ou seja, a partir da alimentao de um circuito eletrnico por simples pilhas de rdio se pode conseguir voltagem de 500 ou 1000 volts, mas, com correntes eltricas pequenas, como ocorreu nos cinescpios de televiso, nas bobinas de carro; que essas mquinas possuam trs botes que correspondiam a trs sees, fraca, mdia e forte, que eram acionadas individual ou em grupo, o que, nesta dada hiptese, somavam as voltagens das trs sees; (...)

(...) dobradores de tenso alimentados pilha, que, ao contrrio do magneto, produzem eletricidade de alta voltagem e baixa amperagem, como as dos cinescpios de TVs; que, esta mquina produzia fasca que queimava a pele e provocava choques violentos; (...)

O afogamento

(...) O afogamento um dos complementos do pau-de-arara. Um pequeno tubo de borracha introduzido na boca do torturado e a a lanar gua. (...)

(...), e teve introduzido em suas narinas, na boca, uma mangueira de gua corrente, a qual era obrigado a respirar cada vez que recebia uma descarga de choques eltricos; (...)

(...) afogamento por meio de uma toalha molhada na boca que constitu: quando j se est quase sem respirar, recebe um jato dgua nas narinas; (...)

A cadeira do drago, de So Paulo

(...) sentou-se numa cadeira conhecida como cadeira do drago, que uma cadeira extremamente pesada, cujo assento de zinco, e que na parte posterior tem uma proeminncia para ser introduzido um dos terminais da mquina de choque chamado magneto; que, alm disso, a cadeira apresentava uma travessa de madeira que empurrava as suas pernas para trs, de modo que a cada espasmo de descarga as suas pernas batessem na travessa citada, provocando ferimentos profundos; (...)

(...); tambm recebeu choques eltricos, cadeira do drago que uma cadeira eltrica de alumnio, tudo isso visando obteno de suas declaraes. (...)

(...) Despida brutalmente pelos policiais, fui sentada na cadeira do drago, sobre uma placa metlica, ps e mos amarrados, fios eltricos ligados ao corpo tocando lngua, ouvidos, olhos, pulsos, seios e rgos genitais. (...).

A cadeira do drago, do Rio

(...) o interrogado foi obrigado a se sentar em uma cadeira, tipo barbeiro, qual foi amarrado com correias revestidas de espumas, alm de outras placas de espuma que cobriam seu corpo; que amarraram seus dedos com fios eltricos, dedos dos ps e mos, iniciando-se, tambm, ento uma srie de choques eltricos; que, ao mesmo tempo, outro torturador com um basto eltrico dava choques entre as pernas e pnis do interrogado;

(...) uma cadeira de madeira pesada com braos cobertos de zinco ou flandres, onde havia uma travessa que era utilizada para empurrar para trs as pernas dos torturados; (...).

A geladeira

(...) que por cinco dias foi metida numa geladeira na polcia do Exrcito, da Baro de Mesquita, (...)

(...) que foi colocado nu em um ambiente de temperatura baixssima e dimenses reduzidas, onde permaneceu a maior parte dos dias que l esteve; que nesse mesmo local havia um excesso de sons que pareciam sair do teto, muito estridentes, dando a impresso de que os ouvidos iriam arrebentar; () 18

(...) que, sendo, de novo, encapuzado, foi levado para um local totalmente fechado cujas paredes eram revestidas de eucatex preto, cuja temperatura era extremamente baixa; (...) que, naquela sala ouvia sons estridentes, ensurdecedores, capaz at de produzir a loucura; (...)

(...) conduzido para uma pequena sala de aproximadamente dois metros por dois metros, sem janelas, com paredes espessas, revestidas de frmica e com um pequeno visor de vidro escuro em uma das paredes; (...) a partir desse instante, somente podia ouvir vozes que surgiam de alto falantes instalados no teto, e que ou a ser xingado por uma sucesso de palavras de baixo calo, gritadas por vrias vozes diferentes, simultneas; que, imediatamente, ou a protestar tambm em altos brados contra o tratamento inissvel de que estava sendo vtima e que todos se calaram e as vozes foram substitudas por rudos eletrnicos to fortes e to intensos que no escutou mais a prpria voz; (..) que havia instantes que os rudos eletrnicos eram interrompidos e que as paredes do cubculo eram batidas com muita intensidade durante muito tempo por algo semelhante a martelo ou tamanco e que em outras ocasies o sistema de ar era desligado e permanecia assim durante muito tempo, tornando a atmosfera penosa, ando ento a respirar lentamente; (...)

(...) que inmeras foram as vezes em que foi jogado a um cubculo que denominavam de geladeira, que tinha as seguintes caractersticas: sua porta era do tipo frigorfico, medindo cerca de 2 metros por um metro e meio; suas paredes eram todas pintadas de preto, possuindo uma abertura gradeada ligada a um sistema de ar frio; que, no teto dessa sala, existia uma lmpada fortssima; que, ao ser fechada a porta ligavam produtores de rudos cujo som variava do barulho de uma turbina de avio a uma estridente sirene de Fbrica; (...)

Algo semelhante geladeira da Polcia do Exrcito, rua Baro de Mesquita, na Tijuca, Rio, era a cabine do CENIMAR, na mesma cidade:

(...) colocado em uma Cabine, local absolutamente escuro, assemelhado a uma cela surda; que, no mencionado local havia um como sistema eltrico que reproduzia sons dos mais diversos, lembrando sirenes, rudos semelhantes a bombardeios, etc., tudo isto, com perodos intercalados de absoluto silncio; (...)

(...) havia tambm, em seu cubculo, a lhe fazer companhia, uma jibia de nome MIRIAM; (...)

(...) que l na P. Ex. existe uma cobra de cerca de dois metros a qual foi colocada junto com o acusado em urna sala de dois metros por duas noites; (...)

(...) que, ao retornar sala de torturas, foi colocada no cho com um jacar sobre seu corpo nu; (...)

(...) que apesar de estar grvida na ocasio e disto ter cincia os seus torturadores (...) ficou vrios dias sem qualquer alimentao;

(...) que as pessoas que procediam os interrogatrios, soltavam ces e cobras para cima da interrogada; (...)

(...) que foi transferida para o DOI da P. Ex. da B. Mesquita, onde foi submetida a torturas com choque, drogas, sevcias sexuais, exposio de cobras e baratas; que essas torturas eram efetuadas pelos prprios Oficiais; (...)

(...) a interroganda quer ainda declarar que durante a primeira fase do interrogatrio foram colocadas baratas sobre o seu corpo, e introduzida uma no seu nus. (...)

Produtos qumicos

(...) que levou ainda um soro de Pentatotal, substncia que faz a pessoa falar, em estado de sonolncia; (...)

(...) havendo, inclusive, sido jogada uma substncia em seu rosto que entende ser cido que a fez inchar; (...)

(...) torturas constantes de choques eltricos em vrias partes do corpo, inclusive, nos rgos genitais e injeo de ter, inclusive com borrifos nos olhos, (...) que de 14 para 15 tomou uma injeo de soro da verdade pentotal; (...)

Leses fsicas

(..) que em determinada oportunidade foi-lhe introduzido no nus pelas autoridades policiais um objeto parecido com um limpador de garrafas; que em outra oportunidade essas mesmas autoridades determinaram que o interrogado permanecesse em p sobre latas, posio em que vez por outra recebia alm de murros, queimaduras de cigarros; que a isto as autoridades davam o nome de Viet Nan; que o interrogado mostrou a este Conselho uma marca a altura do abdmem como tendo sido leso que fora produzida pelas autoridades policiais (gilete); (...)

(...) o interrogado sofreu espancamento com um cassetete de alumnio nas ndegas, at deix-lo, naquele local, em carne viva, (...) o colocaram sobre duas latas abertas, que se recorda bem, eram de massa de tomates, para que ali se equilibrasse, descalo, e, toda vez em que ia perdendo o equilbrio acionavam uma mquina que produzia choque eltricos, o que obrigava ao interrogado recuperao do equilbrio; (...) Amarraram-no numa forquilha com as mos para trs e comearam a bater em todo corpo e colocaram-no, durante duas horas, em p com os ps em cima de duas latas de leite condensado e dois ties de fogo debaixo dos ps. (...)

(..) obrigaram o acusado a colocar os testculos espaldados na cadeira; que Miranda e o Escrivo Holanda com a palmatria procuravam acertar os testculos do interrogado; (...) o acusado sofreu o castigo chamado telefone, que consiste em tapas dados nos dois ouvidos ao mesmo tempo sem que a pessoa esteja esperando; que, em virtude deste castigo, o acusado ou uma srie de dias sem estar ouvindo; que trs dias aps o acusado ao limpar o ouvido notou que este havia sangrado; (...)

(..) foi o interrogado tirado do hospital, tendo sido novamente pendurado em uma grade, com os braos para cima, tendo sido lhe arrancada sua perna mecnica, colocado um capuz na cabea, amarrado seu pnis com uma corda, para impedir a urina; (...) Que, ao chegar o interrogado sala de investigaes, foi mandado amarrar seus testculos, tendo sido arrastado pelo meio da sala e pendurado para cima, amarrado pelos testculos; (...).

Outros modos e instrumentos de tortura

(...) A palmatria uma borracha grossa, sustentada por um cabo de madeira, (...) O enforcamento efetuado por uma pequena corda que, amarrada ao pescoo da vitima, sufoca-a progressivamente, at o desfalecimento. (. . .)

(...) que ou dois dias nesta sala de torturas sem comer, sem beber, recebendo sal em seus olhos, boca e em todo o corpo, de modo que aumentasse a condutividade de seu corpo; (...)

(...) que a estica a que se referiu, como um dos instrumentos de tortura, composta de dois blocos de cimento retangulares, como argolas s quais so prendidas as mos e os ps das pessoas ali colocadas com pulseiras de ferro, onde o interrogando foi colocado e onde sofreu espancamentos durante vrios dias, ou seja, de 12 de maio a 17 do mesmo ms; (...)

(...) As torturas psicolgicas eram intercaladas com choques eltricos e uma postura que chamavam de Jesus Cristo:

despido, em p, os braos esticados para cima e amarrados numa travessa. Era para desarticular a musculatura e os rins, explicavam. (...)

(...) continuaram a tortur-lo com processos desumanos, tais como: posio Cristo Redentor, com quatro volumes de catlogo telefnico em cada mo, e na ponta dos ps, nu, com pancadas no estmago e no peito, obrigando-o a erguer-se novamente.

(...) que vrias vezes seguidas procederam imerso da cabea do interrogando, a boca aberta, num tambor de gasolina cheio dgua, conhecida essa modalidade como banho chins; (...)

Tortura chinesa era tambm o nome utilizado pelos agentes do DOI-CODI de So Paulo para designar o tipo de suplcio a que foi submetido outro preso poltico, j no final de 1976:

(...) Com a aplicao destas descargas eltricas, meu corpo se contraia violentamente. Por inmeras vezes a cadeira caiu no cho e eu bati com a cabea na parede. As contraes provocavam um constante e forte atrito com a cadeira, causa dos hematomas e das feridas constatadas em meu corpo pelo laudo mdico. No contentes com este tipo de torturas, meus algozes resolveram submeter-me ao que chamavam tortura chinesa. Deitaram-me nu e encapuzado num colcho, amarraram minhas pernas e braos e prendiam estes ao meu pescoo. Para no deixarem marcas dos choques, colocaram pequenas tiras de gase nos meus dedos do p. Molharam meu corpo com gua, por vrias vezes, para que a descarga eltrica tivesse maior efeito. Os choques se sucederam at o fim do dia (...) Durante as descargas eltricas, os torturadores faziam galhofa com a minha situao de sade, afirmando que os choques iriam fazer-me louco ou curar a minha epilepsia (...)

Tortura em crianas, mulheres e gestantes

A tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil, indiferente a idade, sexo ou situao moral, fsica e psicolgica em que se encontravam as pessoas suspeitas de atividades subversivas. No se tratava apenas de produzir, no corpo da vtima, uma dor que a fizesse entrar em conflito com o prprio esprito e pronunciar o discurso que, ao favorecer o desempenho do sistema repressivo, significasse sua sentena condenatria. Justificada pela urgncia de se obter informaes, a tortura visava imprimir vtima a destruio moral pela ruptura dos limites emocionais que se assentam sobre relaes efetivas de parentesco. Assim, crianas foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grvidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para incriminar seus maridos.

Menores torturados

Ao depor como testemunha informante na Justia Militar do Cear, a camponesa Maria Jos de Souza Barros, de Japuara, contou, em 1973:

(...) e ainda levaram seu filho para o mato, judiaram com o mesmo, com a finalidade de dar conta de seu marido; que o menino se chama Francisco de Souza Barros e tem a idade de nove anos; que a polcia levou o menino s cinco horas da tarde e somente voltou com ele s duas da madrugada mais ou menos; (...)

A professora Maria Madalena Prata Soares, 26 anos, esposa do estudante Jos Carlos Novaes da Mata Machado, morto pelos rgos de segurana, narrou ao Conselho da Auditoria Militar de Minas Gerais, em 1973:

(...) que foi presa no dia 21.10.73, juntamente com seu filho menor Eduardo, de 4 anos de idade; que o motivo da priso era que a interroganda desse o paradeiro de seu esposo; que, durante 3 dias, em Belo Horizonte, foi pressionada (para dizer) onde estava Jos Carlos, da seguinte maneira: que, se no falasse, seu filho seria jogado do 20 andar, e isso durou 3 dias, (...); que na ltima noite que seu filho ou consigo, j estava bastante traumatizado, pois ele no conseguia entender porque estava preso e pedia para ela, interroganda, para no dormir, para ver a hora que o soldado viria busc-los; (...) ele no consegue entender o motivo do desaparecimento meu e de Jos Carlos; que o menino est traumatizado, com sentimento de abandono; (...)

Ao depor no Rio, em 1969, declara o carpinteiro paranaense Milton Gaia Leite, 30 anos:

(...) foi preso e torturado com tentativa de estupro, inclusive os seus filhos e esposa, tendo os filhos de cinco anos e sete (sido) presos, no s no Paran, e aqui (tambm); (...)

Em So Paulo, a estudante lra Ackselrud de Seixas, de 23 anos, viu seu irmo menor, com evidentes sinais de torturas, ser levado sua casa pela polcia, conforme narrou em seu depoimento, em 1972:

(...) alguns seres que invadiram a casa, ando a agredi-la e aos demais, derrubando tudo, estando seu irmo, na ocasio, ensanguentado, mancando e algemado, tendo ele apenas 16 anos de idade; (...)

Algumas crianas foram interrogadas, no intuito de se obter delas informaes que viessem a comprometer seus pais. O ex-deputado federal Digenes Arruda Cmara denunciou, em seu depoimento, em 1970, o que ocorreu filha de seu companheiro de crcere, o advogado Antnio Expedito Carvalho:

(...) ameaaram torturar a nica filha, de nome Cristina, com dez anos de idade, na presena do pai; ainda assim, no intimidaram o advogado, mas, de qualquer maneira, foram ouvir a menor e, evidentemente, esta nada tinha para dizer, embora as ameaas feitas inteis, por se tratar de uma inocente que, jamais, bvio, poderia saber de alguma coisa. (....)

Ao prenderem, em So Paulo, em 24 de junho de 1964, o publicitrio Jos Leo de Carvalho, no pouparam seus filhos mais novos:

(...) fazendo ameaas aos seus filhos menores, do que resultou, inclusive, a necessidade de tratamento mdico-psiquitrico no menino Srgio, ento com trs anos de idade; (...)

Na tentativa de fazerem falar o motorista Csar Augusto Teles, de 29 anos, e sua esposa, presas em So Paulo em 28 de dezembro de 1972, os agentes do DOI-CODI buscaram em casa os filhos menores deles e os levaram quela dependncia policial-militar, onde viram seus pais marcados pelas sevcias sofridas:

(...) Na tarde desse dia, por volta das 7 horas, foram trazidos sequestrados, tambm para a OBAN, meus dois filhos, Janaina de Almeida Teles, de 5 anos, e Edson Luiz de Almeida Teles, de 4 anos, quando fomos mostrados a eles com as vestes rasgadas, sujos, plidos, cobertos de hematomas. (...) Sofremos ameaas por algumas horas de que nossos filhos seriam molestados. ... .)

A companheira de Csar, professora Maria Amlia de Almeida Teles, tambm denunciou no mesmo processo:

(...) que, inclusive, ameaaram de tortura seus dois filhos; que torturaram seu marido tambm; que seu marido foi obrigado a assistir todas as torturas que fizeram consigo; que tambm sua irm foi obrigada a assistir suas torturas; (...)

A semelhante constrangimento foram submetidos os filhos do ferrovirio aposentado Joo Farias de Souza, 65 anos, ao ser preso em Fortaleza, em 1964:

(...) deveria declarar tudo quanto ele soubesse, sob pena de, se assim no o fizesse, ele (promotor) tinha autoridade para prender toda a sua famlia; que, no dia em que fizeram busca em sua residncia, a polcia havia levado dois de seus filhos, permanecendo naquela repartio at a hora em que o interrogado voltou sua residncia. ... .)

No h indcios de que seriam menores os filhos citados na denncia acima, bem como nos seguintes casos registrados nos autos de qualificao e interrogatrio, das Auditorias Militares brasileiras.

No Rio de Janeiro, consta no depoimento prestado, em 1970, pela operria Maria Elodia Alencar, de 38 anos:

(...) que a altas horas da noite foi levada sua residncia; que a porta foi arrombada e a depoente entrou acompanhada desses homens e, l, foi novamente espancada; (...) que prenderam e espancaram o filho da depoente; (...)

Tambm o radiotcnico Newton Cndido, de 40 anos, denunciou na Justia Militar em So Paulo, em 1977:

(...) que, em So Paulo, foi, juntamente com sua esposa e filhos, torturado; (...)

Os arquivos processuais das Auditorias Militares registram outros casos de sevcias envolvendo relaes de parentesco, como o do advogado Jos Afonso de Alencar, de 28 anos, conforme seu depoimento Justia Militar de Minas, em 1970:

(...) que a esposa de Carlos Melgao foi trazida para ver os espancamentos sofridos pelo interrogado, Melgao, nio, Mrio e Ricardo, sendo de notar que a esposa de Melgao, diante de tais cenas, desmaiou algumas vezes; (...)

O mesmo ocorreu com o estudante Luiz Artur Toribio, 22 anos, quando preso em So Paulo, em 1972:

(...) Como se isso no bastasse, foi torturado na frente de sua namorada, Lcia Maria Lopes de Miranda e, ela, torturada em sua presena. (...)

Em Fortaleza, consta, no depoimento prestado em 1972 pelo estudante Jos Calistrato Cardoso Filho, 29 anos:

(...) Que foi levado a referidas declaraes por ter sofrido torturas e maus-tratos, aplicados no apenas na pessoa do interrogando, como tambm noiva do interrogando e s irms destes; (...)

Mulheres torturadas

O sistema repressivo no. fez distino entre homens e mulheres. O que variou foi a forma de tortura. Alm das naturais diferenas sexuais da mulher, uma eventual gravidez a torna especialmente vulnervel. Por serem do sexo masculino, os torturadores fizeram da sexualidade feminina objeto especial de suas taras.

A engenheira Elsa Maria Pereira Lianza, de 25 anos, presa no Rio, narrou em seu depoimento, em 1977:

(...) que a interrogada foi submetida a choques eltricos em varias lugares do corpo, inclusive nos braos, nas pernas e na vagina; que o marido da interrogada teve oportunidade de presenciar essas cenas relacionadas com choques eltricos e os torturadores amplificavam os gritos da interrogada, para que os mesmos fossem ouvidos pelo seu marido; (...)

A bancaria Ins Etienne Romeu, 29 anos, denunciou:

(...) A qualquer hora do dia ou da noite sofria agresses fsicas e morais. Mrcio invadia minha cela para examinar meu nus e verificar se Camaro havia praticado sodomia comigo. Este mesmo Mrcio obrigou-me a segurar o seu pnis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante este perodo fui estuprada duas vezes por Camaro e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros. (...)

Maria do Socorro Digenes, de 29 anos, e Pedro, sofreram vexames sexuais como forma de tortura, segundo denncia dela Justia Militar do Rio, em 1972:

(...) que, de outra feita, a interrogada, juntamente com o acusado neste processo por nome de Pedro, receberam aplicao de choques, procedidos pelos policiais, obrigando a interrogada a tocar os rgos genitais de Pedro para que, dessa forma, recebesse a descarga eltrica; (...)

Violentada no crcere, a estudante de Medicina Maria de Ftima Martins Pereira, 23 anos, contou, no Rio, ao Conselho de Justia, em 1977:

(...) que, um dia, irromperam na geladeira, ela supe que cinco homens, que a obrigaram a deitar-se, cada um deles a segurando de braos e pernas abertas; que, enquanto isso, um outro tentava introduzir um objeto de madeira em seu rgo genital; (...)

Em Minas Gerais o mesmo se deu com a professora Maria Mendes Barbosa, de 28 anos, segundo seu depoimento, em 1970:

(...) nua, foi obrigada a desfilar na presena de todos, desta ou daquela forma, havendo, ao mesmo tempo, o capito PORTELA, nessa oportunidade, beliscado os mamilos da interrogada at quase produzir sangue; que, alm disso, a interrogada foi, atravs de um cassetete, tentada a violao de seu rgo genital; que ainda, naquela oportunidade, os seus torturadores faziam a autopromoo de suas possibilidades na satisfao de uma mulher, para a interrogada, e depois fizeram uma espcie de sorteio para que ela, interrogada, escolhesse um deles. (...)

No Rio, a funcionaria pblica Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de 25 anos, narrou, em 1970, como a foraram a atos degradantes com outros prisioneiros polticos:

(...) que nesta sala foram tirando aos poucos sua roupa; (..) que um policial, entre cales proferidos por outros policiais, ficou sua frente, traduzindo atos de relao sexual que manteria com a declarante, ao mesmo tempo em que tocava o seu corpo, tendo esta prtica perdurado por duas horas; que o policial profanava os seus seios e, usando uma tesoura, fazia como iniciar seccion-los; (...) que, na polcia do Exrcito, os trs presos foram colocados numa sala, sem roupas; que, inicialmente, chamaram Chael e fizeram-no beijar a declarante toda e, em seguida, chamaram Antonio Roberto para repetir esta pratica, (..) o cabo Nilson Pereira insistia para que a declarante o fitasse, sem o que no lhe entregaria a refeio, (...)

Em 1973, no Rio, o tribunal militar ouviu da revisora grfica Maria da Conceio Chaves Fernandes, de 19 anos:

(..) sofreu violncias sexuais na presena e na ausncia do marido; (...)

Gravidez e abortos

Para as foras repressivas, as razes de Estado predominavam sobre o direito vida. Muitas mulheres que, nas prises brasileiras, tiveram sua sexualidade conspurcada e os frutos do ventre arrancados, certamente preferiram calar-se, para que a vergonha suportada no casse em domnio pblico. Hoje, no anonimato de um ado marcante, elas guardam em sigilo os vexames e as violaes sofridas. No entanto, outras optaram por denunciar na Justia Militar o que padeceram, ou tiveram seus casos relatados por maridos e companheiros.

O auxiliar istrativo Jos Ayres Lopes, 27 anos, preso no Rio, declarou, em 1972:

(...) que, por vezes, foram feitas chantagem com o depoente em relao gravidez de sua esposa, para que o depoente itisse as declaraes, sob pena de colocar sua esposa em risco de aborto e, consequentemente, de vida; (...) 22

Idntica situao enfrentou, tambm no Rio e no mesmo ano, o estudante Jos Luiz de Arajo Saboya, de 23 anos:

(...) que durante o perodo em que esteve no DOPS, em seguida no CODI, a sua esposa se encontrava em estado de gestao e permaneceu detida como elemento de coao moral sobre o interrogando; (...)

No Recife, o Conselho de Justia ouviu, em 1970, este depoimento da estudante Helena Moreira Serra Azul, de 22 anos:

(...) que o marido da interrogada ficou na sala j referida e ela ouviu, do lado de fora, barulho de pancadas; que, posteriormente, foi reconduzida sala onde estava o seu marido, que se apresentava com as mos inchadas, a face avermelhada, a coxa tremendo e com as costas sem poder encostar na cadeira; que o Dr. Moacir Sales, dirigindo-se interrogada, disse que, se ela no falasse, ia acontecer o mesmo com ela; (...) na Delegacia, todos j sabiam que a interrogada estava em estado de gestao; (...)

Tambm no Recife, a mesma ameaa sofreu a vendedora Helena Mota Quintela, de 28 anos, conforme denunciou, em 1972:

(...) que foi ameaada de ter o seu filho arrancado ponta de faca; (...)

Em Braslia, a estudante Hecilda Mary Veiga Fonteles de Lima, de 25 anos, revelou, em 1972, como ocorreu o nascimento de seu filho, sob coao psicolgica e com acentuados reflexos somticos:

(...) ao saber que a interrogada estava grvida, disse que o filho dessa raa no devia nascer; (...) que a 17.10 foi levada para prestar outro depoimento no CODI, mas foi suspenso e, no dia seguinte, por estar ando mal, foi transportada para o Hospital de Braslia; que chegou a ler o pronturio, por distrao da enfermeira, constando do mesmo que foi internada em estado de profunda angstia e ameaa de parto prematuro; que a 20.2.72 deu luz e (24 horas aps o parto, disseram-lhe que ia voltar para o PIO; (...)

A mera coao psicolgica suficiente para provocar o aborto, como aconteceu estudante de Medicina Maria Jos da Conceio Doyle, de 23 anos, tambm em Braslia, em 1971:

(...) que a interroganda estava grvida de 2 meses e perdeu a criana na priso, embora no tenha sido torturada, mas sofreu ameaas; (...)

O mesmo deu-se em So Paulo com a professora Maria Madalena Prata Soares, de 26 anos, conforme seu depoimento prestado em 1974:

(...) que, durante sua priso em Minas, foi constatado que estava grvida e, em dia que no se recorda, abortou na OBAN; (...)

Outras mulheres abortaram em consequncia das torturas fsicas sofridas, como foi o caso da secretria Maria Cristina Uslenghi Rizzi, de 27 anos, que, em 1972, denunciou Justia Militar de So Paulo:

(...) sofreu sevcias, tendo, inclusive, um aborto provocado que lhe causou grande hemorragia, (...)

Em 1970, no Rio, a professora Olga DArc Pimentel, de 22 anos, fez constar de seu depoimento:

(...) sevcias, as quais tiveram, como resultado, um aborto; que presenciou, tambm, as sevcias praticadas em seu marido. (...)

O professor Luiz Andra Favero, de 26 anos, preso em Foz do Iguau, declarou na Auditoria Militar de Curitiba, em 1970, o que ocorrera a sua esposa:

(..) o interrogando ouviu os gritos de sua esposa e, ao pedir aos policiais que no a maltratassem, uma vez que a mesma se encontrava grvida, obteve como resposta uma risada; (...) que ainda, neste mesmo dia, teve o interrogando notcia de que sua esposa sofrera uma hemorragia, constatando-se posteriormente, que a mesma sofrera um aborto; (...)

Tambm em 1970, em seu depoimento no Rio, a estudante Regina Maria Toscano Farah, de 23 anos, contou:

(...) que molharam o seu corpo, aplicando consequentemente choques eltricos em todo o seu corpo, inclusive na vagina; que a declarante se achava operada de fissura anal, que provocou hemorragia; que se achava grvida, semelhantes sevcias lhe provocaram aborto; (...).

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