Monografias Direitos Humanos
Direitos Humanos 3p11u
Os
caminhos da Pedra
Marlene
Pereira de Araujo
Trabalho
da disciplina Teorias Semiticas,
professores Soraya Ferreira e
Ivan Santo Barbosa
Faculdade Csper Lbero
Julho/2000
Introduo
Os percursos da hipermdia
Direitos e Desejos
O portal e os seus caminhos
O ndio e a pedra
Concluso
Bibliografia Bsica
Introduo
A
internet vem se configurando como uma mdia
capaz de interligar pessoas nos mais diferentes
pontos do mundo, comportando em suas mensagens
os mais diversos tipos de textos, como o verbal,
o sonoro e a imagem.
A proposta deste trabalho analisar
o fenmeno internet relacionado
utilizao da multimdia,
ou seja, utilizao de
diferentes mdias dentro de um site,
focalizando a diversidade de linguagens e as
mltiplas possibilidades de caminhos
existentes no texto.
O
portal escolhido para ser objeto de anlise
- Dhnet, Rede de Telemtica Direitos
Humanos & Cultura - confirma de forma singela
esta dinmica da nova mdia, que
caminha para ser “a mdia”.
Por outro lado, ele permitir a esta
mestranda a apropriao do estudo
para seu projeto de pesquisa no curso - TV prpria
via Internet.
Aps muita pesquisa, a escolha se deu
pelo fato do portal preencher os pr-requisitos
do projeto (ser de entidade sem fins lucrativos,
terceiro setor, ligada questo
de sade, educao ou cidadania)
e por fazer uso de recursos de multmda
na internet.
Para analisar a pea , cujo e e
meio uma rede de computadores foi preciso
recorrer aos conceitos de hipertexto e hipermdia.
Assim, o trabalho procura abordar alguns conceitos
que envolvem o hipertexto, os aspectos da estrutura
e narrativa do site, relacionando-os
parte conceitual, e por fim tenta fazer uma
anlise semitica de dois elementos
sgnicos presentes no portal.
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Os
percursos da hipermdia
A humanidade assiste a uma mudana veloz
nos padres de comunicao
e linguagem provocada pela informtica,
sobretudo nos centros urbanos. No assiste
sentada, no entanto. A espcie humana
caminha junto com as transformaes
da qual protagonista e sujeito. Transformaes
essas desencadeadas pelos computadores pessoais
e por sua rede de articulaes.
No ciberespao, o tempo e o espao
fsico j no so
to importantes, assim como a ordem do
universo estabelecida por Cronos. Neste aparente
caos, a vida se organiza a partir de ns
de ligao, de elos que mantm
um ponto em contato com outro, bastando para
isto de uma ao do viajante que
se dispe a peregrinar, se aventurando
nas bifurcaes dos caminhos hipermediticos
oferecidos.
Muito se tem falado sobre o papel da hipermdia
e do hipertexto nestas transformaes,
principalmente no que toca s alteraes
sofridas pela narrativa e pela relao
criador/autor e navegante/leitor. Segundo conceito
definido por Pierre Lvy o hipertexto
tecnicamente seria “um conjunto de ns
ligados por conexes”. Esses ns
ou links podem ser "palavras, pginas,
imagens, grficos ou parte de grficos,
fotos, seqncia sonora, documentos
complexos que podem eles mesmos ser hipertextos”.(1993:33)
O novo e, ento, formado
por links de ns que possibilitam o uso
de diferentes recursos lingsticos
num mesmo texto e que quando acionados remetem
a muitas possibilidades de caminhos de leitura.
Em outros palavras, os links so vnculos
eletrnicos que ligam blocos de informaes.
Esses blocos de informaes podem
ser formados por vrios elementos textuais,
audiovisuais e outros. So as unidades
bsicas de informao,
tecnicamente conhecidas como lexias. O conceito
de lexias j havia sido usado anteriormente
por Roland Bathes para designar blocos de textos
significativos.
A Hipermdia, por sua parte,
o conjunto interativo de formas e contedos
inter-relacionados num mesmo texto de diferentes
mdias, se apropriando dos mais variados
tipos de linguagens. Ela incorpora os recursos
disponveis no hipertexto e algumas caractersticas
da multimdia. um hipertexto
multimdia, podendo reunir num mesmo
site o texto verbal, o texto analgico
(imagens semelhana do real
como a fotografia), o desenho, o movimento,
a linguagem sonora, a linguagem audiovisual
(sons e imagens).
Esses elementos, que j existiam em es
diferentes, depois de transportados para o novo
e, na maioria das vezes mantm,
se vistos isolados, as suas caractersticas
bsicas. , no entanto, a combinao
desses elementos que faz o sentido das obras
hipermediticas, sejam elas artsticas,
meramente simblicas, sejam comerciais
ou informativas, ou de outros interesses.
“A disponibilidade instantnea de
todas as possibilidades articulatrias
do texto verbo-audiovisual favorece uma arte
combinatria, uma arte potencial, em
que, em vez de se ter uma obra acabada, tem-se
apenas seus elementos e suas leis de permutao
definidas por um algoritmo combinatrio.
A obra agora se realiza exclusivamente no ato
de leitura e em cada um desses atos ela assume
uma forma diferente, embora, no limite, inscrita
no potencial dado pelo algoritmo. Cada leitura
, num certo sentido, a primeira e a
ltima” (Machado, 1997, p.146).
Neste
sentido, o sujeito enunciador fornece o programa
e o sujeito atualizador realiza parte das possibilidades
apresentadas. Temos, ento, dois sujeitos,
o criador, aquele que produz, e o leitor, que
o torna realidade.
“Com os mais recentes formatos de armazenamento
das informaes computacionais,
o receptor pode entrar no dispositivo textual
a partir de qualquer ponto, seguir para qualquer
direo e retornar a qualquer
endereo percorrido” ( Machado,
1997, p146).
O hipertexto permite que a narrativa oferecida
pelo autor traga diferentes contextos e inter-relacionamentos.
O leitor por sua vez, vai reconstru-la
numa outra seqncia, gerando novos
significados, atravs de operaes
associativas que estabelece.
Como conseqncia, o rompimento com
a linearidade do texto. O autor comporia sua
obra de forma no linear e o leitor a
atualizaria na seqncia que preferisse.
“A quase instantaneidade da agem de
um n a outro permite generalizar e utilizar,
em toda a sua extenso, o princpio
da no linearidade. Isto se torna a norma,
um novo sistema de escrita, uma metamorfose,
batizada de navegao”.
(Pierre Lvy ,1994:37).
A diviso do texto e o o a seus
fragmentos faz com que o navegante perca, por
um momento, a noo do todo. Somente
no final da caminhada que ele pode
interpretar o espao visual que percorreu,
de acordo com o percurso realizado.
As ramificaes provocadas pelos
ns do hipertexto se constituem em um
labirinto. E dentro desse labirinto
que cabe ao leitor/navegante, e somente a ele,
a opo por este ou aquele percurso.
A sua opo no o livrar
da responsabilidade. frente uma nova
encruzilhada, e o caminho se bifurca novamente,
e novamente mais uma ao do navegante,
que tem a opo de abandonar
os percursos, tentar voltar ao ponto de partida,
ou continuar seguindo frente como um desbravador/realizador
em busca do conhecimento.
Por isso, o papel do usurio/leitor/navegante
na leitura de um texto hipermeditico
no pode ser ignorado. Disposto diante
de uma tela, com teclado e mouse ao alcance
da mo, dele a deciso
do percurso a ser seguido dentro das opes
apresentadas.
A importncia da ao do
usurio compartilha por alguns
semioticistas. “Os sistemas de computador
no so vistos apenas como mdia
semitica operada por meio de signos
a serem interpretados pelos usurios,
mas a prpria ao dos
usurios tambm parte
da produo de signos numa semiose
de intercmbios.”(Santaella 1996:219).
Para Santaella, o computador um meio,
um signo genuno, onde h
um predomnio da terceiridade. “Se
considerarmos o termo signo no sentido peirciano
como um sinnimo de meio (medium), o computador
, de fato, um tipo muito especial de
meio, uma vez que todos os significados que
Pierce deu a palavra signo so aplicveis
ao computador. Ele a mediao
ou terceiro. tambm um signo
ou meio na relao tridica
do signo, objeto e interpretante. Alm
disso, o computador pode agir como um interpretante
num outro processo de semiose, e finalmente
tambm pode ser o objeto num processo
de semiose adicional”.
Uma outra questo que causa muita polmica
quando abordada e envolve o papel do navegante
no hipertexto, a interatividade. Para
muitos ela entendida como as diversas
possibilidades que esto armazenadas
no banco de dados do hipertexto e que so
oferecidas ao usurio como caminhos a
percorrer. Seria interao entre
o navegante e o texto disponvel. H
quem veja neste movimento um ato de comunicao
ainda unidirecional e considere como interatividade
apenas quando o emissor e receptor trocam os
papeis constantemente, numa ao
bidirecional. A interatividade, neste ltimo
sentido pode ser aplicvel Hipermdia,
mas ainda pouco explorada.
No
portal Dhnet – Rede de Telemtica
Direito e Cultura, objeto de anlise
neste trabalho, a interatividade aparece muito
timidamente em algumas pginas, quando
se solicita ao usurio emitir sua opinio
sobre determinado texto, informando-o sobre
a possibilidade de apropriao
da idia, ou at mesmo em algum
contedo artstico que solicita
a participao do navegante para
compor parte da obra.

Entrada
principal do Dhnet
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Direitos
e Desejos
Os direitos humanos e a cidadania so
o principal contedo do objeto a ser
analisado neste trabalho: DHnet - Rede de Telemtica
Direitos Humanos e Cultura . Para entender um
pouco o contedo do portal, se faz necessrio
um pequeno relato histrico sobre o seu
grupo criador/fundador.
O Dhnet um projeto do Centro de Direitos
Humanos e Memria Popular de Natal, Rio
Grande do Norte. Fundado em 1978 por pessoas
ligadas Igreja Catlica, o centro
surgiu para colaborar com Movimento Nacional
pela Anistia. O vnculo com a Igreja
se mantm, de certa forma, at
hoje.
Um outro componente que pesa na atuao
do centro a herana histrica
deixada pelos movimentos sociais ligados
Igreja do Rio Grande do Norte de utilizao
dos meios de comunicao para
propagar as suas idias. J na
dcada de 50, eles irradiavam atravs
da Rdio Rural, nas reas rurais
de Mossor, Caic e Natal.
Por isso, a comunicao sempre
foi uma prioridade para o centro, sendo que,
no incio, suas aes eram
voltadas a rdios populares. Pouco depois,
o grupo entra em cena com a produo
de slides para cursos de educao
popular.
No final dos anos 80, com assessoria da ABVP
- Associao Brasileira de Vdeo
Popular, o centro se empenhou em produzir vdeos.
O sucesso da experincia levaria o grupo
a colocar no ar a tev comunitria
Cidade Esperana, num bairro da periferia
de Natal.
O
o seguinte seria a informtica e,
no comeo dos anos 90, o grupo comea
a pensar em fazer um BBS. A data histrica
foi o 1 de Maio de 95, dia em que o Brasil
entra oficialmente na Internet e o grupo deixar
sua marca no ciberespao, operando o
BBS Direito Humanos & Cultura.
O
Dhnet viria na seqncia, em 1997,
com o forte propsito de estar inserido
num esquema de agitao, de fazer
uma guerrilha eletrnica e esttica.
A internet a a ser um e ideal para
o grupo que, apesar de poucos recursos financeiros,
mantm o site e produz Cd Rom multimdia.
A priorizao da comunicao
tambm uma forma de garantir
a segurana do grupo. O trabalho envolve
denncia sobre o no exerccio
dos direitos humanos, denncia contra
grupos de extermnio, esquadres
da morte, alm de estar inserido em vrios
movimentos populares.
Pessoas ligadas ao grupo correm constantemente
risco de vida. Em outubro de 1996, o advogado
Gilson Nogueira, integrante do centro, foi morto
quando investigava as atividades de um esquadro
da morte no Rio Grande do Norte. Na mesma hora,
o grupo mandava e-mail para os principais veculos
de comunicao do pas
e para organizaes internacionais,
conseguindo forte cobertura da imprensa.
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O
portal e os seus caminhos
Auto-intitulado
provedor de informao, o portal
DHnet – Rede de Telemtica Direitos
Humanos e Cultura um dos maiores bancos
de dados de direitos humanos do pas.
Os trabalhos desenvolvidos no ado e no presente
pelo seu grupo criador, bem como os de outras
pessoas e entidades relacionados aos temas
direitos humanos e cidadania, so disponibilizados
aos interessados utilizando-se os recursos do
hipertexto.
O DHnet um portal multimdia
e consegue se manter de forma harmnica
e com contedo. As experincias
vivenciadas anteriormente foram todas incorporadas
no novo e e o site disponibiliza aos navegantes
uma rdio, uma tev que veicula
vdeos e se arrisca em algumas transmisses
em tempo real, quadrinhos, fotos e textos verbais
das mais diversas fontes. Trata-se de uma forma
combinatria e interativa de muitas mdias,
onde o tema central, Direitos Humanos e Cidadania,
pode ser percebido em todas as pginas
visitadas.
O
navegante ao entrar no DHnet vai se deparar
com uma estrutura hipertextual com vrios
caminhos que podero ou no ser
trilhados. A entrada principal pode ser ada
pelo endereo eletrnico ou atravs
de cones disponibilizados em pginas
de outras ongs, instituies ligadas
ao tema central, ou sites de buscas.
Nesta entrada, o navegante vai visualizar um
quadro em movimento onde um ndio caminha
e aponta para uma pedra esverdeada. Ao clicar
sobre o quadro ele ter o
pgina principal, onde as mltiplas
opes fazem com ele pare e verifique
qual rumo tomar.
Do
lado esquerdo da pgina h uma
coluna, em cujo canto superior se tem a imagem
em movimento do rosto do ndio segurando
a pedra. Logo abaixo, uma pedra esverdeada multifacetada,
com nomes de grandes temas ligados de alguma
forma ao tema central. Trata-se do menu principal.
Cada faceta um link, um n.
Ao clicar nos links, o navegante levado
a lexias mltiplas. So pginas
temticas onde esto disponveis
blocos de informao e outros
links que am arquivos de textos verbal,
sonoro, sonoro-verbal, audiovisual, fotogrfico
e quadrinhos.
Esta coluna com a pedra multifacetada
como uma viga, um eixo central, e visualizada
em todas as pginas do portal, possibilitando
ao navegante mudar o rumo do seu percurso no
momento que assim desejar.
Na pgina principal, o navegante tambm
vai encontrar um outro menu com os nomes das
mdias e sesses que poder
ar. Outra vez estamos diante de ns,
que levam a diversos percursos.
O
menu aparece na maioria das pginas,
sobretudo nas janelas principais, que so
as pginas temticas e as pginas
das mdias e sesses, e em algumas
pginas lincadas a essas janelas. Normalmente
as pginas sem menu esto relacionadas
a projetos e materiais artsticos e literrios.
As
janelas tambm tm um menu prprio
dividido por temas ou sesses, que vo
disponibilizar arquivos. As janelas reproduzem
assim o mesmo esquema da pgina central,
com um menu prprio visvel nas
suas pginas internamente lincadas, alm
de dar a opo do menu pedra e
do menu das mdias e sesses.
Uma outra caracterstica presente em
todas as pginas so os hotwords
(palavras com link). Elas so diferenciadas
porque neste portal sempre aparecem grifadas.
Clicando nessas palavras pode se ter o,
entre outros, a assuntos temticos,
notcias, documentos, arquivos multimdias,
material cultural e artsticos.
A estrutura do Dhnet lembra a metfora
do labirinto, proporcionando uma leitura a partir
de links que vo remetendo a outras pginas
que por sua vez tambm remetem a outras.
Os caminhos so mediaes
entre diferente lugares e tempos. Em determinados
locais, o usurio pode notar que j
esteve naquele ponto por um outro caminho. So
as referncias cruzadas, onde se tem a
impresso de estar andando em crculo.
Tanto a pedra, quanto o menu das mdias
e sesses e as hotword podem conduzir
em determinado momento a um ponto comum. Quando
o navegante clica no tema cultura e arte da
pedra remetido a muitas opes;
algumas delas estaro, por exemplo, no
menu da pgina WebTV Dhnet, ou numa hotword
da pgina DHnet. como uma trama,
uma malha que vai constituindo o sentido de
uma rede dentro do portal, de uma rede telemtica.
Os
textos esto escondidos, mas latentes,
e a qualquer instante, numa ao
do leitor ativo, por descuido ou por interesse,
eles surgem pouco a pouco de forma fragmentada,
a cada clicada.
A
narrativa segue uma no linearidade no
que diz respeito ordem em que so
colocadas as idias, as propostas, os
textos. O navegante leitor pode seguir at
o final daquele percurso, ou por ao
prpria, se voltar para um n,
pode parar em outra pgina, outro assunto.
A opo de retorno sempre existe.
a partir deste movimento dentro da estrutura
do hipertexto que o navegante vai estabelecendo
a sua leitura, atravs de operaes
associativas, atribuindo ao enunciado significados
diferentes em relao aos que
os outros navegantes estabeleceriam.
O poder de escolha do percurso tira do autor
a prerrogativa de ditar o caminho de leitura
dentro de sua obra. Se antes, o prprio
significado do texto j saa do
domnio do autor, onde o leitor estava
exposto a uma polissemia (muitas significaes),
agora tambm a seqncia narrativa,
que j vinha sendo contestada h
muito tempo, permite ao navegante montar o seu
prprio sentido para o texto.
A linearidade aqui no est associada
estrutura das frases, mas
seqncia escolhida pelo leitor.
A narrativa dos textos verbais, dos poemas,
pensamentos, artigos, literatura, informao
do site na maioria das vezes transportada
linearmente, de modo que o leitor tem o
ao todo do texto, somente considerando-se o
arquivo aberto no ato de clicar, quando faz
uso da barra de rolagem. Isto se deve
utilizao dos diferentes arquivos
produzidos pelo grupo e por artistas que, ao
menos aparentemente, foram apenas incorporados
e no trabalhados com uma linguagem para
a hipermdia.
Visualmente, a pgina central e as janelas
principais, com exceo das janelas
de sesses, lembram a paginao
de uma revista. As janelas das pginas
temticas so divididas em quatro
colunas, a da esquerda faz parte da estrutura
central do site e as outras trs formam
uma pgina propriamente dita. Considerando-se
somente essas trs colunas, a coluna central
traz elementos verbais ou visuais que tentam
sintetizar ou explicar os assuntos das pginas.
As outras colunas tratam de assuntos diversos,
mantendo na parte superior uma imagem (fotogrfica
ou de desenho).
A forma do portal suave, em certo aspectos
divertida, com charges, e contrasta com o contedo
pesado relacionado ao tema. Na pgina
de denncias, por exemplo, h
na coluna do meio o desenho de uma garrafinha
com uma mensagem dentro flutuando em guas.
A garrafinha faz lembrar os pedidos desesperados
de s.o.s. jogados ao mar para um destinatrio
desconhecido providenciar a ajuda. O navegante
pode visualizar sem querer a garrafa ao flutuar
pela pgina e se lembrar de algum caso
contra os direitos humanos; e querer ser o porta-voz,
ou ser ele mesmo o autor da mensagem.
A incorporao de contedos
em forma de poemas e msicas de diversas
autorias e estilos, muitos ligadas
cultura e a memria popular, caracteriza
o site como um caldeiro efervescente
de idias e estticas mltiplas.
Trata-se de uma relao de movimento
dialtico entre forma e contedo
que sintetiza a luta pelos direitos e desejos
humanos como uma forma agradvel e potica
de se vivenciar o mundo.
As
diferentes autorias expressas em arquivos artsticos,
culturais ou reflexivos uma outra caracterstica
do site e provocam uma polifonia, conforme
os conceitos de Bakhtin, onde as vozes que constituem
o texto podem dialogar entre si e ser ouvidas.
Segundo Diana Luz Barros, todo texto
dialgico, as vozes porm podem
aparecer ou no de forma explicita. “Os
textos so dialgicos porque resultam
do embate de muitas vozes sociais; podem no
entanto produzir efeitos de polifonia, quando
essas vozes ou algumas delas deixam-se escutar,
ou de monofonia, quando o dilogo
mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir”,
Barros (1994:6).
O dialogismo um princpio “constitutivo
da linguagem e de todo o discurso”, j
a polifonia, conforme Barros empregada
para caracterizar “um certo tipo de texto,
aquele em que se deixam entrever muitas vozes”.
O Dhnet estende esta polifonia para fora do
endereo do portal, ao possibilitar
em vrias pginas a entrada para
outros sites, pois ele mesmo est inserido
em outros sites. A coluna esquerda,
viga central com o ndio e a pedra,
permanece e os elementos externos so
acomodados no espao destinado s
pginas, dando a impresso que
a rede de computadores foi trazida para dentro
do portal.
Srgio Capparelli e Raquel Ritter Longhi
(1999:32) descrevem uma situao
prxima a esta ao analisarem a hiperfico
“A Dama de Espada (S)”, de Marcos
Palcios. “A presena das
pginas da Web no corpo da hiperfico,
que significam documentos externos ao texto,
tambm permitir o surgimento
de uma caracterstica interessante neste
tipo de narrativa, qual seja, a multivocalidade,
uma pluralidade de elementos lingisticos
que se comunicam atravs de um relacionamento
dialgico”.
Esta inter-relao de vozes termina
sendo uma das caractersticas do portal
herdada dos movimentos de lutas pela democracia
e da forma participativa em que constitudo
o grupo. Uma outra caracterstica e fator
diferencial a figura do ndio,
uma constante em todo o site.
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O
ndio e a pedra
Na pgina inicial do portal aparece a
figura em movimento de um ndio caminhando,
beira do rio, e encontrando uma pedra.
A figura um link que remete o navegante
para a pgina principal. O ndio
aparece na entrada do portal, na pgina
principal, em todas as janelas principais, sejam
elas pertencentes ao ao menu da pedra ou ao
menu multimdia, e em algumas pginas
lincadas com as janelas principais.
A figura, at certo ponto pitoresca,
do ndio vai acompanhando o navegador
no seu percurso hipermeditico. Mesmo
quando este resolve entrar em arquivos e nos
sites hospedados, ela permanece juntamente com
a pedra do lado esquerdo da pgina aberta.
No
percurso hipermeditico, o ndio
tem a funo de localizar o navegador,
de chamar a sua ateno para o
contedo daquela pgina. Assim,
na janela da Web TV o ndio est
assistindo a vrias tevs; ao entrar
numa pgina do menu da Web TV, ele aparece
com a cmara filmadora. Aparece algumas
vezes tambm sendo um link, como, por
exemplo, na coluna principal do site.
Analisando do ponto de vista da semitica
peirciana, o ndio pode ser considerado,
na relao do signo em si mesmo
(fundamento), como legisigno por ser uma generalidade
e estar colocado no site como uma lei que se
repete.
Na relao tridica do
processo de semiose, o ndio
tambm um smbolo, visto na relao
do signo com seu objeto, j que por conveno
cultural se determinou que aquele signo, portador
de uma lei de representao geral,
representa o seu objeto.
Analisando
a relao do signo com o seu interpretante,
ele um argumento porque o efeito que
causa na mente intrprete no
fica numa mera possibilidade, numa hiptese,
nem to pouco estabelece uma relao
fsica entre existentes. A figura do
ndio se traduz num raciocnio
completo, uma proposio complexa.
Por isso, no sentido peirciano de signo, o ndio
um signo genuno e no
degenerado. Pois, apesar de ter em certos momentos
a funo no site de indicializador,
no nvel de secundidade, h predominncia
de terceiridade quando se analisa a sua relao
simblica com o portal no todo.
O
ndio o smbolo do portal,
ele o representamum, por est
ali para ser associado ao objeto (portal) sem
que tenha nenhuma similaridade, fora do contexto,
com o portal, e nenhuma caracterstica
indiciais de pronto em relao
ao portal como um todo.
Mas
o que leva um ndio se tornar smbolo
de um portal de direitos humanos com razes
religiosa? A primeira hiptese que poderia
ser levantada, aps a identificao
da figura, diz respeito catequizao
dos ndios pelos jesutas no ado
e ao sentimento de culpa presente hoje na igreja
catlica progressista.
O ndio representa tambm a imagem
da inocncia, de um ser ingnuo,
nossas origens deixadas na infncia, da
qual sentimos saudades. No mundo branco, h
aqui tambm um sentimento de culpa histrico
devido ao extermnio dos povos indgenas.
Mas o signo no um ndio
qualquer. Ele remete e traz consigo o significado
da voz do povo do Rio Grande do Norte. Ele
um potiguar. Pertence tribo tupi-guarani
dos ndios potiguares, que habitavam
a regio litornea do Rio Grande
do Norte e que do o nome s pessoas
nascidas neste Estado, aos norte-rio-grandenses.
O ndio um contnuo no
Dhnet. Ele faz a ponte entre o ado e o presente,
entre o primitivo e o moderno, entre o regional
e a globalizao, entre o local
e o universal.
O ndio discriminado, foi massacrado,
foi esquecido histrica e culturalmente.
Como o smbolo do portal, ele
o resgate dos povos marginalizados, dos excludos,
pelos direitos humanos, pela cidadania.
Vai
se criando uma trama de semiose, onde ao
do signo vai levando a outro signo, visto que
um signo se traduz em outro signo, como a prpria
rede de semiose existente na internet.
Um outro smbolo presente no site
a pedra esverdeada multifacetada que tambm
est associada cultura indgena.
Ela um muiraquit sem ter sido
formatado, um talism, amuleto da sorte.
Os muiraquits so artefatos confeccionados
em jade, jadete, nefrite ou outra tipo
de pedra esverdeada, no formato principalmente
de batrquio, peixe e quelnio
com cordo para ser dependurados no pescoo.
H muiraquits confeccionados
com pedras de outras cores, os mais comuns e
por muitos considerados os autnticos
so de cor verde na forma batraquiana.
H at quem diga que a etimologia
da palavra muiraquit seria “r
ou sapo usado para enfeite”. Mas o significado
da palavra muito controvertido. Alguns
etimlogos acreditam que Muira-Kitr
seria “n de pau”.
As lendas sobre a origem desta pedra tambm
so muitas, porm a mais aceitvel
a atribuda s icamiabas
(as guerreiras Amazonas). Conta que as icamiabas,
mulheres que vivem sem a presena de
homens na aldeia, faziam em determinada poca
do ano uma festa lua, me do
muiraquit. Num ritual, com a lua cheia
refletida nas guas, as ndias
se lanavam ao fundo do lago, onde recebiam
da lua o muiraquit no formato que desejavam
ainda em estado lquido, que endurecia
assim que saia do lago. Com o amuleto elas presenteavam
os seus amantes, que avam a ser irados
e a ter poder.
Como se v, a pedra verde enquanto signo
genuno remete ao amuleto da sorte e
tambm ao smbolo de fertilidade.
A fertilidade que tantas culturas relacionam
lua e aos rituais lunares, est
presente na lenda indgena.
Como o ndio potiguar, a pedra
um outro signo genuno no DHnet. Na relao
tridica da semiose, ela um
legisigno, um smbolo e tambm
um argumento. Isto no quer dizer que
ela no possa ser vista pelas suas qualidades
de forma e cor e pela funo indicial
que exerce, mais ainda que o ndio, na
estrutura do portal, quando um menu,
um mapa. Mas no contexto geral um elemento
no qual predomina a terceiridade, pois trabalha
com a repetio, sendo uma lei
dentro do site.

Se o ndio representa (est no
lugar de) o prprio portal, a pedra se
traduz nos mltiplos caminhos que o
portal pode levar at chegar ao conhecimento.
Ela, que ter que ser encontrada, seria
a descoberta do conhecimento, de um mundo virtual
frtil.
Ao ser relacionado a um portal de entrada no
site, o muiraquit transfere o sentido
de fertilidade internet, com suas mltiplas
e infinitas possibilidades. No so
os caminhos que levam pedra, mas a
pedra que traz muitos caminhos e possibilita
muitas descobertas. O navegador vai por um caminho
frtil.
A sorte de encontrar a pedra pelo caminho, faz
com que o potiguar entre, atravs dela,
no mundo da internet, da tecnologia e descubra
o conhecimento, os seus direitos de cidado
negado pelo mundo civilizado. A pedra
um meio, ela mediao
entre o ndio e o mundo do direito, da
justia. Atravs dela, o ndio
ganha poder e a a interagir com os elementos
da hipermdia.
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Concluso
A
todo momento, o portal explora a rede complexa
de bifurcaes .Os caminhos da
pedra podem ser associados aos caminhos do labirinto
e prpria estrutura da rede
de computadores. As ramificaes
da rede virtual se comparam ainda Rede
de Telemtica Direitos Humanos e aos
movimentos sociais que a ela se integram.
Tudo
se d atravs de redes e ramificaes.
No mundo moderno, as relaes
tambm se do atravs de
redes de interesses comuns. As ongs, o terceiro
setor, trabalham em redes temticas ou
no, justificando-se assim a presena
da figura do ndio olhando para a pedra
em vrios sites de organizaes
do terceiro setor.
Na
rede de computadores, o hipertexto proporciona
um labirinto digno de aventureiros, de desbravadores.
O ndio potiguar, smbolo do portal
Dhnet, ao encontrar pelo caminho o muiraquit,
que levou no ado tantos aventureiros
sua procura no baixo Amazonas, se pluga no mundo
da globalizao e resgata a imagem
de sua identidade e de sua cidadania.
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Bibliografia
Bsica
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