O Parlamentar
e os Direitos Humanos, Manual
Manual
de orientao ao parlamentar municipal,
estadual e federal para a atuao
em defesa dos direitos humanos e da cidadania
Deputado
Orlando Fantazzini 2t2u5n
O PARLAMENTAR E O DISCURSO CONTRRIO
AOS DIREITOS HUMANOS
Assumir
a condio de defensor de direitos
humanos no tarefa simples ante
o senso comum, que rejeita, de modo geral, a
defesa e a promoo dos direitos
humanos. Defender e promover os direitos humanos
significa disposio de lutar
por valores to fortes e essenciais para
a humanidade quanto incompreendidos pela maioria
das pessoas. Significa advogar em favor dos
direitos das camadas populares excludas
do exerccio da cidadania e ajudar aqueles
que tiveram a coragem de exerc-la.
Aqui
nos valemos da clareza e da forma didtica
com que o educador Ricardo Brizolla Belestreri
nos ensina a lidar com tamanho desafio. Reproduzimos,
a seguir, alguns tpicos da publicao
Direitos Humanos, Segurana
Pblica e Promoo da Justia
editada pela Secretaria Especial de Direitos
Humanos, em 2004.
Por
que, no Brasil, a defesa dos direitos humanos
rejeitada, por muitos, como defesa
de bandidos?
Basicamente,
por duas razes:
Em
primeiro lugar, por ignorncia.
Diante de assustador crescimento da violncia
e da insegurana pblica, muitos
segmentos sociais am a acereditar em simplificaes
como, por exemplo, a eliminao
do crime atravs da eliminao
dos criminosos.
A
“lgica da eliminao”
aponta para falsas solues que,
tentadas atravs dos tempos, praticamente
nada realizaram em termos de efetiva segurana
pblica: penalizao, banalizao
do aprisionamento, construo
descriterioza de presdios, enfrentamentos
de “guerra”, matanas, tortura,
pena de morte em alguns pases, apesar
de prticas “corriqueiras”,
no foram medidas redutoras da violncia
e da criminalidade. Ao contrrio, os
cidados se encontram cada vez mais encurralados
e atemorizados.
Se
continuarmos apostando na mesma dirao,
vamos continuar obtendo os mesmos resultados.
A
longo prazo, somente polticas pblicas
sociais e educacionais, de incluso,
podero reduzir a criminalidade. Mas,
dizer isso pode tornar-se um lugar comum irritante,
que no oferece sadas mais imediatas
para a populao. A curto e mdio
prazos tambm precisamos agir com boas
polticas objetivas de segurana.
Contudo, no eliminao
e a truculncia que resolvem. O que resolve
a inteligncia na preveno
e na represso, na presena ostensiv,
profissional e exemplar, dos operadores policiais
e na correta produo da prova.
O que resolve uma interveno
fundada na razo, na informao,
na tcnica, na cincia, na comunicao,
na estratgia.
O
crime organizado , hoje, seguramente,
a “indstria” mais lucrativa
do planeta. Est fundamentado em processos
sofisticados, racionais e globoalizados. Nele
se sustenta toda a cultura de violncia
planetria (mesmo aquela aparentemente
no formalmente a ele vinculada). Tal
potncia, que no um mito,
no se afeta pela “lgica
da eliminao individual”.
Os que caem so imediatamente substitudos
e a “indstria” continua
intacta.
bvio que precisamos punir, dentro da
lei e da tica, em nome de um bem maior,
as condutas individuais sociopticas.
Isso, contudo, paliativo e no
afeta a raiz do problema. simplista.
Alm
de tudo, se, ao punir os criminosos, o Estado
e seus agentes se portam como se tambm
criminosos fossem, rebaixando-se a prticas
que significam perda de dignidade, d-se
um mau exemplo sociedade, cria-se confuso
moral e caos, sugere-se que os fins justificam
os meios” (com todas as conseqncias
prticas que esse tipo de cultura traz
ao dia-a-dia) e aumenta-se, ainda mais, a ciranda
da violncia.
preciso rigor e firmeza, sim. Mas isso jamis
pode confundir-se com emocionalismo barato,
amadorismo, truculncia, psicopatia auto-justificada.
No se pode combater condutas destitudas
de senso moral a partir da abdicao
do senso moral. A represso a prticas
socialmente lesivas precisa ser enrgica
mas sem perda da identidade de valores do sistema
democrtico e de seus operadores.
Obviamente,
grande parte da sociedade, no por m
f, mas por ignorncia, desconhece
isso, acreditando que violncia
que vai assegurar a paz social. Nesse
contexto, no por m f,
mas por ignorncia, a militncia
por direitos humanos a a ser vista como
um “estorvo”, um “impedimento
ao trabalho da polcia”, um “estmulo
impunidade”, uma “defesa
de bandidos”.
A
segunda razo das resistncias
est afeta ao perodo da ditadura
militar e herana que deles
carregamos.
Na
fase da ditadura, compreensivelmente, as organizaes
de direitos humanos e a polcia estavam
em confronto.
A
ditadura acabou, felizmente, e ingressamos –
ainda que recentemente, em termos histricos
– na normalidade democrtica. Em
perodos assim possvel,
por herana cultural, que, equivocadamente,
parte das organizaes continuem
vendo a polcia como inimiga e vice-versa.
Ao
contrrio, precisamos perceber que as
polticas pblicas de segurana
e seus operadores diretos so sustentculos
indispensveis da democracia, que tm
como misso resguardar e promover os
direitos humanos.
A
populao, especialmente a mais
humilde e indefesa, sofre, cotidianamente, os
efeitos perversos do crime da insegurana.
O crime gera pobreza e dependncia, uma
vez que impede a liderana popular autnoma,
o livre empreendedorismo, a livre organizao
e a possibilidade de um ensino desamarrado de
controle local e censura, fechamento de escolas,
ameaas a diretores e professores, cerceamento
da atividade de grupos religiosos, etc.).
Assim,
se atacarmos a polcia como instituio,
estaremos atacando o prprio povo que
a permissionou e que dela necessita.
A
confuso entre a polcia e ms
prticas policiais (estas, sim, merecem
ser denunciadas e combatidas) pode incrementar
uma rejeio popular a nossa causa
civilizatria dos Direitos Humanos e
dar a falsa impresso de que no
nos importamos com o combate criminaliade.
Felizmente,
cresce a cada dia o nmero de organizaes
que percebem a importncia desse cuidadao
no trato, estando em curso uma nova forma de
abordagem, mais adequada aos tempos democrticos,
mas precisa e prudente.
Por
que os grupos de Direitos Humanos destinam tanta
ateno aos presdios e
situao dos criminosos
que neles se encontram?
Porque
o Brasil tem um dos piores e mais cruis
sistemas prisionais do planeta. A superpopulao,
a promiscuidade de nveis de periculosidade,
a falta de condies de higiene,
a m alimentao, o pssimo
atendimento de servios de sade,
a falta de atividade produtiva, o domnio
interno do crime organizado e/ou das gangues,
a presena constante das drogas e armas,
a violncia interna e/ou a tortura como
prtica institucional, so algumas
das mazelas que se banalizaram na maioria dos
presdios brasileiros (com ressalvas,
de sempre, s honrosas excees).
E
por que devemos procupar-nos com isso? Nessas
instituies no esto
criminosos, grupos e indivduos que mereceriam
tais maus tratos e desprezo por parte da sociedade
que agrediram?
Para
responder a esta questo, em primeiro
lugar, preciso que derrubemos o mito
da penalizao privativa da liberdade
como um caminho de resgate da paz social e da
segurana pblica.
A
maior parte da populao prisional
no representa, efetivamente, possibilidade
de danos permanentementes em termos de convvio
com a sociedade. Os crimes cometidos foram ocasionais,
oportunistas, circunstanciais ou ionais
e seus cometedores no apresentam continuidade
de risco para a integridade fsica dos
membros das comunidades.
Deveriam
ser punidos mas no necessariamente com
a priso. Precisamos evoluir para um
outro sistema, de sanes por
reciprocidade, ao invs de sanes
expiatrias, que hoje oferecemos aos
que de alguma maneira ofenderam a ordem pblica
e os direitos individuais.
As
prises deveriam estar reservadas apenas
aos que representam elevado grau de periculosidade
e aos que comandam o crime organizado (tambm
includos na primeira categoria). Aos
demais, as penas alternativas e monitoradas
seriam as nicas a fazer algum sentido,
especialmente as raparatrias, onde os
sujeitos a elas submetidos submetem-se a recuperar
os danos que causaram ou, na impossiblidade
de faz-lo, a produzir algum bem social
compensatrio.
No
Brasil, ao contrrio, prende-se como
regra. Prende-se o joga-se o preso – na
maior parte das vezes enquadrado na discriminao
da maioria, como acima caracterizada –
nas garras das gangues, do crime organizado
e dos psicopatas que dominam os ambientes prisionais.
Por isso, em nosso pas, hipcrita
falar-se em “recuperao”
e em “educao” ou
“reeducao”
partir das prises. Como regra, as prises
so deformadoras do carter, centros
de tecnologia de delinqncia, redutos
de socializao da sociopatia,
fbricas de criminosos, “universidade
do crime” – no dizer dos prprios
prisioneiros.
Gente
boazinha no sobrevive s penitencirias
brasileiras, de forma geral ( exceo,
para ser justo, dos que encontram guarida em
algum grupo religioso). preciso corromper-se,
tornar-se subserviente, ingressar na lgica
perversa da truculncia interna.
Assim,
as prises tm sido um dos nossos
grandes focos de insegurana pblica.
A
par disso, h uma questo de ordem
moral: se no sabemos tratar humanamente
os que nos trataram desumanamente; se, em nome
da dor que sentimos e de nosso desejo de vingana,
itimos o submetimento de quem quer que seja
fome, ao frio, promiscuidade,
s doenas, tortura,
morte, em que nos diferenciamos dos
que condenamos?
Se
somos capazes de atos psicopticos, acobertados
da “normalidade” do sistema, contra
os que nos ofenderam como sociedade e indivduos;
se nos sentimos autorizados perversidade
contra os perversos, como podemos esperar um
mundo de justia e paz?
Se
nossos princpios morais so negociveis,
conforme nossas justificativas pessoais ou grupais
e nossas motivaes emocionais,
qual a diferena entre os que privamos
da liberdade e ns, aqui fora? Estaremos
todos presos pelo dio e condenados s
sombras da violncia que nos habita..
Ralph
Emerson dizia que “o que somos fala to
alto que no se escuta o que dizemos”.
Se reclamarmos justia e no praticarmos,
se exercemos crueldade – mesmo que contra
os que nos ofenderam – no aremos
de uma fraude.
O
que se prope pode ser fcil –
como no fcil a manuteno
coerente de qualquer compromisso moral em circunstncias
adversas – mas absolutamente
imprenscindvel se desejamos viver em
um mundo verdadeiramente civilizado.