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Modos e instrumentos de
tortura
Reza
o artigo 59 da Declarao Universal dos Direitos Humanos, assinada
pelo Brasil: Ningum ser submetido tortura, nem a tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Em
vinte anos de Regime Militar, este princpio foi ignorado pelas
autoridades brasileiras. A pesquisa revelou quase uma centena de
modos diferentes de tortura, mediante agresso fsica, presso
psicolgica e utilizao dos mais variados instrumentos, aplicados
aos presos polticos brasileiros. A documentao processual
recolhida revela com riqueza de detalhes essa ao criminosa
exercida sob auspcio do Estado. Os depoimentos aqui parcialmente
transcritos demonstram os principais modos e instrumentos de tortura
adotados pela represso no Brasil.
O
pau-de-arara
(...)
O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que e atravessada entre os
punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o conjunto colocado
entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de
20 ou 30 cm. do solo. Este mtodo quase nunca utilizado
isoladamente, seus complementos normais so eletrochoques, a
palmatria e o afogamento. (...)
(...)
que o pau-de-arara era uma estrutura metlica, desmontvel, (...)
que era constitudo de dois tringulos de tubo galvanizado em que
um dos vrtices possua duas meias-luas em que eram apoiados e que,
por sua vez, era introduzida debaixo de seus joelhos e entre as suas mos
que eram amarradas e levadas at os joelhos; (...).
o
choque eltrico
(...)
O eletrochoque dado por um telefone de campanha do Exrcito que
possua dois fios longos que so ligados ao corpo, normalmente nas
partes sexuais, alm dos ouvidos, dentes, lngua e dedos. (...)
(...)
que foi conduzido s dependncias do DOI-CODI, onde foi torturado
nu, aps tomar um banho pendurado no pau-de-arara, onde recebeu
choques eltricos, atravs de um magneto, em seus rgos genitais
e por todo o corpo, (...) foi-lhe amarrado um dos terminais do magneto
num dedo de seu p e no seu pnis, onde recebeu descargas
sucessivas, a ponto de cair no cho, (...)
A pimentinha e dobradores de
tenso
(...)
havia uma mquina chamada pimentinha, na linguagem dos
torturadores, a qual era constituda de uma caixa de madeira; que no
seu interior tinha um m permanente, no campo do qual girava um
rotor combinado, de cujos terminais uma escova recolhia corrente eltrica
que era conduzida atravs de fios que iam dar nos terminais que j
descreveu; que essa mquina dava uma voltagem em torno de 100 volts e
de grande corrente, ou seja, em torno de 10 amperes; que detalha essa
mquina porque sabe que ela a base do princpio fundamental: do
princpio de gerao de eletricidade; que essa mquina era
extremamente perigosa porque a corrente eltrica aumentava em funo
da velocidade que se imprimia ao rotor atravs de uma manivela; que,
em seguida, essa mquina era aplicada com uma velocidade muito rpida
a uma parada repentina e com um giro no sentido contrrio, criando
assim uma fora contra eletromotriz que elevava a voltagem dos
terminais em seu dobro da voltagem inicial da mquina; (...)
(...)
um magneto cuja caracterstica era produzir eletricidade de baixa
voltagem e alta amperagem; que, essa mquina por estar condicionada
em uma caixa vermelha recebia a denominao de pimentnha;
(...)
(...)
que existiam duas outras mquinas que so conhecidas, na linguagem tcnica
da eletrnica, como dobradores de tenso, ou seja, a partir da
alimentao de um circuito eletrnico por simples pilhas de rdio
se pode conseguir voltagem de 500 ou 1000 volts, mas, com correntes eltricas
pequenas, como ocorreu nos cinescpios de televiso, nas bobinas
de carro; que essas mquinas possuam trs botes que
correspondiam a trs sees, fraca, mdia e forte, que eram
acionadas individual ou em grupo, o que, nesta dada hiptese,
somavam as voltagens das trs sees; (...)
(...)
dobradores de tenso alimentados pilha, que, ao contrrio do
magneto, produzem eletricidade de alta voltagem e baixa amperagem,
como as dos cinescpios de TVs; que, esta mquina produzia fasca
que queimava a pele e provocava choques violentos; (...)
O
afogamento
(...)
O afogamento um dos complementos do pau-de-arara. Um pequeno
tubo de borracha introduzido na boca do torturado e a a lanar
gua. (...)
(...),
e teve introduzido em suas narinas, na boca, uma mangueira de gua
corrente, a qual era obrigado a respirar cada vez que recebia uma
descarga de choques eltricos; (...)
(...)
afogamento por meio de uma toalha molhada na boca que constitu:
quando j se est quase sem respirar, recebe um jato dgua nas
narinas; (...)
A
cadeira do drago, de So Paulo
(...)
sentou-se numa cadeira conhecida como cadeira do drago, que uma
cadeira extremamente pesada, cujo assento de zinco, e que na parte
posterior tem uma proeminncia para ser introduzido um dos terminais
da mquina de choque chamado magneto; que, alm disso, a cadeira
apresentava uma travessa de madeira que empurrava as suas pernas
para trs, de modo que a cada espasmo de descarga as suas pernas
batessem na travessa citada, provocando ferimentos profundos; (...)
(...);
tambm recebeu choques eltricos, cadeira do drago que
uma cadeira eltrica de alumnio, tudo isso visando obteno de
suas declaraes. (...)
(...)
Despida brutalmente pelos policiais, fui sentada na cadeira do
drago, sobre uma placa metlica, ps e mos amarrados, fios eltricos
ligados ao corpo tocando lngua, ouvidos, olhos, pulsos, seios e rgos
genitais. (...).
A
cadeira do drago, do Rio
(...)
o interrogado foi obrigado a se sentar em uma cadeira, tipo barbeiro,
qual foi amarrado com correias revestidas de espumas, alm de
outras placas de espuma que cobriam seu corpo; que amarraram seus
dedos com fios eltricos, dedos dos ps e mos, iniciando-se, tambm,
ento uma srie de choques eltricos; que, ao mesmo tempo, outro
torturador com um basto eltrico dava choques entre as pernas e pnis
do interrogado;
(...)
uma cadeira de madeira pesada com braos cobertos de zinco ou
flandres, onde havia uma travessa que era utilizada para empurrar para
trs as pernas dos torturados; (...).
A
geladeira
(...)
que por cinco dias foi metida numa geladeira na polcia do Exrcito,
da Baro de Mesquita, (...)
(...)
que foi colocado nu em um ambiente de temperatura baixssima e dimenses
reduzidas, onde permaneceu a maior parte dos dias que l esteve; que
nesse mesmo local havia um excesso de sons que pareciam sair do teto,
muito estridentes, dando a impresso de que os ouvidos iriam
arrebentar; () 18
(...)
que, sendo, de novo, encapuzado, foi levado para um local totalmente
fechado cujas paredes eram revestidas de eucatex preto, cuja
temperatura era extremamente baixa; (...) que, naquela sala ouvia sons
estridentes, ensurdecedores, capaz at de produzir a loucura; (...)
(...)
conduzido para uma pequena sala de aproximadamente dois metros por
dois metros, sem janelas, com paredes espessas, revestidas de frmica
e com um pequeno visor de vidro escuro em uma das paredes; (...) a
partir desse instante, somente podia ouvir vozes que surgiam de alto
falantes instalados no teto, e que ou a ser xingado por uma
sucesso de palavras de baixo calo, gritadas por vrias vozes
diferentes, simultneas; que, imediatamente, ou a protestar tambm
em altos brados contra o tratamento inissvel de que estava sendo
vtima e que todos se calaram e as vozes foram substitudas por rudos
eletrnicos to fortes e to intensos que no escutou mais a prpria
voz; (..) que havia instantes que os rudos eletrnicos eram
interrompidos e que as paredes do cubculo eram batidas com muita
intensidade durante muito tempo por algo semelhante a martelo ou
tamanco e que em outras ocasies o sistema de ar era desligado e
permanecia assim durante muito tempo, tornando a atmosfera penosa,
ando ento a respirar lentamente; (...)
(...)
que inmeras foram as vezes em que foi jogado a um cubculo que
denominavam de geladeira, que tinha as seguintes caractersticas:
sua porta era do tipo frigorfico, medindo cerca de 2 metros por um
metro e meio; suas paredes eram todas pintadas de preto, possuindo uma
abertura gradeada ligada a um sistema de ar frio; que, no teto dessa
sala, existia uma lmpada fortssima; que, ao ser fechada a porta
ligavam produtores de rudos cujo som variava do barulho de uma
turbina de avio a uma estridente sirene de Fbrica; (...)
Algo
semelhante geladeira da Polcia do Exrcito, rua Baro
de Mesquita, na Tijuca, Rio, era a cabine do CENIMAR, na mesma cidade:
(...)
colocado em uma Cabine, local absolutamente escuro, assemelhado a uma
cela surda; que, no mencionado local havia um como sistema eltrico
que reproduzia sons dos mais diversos, lembrando sirenes, rudos
semelhantes a bombardeios, etc., tudo isto, com perodos
intercalados de absoluto silncio; (...)
(...)
havia tambm, em seu cubculo, a lhe fazer companhia, uma jibia de
nome MIRIAM; (...)
(...)
que l na P. Ex. existe uma cobra de cerca de dois metros a qual
foi colocada junto com o acusado em urna sala de dois metros por duas
noites; (...)
(...)
que, ao retornar sala de torturas, foi colocada no cho com um
jacar sobre seu corpo nu; (...)
(...)
que apesar de estar grvida na ocasio e disto ter cincia os
seus torturadores (...) ficou vrios dias sem qualquer alimentao;
(...)
que as pessoas que procediam os interrogatrios, soltavam ces e
cobras para cima da interrogada; (...)
(...)
que foi transferida para o DOI da P. Ex. da B. Mesquita, onde foi
submetida a torturas com choque, drogas, sevcias sexuais, exposio
de cobras e baratas; que essas torturas eram efetuadas pelos prprios
Oficiais; (...)
(...)
a interroganda quer ainda declarar que durante a primeira fase do
interrogatrio foram colocadas baratas sobre o seu corpo, e
introduzida uma no seu nus. (...)
Produtos
qumicos
(...)
que levou ainda um soro de Pentatotal, substncia que faz a pessoa
falar, em estado de sonolncia; (...)
(...)
havendo, inclusive, sido jogada uma substncia em seu rosto que
entende ser cido que a fez inchar; (...)
(...)
torturas constantes de choques eltricos em vrias partes do
corpo, inclusive, nos rgos genitais e injeo de ter,
inclusive com borrifos nos olhos, (...) que de 14 para 15 tomou uma
injeo de soro da verdade pentotal; (...)
Leses
fsicas
(..)
que em determinada oportunidade foi-lhe introduzido no nus pelas
autoridades policiais um objeto parecido com um limpador de garrafas;
que em outra oportunidade essas mesmas autoridades determinaram que
o interrogado permanecesse em p sobre latas, posio em que vez
por outra recebia alm de murros, queimaduras de cigarros; que a isto
as autoridades davam o nome de Viet Nan; que o interrogado mostrou
a este Conselho uma marca a altura do abdmem como tendo sido leso
que fora produzida pelas autoridades policiais (gilete); (...)
(...)
o interrogado sofreu espancamento com um cassetete de alumnio nas ndegas,
at deix-lo, naquele local, em carne viva, (...) o colocaram sobre
duas latas abertas, que se recorda bem, eram de massa de tomates,
para que ali se equilibrasse, descalo, e, toda vez em que ia
perdendo o equilbrio acionavam uma mquina que produzia choque eltricos,
o que obrigava ao interrogado recuperao do equilbrio; (...)
Amarraram-no numa forquilha com as mos para trs e comearam a
bater em todo corpo e colocaram-no, durante duas horas, em p com os
ps em cima de duas latas de leite condensado e dois ties de fogo
debaixo dos ps. (...)
(..)
obrigaram o acusado a colocar os testculos espaldados na cadeira;
que Miranda e o Escrivo Holanda com a palmatria procuravam
acertar os testculos do interrogado; (...) o acusado sofreu o
castigo chamado telefone, que consiste em tapas dados nos dois
ouvidos ao mesmo tempo sem que a pessoa esteja esperando; que, em
virtude deste castigo, o acusado ou uma srie de dias sem estar
ouvindo; que trs dias aps o acusado ao limpar o ouvido notou que
este havia sangrado; (...)
(..)
foi o interrogado tirado do hospital, tendo sido novamente pendurado
em uma grade, com os braos para cima, tendo sido lhe arrancada sua
perna mecnica, colocado um capuz na cabea, amarrado seu pnis com
uma corda, para impedir a urina; (...) Que, ao chegar o interrogado
sala de investigaes, foi mandado amarrar seus testculos, tendo
sido arrastado pelo meio da sala e pendurado para cima, amarrado pelos
testculos; (...).
Outros
modos e instrumentos de tortura
(...)
A palmatria uma borracha grossa, sustentada por um cabo de
madeira, (...) O enforcamento efetuado por uma pequena corda que,
amarrada ao pescoo da vitima, sufoca-a progressivamente, at o
desfalecimento. (. . .)
(...)
que ou dois dias nesta sala de torturas sem comer, sem beber,
recebendo sal em seus olhos, boca e em todo o corpo, de modo que
aumentasse a condutividade de seu corpo; (...)
(...)
que a estica a que se referiu, como um dos instrumentos de tortura,
composta de dois blocos de cimento retangulares, como argolas s
quais so prendidas as mos e os ps das pessoas ali colocadas com
pulseiras de ferro, onde o interrogando foi colocado e onde sofreu
espancamentos durante vrios dias, ou seja, de 12 de maio a 17 do
mesmo ms; (...)
(...)
As torturas psicolgicas eram intercaladas com choques eltricos e
uma postura que chamavam de Jesus Cristo:
despido,
em p, os braos esticados para cima e amarrados numa travessa. Era
para desarticular a musculatura e os rins, explicavam. (...)
(...)
continuaram a tortur-lo com processos desumanos, tais como: posio
Cristo Redentor, com quatro volumes de catlogo telefnico em cada
mo, e na ponta dos ps, nu, com pancadas no estmago e no peito,
obrigando-o a erguer-se novamente.
(...)
que vrias vezes seguidas procederam imerso da cabea do
interrogando, a boca aberta, num tambor de gasolina cheio dgua,
conhecida essa modalidade como banho chins; (...)
Tortura
chinesa era tambm o nome utilizado pelos agentes do DOI-CODI de So
Paulo para designar o tipo de suplcio a que foi submetido outro
preso poltico, j no final de 1976:
(...)
Com a aplicao destas descargas eltricas, meu corpo se contraia
violentamente. Por inmeras vezes a cadeira caiu no cho e eu bati
com a cabea na parede. As contraes provocavam um constante e
forte atrito com a cadeira, causa dos hematomas e das feridas
constatadas em meu corpo pelo laudo mdico. No contentes com este
tipo de torturas, meus algozes resolveram submeter-me ao que chamavam
tortura chinesa. Deitaram-me nu e encapuzado num colcho,
amarraram minhas pernas e braos e prendiam estes ao meu pescoo.
Para no deixarem marcas dos choques, colocaram pequenas tiras de
gase nos meus dedos do p. Molharam meu corpo com gua, por vrias
vezes, para que a descarga eltrica tivesse maior efeito. Os choques
se sucederam at o fim do dia (...) Durante as descargas eltricas,
os torturadores faziam galhofa com a minha situao de sade,
afirmando que os choques iriam fazer-me louco ou curar a minha
epilepsia (...)
Tortura
em crianas, mulheres e gestantes
A
tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil, indiferente a idade,
sexo ou situao moral, fsica e psicolgica em que se encontravam
as pessoas suspeitas de atividades subversivas. No se tratava apenas
de produzir, no corpo da vtima, uma dor que a fizesse entrar em
conflito com o prprio esprito e pronunciar o discurso que, ao
favorecer o desempenho do sistema repressivo, significasse sua sentena
condenatria. Justificada pela urgncia de se obter informaes, a
tortura visava imprimir vtima a destruio moral pela ruptura dos
limites emocionais que se assentam sobre relaes efetivas de
parentesco. Assim, crianas foram sacrificadas diante dos pais,
mulheres grvidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para
incriminar seus maridos.
Menores
torturados
Ao
depor como testemunha informante na Justia Militar do Cear, a
camponesa Maria Jos de Souza Barros, de Japuara, contou, em 1973:
(...)
e ainda levaram seu filho para o mato, judiaram com o mesmo, com a
finalidade de dar conta de seu marido; que o menino se chama Francisco
de Souza Barros e tem a idade de nove anos; que a polcia levou o
menino s cinco horas da tarde e somente voltou com ele s duas da
madrugada mais ou menos; (...)
A
professora Maria Madalena Prata Soares, 26 anos, esposa do estudante Jos
Carlos Novaes da Mata Machado, morto pelos rgos de segurana,
narrou ao Conselho da Auditoria Militar de Minas Gerais, em 1973:
(...)
que foi presa no dia 21.10.73, juntamente com seu filho menor Eduardo,
de 4 anos de idade; que o motivo da priso era que a interroganda desse
o paradeiro de seu esposo; que, durante 3 dias, em Belo Horizonte, foi
pressionada (para dizer) onde estava Jos Carlos, da seguinte maneira:
que, se no falasse, seu filho seria jogado do 20 andar, e isso durou 3
dias, (...); que na ltima noite que seu filho ou consigo, j
estava bastante traumatizado, pois ele no conseguia entender porque
estava preso e pedia para ela, interroganda, para no dormir, para ver
a hora que o soldado viria busc-los; (...) ele no consegue entender
o motivo do desaparecimento meu e de Jos Carlos; que o menino est
traumatizado, com sentimento de abandono; (...)
Ao
depor no Rio, em 1969, declara o carpinteiro paranaense Milton Gaia
Leite, 30 anos:
(...)
foi preso e torturado com tentativa de estupro, inclusive os seus filhos
e esposa, tendo os filhos de cinco anos e sete (sido) presos, no s
no Paran, e aqui (tambm); (...)
Em
So Paulo, a estudante lra Ackselrud de Seixas, de 23 anos, viu seu
irmo menor, com evidentes sinais de torturas, ser levado sua casa
pela polcia, conforme narrou em seu depoimento, em 1972:
(...)
alguns seres que invadiram a casa, ando a agredi-la e aos
demais, derrubando tudo, estando seu irmo, na ocasio,
ensanguentado, mancando e algemado, tendo ele apenas 16 anos de idade;
(...)
Algumas
crianas foram interrogadas, no intuito de se obter delas informaes
que viessem a comprometer seus pais. O ex-deputado federal Digenes
Arruda Cmara denunciou, em seu depoimento, em 1970, o que ocorreu
filha de seu companheiro de crcere, o advogado Antnio Expedito
Carvalho:
(...)
ameaaram torturar a nica filha, de nome Cristina, com dez anos de
idade, na presena do pai; ainda assim, no intimidaram o advogado,
mas, de qualquer maneira, foram ouvir a menor e, evidentemente, esta
nada tinha para dizer, embora as ameaas feitas inteis, por se
tratar de uma inocente que, jamais, bvio, poderia saber de alguma
coisa. (....)
Ao
prenderem, em So Paulo, em 24 de junho de 1964, o publicitrio Jos
Leo de Carvalho, no pouparam seus filhos mais novos:
(...)
fazendo ameaas aos seus filhos menores, do que resultou, inclusive,
a necessidade de tratamento mdico-psiquitrico no menino Srgio,
ento com trs anos de idade; (...)
Na
tentativa de fazerem falar o motorista Csar Augusto Teles, de 29 anos,
e sua esposa, presas em So Paulo em 28 de dezembro de 1972, os agentes
do DOI-CODI buscaram em casa os filhos menores deles e os levaram quela
dependncia policial-militar, onde viram seus pais marcados pelas sevcias
sofridas:
(...)
Na tarde desse dia, por volta das 7 horas, foram trazidos sequestrados,
tambm para a OBAN, meus dois filhos, Janaina de Almeida Teles, de 5
anos, e Edson Luiz de Almeida Teles, de 4 anos, quando fomos mostrados a
eles com as vestes rasgadas, sujos, plidos, cobertos de hematomas.
(...) Sofremos ameaas por algumas horas de que nossos filhos seriam
molestados. ... .)
A
companheira de Csar, professora Maria Amlia de Almeida Teles, tambm
denunciou no mesmo processo:
(...)
que, inclusive, ameaaram de tortura seus dois filhos; que torturaram
seu marido tambm; que seu marido foi obrigado a assistir todas as
torturas que fizeram consigo; que tambm sua irm foi obrigada a
assistir suas torturas; (...)
A
semelhante constrangimento foram submetidos os filhos do ferrovirio
aposentado Joo Farias de Souza, 65 anos, ao ser preso em Fortaleza, em
1964:
(...)
deveria declarar tudo quanto ele soubesse, sob pena de, se assim no o
fizesse, ele (promotor) tinha autoridade para prender toda a sua famlia;
que, no dia em que fizeram busca em sua residncia, a polcia havia
levado dois de seus filhos, permanecendo naquela repartio at a
hora em que o interrogado voltou sua residncia. ... .)
No
h indcios de que seriam menores os filhos citados na denncia
acima, bem como nos seguintes casos registrados nos autos de qualificao
e interrogatrio, das Auditorias Militares brasileiras.
No
Rio de Janeiro, consta no depoimento prestado, em 1970, pela operria
Maria Elodia Alencar, de 38 anos:
(...)
que a altas horas da noite foi levada sua residncia; que a porta
foi arrombada e a depoente entrou acompanhada desses homens e, l, foi
novamente espancada; (...) que prenderam e espancaram o filho da
depoente; (...)
Tambm
o radiotcnico Newton Cndido, de 40 anos, denunciou na Justia
Militar em So Paulo, em 1977:
(...)
que, em So Paulo, foi, juntamente com sua esposa e filhos, torturado;
(...)
Os
arquivos processuais das Auditorias Militares registram outros casos
de sevcias envolvendo relaes de parentesco, como o do advogado Jos
Afonso de Alencar, de 28 anos, conforme seu depoimento Justia
Militar de Minas, em 1970:
(...)
que a esposa de Carlos Melgao foi trazida para ver os espancamentos
sofridos pelo interrogado, Melgao, nio, Mrio e Ricardo, sendo de
notar que a esposa de Melgao, diante de tais cenas, desmaiou algumas
vezes; (...)
O
mesmo ocorreu com o estudante Luiz Artur Toribio, 22 anos, quando preso
em So Paulo, em 1972:
(...)
Como se isso no bastasse, foi torturado na frente de sua namorada, Lcia
Maria Lopes de Miranda e, ela, torturada em sua presena. (...)
Em
Fortaleza, consta, no depoimento prestado em 1972 pelo estudante Jos
Calistrato Cardoso Filho, 29 anos:
(...)
Que foi levado a referidas declaraes por ter sofrido
torturas e maus-tratos, aplicados no apenas na pessoa do interrogando,
como tambm noiva do interrogando e s irms destes; (...)
Mulheres
torturadas
O
sistema repressivo no. fez distino entre homens e mulheres. O
que variou foi a forma de tortura. Alm das naturais diferenas
sexuais da mulher, uma eventual gravidez a torna especialmente vulnervel.
Por serem do sexo masculino, os torturadores fizeram da sexualidade
feminina objeto especial de suas taras.
A
engenheira Elsa Maria Pereira Lianza, de 25 anos, presa no Rio, narrou
em seu depoimento, em 1977:
(...)
que a interrogada foi submetida a choques eltricos em varias lugares
do corpo, inclusive nos braos, nas pernas e na vagina; que o marido da
interrogada teve oportunidade de presenciar essas cenas relacionadas com
choques eltricos e os torturadores amplificavam os gritos da
interrogada, para que os mesmos fossem ouvidos pelo seu marido; (...)
A
bancaria Ins Etienne Romeu, 29 anos, denunciou:
(...)
A qualquer hora do dia ou da noite sofria agresses fsicas e
morais. Mrcio invadia minha cela para examinar meu nus e
verificar se Camaro havia praticado sodomia comigo. Este mesmo
Mrcio obrigou-me a segurar o seu pnis, enquanto se contorcia
obscenamente. Durante este perodo fui estuprada duas vezes por
Camaro e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua,
ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros. (...)
Maria
do Socorro Digenes, de 29 anos, e Pedro, sofreram vexames sexuais
como forma de tortura, segundo denncia dela Justia Militar do
Rio, em 1972:
(...)
que, de outra feita, a interrogada, juntamente com o acusado neste
processo por nome de Pedro, receberam aplicao de choques,
procedidos pelos policiais, obrigando a interrogada a tocar os rgos
genitais de Pedro para que, dessa forma, recebesse a descarga eltrica;
(...)
Violentada
no crcere, a estudante de Medicina Maria de Ftima Martins Pereira,
23 anos, contou, no Rio, ao Conselho de Justia, em 1977:
(...)
que, um dia, irromperam na geladeira, ela supe que cinco homens,
que a obrigaram a deitar-se, cada um deles a segurando de braos e
pernas abertas; que, enquanto isso, um outro tentava introduzir um
objeto de madeira em seu rgo genital; (...)
Em
Minas Gerais o mesmo se deu com a professora Maria Mendes Barbosa, de
28 anos, segundo seu depoimento, em 1970:
(...)
nua, foi obrigada a desfilar na presena de todos, desta ou daquela
forma, havendo, ao mesmo tempo, o capito PORTELA, nessa
oportunidade, beliscado os mamilos da interrogada at quase produzir
sangue; que, alm disso, a interrogada foi, atravs de um cassetete,
tentada a violao de seu rgo genital; que ainda, naquela
oportunidade, os seus torturadores faziam a autopromoo de suas
possibilidades na satisfao de uma mulher, para a interrogada, e
depois fizeram uma espcie de sorteio para que ela, interrogada,
escolhesse um deles. (...)
No
Rio, a funcionaria pblica Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de 25 anos,
narrou, em 1970, como a foraram a atos degradantes com outros
prisioneiros polticos:
(...)
que nesta sala foram tirando aos poucos sua roupa; (..) que um policial,
entre cales proferidos por outros policiais, ficou sua frente,
traduzindo atos de relao sexual que manteria com a declarante, ao
mesmo tempo em que tocava o seu corpo, tendo esta prtica perdurado
por duas horas; que o policial profanava os seus seios e, usando uma
tesoura, fazia como iniciar seccion-los; (...) que, na polcia do Exrcito,
os trs presos foram colocados numa sala, sem roupas; que,
inicialmente, chamaram Chael e fizeram-no beijar a declarante toda e,
em seguida, chamaram Antonio Roberto para repetir esta pratica, (..) o
cabo Nilson Pereira insistia para que a declarante o fitasse, sem o que
no lhe entregaria a refeio, (...)
Em
1973, no Rio, o tribunal militar ouviu da revisora grfica Maria da
Conceio Chaves Fernandes, de 19 anos:
(..)
sofreu violncias sexuais na presena e na ausncia do marido; (...)
Gravidez
e abortos
Para
as foras repressivas, as razes de Estado predominavam sobre o
direito vida. Muitas mulheres que, nas prises brasileiras, tiveram
sua sexualidade conspurcada e os frutos do ventre arrancados,
certamente preferiram calar-se, para que a vergonha suportada no casse
em domnio pblico. Hoje, no anonimato de um ado marcante, elas
guardam em sigilo os vexames e as violaes sofridas. No entanto,
outras optaram por denunciar na Justia Militar o que padeceram, ou
tiveram seus casos relatados por maridos e companheiros.
O
auxiliar istrativo Jos Ayres Lopes, 27 anos, preso no Rio,
declarou, em 1972:
(...)
que, por vezes, foram feitas chantagem com o depoente em relao
gravidez de sua esposa, para que o depoente itisse as declaraes,
sob pena de colocar sua esposa em risco de aborto e, consequentemente,
de vida; (...) 22
Idntica
situao enfrentou, tambm no Rio e no mesmo ano, o estudante Jos
Luiz de Arajo Saboya, de 23 anos:
(...)
que durante o perodo em que esteve no DOPS, em seguida no CODI, a
sua esposa se encontrava em estado de gestao e permaneceu detida
como elemento de coao moral sobre o interrogando; (...)
No
Recife, o Conselho de Justia ouviu, em 1970, este depoimento da
estudante Helena Moreira Serra Azul, de 22 anos:
(...)
que o marido da interrogada ficou na sala j referida e ela ouviu, do
lado de fora, barulho de pancadas; que, posteriormente, foi reconduzida
sala onde estava o seu marido, que se apresentava com as mos
inchadas, a face avermelhada, a coxa tremendo e com as costas sem poder
encostar na cadeira; que o Dr. Moacir Sales, dirigindo-se
interrogada, disse que, se ela no falasse, ia acontecer o mesmo com
ela; (...) na Delegacia, todos j sabiam que a interrogada estava em estado
de gestao; (...)
Tambm
no Recife, a mesma ameaa sofreu a vendedora Helena Mota Quintela, de
28 anos, conforme denunciou, em 1972:
(...)
que foi ameaada de ter o seu filho arrancado ponta de faca;
(...)
Em
Braslia, a estudante Hecilda Mary Veiga Fonteles de Lima, de 25 anos,
revelou, em 1972, como ocorreu o nascimento de seu filho, sob coao
psicolgica e com acentuados reflexos somticos:
(...)
ao saber que a interrogada estava grvida, disse que o filho dessa raa
no devia nascer; (...) que a 17.10 foi levada para prestar outro
depoimento no CODI, mas foi suspenso e, no dia seguinte, por estar
ando mal, foi transportada para o Hospital de Braslia; que chegou
a ler o pronturio, por distrao da enfermeira, constando do mesmo
que foi internada em estado de profunda angstia e ameaa de parto
prematuro; que a 20.2.72 deu luz e (24 horas aps o parto,
disseram-lhe que ia voltar para o PIO; (...)
A
mera coao psicolgica suficiente para provocar o aborto, como
aconteceu estudante de Medicina Maria Jos da Conceio Doyle, de
23 anos, tambm em Braslia, em 1971:
(...)
que a interroganda estava grvida de 2 meses e perdeu a criana na
priso, embora no tenha sido torturada, mas sofreu ameaas; (...)
O
mesmo deu-se em So Paulo com a professora Maria Madalena Prata
Soares, de 26 anos, conforme seu depoimento prestado em 1974:
(...)
que, durante sua priso em Minas, foi constatado que estava grvida e,
em dia que no se recorda, abortou na OBAN; (...)
Outras
mulheres abortaram em consequncia das torturas fsicas sofridas,
como foi o caso da secretria Maria Cristina Uslenghi Rizzi, de 27
anos, que, em 1972, denunciou Justia Militar de So Paulo:
(...)
sofreu sevcias, tendo, inclusive, um aborto provocado que lhe causou
grande hemorragia, (...)
Em
1970, no Rio, a professora Olga DArc Pimentel, de 22 anos, fez
constar de seu depoimento:
(...)
sevcias, as quais tiveram, como resultado, um aborto; que presenciou,
tambm, as sevcias praticadas em seu marido. (...)
O
professor Luiz Andra Favero, de 26 anos, preso em Foz do Iguau,
declarou na Auditoria Militar de Curitiba, em 1970, o que ocorrera a sua
esposa:
(..)
o interrogando ouviu os gritos de sua esposa e, ao pedir aos policiais
que no a maltratassem, uma vez que a mesma se encontrava grvida,
obteve como resposta uma risada; (...) que ainda, neste mesmo dia,
teve o interrogando notcia de que sua esposa sofrera uma hemorragia,
constatando-se posteriormente, que a mesma sofrera um aborto; (...)
Tambm
em 1970, em seu depoimento no Rio, a estudante Regina Maria Toscano
Farah, de 23 anos, contou:
(...)
que molharam o seu corpo, aplicando consequentemente choques eltricos
em todo o seu corpo, inclusive na vagina; que a declarante se achava
operada de fissura anal, que provocou hemorragia; que se achava grvida,
semelhantes sevcias lhe provocaram aborto; (...).
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