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APLICAO
E IMPLEMENTAO DOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEO
DOS DIREITOS HUMANOS NO DIREITO INTERNO
4.1
O Estado Brasileiro e o Sistema Internacional de Proteo dos
Direitos Humanos: a via alternativa de implementao do Direito
Internacional dos Direitos Humanos
Uma
via alternativa importante a ser utilizada para se alcanar a
implementao e proteo dos direitos humanos no Brasil, a
via amistosa, conforme estabelece a Conveno Americana, no seu
artigo 48.1(f):
Art.
48 A Comisso, ao receber uma petio ou comunicao na
qual se alegue a violao de qualquer dos direitos consagrados
nesta Conveno, proceder da seguinte maneira:
f)
pr-se- a disposio das partes interessadas, a fim
de chegar a uma soluo amistosa do assunto, fundada no
respeito aos direitos reconhecidos nesta Conveno
Para
alcanarmos um sistema de proteo dos direitos humanos eficaz
a nvel interno necessrio que o Brasil demonstre interesse
em participar de solues amistosas nos casos individuais
apresentados a Comisso Interamericana. O procedimento da denncia
individual na Comisso prev uma fase de oferecimento de soluo
amistosa s partes (peticionrios e governo denunciado), que
previsto no artigo 49 da Conveno Americana.
Tal
procedimento possibilita ao Estado reparar as violaes
cometidas em seu territrio atravs de medidas concretas, tais
como: a revogao da lei interna incompatvel com as normas
internacionais de direitos humanos; o processamento e punio
dos responsveis pelas violaes cometidas; o pagamento de
indenizao aos familiares ou vtimas de violaes conforme
os padres internacionais fixados pela jurisprudncia sobre a
matria, entre outras.
A
participao do Estado em procedimentos de soluo amistosa,
demonstra a sua vontade poltica de reparar as violaes de
direitos humanos ocorridas em seu territrio, assumindo, e
incorporando os standars internacionais na legislao interna,
compatibilizando-os. Tal iniciativa poder tambm contribuir
para o futuro desenvolvimento da legislao que permita a execuo
das decises dos rgos internacionais de mbito interno.
O
CEJIL j atuou em vrios casos nos quais alcanou-se solues
amistosas entre os peticionrios e os governos denunciados. Um
exemplo concreto de como tal via pode ser extremamente eficaz na
proteo dos direitos humanos foi o caso Colotenango, contra o
governo da Guatemala. Neste caso, pela via da soluo amistosa
logrou-se de obter do estado o compromisso de pagar a indenizao
para a famlia da vtima, assim como tambm para as diversas
pessoas que haviam sido lesadas, ameaadas e constrangidas a
deslocarem-se de seu domiclio habitual. Alm disso, o acordo de
soluo amistosa estabeleceu o dever do Estado proceder a uma
reparao comunitria para a comunidade de Colotenango que
incluiu a execuo de projetos de desenvolvimento, tais como: a
construo de escolas, pontes, centros de capacitao e
moinhos, nas vrias aldeias.
Outro
caso no qual foi utilizada a via da soluo amistosa foi o caso
Verbitsky contra a Argentina. Como resultado de um acordo entre o
governo argentino e os peticionrios, foi derrogado o artigo 244
de Cdigo Penal Argentino que estabelecia a figura jurdica do
desacato, aplicando uma nova legislao ao caso e deixando sem
efeito uma deciso condenatria.
4.2
O Processo de Formao dos Tratados Internacionais e as suas
fases
Os
tratados so a principal fonte do direito internacional. A formao
dos tratados requer como pr-requisito o acordo de vontades
celebrado entre sujeitos do direito internacional, sob a forma
escrita. Os tratadostem uma fora jurdica vinculante para o pas
que os ratifica, que obriga-se internacionalmente a cumpri-los.
Quando os Estados ratificam um tratado internacional esto
obrigados a cumpri-los com base no princpio de boa f, e no
pacta sunt servanda, pelo qual o Estado est obrigado a cumprir o
tratado que ratificou, que regem as relaes internacionais. Tal
obrigao do Estado paralela responsabilidade de superviso
de seu cumprimento por parte dos rgos de fiscalizao
internacionais.
O
processo de formao dos tratados tem vrias fases. A primeira
relativa , que um aceite precrio e no
definitivo, conforme estabelece o artigo 84, inciso VIII da
Constituio Federal:
Art.
84 Compete privativamente ao Presidente da Repblica:
VII
celebrar tratados, convenes e atos internacionais,
sujeitos a referendo do Congresso Nacional.
Em
seguida, a segunda fase a aprovao pelo Congresso Nacional,
conforme estabelece o artigo 49, I da Constituio Federal:
Art.
49 da competncia do Congresso Nacional:
I
resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou ato
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimnio nacional.
A
terceira fase a da ratificao do tratado, ou aceite
definitivo pelo Poder Executivo, atravs do Presidente da Repblica.
A ratificao cria obrigaes jurdicas no mbito
internacional. Cabe ressaltar que tal sistemtica de formao
dos tratados falha, por no conter prazos determinados na
agem de uma fase para a outra.
Aps
o trmino do processo de formao dos tratados surge a
necessidade da sua incorporao ao ordenamento jurdico dos
Estados que o ratificaram. No caso brasileiro, h uma discusso
doutrinria entre a corrente monsta e a corrente dualista com
relao incorporao dos tratados internacionais de
direitos humanos no ordenamento jurdico e, por isso, aps a
ratificao do tratado internacional pelo Poder Executivo, o
mesmo seria incorporado automaticamente no ordenamento interno.
Os
dualistas defendem a existncia de duas ordens jurdicas
distintas: a interna e a internacional, e portanto, para a entrada
em vigor dos tratados no direito interno seria necessria e a
reproduo do texto do tratado internacional na lei interna
(criando uma quarta fase no processo de formao dos tratados).
Tal corrente
considera que os tratados de direitos humanos tem a mesma sistemtica
dos tratados internacionais tradicionais no que se refere a
incorporao, ou seja, necessitam da publicao de um Decreto
para que entrem em vigor em territrio nacional. Os dualistas
entendem que a ratificao
s cria obrigaes no mbito internacional, no
vigorando de imediato o tratado ratificado interno.
4.3
Os Tratados Internacionais de Proteo dos Direitos Humanos em
Face da Constituio brasileira de 1988
A
Constituio Federal brasileira prev um sistema misto (ao invs
das doutrinas monista e dualista), que faz distino entre os
tratados internacionais de direitos humanos e os tratados
internacionais tradicionais, em relao sua incorporao
automtica pelo ordenamento jurdico interno. Assim, os tratados
de direitos humanos tem aplicao automtica a partir da
ratificao. Por outro lado, os tratados internacionais
tradicionais tm aplicao no-automtica, necessindo
posterior legilao para vigorarem internamente, ou seja a
reproduo do seu texto no ordenamento jurdico brasileiro.
O
sistema misto adotado pela Constituio brasileira est
previsto no artigo 5o, pargrafos 1 e 2o:
Art.
5o
1o
pargrafo - as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm
aplicao imediata.
2o
pargrafo os direitos e garantias expressos nesta Constituio
no excluem outros decorrentes do regime
e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja
parte.
Assim,
os tratados internacionais de direitos humanos tm status de
norma constitucional e so incorporados automaticamente, enquanto
os tratados internacionais tradicionais tm hierarquia
infra-constitucional e incorporao
no automtica.
Alm
disso, os tratados internacionais de direitos humanos am a
integrar o ncleo das clusulas ptreas, estabelecidas no
artigo 60, pargrafo 4, inciso IV da Constituio
Federal:
Art.
60
Pargrafo
4o No ser objeto de deliberao a proposta de
emenda tendente a abolir.
IV
os direitos e garantias individuais.
A
Constituio Federal brasileira de 1988 representa um marco jurdico
na institucionalizao dos direitos humanos no pas, pois
acolhe o princpio de indivisibilidade e interdependncia dos
direitos humanos, ao alargar a dimenso dos direitos e garantias
fundamentais (artigo 5 primeiro pargrafo).
Alm
disso, a Constituio Federal elege o valor da dignidade humana
como um valor essencial, inclundo entre os princpios e
fundamentos do Estado democrtico de direito, conforme estabelece
o artigo 1o, inciso III:
A
Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel
dos Estados e Municpios do Distrito Federal, constitui-se em
Estado democrtico de direito e tem como fundamentos:
III
a dignidade da pessoa humana.
A
adoo deste princpio importa na abertura da ordem jurdica
interna ao sistema internacional de proteo dos direitos
humanos, alm de impor limites noo de soberania estatal,
que a a Ter como parmetro obrigatrio a prevalncia dos
direitos humanos.
4.4
O impacto jurdico dos Tratados Internacionais de Proteo dos
Direitos Humanos no Direito Brasileiro
As
conseqncias do impacto jurdico da incorporao dos
tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurdico
brasileiro, so:
a)
reforar e ampliar o elenco dos direitos previstos no direito
interno, no caso de tratado e direito interno estarem harmnicos,
e preencher as lacunas do direito interno, no caso do tratado
ampliar o elenco de direitos protegidos.
Neste
caso, a incorporao dos tratados internacionais de direitos
humanos provoca um alargamento no universo de direitos
nacionalmente garantidos, ampliando o elenco dos direitos
protegidos, completando-os com lacunas apresentadas pelo direito
brasileiro. Um exemplo concreto desta possibilidade est em uma
deciso proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a existncia
jurdica do crime de tortura contra s crianas e asolescentes,
no Habeas Corpus no. 70.389-5 (So Paulo; Tribunal Pleno
23/06/94; Relator: Ministro Sydney Sanches, Relator para Acrdo:
Ministro Celso de Mello). Neste caso, o STF aplicou o artigo 233
do Estatuto da Criana e do Adolescente
que estabelece como crime a prtica de tortura contra
criana e adolescente. Como tal norma consagra um tipo penal
aberto, o Supremo entendeu que os instrumentos internacionais de
proteo dos direitos humanos deveriam intergrar-se norma
penal brasileira, complementando-a, invocando para o caso em
concreto a Conveno sobre os Direitos da Criana, a Conveno
contra a Tortura, a Conveno Interamericana contra a Tortura, e
a Conveno Americana sobre os Direitos Humanos.
b)
revogar a lei interna conflitante e as leis menos benficas, no
caso de conflito entre o tratado e o direito interno.
Neste
caso, a incorporao dos tratados internacionais de direitos
humanos deve orientar-se pelo critrio da norma mais favorvel
vtima, que um princpio do direito internacional dos
direitos humanos. A escolha da norma mais favorvel dever ser
realizada pelos Tribunais internos e a outros rgos aplicadores
do direito, visando a melhor proteo possvel dos direitos
humanos. Um exemplo concreto desta possibilidade o caso da priso
do depositrio infiel, que permitida pela lei brasileira. Prem,
a Conveno Americana sobre Direitos Humanos estabelece no seu
artigo 7 . que: Ningum deve ser detido por dvidas.
Este princpio no limita os mandatos de autoridade judiciria
competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigao
alimentar. Assim, em um caso particular, houve deciso
afastando o cabimento de priso civil por dvida, na Apelao
no. 613.053-8, com base nos tratados internacionais, que seria
equivalentes s prprias normas constitucionais brasileiras
c)
proibir as condutas violatrias dos Estados sob pena de
responsabilizao internacional pelos rgos de superviso
internacionais.
Neste
caso, a incorporao do tratado internacional significa que
automaticamente sero proibidas quaisquer prticas violatrias
aos direitos consagrados. O no cumprimento do tratado
internacional, j incorporado ao direito interno brasileiro,
poder acarretar a responsabilidade internacional do Brasil,
atravs de uma deciso de um rgo internacional sobre uma denncia
de violao de direitos humanos ocorrida em territrio
brasileiro.
d)
reforar a responsabilidade internacional do Estado em garantir
recursos internos eficaz para reparar as violaes de direitos
humanos.
Ao
ratificar um tratado internacional de direitos humanos,
incorporando-se automaticamente ao seu ordenamento jurdico
interno, o Brasil assume a obrigao internacional de fornecer
recursos internos eficazes para reparar as violaes de direitos
humanos ocorridas em sua jurisdio. Os recursos internos devem
ser entendidos como mecanismo nacionais de proteo judicial dos
direitos humanos. Aps a incorporao automtica do tratado no
ordenamento jurdico interno, a sua implementao se dar
atravs dos rgos internos
do Legislativo, Judicirio e Executivo. Neste sentido, o
papel dos Tribunais internos essencial na implementao das
normas internacionais de proteo.
Tendo
em vista a estrutura descentralizada dos tribunais internacionais
de proteo dos direitos humanos, torna-se fundamental o papel
dos tribunais internos na ampliao dos instrumentos
internacionais, garantindo a sua implementao. Assim, o futuro
da proteo internacional dos direitos humanos vai depender do
grau de aplicao e implementao dos tratados internacionais
pelos sistemas jurdicos internos dos Estados. Nenhum Estado pode
invocar dificuldades na implementao para desobrigar-se de suas
responsabilidades.
Assim,
cabe aos Estados fornecerem recursos internos eficazes, conforme
dispem os tratados internacionais, como fundamento necessrio
para que os indivduos beneficirios possam utiliz-los antes
de se submeterem um caso individual aos rgos internacionais,
contribuindo para uma melhor interao entre o direito
internacional e o direito interno.
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