Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

3d2c8

A CIDADE DO SOL 6f165t

Tommaso Camla 4g2r1

NDICE 1m3y2a

NOTCIA BIOGRFICA 3a543r

INTERLOCUTORES 41504n

QUESTES SOBRE A TIMA REPBLICA 3b1ec

ARTIGO PRIMEIRO 2z3e48

ARTIGO SEGUNDO 42492z

ARTIGO TERCEIRO 463z3x

NOTAS 5c5j2z


NOTCIA BIOGRFICA 3a543r


Tommaso Camla nasceu em Stilo, no dia 5 de Setembro de 1568. Ainda muito jovem, j se revelava em seu esprito o pendor para a filosofia. Seu pai, contrariando-lhe a vocao, quis fazer dele um jurista, ao que Camla se ops tenazmente. Sua primeira obra foi a Philosophia Sensibus Demonstrata (1), que lhe valeu a acusao de heresia. Tendo deixado o convento em que iniciara os estudos, empreendeu uma viagem pela Itlia, atravs da qual ficou conhecendo os homens mais ilustres do seu tempo.
Voltando a Stilo e sempre preocupado em operar uma reforma que servisse para enfraquecer o domnio da autoridade, Camla iniciou sua atividade poltica tentando organizar uma conspirao contra o despotismo espanhol. Isso o levou ao crcere, onde permaneceu vinte e sete anos. Libertado em 1626, seguiu para Roma, onde foi bem recebido pelo papa Urbano VIII. Logo, porm, tornou-se alvo de novos ataques e, perseguido, foi obrigado a fugir para a Frana. Morreu em Paris, em 1639.
Mrtir do livre pensamento, Camla ocupa, tambm como filsofo, um lugar importante entre os grandes homens de sua poca. Suas obras, quer o Prodromus Philosophiae Instaurandae (2), quer os Dogmata Universalis Philosophiae (3)., quer a Realis Philosophiae Partes Quatuor (4), oferecem aspectos doutrinrios que, embora discutveis, no deixam de ser extremamente interessantes.
A Cidade do Sol a mais popular das obras de Camla. Essencialmente idealista, est no mesmo plano da Utopia, de Thomas More (5), e da Repblica, de Plato (6). Sem entrar na apreciao do sistema proposto por Camla, foroso reconhecer em A Cidade do Sol uma das obras-primas da literatura universal.

INTERLOCUTORES 41504n


O Gro-Mestre dos Hospitalrios (7) e um Almirante genovs, seu hspede.
Gro-mestre - Vamos, peo-lhe, conte finalmente o que lhe aconteceu durante essa viagem.
Almirante.- J lhe disse como fiz a volta da terra e, por fim, perto da Taprobana (8), como fui constrangido a desembarcar e, com receio dos habitantes, a embrenhar-me numa floresta, de onde s sai, depois de muito tempo, para alcanar uma extensa plancie sob a linha do equador.
G.-M. - E que lhe sucedeu, ento?
ALM. - Subitamente, encontramos um numeroso grupo de homens e mulheres, todos armados, alguns conhecendo nossa lngua, que logo nos fizeram companhia e nos levaram Cidade do Sol.
G.-M. - Pode dizer-me como construda essa cidade e qual a sua forma de governo?
ALM. - A maior parte da cidade est situada sobre uma alta colina que se eleva no meio de vastssima plancie. Mas, as suas mltiplas circunferncias se estendem num longo trecho, alm das faldas do morro, de forma que o dimetro da cidade ocupa mais de duas milhas, por sete do recinto total. Mas, achando-se sobre uma elevao, apresenta ela uma capacidade bem maior do que se estivesse situada numa plancie ininterrompida. Divide-se em sete crculos e recintos particularmente designados com os nomes dos sete planetas. Cada crculo se comunica com o outro por quatro diferentes caminhos, que terminam por quatro portas, voltadas todas para os quatro pontos cardeais da terra. A cidade foi construda de tal forma que, se algum, em combate, ganhasse o primeiro recinto, precisaria do dobro das foras para superar o segundo, do triplo para o terceiro, e, assim, num contnuo multiplicar de esforos e de trabalhos, para transpor os seguintes. Por essa razo, quem se propusesse expugn-la precisaria recomear sete vezes a empresa. Considero, porm, humanamente impossvel conquistar apenas o primeiro recinto, de tal maneira ele extenso, munido de terraplenos e guarnecido de defesas de toda sorte, torres, fossas e mquinas guerreiras. Assim que, tendo eu entrado pela porta que d para o setentrio (toda coberta de ferro e fabricada de modo que pode ser levantada e abaixada, fechando-se com toda a facilidade e com plena segurana, graas arte maravilhosa com que as suas engrenagens se adaptam s aberturas dos possantes umbrais), o que primeiro me despertou a ateno foi o intervalo formado por uma plancie de setenta os de extenso e situada entre a primeira e a segunda muralhas. Distinguem-se, da, os grandiosos palcios que, de to unidos uns aos outros, ao longo da muralha do segundo crculo, parecem mais um s edifcio. A meia altura desses palcios, vem-se surgir, de fora para dentro do crculo, vrias arcadas com galerias superiores, sustentadas por elegantes colunas e circundando quase toda a parte inferior do prtico, maneira dos peristilos ou dos claustros religiosos. Em baixo, alm disso, s esto encravados na parte cncava das muralhas, e caminhando no plano que se penetra nos compartimentos inferiores, ao o que, para alcanar os superiores, devem subir-se umas escadas de mrmore que conduzem s galerias internas, chegando-se ento s partes mais altas e mais belas dos edifcios, as quais recebem luz pelas janelas existentes tanto na parte cncava como na convexa das muralhas, estupendas por sua sutileza. Cada muralha convexa, isto , a sua parte externa, tem uma espessura de cerca de oito palmos, por trs somente da parte cncava, ou seja a sua parte interna, enquanto os tabiques tm apenas um, ou pouco mais. Atravessada a primeira plancie, chega-se segunda, mais estreita uns trs os, e a se descobre a primeira muralha do segundo crculo, igualmente guarnecido de palcios que, como os do primeiro crculo, possuem galerias em baixo e em cima, havendo na parte interior outra muralha interna que circunda os palcios e tem em baixo sacadas e peristilos sustentados por colunas, sendo que em cima, onde se acham as portas das casas superiores, apresenta preciosas pinturas. E assim, por esses crculos e duplas muralhas que cercam os palcios, ornados de galerias sustentadas por colunas, chega-se ltima parte da cidade, sempre caminhando no plano. S quando se entra pelas portas duplas dos vrios circuitos, uma na muralha interna e a outra na externa, que se sobem uns degraus de tal forma construdos que mal se sente a subida, pois esto colocados obliquamente e muito pouco mais elevados uns do que os outros. No cimo do monte, encontra-se, ento, uma espaosa plancie, em cujo centro se ergue um templo de maravilhosa construo.
G.-M. - Continue, vamos, suplico-lhe, continue.
ALM. - O templo todo redondo e no est encerrado entre as muralhas, mas apoiado em macias e elegantes colunas. A abbada principal, obra irvel, ocupando o centro ou o plo do templo, compreende uma outra, mais elevada e de menores dimenses, que apresenta no meio uma abertura, diretamente voltada para cima do nico altar, situado no meio do templo e todo cercado de colunas. A capacidade do templo para mais de trezentos e cinqenta os. Por fora dos capitis das colunas e apoiando-se nestas, erguem-se outras arcadas de cerca de oito os de extenso, sustentadas externamente por outras colunas, s quais adere, em baixo, uma grossa muralha de trs os de altura. Dessa forma, as colunas do templo, e as que sustentam a arcada externa formam, no seu intervalo, as galerias inferiores, de magnfico pavimento. Interiormente, a pequena muralha freqentemente interrompida por portas e, de espao a espao, se vem bancos fixos, alm dos numerosos e elegantes bancos portteis que se encontram entre as colunas internas que sustentam o templo. Em cima do altar, h dois globos: no maior est pintado todo o cu, e no menor a terra. Na rea da abbada principal, esto pintadas as estrelas celestes, da primeira sexta grandeza, todas assinaladas com seus nomes, seguidos de trs versculos que revelam a influncia que cada estrela exerce sobre as vicissitudes terrenas. Os plos e os crculos maiores e menores, segundo o seu aproximado horizonte, acham-se indicados, mas no acabados no templo; de vez que em baixo no h muralha; parecem, contudo, existir em sua inteireza, dada a relao com os globos colocados em cima do altar. O pavimento ornado de pedras preciosas, e sete lmpadas de ouro, cada qual com o nome de um dos sete planetas, ardem continuamente. A pequena abbada do vrtice do templo circundada por celas estreitas, mas elegantes e, depois do espao plano existente sobre as arcadas das colunas internas e externas, h outras celas espaosas e bem mobiladas, habitadas por quarenta e nove sacerdotes e religiosos. Uma bandeira mvel, indicando a direo dos ventos (dos quais eles distinguem at ao nmero de trinta e seis), eleva-se acima do ponto extremo da abbada menor, e assim conhecem a estao que traro os ventos, as mudanas que se verificaro na terra e no mar, mas unicamente sob o clima prprio. Sob a mesma bandeira, observa-se um quadrante escrito com letras de ouro.
G.-M. - Homem generoso, explique-me o modo por que se rege essa gente. Eu esperava, impaciente, por esse ponto.
ALM. - O supremo regedor da cidade um sacerdote que, na linguagem dos habitantes, tem o nome de Hoh. Ns o chamaremos de Metafsico. Sua autoridade absoluta, estando-lhe submetidos o temporal e o espiritual. Depois do seu juzo, deve cessar qualquer controvrsia. incessantemente assistido por trs chefes, chamados Pon, Sin e Mor, nomes que, entre ns, eqivalem a Potncia, Sapincia e Amor.
A Sapincia tem o governo de tudo o que se relaciona com a paz e a guerra, como de tudo o que se relaciona com a arte militar. Esse trinviro no reconhece superiores na istrao militar, exceto Hoh. Preside aos magistrados militares, ao exrcito, competindo-lhe vigiar as munies, as fortificaes, as construes, em suma, tudo quanto diz respeito a tal gnero de coisas.
Sapincia compete a direo das artes liberais, mecnicas, e de todas as cincias, bem como a dos respectivos magistrados, dos doutores e das escolas de instruo. Obedecem-lhe, pois, tantos magistrados quantas so as cincias. H um magistrado que se chama Astrlogo, outros Cosmgrafo, Aritmtico, Gemetra, Historigrafo, Poeta, Lgico, Retrico, Gramtico, Mdico, Fisilogo, Poltico, Moralista, havendo para eles um nico livro chamado Saber, no qual, com maravilhosa conciso e clareza, esto inscritas todas as cincias. Esse livro por eles lido ao povo segundo o mtodo dos pitagricos.
A Sapincia, alm disso, com ordem irvel, fez adornar as muralhas externas e internas, superiores e inferiores, com preciosssimas pinturas representando todas as cincias. Nas muralhas externas do templo e nas cortinas, que se abaixam quando o sacerdote faz o sermo, para que a voz no se disperse, vem-se pintadas as estrelas com suas virtudes, grandezas e movimentos, tudo explicado em trs versculos especiais.
Na parede interna do primeiro crculo, foram pintadas todas as figuras matemticas, muito mais numerosas do que as descobertas por Arquimedes (9) e Euclides (10) e to grandes quanto o permitem as propores das paredes. Um breve conceito, contido num verso, faz conhecer o significado de cada uma, com definies, proposies, etc.
Na parede externa do mesmo crculo, descobrem-se, primeiro, uma completa e extensa descrio de toda a terra e, em seguida, as cartas particulares das provncias, cujas cerimnias, costumes, leis, origens e foras dos habitantes vm brevemente esclarecidos. Os alfabetos das diversas naes aparecem, igualmente, ao lado do alfabeto da Cidade do Sol.
No interior do segundo crculo, ou seja das segundas casas, esto todos os gneros de pedras preciosas e comuns, de minerais e metais, no s representados por gravuras, mas tambm existindo em pedaos verdadeiros, cada qual com explicaes especiais em dois versos. Na parte externa desse crculo, aparecem indicados todos os mares, rios, lagoa e fontes da terra, assim como os vinhos, leos e licores, com a sua procedncia, qualidade e propriedades. Em cima das arcadas, h vrios frascos ligados muralha, cheios de diferentes lquidos, existentes de cem a trezentos anos, que servem como remdios para diversas enfermidades. Alm disso, figuras especiais e versculos do instrues sobre o granizo, a neve, os troves e tudo quanto se forma na atmosfera. Os cidados solares conhecem tambm a arte pela qual se podem reproduzir, dentro de uma habitao, todos os fenmenos meteorolgicos, os ventos, as chuvas, o trovo, o arco-ris, etc.
No interior do terceiro crculo, encontram-se as gravuras de todos os gneros de plantas e ervas, algumas das quais vivem dentro de vasos colocados sobre as arcadas da parede externa. As declaraes que lhes vo anexas ensinam o lugar da primeira descoberta, as suas foras, propriedades e relaes com as coisas celestes, com as diferentes partes do organismo humano, com as produes metlicas e marinhas, e tambm o uso particular de cada uma em medicina, etc. Na parte externa, vem-se os peixes de cada espcie, de rios, lagoa e mares, os seus hbitos, qualidades, modos de gerao, de vida e de criao, o uso a que o mundo e ns lhe fazemos servir, enfim, as suas relaes com as coisas celestes e terrestres, produzidas pela natureza e pela arte. Assim que no foi ageira a minha maravilha ao descobrir os peixes Bispo, Cadeia, Couraa, Prego, Estrela e outros, imagens perfeitas de coisas existentes entre ns. Vem-se ainda ourios, conchas, ostras, etc. Finalmente, nesse crculo, uma pintura e uma inscrio verdadeiramente irveis instruem sobre tudo quanto o mundo queo encerra digno de ateno.
No interior do quarto crculo, esto representadas todas as espcies de pssaros, suas qualidades, grandezas, ndoles, costumes, cores e vida, e o que causa maior irao descobrir, entre eles, a verdadeira Fnix (11). A parte externa apresenta todos os gneros de animais, rpteis, serpentes, drages, vermes, insetos, moscas, mosquitos, taves, escaravelhos, etc., com suas particulares propriedades, distines e usos, e numa abundncia apenas acreditvel.
No interior do quinto crculo, aparecem todos os gneros de animais terrestres mais perfeitos, num nmero portentoso. No conhecemos seno a milsima parte deles; sendo muito grandes, no poucos foram pintados na parte externa do mesmo crculo. E, agora, quantas coisas poderia eu contar! quantas espcies de cavalos! quanta beleza de figuras!
No interior do sexto crculo, encontram-se pintadas todas as artes mecnicas e os seus instrumentos, e como as usam as diversas naes, cada uma ordenada e explicada segundo o prprio valor, e trazendo tambm o nome do inventor respectivo. Na parte externa, esto representados todos os homens mais eminentes nas cincias, nas armas e na legislao. Vi Moiss (12), Osiris (13), Jpiter (14), Mercrio (15), Licurgo (16), Pomplio (17), Pitgoras (18), Zamolhim, Slon (19), Caronda (20), Foroneu (21) e muitissimos outros. Quem mais? O prprio Maom (22) foi representado, embora o reputem um legislador falaz e desonesto. Vi a imagem de Jesus Cristo colocada num lugar eminentssimo, juntamente com as dos doze apstolos, por eles altamente venerados e julgados superiores aos homens. Debaixo dos prticos externos, vi representados Csar (23), Alexandre (24), Pirro (25), Anibal (26), e outras celebridades, quase todos cidados romanos, ilustres na paz e na guerra. Como eu perguntasse, maravilhado, como conheciam a nossa histria, responderam-me que cultivavam todas as lnguas, que costumavam enviar exploradores e embaixadores a toda parte da terra para aprender os costumes, as foras, o governo, a histria, os bens e os males de todos os pases, e que os habitantes solares so muito desejosos de tais instrues. E eu soube que, antes de ns, foram os chineses que descobriram a plvora e a imprensa. H professores que explicam essas gravuras, habituando as crianas com menos de dez anos a aprender sem fadiga, como uma espcie de divertimento, todas as cincias, mas tudo pelo mtodo histrico.
O terceiro trinviro o Amor, que tem o primeiro papel no que diz respeito gerao. Sua principal funo que a unio amorosa se realize entre indivduos de tal modo organizados, que possam produzir uma excelente prole. Escarnecem de ns por nos esforarmos pelo melhoramento das raas dos ces e dos cavalos, e nos descuidarmos totalmente da dos homens. Ao seu governo est submetida a educao das crianas, a arte da farmcia, como tambm a semeadura e a colheita dos cereais e das frutas, a agricultura, a pecuria e a preparao das mesas e dos alimentos. Em suma, o Amor regula tudo quanto se refere alimentao, ao vesturio e gerao, como tambm os numerosos mestres e mestras incumbidos desses misteres.
Esses trs tratam de todas essas coisas em colaborao com o Metafsico, sem o qual nada se faz. E assim a repblica governada por quatro, mas, em geral, onde propende a vontade do Metafsico, inclina-se a dos outros.
G.-M. - Mas, diga-me, amigo: os magistrados, as reparties, os cargos, a educao, todo o modo de viver mesmo o de uma verdadeira repblica, ou o de uma monarquia ou de uma aristocracia?
ALM. - Aquele povo ali se encontra vindo da ndia, por ele abandonada para livrar-se da desumanidade dos magos, dos ladres e dos tiranos, que atormentavam aquele pas. Todos determinaram, ento, comear uma vida filosfica, pondo todas as coisas em comum. E, se bem que em seu pas natal no esteja em voga a comunidade das mulheres, eles a adotaram unicamente pelo princpio estabelecido de que tudo devia ser comum e que s a deciso do magistrado devia regular a igual distribuio. As cincias e, em seguida, as dignidades e os prazeres so comuns, de forma que ningum pode apropriar-se da parte que cabe aos outros.
Dizem eles que toda espcie de propriedade tem sua origem e fora na posse separada e individual das casas, dos filhos, das mulheres. Isso produz o amor-prprio, e cada um trata de enriquecer e aumentar os herdeiros, de maneira que, se poderoso e temido, defrauda o interesse pblico, e, se fraco, se torna avarento, intrigante e hipcrita. Ao contrrio, perdido o amor-prprio, fica sempre o amor da comunidade.
G.-M. - Ento, ningum ter vontade de trabalhar, esperando que os outros trabalhem para o seu sustento, de acordo com a objeo de Aristteles (27) a Plato.
ALM. - No me constou que isso desse motivo para divergncias, mas posso afirmar-lhe que mal se pode imaginar a imensidade do amor que aquele povo nutre pela ptria, revelando-se nisso superior aos antigos romanos, que espontaneamente se ofereciam em holocausto pela salvao comum E assim devia ser, porque o amor coisa pblica aumenta na medida em que se renuncia ao interesse particular. Acredito, pois, que, se os nossos monges e clrigos no estivessem viciados por excessiva benevolncia para com os parentes e os amigos, e se mostrassem menos rodos pela ambio de honras cada vez mais elevadas, teriam, com menor afeio pela propriedade adquirida, louvores de mais bela santidade, e, semelhantes aos apstolos e a muitos dos tempos presentes, apareceriam ao mundo como exemplos da caridade mais sublime.
G.-M. - Isso j o disse Santo Agostinho (28). Mas, por favor, diga-me uma coisa: os habitantes solares, no podendo, permutar benefcios entre si, conhecero a amizade?
ALM. - Sim, e grandemente sentida. por isso que, embora ningum possa receber favores particulares, porque todos obtm da comunidade o necessrio e os magistrados velam para que ningum receba mais do que merece (sem que nunca o necessrio lhe seja negado), a amizade encontra ocasio de se mostrar em caso de guerra ou de enfermidades, ou pela prtica de mtuo auxilio no estudo das cincias e, s vezes, tambm pela troca de louvores, de funes ou do necessrio. Todos os contemporneos se chamam irmos, adquirem o nome de pais depois da idade de vinte e dois anos, e, antes dessa idade, dizem-se filhos, sendo uma das funes primrias dos magistrados impedir qualquer ofensa entre os confrades.
G.-M. - E como se consegue isso?
ALM. - Nessa cidade, o nmero e os nomes dos magistrados correspondem s virtudes que conhecemos. H os que se chamam Magnanimidade, Fortaleza, Castidade, Liberalidade, Justia criminal e civil, Diligncia, Verdade, Beneficncia, Gratido, Hilaridade, Exerccio, Sobriedade, etc. Aquele que, desde a infncia, se mostra, nas escolas, mais propenso ao exerccio de alguma dessas virtudes, chamado magistrado. Assim, no sendo possveis, entre eles, os latrocnios, os assassinatos, as traies, os estupros, os incestos, os adultrios e outros delitos de que incessantemente nos lamentamos, os que os praticam so declarados culpados de ingratido, malignidade (quando se nega uma satisfao devida), preguia, tristeza, clera, baixeza, maledicncia e mentira, delito este mais detestado do que a peste. E as penas mais em voga so a privao da mesa comum e a proibio das mulheres e de outras honras, pelo tempo que o Juiz julgar necessrio para a correo.
G.-M. - Pode explicar-me, agora, o sistema de eleio dos magistrados?
ALM. - Antes de lhe expor o mtodo de vida dessa gente, no me possvel satisfazer plenamente o seu pedido. preciso saber que tanto os homens como as mulheres usam roupas iguais, prprias para a guerra, com a nica diferena de que, nas mulheres, a toga cobre os joelhos, ao o que os homens os tm descobertos. Todos, sem distino, so educados juntos em todas as artes. Transcorrido o primeiro ano e antes do terceiro, os meninos aprendem a lngua e o alfabeto eando nas salas, todos divididos em quatro manpulos presididos por velhos venerveis, que so guias e mestres de probidade superior a toda prova.
Depois de algum tempo, comeam os exerccios de luta, corrida, disco e outros jogos ginsticos, feitos todos com o fim de fortalecer adequadamente o corpo, e sempre com os ps descalos e a cabea descoberta, at aos sete anos de idade. Distribudos por manpulos, so eles conduzidos s diferentes oficinas das artes: a dos sapateiros, a dos cozinheiros, a dos artfices, a dos pintores, etc. Para que seja observada a tendncia especial de cada engenho, depois dos sete anos, adquiridas j as noes matemticas mediante as pinturas das muralhas, aplicam-se ao estudo das cincias naturais. As lies so recitadas a cada manpulo por quatro mestres diferentes, os quais terminam em quatro horas todas as partes da instruo. Em seguida, enquanto uns exercitam o corpo, outros atendem s funes pblicas ou se dedicam s lies. Depois, comea o estudo das matrias mais difceis, das matemticas sublimes, da medicina e de outras cincias, e continuamente, no intervalo dos exerccios, travam-se discusses cientficas. Com o tempo, os que mais se distinguiram numa cincia, ou numa arte mecnica, so eleitos magistrados. A agricultura e a pecuria so ensinadas por meio da observao, e todos, guiados pelo prprio chefe e juiz, dirigem-se para o. campo, onde examinam e aprendem as modalidades de trabalho, sendo considerado o primeiro e o maior o que tiver conhecimento de maior nmero de artes e souber exerc-las com critrio. No posso exprimir-lhe quanto desprezo tm por ns, por chamarmos de ignbeis os artfices e de nobres os que, no sabendo fazer coisa alguma, vivem no cio e sacrificam tantos homens que, chamados servos, so instrumentos da preguia e da luxria. Dizem ainda que no de irar que dessas casas e escolas de torpeza saiam catervas de intrigantes e malfeitores, com infinito dano para o interesse pblico.
Os outros funcionrios so eleitos pelos quatro primazes - Hoh, Pon, Sin e Mor, - juntamente com os magistrados da arte a que devem consagrar-se. A obrigao dos quatro pontfices conhecer perfeitamente, em determinada arte ou virtude, a idoneidade do que deve tornar-se seu regedor. Quando ocorre uma eleio, os idneos so propostos numa assemblia dos magistrados, no sendo permitido que ningum se apresente candidato a se chamar alguma coisa, pois todos podem expor o que sabem contra ou a favor dos elegendos. Ningum aspira dignidade de Hoh sem conhecer profundamente a histria de todos os povos, os ritos, os sacrifcios, as leis das repblicas e das monarquias, assim como os inventores das leis, das artes, e os fenmenos e vicissitudes terrestes e celestes. Acrescente-se a isso o conhecimento de todas as artes mecnicas, cada uma das quais eles aprendem quase no espao de trs dias, embora no se tornem perfeitos na execuo, que , contudo, facilitada pelo exerccio e pelas pinturas. Alm disso, mister ser versadssimo nas cincias fsicas e astrolgicas. J no se d a mesma importncia ao conhecimento das lnguas, para as quais existem numerosos intrpretes, que na repblica se chamam gramticos. Mas, de absoluta necessidade conhecer integralmente as cincias metafsicas e teolgicas. Devem conhecer-se, em seguida, as razes, os fundamentos e as provas de todas as artes e cincias, as relaes de convenincia e inconvenincia das coisas, a necessidade, o destino, a harmonia do mundo, a potncia, a sabedoria e o amor das coisas de Deus, as gradaes dos seres, os seus smbolos com as coisas celestes, terrestres e martimas, e com os ideais em Deus, na medida em que isso concedido mente humana. Finalmente, necessrio ter aprofundado, com longos estudos, as profecias e a astrologia. Por isso, o futuro Hoh reconhecido muito tempo antes da eleio. Este s pode ocupar to eminente dignidade depois de completar o stimo lustro. O cargo perptuo, enquanto no se descobre outro mais sbio e melhor indicado para governar a repblica.
G.-M. - Mas, qual o homem capaz de possuir tanta doutrina? Um cientista no ser, talvez, o menos idneo para o regime da repblica?
ALM. - Essa objeo tambm foi apresentada por mim, e eis a resposta que obtive: Estamos to certos de que um sbio pode ter aptides para o bom governo de uma repblica quanto vs, que preferis homens ignorantes, julgados hbeis somente porque descendem de prncipes ou so eleitos pela prepotncia de um partido. Mas, o nosso Hoh, mesmo itindo que seja inexpertssimo em qualquer forma de governo, nunca se tornar cruel, celerado ou tirano, pois possui uma imensa sabedoria. Essa objeo pode ter fora entre vs, que chamais de sbio o homem que leu maior nmero de gramticas ou de lgicas de Aristteles ou outros autores, de forma que, ao se querer consultar um sbio dos vossos pases, o nico resultado que se obtm uma obstinada fadiga e um servil trabalho de memria que habituam o homem inrcia, pois no encontra estmulo em penetrar no conhecimento das coisas e se contenta em possuir um acervo de palavras, aviltando a alma, e fatigando-a sobre letras mortas. Tais sbios ignoram como todos os seres so governados pela causa primeira e quais as regras e hbitos da natureza e das naes. Isso no acontece com o nosso Hoh, uma vez que, para aprender tantas artes e cincias, necessrio ser dotado de vastssimo engenho para tudo, o que o torna habilssimo tambm para o governo poltico. Alm disso, sabido que no conhece nenhuma cincia quem s foi instrudo numa, tendo engenho tardo e desprezvel todo aquele que, apto numa nica cincia, a possui, ainda assim, tomada de emprstimo aos livros. Semelhante juzo no se pode fazer do nosso Hoh. Os trs primazes que o assistem devem ser profundos conhecedores, em particular, das artes que mais imediatamente se relacionam com o seu cargo, bastando que s historicamente conheam as artes comuns. Assim, a Potncia peritssima na arte equestre, na de coordenar um exrcito, de preparar os acampamentos, ou de fabricar as armas, e em cada assunto militar, como estratagemas, mquinas, etc. Mas, para alcanar esse objetivo, mister que a Potncia tenha noes de filosofia, de histria, de poltica, de fsica, etc. E o mesmo se pode dizer dos outros dois trinviros.
Voltando, agora, a falar sobre o seu mtodo de vida e a excelncia dos seus meios de instruo, devo informar-lhe que, naquela cidade, as cincias so aprendidas com tanta facilidade que as crianas ficam sabendo num ano o que entre ns s se adquire depois de dez ou quinze anos de estudo. Solicitado a interrogar os alunos, nem sei exprimir-lhe que surpresa tive ao ouvir respostas to prontas, to verdadeiras e to sbias de alguns que falavam correntemente a nossa lngua. Para isso, est estabelecido que trs de cada manpulo devem aprender o nosso idioma, outros trs o rabe, trs o polaco e trs outros lnguas especiais.
Antes de se tornarem doutores, no lhes concedido repouso algum: depois do estudo, vo para o campo, onde se exercitam em corrida, arco, lana, arcabuz, caa, ou em botnica, mineralogia, agricultura, pecuria.
G.-M. - Desejaria, agora, que me expusesse e classificasse as funes pblicas, antes de me falar detalhadamente da educao.
ALM. - Eles tm em comum as casas, os dormitrios, os leitos, todas as coisas necessrias. Mas, depois de seis meses, os mestres escolhem os que devem dormir neste ou naquele lugar: quem no primeiro quarto, quem no segundo, etc. - tudo indicado pelos alfabetos existentes no alto das entradas. Homens e mulheres se aplicam em comum a todas as artes mecnicas e especulativas, com a diferena de que as artes que requerem fadiga e marcha so exercitadas pelos homens, como arar, semear, colher as frutas, trabalhar na eira, fazer a vindima, etc., ao o que as mulheres se dedicam a ordenhar o gado e fazer o queijo, alm de se dirigirem s hortas vizinhas das muralhas da cidade para cultivar e colher legumes. Todas as artes, pois, que exigem que se fique sentado ou de p, competem s mulheres: tecer, fiar, cozinhar, cortar o cabelo e a barba, preparar remdios e toda sorte de roupas. Esto, contudo, isentas de trabalhar em madeira e em ferro. Se h, porm, alguma que revele aptido para a pintura, do-lhe a possibilidade de exercitar-se. A msica, ao contrrio, permitida somente s mulheres e, s vezes, tambm s crianas, por serem suscetveis de proporcionar maior deleite, excluindo-se, todavia, o uso das trompas e dos tmpanos. As mulheres preparam tambm os alimentos e estendem as toalhas, mas o servio das mesas compete aos meninos, bem como s meninas que ainda no completaram vinte anos. Cada crculo possui cozinhas e despensas prprias, alm de todos os utenslios necessrios para comer e beber. Cada oficina presidida por um velho e uma velha., que, de comum acordo, do ordens aos ministrantes, podendo castigar ou ordenar que se castiguem os negligentes, os refratrios, os desobedientes. Observam e tomam nota do gnero de ofcio em que mais se distinguiu um menino ou uma menina. A juventude serve aos que ultraaram os quarenta anos, e o dever dos mestres e das mestras vigiar noite, quando vo descansar, e, de manh, pr em funo os que devem substitui-los, sendo escolhidos um ou dois para cada quarto. Os jovens servem-se reciprocamente, e ai dos renitentes! H as primeiras e as segundas mesas, cada qual com seus respectivos assentos. Sentam-se primeiro as mulheres, depois os homens, e, conforme ao uso dos monges, no permitido nenhum rumor. Durante a refeio, um jovem l, de uma alta tribuna, com voz distinta e sonora, algum livro, sendo a leitura freqentemente interrompida pelos magistrados, que fazem observaes sobre as agens mais importantes. Belssima de ver-se essa juventude, sucintamente vestida, prestar aos seus maiores, com grande oportunidade, toda espcie de servios. um imenso conforto observar como vivem em comum, em perfeita harmonia, com extrema modstia, decoro e amor, tantos amigos, irmos, filhos, pais e mes. Cada um recebe um guardanapo, um prato e uma poro de alimento. Incumbe aos mdicos dar aos cozinheiros do dia instrues sobre a qualidade dos alimentos que devem ser preparados, indicando os que convm aos velhos, aos jovens e aos doentes. Todos os magistrados recebem uma poro um pouco maior e mais escolhida, da qual; durante a refeio, distribuem uma parte aos meninos que de manh mais se distinguiram nas cincias ou nas armas. Esse favor ambicionado como um dos mais preclaros. Nos dias de festa, hora do jantar, h canto e msica, mas com poucas vozes, sendo s vezes uma somente, acompanhada por uma ctara, etc. Como o servio da mesa feito por muitos e com diligncia, nunca se ouve uma queixa por faltar alguma coisa. Velhos venerveis presidem ao regular funcionamento da cozinha e aos preparadores dos alimentos, como tambm limpeza das camas, dos quartos, dos vasos, da roupa, das oficinas e dos ingressos, atribuindo a tudo isso enorme importncia.
No que diz respeito ao vesturio, trazem sobre o corpo uma camisa branca e, em seguida, o hbito, que serve ao mesmo tempo de colete e de cala, sem pregas, lateralmente aberta no alto e em baixo das pernas, e do meio do umbigo s ndegas, entre as extremidades das coxas. As orlas das aberturas anteriores so fechadas por botes pregados por fora, e as dos laterais por laos. As botas aderem cala e descem at aos calcanhares. Os ps so cobertos, tambm, por meias de l da forma de semicoturnos e presas por fivelas. Sobre essas que vm os sapatos. Finalmente, como j disse, vestem a toga. To bem feitas so essas roupas que, levantando a toga, ver voc, claramente e sem temor de se enganar, as partes bem proporcionadas de toda a pessoa.
Mudam quatro roupas diferentes por ano, ao entrar o Sol no ries (29), no Cncer, na Libra e no Capricrnio. A qualidade e a necessidade so decididas pelo mdico, ao o que a distribuio compete ao encarregado do vesturio em cada crculo. Voc decerto se iraria do nmero extraordinrio de tantas roupas, pesadas ou leves, conforme o exija a diferena das estaes. Todos as trazem muito limpas, pois que as lavam, uma vez por ms, com lixvia e sabo. Todas as dependncias de determinada espcie de arte, como cozinhas, despensas, celeiros, armazns, arsenais, banheiros, encontram-se na parte inferior das casas, se bem que, debaixo dos peristilos, tambm tenham sido construdos tanques para os banhos, cuja gua se escoa por canais terminados em cloacas. Em cada praa dos sete crculos, h as respectivas fontes, que vertem a gua tirada das faldas da colina com o simples movimento de engenhoso manbrio. Em geral, as guas so, algumas primitivas, outras recolhidas em cisternas. A gua que, depois de uma chuva, escorre pelos telhados das casas, levada s cisternas por meio de aquedutos de areia. As prescries do mdico e do magistrado regulam os banhos das pessoas. As artes mecnicas so exercidas debaixo dos peristilos, nas galerias superiores; as especulativas, em cima das sacadas, onde se distinguem as mais preciosas pinturas; e, no templo, ensinado tudo o que se relaciona com as coisas divinas. Os relgios solares e outros maquinismos que indicam as horas e os ventos se acham debaixo dos prticos ou nos pontos mais eminentes de cada crculo.
G.-M. - Por favor, fale-me, agora, da gerao.
ALM. Nenhuma mulher, antes dos dezenove anos, pode consagrar-se a esse mister; quanto aos homens, devem ter ultraado os vinte e um, e at mais quando de compleio delicada. Antes dessa idade, permite-se a alguns a mulher, mas estril ou grvida, a fim de que, impelidos por excessiva concupiscncia, no se abandonem a excessos anormais. s mestras matronas e aos velhos mais idosos, incumbe proporcionar o prazer aos que, mediante pedido secreto ou nas palestras pblicas, tenham revelado possuir mais poderosos estmulos. Mas, sempre necessria a licena do Grande Magistrado da gerao, ou seja o Grande Doutor da medicina, que no reconhece outros superiores alm do trinviro Amor. Os que se surpreendem na prtica da sodomia so vituperados e obrigados a levar, por dois dias, o calado preso ao pescoo, punio que indica terem eles invertido a ordem natural das coisas pondo os ps sobre a cabea Continuando a iniqidade, aumenta a pena que pode chegar, s vezes, capital. Em compensao, os que se mantm ilibados at aos vinte e um anos de idade, e sobretudo os que assim permanecem at aos vinte e sete anos, recebem, em reunio pblica, honras de festas e cantos. De acordo com o costume dos antigos espartanos, tanto os homens como as mulheres aparecem nus nos exerccios ginsticos, de forma que os preceptores tm a possibilidade de descobrir os que so capazes ou incapazes para a gerao, podendo determinar ainda qual o homem mais conveniente a determinada mulher, segundo as respectivas propores corporais. A unio marital se realiza cada terceira noite e depois que os geradores esto bem lavados. Uma mulher grande e bela se une a um homem robusto e apaixonado, uma gorda a um magro, uma magra a um gordo, e assim, com sbio e vantajoso cruzamento, moderam-se todos os excessos. Ao cair do sol, os meninos sobem s habitaes e preparam os tlamos. Depois, entram os geradores e, seguindo a determinao dos mestres e mestras, ficam em repouso, sem poderem nunca consagrar-se ao importante mister, antes de terem digerido bem os alimentos e terminado a prece. Nos quartos, h esttuas de homens respeitabilssimos, a colocadas para serem contempladas pelas mulheres, que, depois, pondo-se a uma janela com os olhos voltados para o cu, suplicam a Deus que lhes conceda tornarem-se mes de perfeita prole. Deitam-se, ento, em celas separadas e dormem at hora estabelecida para a unio. quando a mestra se levanta e, por fora, abre a porta tanto aos homens como s mulheres. Essa hora determinada pelo mdico e pelo astrlogo, que procuram escolher a ocasio em que todas as constelaes so favorveis aos geradores e aos gerados. Consideram culpvel todo aquele que, ao se aproximar a gerao, no tenha ao menos por trs dias conservado o smen em sua integridade e pureza, bem como o que, tendo cometido atos impudicos, no se tenha confessado e reconciliado com Deus. Os que, por deleite ou necessidade, tm relaes com mulheres estreis, grvidas ou defeituosas, no participam de nenhuma cerimnia. Os magistrados, por serem todos sacerdotes, assim como os mestres das cincias, s podem assumir o encargo de geradores depois de muitos dias de abstinncia. que, como freqentemente se observa, o emprego das faculdades da inteligncia, enfraquecendo-lhes os espritos animais e impedindo que possam transmitir a energia do crebro faz com que seja fraca de corpo e tarda de engenho a prole dessa gente. Sbia, por conseguinte, a prescrio que lhes ordena a unio com mulheres vivazes fortes e belas. Da mesma forma, os homens geis, ardentes, de temperamento sangneo, devem unir-se a mulheres gordas e frias. Dizem eles que, descurada a gerao, no se pode depois, com a arte, adquirir a harmonia dos diversos elementos do organismo, causa de todas as virtudes, e que os homens nascidos com m organizao s praticam o bem pelo receio da lei e de Deus; sem esse receio, ou secreta ou publicamente, tornam-se perniciosos repblica. Eis porque se deve empregar toda diligncia no mister da gerao, refletindo-se sobre os verdadeiros mritos naturais, e no sobre os dotes ou a nobreza fictcia e de mentirosa espcie. Se uma mulher no fecundada pelo homem que lhe destinado, confiada a outros; se, finalmente, se revela estril, torna-se comum, mas lhe negada a honra de sentar-se entre as matronas na assemblia da gerao, no templo e mesa. Assim procedem para que, por motivos de luxria, no procurem elas a esterilidade. As que concebem ficam, por quinze dias, dispensadas de qualquer fadiga. Comeam, em seguida, trabalhos fceis que lhes fortifiquem a prole e lhes abram os meatos da nutrio, e se revigoram depois, gradativamente, com exerccios. Os mdicos s lhes permitem alimentos profcuos. Depois do parto, elas prprias amamentam e assistem ao recm-nascido em quartos comuns, que para esse fim devem ser expressamente preparados. Por dois e mais anos, segundo as prescries do Fsico, so amamentadas as crianas. Depois disso, se menina, entregue s mestras, e, se menino, aos mestres. Comeam, ento, quase que como um divertimento, a aprender o alfabeto, a explicar as pinturas, a exercitar-se na corrida, na luta, e depois a estudar as histrias expostas pelas pinturas e as diferentes lnguas. At aos seis anos de idade, vestem uma elegante roupa multicor. Depois dessa idade, iniciam o estudo das cincias naturais, depois de outras, quando os mestres julgam oportuno. Para o fim, reservam-se as cincias mecnicas. Quanto aos meninos tardos de engenho, vo para o campo, e, se alguns j provam terem feito progressos bastantes, voltam para a cidade. Mas, como quase todos nasceram sob a mesma constelao, assemelham-se sempre aos contemporneos pela virtude, pelos costumes e pelas feies, o que d causa a uma durvel concrdia, a um mtuo amor e a uma recproca solicitude em se auxiliarem uns aos outros.
Os nomes no se impem arbitrariamente, mas por inspirao do Metafsico, depois de considerar as qualidades individuais, segundo o costume dos antigos romanos. assim que um se chama Belo, outro Naso, um terceiro Crasspede, e outros Torvo, Magro, etc. Mas, quando adquirem excelncia em alguma arte, ou por algum feito na guerra ou na paz, ao primeiro nome se acrescenta o da arte, como Pintor belo, grande, ureo, excelente, preclaro, ou o da ao, como Naso forte, astuto, vencedor, grande, grandssimo, ou ainda o do inimigo vencido, como Africano, Asitico, Etrusco, e, quando tenha superado Manfredo (30), ou Tortlio, recebe o nome de Magro Manfredo, Tortlio, etc. Esses cognomes so impostos pelos magistrados superiores, que acompanham a funo, o mais das vezes, com o presente de uma coroa conveniente ao feito ou arte, e com uma festa musical, pois no do valor algum ao ouro e prata, considerando-os como matrias para fabricar vasos e ornamentos comuns a todos
. G.-M. - Diga-me, por favor: conhecem eles o cime, ou melhor, a dor, quando algum no obtm uma esperada magistratura ou qualquer outra coisa que tenha ambicionado?
ALM. - No, porque todos, alm de possurem o necessrio, gozam de tudo quanto possa deleitar a vida. A gerao considerada obra religiosa, tendo por fim o bem da repblica e no dos particulares. Por isso, todos obedecem plenamente aos magistrados. Alm disso, contra a nossa opinio, negam ser natural ao homem, para educar vantajosamente a prole, a posse de uma mulher, de uma casa, de filhos, e dizem, com So Tomaz (31), que o objetivo da gerao a conservao da espcie e no a do indivduo. Trata-se, portanto, de um direito pblico e no privado, do qual os particulares s participam como membros da repblica. Acrescentam que a principal causa dos males pblicos reside na maneira errnea de considerar a gerao e a educao, que devem ser religiosamente atribudas sabedoria do magistrado, como primeiros elementos da felicidade de um povo.
Os indivduos que, por sua excelente organizao, tm o direito de se tornarem geradores, ou geratrizes, Se unem segundo os ensinamentos da filosofia. Plato acha que isso deve realizar-se tirando a sorte, a fim de que os que so afastados das mulheres mais belas no fiquem odiando os magistrados; e diz que devem ser enganados no ato de tirar a sorte, os que no so merecedores de supremas belezas, de maneira que obtenham, no as mais desejadas, mas as mais convenientes. Esse engano, porm, inteiramente intil para os habitantes solares, pois que entre eles no existe deformidade. Alm disso, como as mulheres se aplicam continuamente a diferentes trabalhos, adquirem uma cor vivaz, membros robustos, grandes, e geis, consistindo a beleza unicamente na altura e no vigor das pessoas. Incorreria, pois, na pena capital aquela que embelezasse o rosto para parecer bela, ou usasse calado alto para parecer maior, ou vestido comprido para cobrir ps disformes. Mas, mesmo que alguma manifestasse propenso para fazer essas coisas, no o conseguiria, porque ningum lhe reconheceria a faculdade. Asseveram eles que tais enganos so frutos, entre ns, da ociosidade e da indolncia das mulheres, o que faz com que, deformando-se, empalidecendo e tornando-se fracas e pequenas, precisem de cores, de calado, de vestidos compridos, e gostem mais de parecer belas por uma inerte delicadeza do que por uma vigorosa sade, prejudicando-se a se prprias e prole.
Quando um indivduo se apaixona violentamente por uma mulher, permitem-lhe colquios, divertimentos e recprocos presentes de flores e de poesias. Se, porm, a gerao corre perigo, no se permite nunca que se unam, salvo quando a mulher j se acha grvida de um feto pertencente a outro, ou quando j tenha sido declarada estril; estes, porm, s conhecem o amor de exclusiva concupiscncia e a amizade. No se preocupam muito com questes familiares e comestveis, pois cada um recebe de acordo com a prpria necessidade, a no ser quando se trate de honrar algum. Ento, e especialmente nos dias de festa, costumam distribuir-se, aos heris e s heronas, hora do jantar, em sinal de honra, diferentes presentes, como grinaldas multicores, alimentos agradveis, roupas elegantes, etc.
Se bem que, durante o dia e na cidade, todos usem roupas brancas, noite e fora da cidade trajam vestes vermelhas, de l ou de seda. Detestam, porm, e desprezam a cor preta, em oposio aos japoneses, que preferem essa tinta. A soberba julgada o mais execrando dos vcios, e todo ato de soberba punido com as mais cruis humilhaes. Ningum se considera diminudo ao servir mesa, na cozinha ou nas enfermarias: cada funo tida como um mister, e, a seu ver, todos os atos praticados pelas diferentes partes do corpo humano so igualmente honrosos.
No tm o srdido costume de possuir servos, bastando-lhes e, muitas vezes, sendo at excessivo, o prprio trabalho. Entre ns, infelizmente, vemos o oposto.
Npoles tem uma populao de setenta mil pessoas, mas s quinze mil trabalham e so logo aniquiladas pelo excesso de fadiga. As restantes esto arruinadas pelo cio, pela preguia, pela avareza, pela enfermidade, pela lascvia, pela usura, etc., e, para maior desventura, contaminam e corrompem um infinito nmero de homens, sujeitando-os a servir, a adular, a participar dos prprios vcios, com grave dano para as funes pblicas. Os campos, a milcia, as artes, ou so desprezadas ou, com ingentes sacrifcios, pessimamente cultivadas por alguns. Na Cidade do Sol, ao contrrio, havendo igual distribuio dos misteres, das artes, dos empregos, das fadigas, cada indivduo no trabalha mais de quatro horas por dia, consagrando o restante ao estudo, leitura, s discusses cientficas, ao escrever, conversao, aos eios, em suma, a toda sorte de exerccios agradveis e teis ao corpo e mente. No se permitem jogos que obriguem a ficar sentado, como dados, xadrez e outros, divertindo-se todos com a pela, o balo, o pio, a corrida, a luta, o arco, o arcabuz, etc. Afirmam, alm disso, que a pobreza a razo principal de se tornarem os homens vis, velhacos, fraudulentos, ladres, intrigantes, vagabundos, mentirosos, falsos testemunhos, etc., produzindo a riqueza os insolentes, os soberbos, os ignorantes, os traidores, os presunosos, os falsrios, os vaidosos, os egostas, etc. A comunidade, ao contrrio, coloca os homens numa condio ao mesmo tempo rica e pobre: so ricos porque gozam de todo o necessrio, e so pobres porque no possuem nada. Servem as coisas, mas as coisas lhes obedecem, louvando assim os religiosos da cristandade e especialmente a vida dos apstolos.
G.-M. - Considero til e santa a comunidade dos bens, mas no posso aprovar a das mulheres. So Clemente (32) romano diz que as mulheres devem ser comuns, segundo o instituto apostlico, e elogia Scrates (33) e Plato por ensinarem igual doutrina; mas, a glosa entende que essa comunidade se relaciona com o obsquio e no com o leito. E Tertuliano (34), apoiando a glosa, escreveu que os primeiros cristos tiveram tudo em comum, excetuadas as mulheres, as quais o foram, contudo, no que diz respeito ao obsquio.
ALM. - Mal conheo essas coisas, mas posso afirmar-lhe que, na Cidade do Sol, as mulheres so comuns tanto para o obsquio como para o leito, mas nem sempre, como o fazem as feras ao encontrarem a fmea, mas somente, como se diz, por motivo e ordem de gerao. No obstante, possvel que nisso se enganem. Escudam-se no juzo de Scrates, de Cato (35), de Plato, de So Clemente (mal compreendido, como voc observou). Dizem que Santo Agostinho aprova toda comunidade, mas no a das mulheres para o leito, que a heresia dos nicolaitas (36), e que a nossa Igreja permitiu a propriedade dos bens, no a ttulo de introduzir vantagens maiores, mas unicamente para evitar piores males. Com o tempo, talvez seja possvel que abandonem esse costume, uma vez que, nas cidades sujeitas, so comuns os bens, no as mulheres, salvo em relao ao obsquio e s artes. Mas, isso atribudo pelos habitantes solares imperfeio das referidas cidades, menos da prpria, instrudas em filosofia. No obstante, costumam enviar mensageiros a outras naes e nunca se recusam a abraar os costumes que lhes parecem melhores. O hbito faz com que as mulheres tambm se tornem aptas para a guerra e outros misteres. Depois que conheci essa cidade, concordei plenamente com Plato e menos com o nosso Caieta (37), discordando por completo de Aristteles. Um costume apreciadssimo e digno de imitao, entre eles, o que consiste em considerar que nenhum defeito bastante para manter os homens na ociosidade, salvo em idade decrpita, na qual ainda so teis dando conselhos. Assim, o coxo serve de vigia empregando os olhos sos; o cego, com as mos, desfia a l e prepara plumas para encher leitos e travesseiros; quem privado de olhos e de mos serve a repblica empregando os ouvidos e a voz; finalmente, o que s possui um membro emprega-o do melhor modo possvel
G.-M. - Fale-me da guerra, que reservarei para depois as artes, as cincias e a religio.
ALM. - A Potncia, outro dos trinviros, preside ao mestre das armas, como tambm aos da artilharia, da cavalaria, da infantaria e dos arquitetos, dos estratagemas, etc. A cada um destes obedecem outros mestres e primeiros funcionrios das respectivas artes. Alm disso, a Potncia comanda os atletas, que so experimentados e velhos capites, preceptores dos meninos na arte militar, depois que estes completam os doze anos, se bem que antes dessa idade j tenham sido exercitados por mestres inferiores na corrida, na luta, no lanamento de pedras, etc. Os atletas ensinam a ferir o inimigo, os cavalos, os elefantes, a manejar a espada, a lana, o arco, as fundas, a cavalgar, a perseguir, a fugir, a ficar de ordenana, a socorrer o companheiro, a prevenir com engenho o inimigo, numa palavra, a vencer. As mulheres tambm aprendem essa arte com mestres e mestras especiais, de forma que, quando necessrio, podem prestar socorro aos homens em caso de guerra no distante da cidade, ou defender as muralhas desta, a fim de nunca serem surpreendidas por uma sbita invaso. Honram, dessa forma, as espartanas e as amazonas (38). Sabem atirar balas de fogo com arcabuzes, form-las com o chumbo, lanar pedras do alto, marchar ao encontro do mpeto inimigo. E assim, pela freqncia de semelhantes exerccios, habituam-se a afrontar qualquer perigo sem nenhum temor, e, quando alguma demonstra covardia, severamente. punida.
Os habitantes solares no temem a morte, porque todos acreditam na imortalidade da alma, que, ao sair do corpo, acompanhada pelos espritos bons ou maus, conforme o tenha merecido na vida terrestre. Embora sejam brmanes (39), aproximam-se, contudo, segundo certas opinies, dos pitagricos (40), dos quais no item a metempsicose da alma, exceto uma ou outra vez, por especial justia de Deus. Tambm no deixam de combater um povo que se mostre inimigo da repblica, da religio e da humanidade. Uma vez cada dois meses, ado em revista o exrcito, sendo dirio o estudo prtico das armas, quer em campo aberto, quer entre as muralhas. So contnuas, tambm, as lies sobre a arte militar. Estudam a histria de Moiss, de Josu (41), de Davi (42), dos Macabeus (43), de Csar, de Alexandre, de Cipio (44), de Anibal, etc. Todos tm o direito de externar sua opinio. Aqui agiram bem, ali mal, aqui com probidade, ali com utilidade, etc. assim vai respondendo e sentenciando o mestre.
G.-M. - Mas contra que povos e por que motivos fazem a guerra, e com que xito?
ALM. - Mesmo que nunca precisassem entrar em guerra, ainda assim se exercitariam na arte militar e na caa, para no se descuidarem e no serem surpreendidos sem defesa pelos acontecimentos. Alm disso, na ilha, h quatro remos que invejam grandemente a sua prosperidade: como o povo prefira viver maneira dos habitantes solares a obedecer aos regedores do pais, eles muitas vezes movem guerra aos solares, aduzindo usurpaes de limites, mpio modo de viver, falta de dolos, dio s crenas dos gentios (45) ou dos antigos brmanes, etc. Tambm os inds, dos quais j foram sditos, se declaram contra eles e os tratam de rebeldes, como tambm os povos da Taprobana, dos quais tiveram os primeiros socorros. No obstante, os solares saem sempre vencedores. Mal sofrem um insulto, uma calnia ou uma depredao, ou conhecidos os males dos prprios aliados, ou ainda chamados como libertadores por povos tiranizados, renem-se logo em assemblia para deliberar. Ento, primeiro, ajoelham-se perante Deus, rogando-lhe a inspirao de timos conselhos; em seguida, examinam as coisas; por fim, declaram a guerra. Subitamente, enviado ao inimigo um sacerdote chamado Forense, o qual pede ao inimigo a restituio da presa, a libertao dos aliados, ou a cessao da tirania. Se os pedidos no surtem efeito, ele intima a guerra em nome do Deus das vinganas, do Deus de Sabaot (46), para o extermnio dos que sustentam a iniqidade. Quando os inimigos pedem prazo para a resposta, o sacerdote concede uma hora, se trata com um rei, e trs com uma repblica, e isso a fim de impedir qualquer engano. Dessa forma, os habitantes solares se tornam defensores do direito natural e da religio. Declarada a guerra, o conjunto da execuo confiado ao Vigrio da Potncia. Esse trinviro, ento, semelhana do ditador dos romanos, age plenamente de acordo com a prpria vontade, de forma que sejam afastadas todas as razes de atraso. Mas, se muito grande a importncia da empresa, consulta Hoh, a Sabedoria e o Amor. Antes, porm, um orador expe, numa assemblia geral, as razes da guerra e a justia da causa. Intervm nessa assemblia os maiores de vinte anos, de maneira que fique preparado tudo o que for necessrio. preciso saber que eles conservam em arsenais especiais toda espcie de armas, das quais freqentemente se servem em combates simulados. As paredes internas de cada crculo so guarnecidas por morteiros, sob a guarda de soldados especiais. H, alm disso, outras mquinas de guerra chamadas canhes, que so transportadas batalha por mulas ou burros, ou em cima de carros. E, quando se acham em campanha aberta, encerram no meio os comboios, as artilharias, os carros, as escadas e as mquinas, e animosamente, por longo tempo, se disputam o terreno. Cada um se retrai, ento, em torno das prprias bandeiras. Os inimigos acreditam que estejam fugindo ou se preparando para a fuga, e saem em sua perseguio, mas os solares, formando duas alas em forma de chifres, retomam flego e coragem, e com a artilharia atiram balas de fogo, voltando logo em seguida ao combate contra os inimigos desorientados. esses e outros modos semelhantes de guerra so freqentemente usados. Eles superam todas as naes na cincia dos estratagemas e das mquinas, e seguem o costume dos antigos romanos na formao dos acampamentos. Levantadas as tendas, circundam-nas de basties e fossas, com maravilhosa presteza. Cada trabalho assistido pelos mestres dos trabalhos, das mquinas e das artilharias, e todos os soldados sabem manejar o machado e a enxada. Possuem, testa dos servios de guerra, cinco, oito e at, dez chefes, que conhecem profundamente a disciplina e os estratagemas e sabem dirigir as prprias fileiras de acordo com o plano preestabelecido. Costumam, tambm, conduzir guerra meninos a cavalo, a fim de aprenderem essa arte e se habituarem ao sangue, como os lobos e os lees costumam fazer com os filhos. Os meninos, juntamente com as mulheres, que tambm assistem armadas, retiram-se no instante do perigo, mas, depois da batalha, reaparecem para medicar, servir e confortar com carcias e palavras os combatentes. Imensa vantagem traz a presena dessas pessoas. No poucos, para dar mostra de valor diante das mulheres e dos meninos, fazem prodgios, tentam as mais arriscadas empresas, e quase sempre o amor os faz sair vitoriosos. Quem, na batalha, foi o primeiro a transpor os redutos inimigos, recebe depois do conflito, das mos das mulheres e dos meninos, uma coroa de graminho, em meio s honras de festas militares. Obtm a coroa cvica quem socorre o amigo, e uma de carvalho quem mata o tirano, cujos despojos, em perptua memria do fato, so colocados no templo, sobrepondo-lhe o Metafsico nome da ao. Outros recebem outras coroas. Os soldados a cavalo trazem uma lana e duas grandes e resistentes pistolas penduradas nas selas, as quais, sendo menores no orifcio do que na base, tm fora para trasar mesmo a mais macia armadura de ferro. Usam, igualmente, a espada e o punhal. Outros, ainda, so armados de uma clava de ferro e se dizem soldados armados ligeira. Dessa forma, se a armadura do inimigo resiste espada e s pistolas, assaltam-no com a clava, como fez Aquiles (47) com o Cisne (48), derrubam-no e o aniquilam. Ligadas clava, pendem duas correntes de seis palmos, com bolas de ferro na extremidade, de forma que, atiradas contra o inimigo, lhe cingem o pescoo, abalando-o, arrastando-o, levando-o por terra. Para com maior facilidade manejarem a dava, no governam as rdeas do cavalo com as mos, mas com os ps. por isso que as rdeas se trocam em cruz sobre os ares da cela, descendo para prender-se, no nos ps, mas na extremidade dos estribos. Estes formam, exteriormente, uma esfera de ferro e, na base, um tringulo. Desse modo, rodando o p sobre o tringulo, so postas em movimento as esferas, e estas estiram as rdeas. E assim, com irvel presteza, governam vontade o cavalo, fazendo-o voltar com o p direito para o lado esquerdo e vice-versa. Esse segredo ignorado pelos prprios trtaros (49), que sabem governar as rdeas com os ps, mas no sabem afastar, retrair e diminuir a marcha do cavalo, alm de no conhecerem o emprego da roldana nos estribos. Os cavaleiros armados ligeira comeam o ataque com arcabuzes. Em seguida vm as falanges com as lanas, e depois os fundeiros, muitssimo estimados e habituados a combater, indo alguns at quase dentro da contextura das fileiras, enquanto outros avanam pela frente e outros marcham concentrados. Possuem tambm esquadras que protegem o exrcito com chuos. Finalmente, a batalha decidida pelas espadas.
Terminada a guerra, celebram triunfos militares, como os antigos romanos e ainda melhor. Rendem graas a Deus com preces, e o supremo chefe da expedio entra no templo, onde um poeta ou um historiador, que assistiu aos fatos, bem ou mal os expe. Depois, Hoh coloca uma coroa de louros na cabea do chefe, seguindo-se a distribuio dos presentes e das honras aos soldados que mais se distinguiram, os quais, por muitos dias, so dispensados do servio. Mas, os habitantes solares, no gostando do cio, empregam essas folgas em socorrer os amigos. Ao contrrio, os chefes que, por culpa prpria, foram vencidos ou perderam ocasio de mais completa vitria, so infamados.
O soldado que foi o primeiro a fugir s pode subtrair-se morte quando o exrcito inteiro pede graa por sua vida, assumindo cada um uma parte do castigo. Essa indulgncia, porm, raramente concedida e s quando militam circunstncias excepcionais. batido com vergas quem no socorre o amigo, e quem se mostrou desobediente encerrado num recinto para ser devorado pelas feras, pondo-se-lhe nas mos um basto, de forma que, se vencer os ursos e os lees que o guardam, o que quase impossvel, ser novamente itido na sociedade.
As cidades subjugadas ou que se submetem de espontnea vontade pem logo em comum todas as coisas, aceitam guarnies e magistrados solares e aos poucos se habituam aos costumes da Cidade do Sol, mestra de todas, para onde expedem os seus filhos, aos quais, sem nenhuma despesa, dada perfeita instruo.
Obra de excessiva extenso seria falar dos exploradores e dos seus mestres, das sentinelas, das ordens e dos usos dentro e fora da cidade, coisas que voc facilmente pode imaginar, bastando que eu lhe observe que so escolhidos quando meninos, segundo a inclinao individual e a constelao que presidiu ao seu nascimento. E assim, procedendo segundo o prprio talento natural, cada um exerce o respectivo mister com pontualidade e tambm com prazer, porque est em harmonia com a ndole prpria. O mesmo se pode dizer dos estratagemas e outras funes.
As quatro partes da cidade so guardadas noite e dia por sentinelas, enquanto outras montam guarda s ltimas muralhas do stimo circulo, sobre propugnculos, torres, e entre os entrincheiramentos internos. Durante o dia, tambm as mulheres prestam esse servio, mas somente os homens noite, a fim de no ficarem preguiosos e prevenirem uma surpresa. A durao de cada planto , como entre ns, de trs horas. Ao cair do sol, por entre sons de tmpanos e sinfonias, indicam-se aos armados os lugares que devem ser vigiados. Amam a caa como uma imagem da guerra e, na ocorrncia de vrias solenidades, h nas praas pblicas divertimentos de que participam homens a p e a cavalo. Nesses divertimentos, nunca falta a msica, etc. De bom grado, perdoam as ofensas e os erros dos inimigos, e, depois da vitria, costumam benefici-los. Mas, quando, por lei da necessidade, devam arrasar muralhas ou decepar cabeas, o decreto posto em execuo no mesmo dia da vitria. Depois, continuam a prodigalizar toda sorte de benefcios e dizem que no se deve combater um inimigo para extermin-lo, mas para torn-lo melhor. Se, entre eles, surge uma altercao por injrias ou outra causa (pois quase no conhecem disputas que no sejam de honra), o primaz e os magistrados punem o culpado secretamente, quando o ato que constitui a afronta tenha resultado de um primeiro mpeto de clera. Se a injria consiste em palavras, esperam o dia da batalha, dizendo que se deve lanar a ira contra o inimigo; considera-se, ento, que defendeu a melhor causa e a verdade aquele que na guerra deu mostra de maior valor. O outro cede. Mas, as penas so sempre proporcionais culpa. No se permite nunca que os dios se prolonguem at ao duelo, o qual, alm de destruir o poder dos tribunais, tambm injusto, porque expe a sucumbir a parte que tem razo. Assim, na Cidade do Sol, quem se julga imerecedor de injria e afirma ser melhor do que o adversrio, tem a faculdade de prov-lo na guerra pblica.
G.-M. - Isso de grande vantagem, porque, evitando os dios particulares, impede a formao de partidos nocivos ptria, assim como as causas de guerras civis, das quais, to freqentemente, como em Atenas e em Roma, surge um tirano. Peo-lhe, agora, que me fale do trabalho.
ALM. - J lhe disse que eles tm em comum a arte militar, a agricultura e a pecuria. Todos tm obrigao de conhecer essas artes julgadas nobilssimas, de forma que quem exerce maior nmero considerado possuidor de maior nobreza, e quem chegou a maior nobreza e a maior perfeio em alguma delas, eleito mestre. As artes mais fatigantes obtm maior estima, como a do artfice, a do pedreiro, etc. Ningum se recusa a exercit-las, porque a elas se aplicam pela particular tendncia revelada na infncia, e tambm porque o trabalho distribudo de modo que nunca possa ser nocivo pessoa, mas, ao contrrio, deva torn-la e conserv-la melhor. As mulheres exercem as artes menos pesadas. Todos devem ser hbeis na natao, e reservatrios especiais de gua foram preparados no longe da cidade. J o comrcio descurado, embora conheam o valor das moedas e fabriquem dinheiro, com o qual os embaixadores e os exploradores possam prover subsistncia nos pases estrangeiros. Cidade do Sol costumam chegar comerciantes das diferentes partes do mundo, que compram dos solares o suprfluo. Os habitantes no recebem dinheiro, mas trocam com as mercadorias de que precisam, sendo que, muitas vezes, tambm as compram com moedas. Mas, de todo o corao, riem-se os meninos solares ao verem tanta abundncia de coisas deixadas por to poucas bagatelas; no se riem, porm, os velhos. A fim de que a cidade no seja corrompida pelos maus costumes dos servos e dos estrangeiros, fazem todo comrcio nos portos, vendendo os prisioneiros de guerra ou mandando-os para fora da cidade a cavar fossas e para outros trabalhos fatigantes. Para a guarda dos campos, so continuamente expedidos, juntamente com os cultivadores, quatro manpulos de soldados, cada um dos quais sai por uma das quatro portas da cidade, que do para o mar por estradas construdas de tijolos, de forma que as coisas e os forasteiros tenham mais fcil ingresso na cidade. Estes so tratados com gentileza e magnificncia. Vivem, por trs dias, a expensas pblicas. Ao primeiro encontro, lavam-lhes os ps e os conduzem, depois, para a cidade, onde lhes do lugar na assemblia e mesa, assistidos e servidos por pessoas especiais. Quando desejam tornar-se cidados solares, so provados por um ms no campo, por outro na cidade. Se ento se decidem e a isso aceita, verificam-se juramentos e cerimonias.
Grandemente valorizada a agricultura: cada palmo de terra d lucro. Estudados os ventos e as estrelas, saem eles, deixando poucos montando guarda cidade, para arar, semear, escavar, sachar, ceifar, vindimar, acompanhados de trompas e tmpanos, e em brevssimo tempo terminado todo o trabalho, economizando, com a arte, tempo e fadigas. Usam carros munidos de velas, que servem mesmo quando sopra vento contrrio, graas a um irvel aparelhamento de rodas, e, quando falta o vento, belssimo ver como um nico animal puxa um imenso e pesadssimo carro. Enquanto isso, os manpulos que guardam o territrio vo saindo ao redor e alternando-se freqentemente. No fazem uso dos adubos e da lama para fertilizar os campos, pois acham que estes corrompem as sementes e produzem cereais malsos, enfraquecendo e abreviando a vida, da mesma forma que as mulheres que, sem ser belas por exerccio, mas por artifcio, do luz filhos lnguidos e raquticos. Por isso, no pem nada sobre a terra e as trabalham com assiduidade, sendo que, de um livro chamado Gergica (50), aprendem os segredos que se requerem para um pronto nascimento e uma feliz multiplicao das sementes. Trabalha-se somente a poro de terra que baste para as necessidades dos cidados, ficando o restante para o pasto dos animais.

.
Em grande estima tida, igualmente, a nobre arte que se relaciona com a reproduo e a criao de bois, cavalos, ovelhas, etc. No mandam ao pasto os garanhes, juntamente com as guas, mas, quando ocorre, emparelham-nos no trio das estrebarias campestres, observando o Sagitrio em bom aspecto com Marte (51) e Jpiter (52). Para o gado bovino, observam o Taurus, para as ovelhas o, Aries, etc., segundo a doutrina. A famlia dos animais domsticos se acha sob as Pliades (53). As mulheres, com prazer, conduzem os patos e os gansos ao pasto, fora da cidade, onde h lugares em que os encerram, havendo outros onde podem preparar queijo, manteiga e toda espcie de laticnios. Do tambm alimento a um grande nmero de capes, etc., aperfeioando-se em tudo isso pela leitura de um livro chamado Buclica (54). Possuem de tudo com fartura, desejando cada qual mostrar-se o primeiro no trabalho, que no fatiga e til. Seus nimos so dceis e, assim, obedecem a quem preside aos misteres e o chamam de rei. Nem esse nome lhes desagrada, pois criao dos habitantes solares, que no o entendem maneira dos ignorantes. Voc, decerto, se maravilharia ao ver a ordem com que aqueles homens e mulheres, indistintamente, procedem sob a obedincia do rei. E o fazem sem o ressentimento que se verifica entre ns, considerando-o um pai ou um irmo mais velho. Possuem bosques e florestas abundantes em feras e animais para o exerccio da caa.
A arte nutica muito apreciada. Possuem navios, alguns dos quais, mediante um irvel artifcio, viajam sem velas e sem remos. Conhecem o curso das estrelas, o fluxo e o refluxo do mar. Navegam para adquirir novos conhecimentos sobre os povos, os pases e as coisas. No ofendem ningum, mas tambm no toleram injrias, s brigando quando agredidos. Dizem que o mundo alcanar tanta sabedoria que todos os homens vivero como eles. iram a religio crist e esperam, neles e em ns, a confirmao da vida dos apstolos Estreitaram alianas com os chineses e com vrias naes insulares e continentais, como Sio, Calicuta, Cochinchina, etc., o que facilita as exploraes. Fabricam fogos artificiais para batalhas em terra e no mar, e possuem o segredo de uma infinidade de estratagemas. Eis porque saem da guerra quase sempre vitoriosos.

G.-M. - Coisa gratssima me faria voc falando dos alimentos e das bebidas, e como e quanto tempo vivem eles.
ALM. - Sua doutrina que se deve, primeiro, prover vida do todo e, depois, das respectivas partes. Por isso, ao construrem a cidade, trataram de ter propcias as quatro constelaes de cada um dos quatro ngulos do mundo, as quais, como j se disse, se observam tambm na concepo de cada indivduo, porque dizem que Deus atribuiu causas a todas as coisas, devendo o sbio conhec-las, us-las e no abusar delas.
Nutrem-se de carnes, manteiga, mel, queijo, tmaras e legumes de diferentes espcies. Houve uma poca em que no queriam matar os animais, parecendo-lhes isso uma ao brbara, mas, ao considerarem que tambm crueldade extinguir plantas que gozam de sentido e vida prpria, para no morrerem de fome, concluram que as coisas ignbeis foram criadas para beneficiar as mais nobres. E assim que, no presente, se alimentam de todos os animais, mas, na medida do possvel, poupam os mais teis, como os bois e os cavalos. Fazem distino entre alimentos sos e nocivos, e, quanto escolha, deixam-se dirigir pelo mdico. A alimentao continuamente mudada por trs vezes: primeiro, comem carne; depois, peixe; por fim, legumes. Ento, recomeam com a carne, de forma que o hbito no enfraquea as foras naturais. Os alimentos de fcil digesto so dados aos velhos. Estes comem trs vezes ao dia e parcamente; duas vezes, a comunidade; e quatro, as crianas, segundo ordena o mdico. Em geral, vivem cem anos, sendo que no poucos tambm duzentos. So de extrema temperana no que diz respeito s bebidas. Os jovens menores de dezenove anos no bebem vinho, a no ser quando o requeiram razes de sade. Depois dessa idade, misturam-no com gua. S aos cinqenta anos permitido bebe-lo puro. As mesmas regras so vlidas para as mulheres. Os alimentos variam segundo as estaes, seguindo-se sempre, a esse respeito, o conselho do protomdico. Julgam que no so nocivos quando usados na estao em que Deus os produz e desde que no se abuse da quantidade. Por isso, no vero, alimentam-se de frutas, porque so midas, suculentas e frias, em defesa da secura e do calor da estao; no inverno, comem alimentos secos; no outono, grande quantidade de uvas, concedidas pelo cu contra a bilis negra e a melancolia. Gostam muito de usar substncias aromticas. De manh, ao levantar-se, penteiam os cabelos e com gua fria lavam as mos e o rosto. Depois, esfregam os dentes, ou mastigam hortel, salsa ou erva-doce (os velhos, incenso). Em seguida, voltando-se para o Oriente, recitam breve orao semelhante ensinada por Jesus Cristo. Depois, saem em vrios grupos, pondo-se uns aos servio dos velhos, outros entregando-se s funes pblicas, etc. Acompanham as lies, depois os exerccios corporais, depois ficam sentados em breve repouso e, por fim, vo jantar.
Escasso , entre eles o nmero das molstias. No conhecem a gota, a quiragra, a flatulncia, pois essas enfermidades provm do cio ou da intemperana, ao o que eles se livram, com a frugalidade e com o exerccio, de toda superabundncia de humores. Consideram vergonhoso cuspir ou escarrar, dizendo que esse vcio denota pouco exerccio ou reprovvel preguia, ou resulta da devassido ou da gulodice. So, antes, sujeitos s inflamaes e ao espasmo seco, em cujo tratamento empregam alimentos sos e nutritivos. Curam a tsica com banhos mornos, com laticnios, com a amenidade das habitaes campestres, com moderado e agradvel exerccio. A sfilis no pode fazer progressos, porque lavam assiduamente o corpo com vinho, untando-o com leos aromticos, de forma que o suor elimina o vapor ftido de que deriva a corrupo do sangue e da medula. A tsica rara, s muito poucas vezes sofrendo eles de catarros pulmonares, sendo que mal conhecem aquela espcie de asma que provm da densidade dos humores. Curam as febres inflamatrias com beberagens de gua fria, e as efmeras com densos caldos aromticos, ou com o sono, a msica e a alegria. Contra a ter, usam emisses de sangue, ruibarbo ou gua, dentro da qual fervem razes de ervas purgativas e cido. Finalmente, curam as quarts pregando sustos, ou tratando-as com ervas de natureza oposta quart e com outras coisas semelhantes, tendo me mostrado vrios segredos contra as mesmas. Consagram maior estudo cura das febres contnuas, que so as que mais temem, e se esforam por cort-las estudando as estrelas e as ervas, e elevando preces ao cu. As febres quints, sexts, oits, quase no existem, pela ausncia, entre eles, de temperamentos ignavos. Conservam o asseio e a robustez do corpo com o uso de banhos, de leos, como entre os antigos romanos, e de outros oportunos segredos de sua descoberta, muito teis tambm contra a epilepsia, pela qual so freqentemente molestados.
G.-M. - Essa doena indcio de engenho invulgar, pois a tiveram os homens mais clebres, como Hrcules (55), Scot (56), Scrates, Calmaco (57) e Maom.
ALM. - Eles a combatem com preces e, em seguida, revigoram o sistema nervoso da cabea com substncias cidas ou excitantes, como sopas substanciosas condensadas com flor de farinha de trigo.
Grande a sua habilidade no preparo dos petiscos. Misturam noz moscada, mel, manteiga e vrios aromas corroborantes. Corrigem o excesso. de gordura introduzindo cidos. No bebem gua gelada pela neve, nem artificialmente aquecida como os chineses. Quando necessrio favorecer o calor natural contra a exuberncia dos humores, usam alho amassado, timo, hortel, basilico e, sobretudo, exerccios corporais. Conhecem, enfim, o segredo de renovar a vida, de sete em sete anos, sem dores e com meios suaves e portentosos.
G.-M. - At agora, voc no disse nada sobre as cincias nem sobre os magistrados.
ALM. - verdade, mas, vendo-o to curioso, acrescentarei outras coisas. A cada lua nova e a cada lua cheia, depois do sacrifcio, convocam a assemblia, da qual participam os maiores de vinte anos, podendo cada um expor o que julga faltar repblica e dizer se os magistrados desempenham bem ou mal suas funes. De oito em oito dias, congregam-se tambm os magistrados: primeiro Hoh e com ele a Potncia, a Sapincia e o Amor. Cada trinviro preside a trs magistrados, que, imediatamente depois dele, tm a seu cargo a suma direo das artes. Formam, assim, um total de treze. Nessa reunio especial, tomam parte, igualmente, os instituidores do exrcito, isto , os decuries, os centuries, etc., homens e mulheres, que conjuntamente elegem os magistrados, apenas indicados pela assemblia geral, e tratam de tudo quanto ocorre na repblica. Alm disso, Hoh e os trs trinviros consultam-se diariamente sobre o que preciso fazer, corrigindo, confirmando e pondo em execuo as decises da grande assemblia, bem como provendo a toda sorte de necessidades. Ao criar um magistrado, nunca recorrem sorte, salvo em caso de dvida na escolha. Todos os funcionrios podem ser substitudos de acordo com a vontade do povo, excetuados os quatro primeiros. Estes, depois de uma conferncia, cedem os cargos aos que julgam de maior engenho e de costumes mais puros. To dcil a sua ndole e to grandemente amam a repblica que os cedem sem sombra de ressentimento e se fazem discpulos do mais digno. Mas, isso rarssimas vezes acontece.

G.-M. E que me diz dos juizes?
ALM. - J estava pensando nisso. Todo indivduo julgado pelo supremo Mestre de sua arte. Os primeiros artfices so todos juizes e punem com o exlio, a pancada, a desonra, a privao da mesa comum, a interdio ao templo, a proibio das mulheres. E, quando os excessos so muito graves, punem tambm com a morte. Pagam olho por olho, nariz por nariz, dente por dente, de acordo com a lei de talio (58), mas somente quando a culpa tenha sido voluntria e precedida de reflexo; em outros casos, a sentena suavizada, no pelo juiz, mas pelos trs trinviros, que levam o recurso tambm ao Hoh, no por motivos de justia, mas apenas para obter graa, uma vez que s ele pode perdoar. No possuem crceres, a no ser uma torre destinada recluso dos inimigos, rebeldes, etc. No se escreve o libelo vulgarmente chamado processo, mas se apresentam ao juiz e Potncia o acusado e as testemunhas. O primeiro pronuncia a sua defesa e, em seguida, o juiz o condena ou o absolve; havendo apelao para o trinviro, a condenao ou absolvio sai no dia seguinte. No terceiro dia, Hoh concede a graa ou firma irrevogavelmente a sentena; nesse caso, o culpado se reconcilia com o acusador e com as testemunhas, dando-lhes um abrao e um beijo, como nos mdicos salvadores de sua molstia. No querendo contaminar a repblica, agem sem litores ou carrascos, morrendo cada condenado pela mo do povo, que o mata ou lapida, mas sempre precedido do acusador e das testemunhas. A alguns se concede a escolha do gnero de morte, sendo que quase sempre preferem circundar-se de saquinhos de plvora, e ento, acendido o fogo, morrem assistidos por pessoas que os exortam a terminar bem: toda a cidade, amargurada, suplica a Deus que aplaque sua clera, contristando-se todos por terem sido constrangidos a amputar um membro arruinado do corpo da repblica. Esforam-se, igualmente, com discursos, por persuadir o culpado de desejar e aceitar a morte. Quando no possam induzi-lo a isso, e desde que no se trate de culpa contra a liberdade pblica, ou contra Deus ou os supremos magistrados, a sentena no executada; , porm, cumprida sem misericrdia quando a condenao foi motivada por um desses trs delitos.
A religio permite que o moribundo exponha as razes pelas quais no deveria perecer e obriga-o a revelar as culpas dos outros, bem como as faltas dos magistrados, afirmando que todos estes, mais do que ele, merecem a morte, e isso em presena do povo e se assim parece sua conscincia. Se as suas razes prevalecem, condenado ao exlio, e, com preces e sacrifcios, purificada a cidade. No molestam, contudo, os citados pelo culpado, limitando-se a oest-los. Os pecados de fragilidade e de ignorncia so punidos com a desonra ou a obrigao de mais severa castidade, ou ainda pela advertncia aos culpados de que devem mostrar-se mais diligentes e disciplinados na cincia ou arte contra a qual pecaram. preciso saber, alm disso, que quando um culpado, prevenindo a acusao, se descobre espontaneamente aos magistrados, pedindo castigo, fica livre da pena do delito oculto, a qual transformada em outra, quando no tenha sido acusado. Usam de grandes cautelas para impedir a calnia, sendo todo caluniador submetido pena de talio. Convivendo sempre em grande nmero, requerido, como prova de um delito, o testemunho de cinco pessoas. Sem isso, o acusado, aps o juramento, deixado livre, sendo-lhe feitas, porm, oestaes e ameaas. Bastam trs testemunhas e at duas para ser duplamente punido, quando a segunda ou a terceira vez que a acusao levada ao juiz. As leis desse povo so poucas, breves, claras, escritas sobre uma tbua de bronze pendente dos intervalos das colunas do templo, nos quais tambm se vem, escritas em estilo metafsico e brevssimo, as definies da essncia das coisas, que so Deus, os Anjos, o Mundo, as Estrelas, o Homem, o Destino, a Virtude, etc., na verdade com grande critrio. H ainda as definies de todas as virtudes, cada uma das quais tem um juiz prprio com assento numa cadeira dita tribunal e colocada debaixo da coluna que traz a definio da Virtude que deve julgar. Voltando-se para o culpado, diz o juiz: "Filho, pecaste contra esta santa definio; contra a beneficncia, a magnanimidade, etc. L..." E, aps a discusso, recebe a pena merecida pelo seu mau procedimento. As condenaes so verdadeiras e seguras medicinas, sentindo eles mais o amor do que o castigo.
G.-M. - Desejaria que voc me falasse, agora, dos sacerdotes, dos sacrifcios, da religio e das outras crenas.
ALM. - Todos os primeiros magistrados so sacerdotes, sendo Hoh o supremo. O seu papel purificar as conscincias. Todos os cidados, mediante a confisso auricular, revelam aos magistrados as prprias culpas, e estes, nesse mister de purificar as almas, ficam conhecendo os vcios mais freqentes do povo. Depois, tambm os magistrados confessam aos trs trinviros as prprias faltas e expem mesmo as compreensveis, sem citar o nome de nenhuma, mas confusamente, bem como as que mais prejudicam a repblica.
Por fim, os trinviros revelam ao Hoh as prprias faltas e as dos outros. Dessa forma, conhecidos todos os erros que se praticam na cidade, Hoh pode aplicar-lhes os remdios oportunos. Em seguida, oferece sacrifcios e preces a Deus, e publicamente, no templo, confessa do alto do altar, perante o Onipotente, as culpas de todo o povo. S o faz, porm, quando o julga necessrio e calando sempre os nomes dos pecadores. Depois, absolve o povo, oesta-o a precaver-se contra as culpas citadas, oferece um segundo sacrifcio a Deus e termina suplicando-lhe que perdoe, ilumine e proteja a cidade. Uma vez por ano, os chefes das cidades sujeitas, juntamente com os prprios, confessam as faltas dos seus concidados em presena do Hoh, a fim de que este, conhecendo-as, d remdio aos males das provncias.

O sacrifcio feito da seguinte forma. Hoh pergunta ao povo congregado qual, dentre tantos, est disposto a sacrificar-se por seus confrades, e o mais perfeito se oferece. Ento, feitas as preces e as cerimnias, colocado sobre uma tbua quadrada, qual, por meio de fivelas, se ligam quatro cordas, que descem por quatro roldanas presas na muralha da pequena abbada. Depois de suplicar a Deus misericordioso que se digne aceitar aquele sacrifcio humano e espontneo, no brutal e involuntrio como entre os gentios, Hoh manda que as cordas sejam puxadas, e a vtima, alcanando o centro da pequena abbada, a se abandona s mais fervorosas preces. Os sacerdotes que habitam ao redor subministram-lhe a alimentao por uma janela, mas em pouca quantidade, a fim de que seja completa a purificao da cidade. Depois de trinta ou quarenta dias, aplacada a clera de Deus com preces e jejuns, ele ou se faz sacerdote, ou ento, o que rarssimas vezes acontece, volta ao primeiro estado, mas descendo pelo caminho externo dos sacerdotes. a esse homem a gozar da estima e do amor universais, pois no hesitou em morrer pelo bem da ptria. Deus no quer a morte de quem quer que seja. Os sacerdotes que, em nmero de vinte e quatro, habitam o alto do templo, cantam salmos a Deus, quatro vezes ao dia, isto , meia-noite, ao meio-dia, de manh e tarde. Consiste o seu principal empenho em estudar as estrelas, os seus movimentos com os astrolbios, e observar a sua influncia e relao com as coisas humanas. Conhecem ainda as mudanas que se verificam ou que devem verificar-se em determinada regio e numa poca determinada, tomando em considerao tanto as predies comprovadas como as que falharam, por meio de exploradores enviados aos pases indicados. Isso permite que, depois de repetidas experincias, faam predies sem receio de enganar-se. Determinam a hora da gerao, os dias da semeadura, da vindima, da colheita, tornando-se quase que internncios, intercessores e liames que unem os homens a Deus, sendo que quase todos os Hoh so tirados dentre eles. Alm disso, escrevem os fatos dignos de histria e se esforam pelo aperfeioamento de todas as cincias. S descem para o jantar e para a ceia. Rarssimas vezes tm relaes com as mulheres e unicamente a ttulo de medicina. Hoh sobe diariamente, a fim de consult-los sobre o que descobriram e estudaram em benefcio de todas as naes do universo.
H sempre um homem do povo no templo, a rezar diante do altar, sendo substitudo por outro depois de uma hora, como costumamos fazer na solenidade das quarenta horas. Esse modo de orar chamado sacrifcio perptuo. Depois das refeies, rendem graas a Deus com sons musicais, e cantam os feitos dos heris cristos, hebreus, gentios e de todas as naes, fazendo isso com imenso prazer, pois no tm dio a nenhum povo. Cantam tambm hinos ao amor, sapincia e a todas as virtudes. Sob a direo do prprio rei, cada um escolhe a mulher que mais lhe agrada, e, entre os peristilos, se exercitam em honesta e jocunda dana. As mulheres trazem os longos cabelos unidos, formando uma nica trana, com a qual circundam a cabea, e os homens fazem um topete no meio da testa e cortam todos os outros cabelos ao redor, usando uma espcie de capuz redondo, um pouco mais alto do que a cabea.
No campo, cobrem a cabea com chapus; na cidade, com barretes brancos, vermelhos e de vrias outras cores, conforme a arte ou o ofcio. Os magistrados os possuem maiores e mais bem guarnecidos. Com grande solenidade, celebram os dias de festa, que transcorrem quando o sol entra nos quatro gonzos do mundo: o Cncer, a Libra, o Capricrnio e o ries. So representadas, ento, aes instrutivas e quase cmicas. So tambm dias de festa os plenilnios e os novilnios, assim como o aniversrio da fundao da cidade, de uma vitria, etc., que se celebram com sons de trompas e de tmpanos e com cantos feminis. Os poetas cantam os louvores dos mais ilustres guerreiros. Todavia, quem mentir, mesmo no elogio, ser punido. No considerado digno da nobre arte poetar quem, nas suas fantasias, faz entrar a mentira, sendo esse abuso julgado uma das maiores pestes do gnero humano, pois tira o prmio virtude para oferec-lo muitas vezes ao vcio, e quase sempre por temor, ambio, adulao ou avareza. No se erigem esttuas em honra de ningum, a no ser depois da morte. Quem, porm, descobrir novas artes, ou revelar segredos de grande utilidade, ou ainda fizer relevantes benefcios civis ou militares, obtm, mesmo em vida, a inscrio no livro dos heris. Os despojos dos defuntos no so enterrados, mas queimados, para no darem origem a pestes e se converterem em fogo, matria nobre e viva que desce do sol para tornar a subir ao sol; e tambm para impedir toda razo de idolatria.
Sempre que fazem suas oraes, voltam-se para os quatro ngulos do mundo. De manh, olham primeiro para o oriente, depois para o ocidente, depois para o meio-dia. S recitam uma prece, pela qual pedem sanidade de corpo e de mente, felicidade para si e para todos os povos, e terminam: "Como melhor parecer a Deus". Mas, a prece pblica dura muito tempo e se eleva ao cu. O altar redondo, indo-se a ele por quatro caminhos que se cruzam em ngulos retos. Hoh mostra-se sucessivamente a cada um e, depois, prostrando-se, reza com os olhos voltados para o cu. Essa cerimnia tida como um grande mistrio. As vestes pontificais assemelham-se, pela beleza e magnificncia, s de Aaro (59). Imitam a natureza e tornam maravilhosa a arte.
Dividem o tempo segundo o ano tropical e no arbitrariamente, mas cada ano notam quanto um antecipou o outro. Crem que o sol se aproxima cada vez mais da terra e, percorrendo crculos cada vez menos amplos, chega, no ano presente, aos trpicos e aos equincios, mais depressa do que no ado.
Contam os meses pelo curso lunar e os anos pelo solar, s os pondo de acordo no dcimo nono ano, quando a cabea do drago termina o seu curso. Fundaram, assim, uma nova, astronomia. Louvam Tolomeu (60) e iram Coprnico (61), embora lhes anteponham Ariatarco(62) e Filolau(63). Dizem, porm, que um observa com pedrinhas e o outro com favas, mas nenhum conforme verdade. Do-lhes, pois, um valor ideal e no real. Dedicam a esse estudo a mais sria aplicao. Reputam-no de absoluta necessidade para se conhecer como composto e construdo o mundo e se este deve ou no acabar. Acreditam plenamente no orculo de Jesus Cristo sobre a futura apario de sinais no sol, na lua e nas estrelas. H tolos que, na sua ignorncia, do a essas coisas o nome de fbulas, mas se surpreendero com o ltimo dia do mundo como com o ladro noturno. Esperam, portanto, a renovao do sculo e, talvez tambm o seu termo.
Dizem que reina grande obscuridade sobre a origem do mundo, no se sabendo se foi feito do nada ou das runas de outros mundos ou do caos, mas julgam verosmil e mesmo certo que tenha sido feito e no seja eterno. Desprezam, assim, a opinio de Aristteles, que eles chamam de lgico e no de filsofo. Das anomalias astronmicas, deduzem numerosos argumentos contra a eternidade do universo. No adoram, mas honram o sol e as estrelas como coisas vivas, esttuas e templos de Deus, e altares animados do cu. Antes de qualquer coisa criada, estimam o sol, mas no consideram nenhum digna do culto de Lafria (64). Este reservado exclusivamente a Deus, e a ele somente servem, a fim de que, pela lei de talio, no caiam sob a tirania e a misria. No sol, contemplam a imagem de Deus, chamando-o de excelso rosto do Onipotente, esttua viva, fonte de toda luz, calor, vida e felicidade de todas as coisas. Seu altar foi erigido semelhana do sol, e nele os sacerdotes adoram Deus, imaginando no cu um templo, nas estrelas altares e casas habitadas por anjos bons, nossos intercessores junto a Deus, que mostra sobretudo no cu a sua beleza, e no sol o seu trofu e esttua.
Negam os excntricos e os epiciclos de Tolomeu e de Coprnico. Afirmam que o cu nico e que os planetas se movem e elevam por foras prprias quando se aproximam e se unem ao sol, levantando-se mais devagar e devendo percorrer um crculo cada vez mais amplo. Professam mil outras opinies astronmicas, quase todas em oposio com as que vulgarmente se conhecem.
Atribuem s coisas terrestres dois princpios fsicos: o sol-pai e a terra-me. Dizem que o ar uma poro impura do cu; que o fogo deriva plenamente do sol que o mar provm do suor da terra ardente e fusa, constituindo um meio de unio entre o ar e a terra, da mesma forma que o sangue o entre os espritos e os corpos animais. Acreditam ser o mundo um grande animal, vivendo ns no seu ventre como os vermes no nosso, e, por isso, no pertencemos providncia prpria das estrelas, do sol e da terra, mas somente de Deus, porque, em relao a estas, entendidas para outro escopo, somos apenas uma sua amplificao, tendo nascido e estando vivendo por acaso; mas, em relao a Deus, do qual as coisas so instrumentos, fomos criados com precincia e ordem, destinando-nos a um grande fim. Por conseguinte, somente a Deus devemos gratido como a um pai, e somente Deus deve ser por ns reconhecido como autor e concessor de todas as coisas.
Crem na imortalidade da alma e, depois da sada do corpo, na sua associao com os anjos bons ou maus, conforme as aes da vida presente, e isso porque as coisas semelhantes amam os seus semelhantes. Diferente da nossa a sua opinio sobre os lugares das penas e dos prmios. Duvidam da existncia de outros mundos alm do nosso. Consideram mentecapto quem afirmar que existe o vcuo, pois dizem que este no pode existir nem dentro nem fora do mundo, uma vez que Deus, ente infinito, no pode tolerar consigo um vcuo. Recusam, contudo, conceber um infinito corpreo.
item dois princpios metafsicos: o Ente, que o Deus supremo, e o Nada, que a falta de entidade, no termo da qual fisicamente se produz alguma coisa, porque no se faz o que existe e, portanto, no existia o que foi feito. assim, pois, do Ente e do Nada que o ser finito toma a sua essncia. Da mesma forma, da tendncia ao no ser se originam o mal e o pecado. O pecado tem, pois, uma causa de deficincia e no de eficincia. Por causa deficiente, entendem eles a falta de potncia, ou de sapincia, ou de vontade. Somente nesta ltima colocam o pecado, pois quem sabe e pode fazer o bem deve igualmente quer-lo, nascendo a vontade das duas primeiras e no aquelas desta. Adoram Deus na trindade, o que causa irao, mas dizem eles que Deus Suma Potncia, da qual procede a Suma Sapincia, que tambm Deus, e de ambas o Amor, que Potncia e Sapincia, embora o procedente no tenha a essncia daquilo de que procede e no retrocede. No possuem, todavia, como os cristos, noes distintas das trs pessoas citadas, pois V no tiveram revelaes, mas reconhecem em Deus procedimento e relao prpria a se, dentro de se e por se. Todos os seres, portanto, derivam sua essncia da Potncia, da Sapincia e do Amor, enquanto tm existncia, e da Impotncia, da Ignorncia e do Desamor, enquanto participam do no-ser. Pelas primeiras, adquirem mrito, e, pelas segundas, pecam, ou com ofensas contra o costume e a arte que derivam de todas trs, ou somente do terceiro, da mesma forma que uma natureza especial peca por ignorncia e impotncia quando produz um monstro.
De resto, tudo isso preconhecido e ordenado por Deus, inimigo de todo nada e fora potentssima, sapientssima e tima. Ente nenhum que no peque em Deus pecar fora de Deus; mas, fora de Deus, impossvel sair, mas somente de ns, quer no que nos diz respeito, j no por causa dele, quer no que a ele diz respeito, porque em ns h deficincia e em Deus eficincia. O pecado , por conseguinte, ato de Deus enquanto no tem entidade, e s a deficincia em que consiste a essncia do pecado est dentro de ns e obra nossa, que tendemos, por uma fora de desordem, ao no-ser.
G.-M. - Irra, que so bem profundos!
ALM. - Oh! se me lembrasse de tudo, se no estivesse pensando na partida e se no receasse nada, poderia dizer-lhe coisas muito mais irveis, mas perderei o navio se no me apressar em ir-me embora.
G.-M. - Suplico-lhe, primeiro, que me responda a esta nica pergunta: que dizem eles do pecado de Ado (65)?

ALM. Confessam sinceramente que h muita iniqidade no universo. Os homens no so governados por superiores e verdadeiras razes, vivendo infelizes e sem escutar os bons. Triunfam os perversos, se bem que eles considerem miservel esse triunfo, no havendo nada de mais vo e de mais desprezvel do que querer mostrar-se aquilo que na realidade no se ou no se merece ser, como tantos que se chamam reis, sbios, guerreiros ou santos. Argumentam ainda que h, por causa ignorada, uma grande desordem nas coisas humanas. E, quanto s primeiras, inclinam-se a crer, com Plato, que os mundos celestes sofreram, outrora, uma revoluo do atual Ocidente para a parte agora chamada Oriente, dirigindo-se depois para a parte oposta. Acrescentam ser possvel que o governo da terra, com permisso do Deus Supremo, tenha sido confiado a divindades inferiores. Mas, consideram tolice afirm-lo de um modo absoluto, e tolice ainda maior asseverar que, primeiro, com a mxima eqidade, tenha reinado Saturno (66), com menor Jpiter, e depois, sucessivamente, os outros planetas. No obstante, confessam que a idade do mundo regulada de acordo com a srie dos planetas, e acreditam que com as mutaes dos astros, depois de 1.000 ou 1.600 anos, podero as coisas ar por grandes mudanas. Dizem que a idade presente parece dever atribuir-se a Mercrio, conquanto modificada pelas grandes conjunes e repeties das anomalias que possuem uma fora fatal. Afirmam, finalmente, que feliz o cristo que se contenta em acreditar que toda essa revoluo se tenha originado do pecado de Ado. Opinam tambm que os pais transmitem aos filhos mais o mal da pena que o da culpa. Esta pode ser atribuda pelos filhos aos pais, quando estes tenham descurado a gerao ou a tenham exercitado fora de tempo e lugar, ou ento quando no se tenham tido em vista a escolha e a educao dos genitores, os quais, se produziram mal os filhos, ainda pior os instruiro. Toda a ateno , pois, por eles dedicada gerao e educao, e dizem que tanto a culpa dos pais como a pena dos filhos redundam em dano para a repblica, como o provam, na atualidade, todas as cidades que, cheias de misria, se degradaram ao ponto de chamarem felicidade aos prprios males, sem nunca terem conhecido o verdadeiro bem, o que levaria a crer que o universo governado pelo acaso. Mas, quem estuda a construo do universo e a anatomia do homem (por eles freqentemente praticada nos cadveres dos condenados), assim como os planetas, os animais e a funo de cada uma de suas partes, deve confessar em voz alta a sabedoria e a providncia de Deus. , pois, um dever do homem consagrar-se inteiramente religio e humilhar-se continuamente perante o prprio autor, o que s possvel e fcil para quem estuda e conhece as obras deste, obedecendo s suas leis e pondo em prtica a sentena do filsofo: "No faas aos outros o que no queres que te faam; e o que queres que te faam, faze-o aos outros." Dessa forma, ns que pretendemos dos filhos e dos homens bens e honras em troca de poucas vantagens que lhes concedemos, devemos dar a Deus tudo, porque dele tudo temos recebido, e estamos nele e com ele. Glria, pois, a Deus por todos os sculos dos sculos.
G.-M. - Na verdade, assim como essa gente, que apenas conhece a lei natural, se aproxima tanto do cristianismo, o qual s leis da natureza s acrescentou os sacramentos (que conferem fora ao seguir fielmente aquelas), assim tambm eu deduzo um grande argumento em favor da religio crist, como sendo a nica verdadeira e que, eliminados os abusos, dever dominar todo o universo, de conformidade com o que ensinam e esperam os mais. eminentes telogos. E, a esse propsito, dizem eles que os espanhis descobriram um novo mundo (embora a primeira glria se deva a Colombo(67), esplendor de Gnova), a fim de que todos os povos se associem sob a mesma lei. Esses filsofos foram, portanto, eleitos por Deus, em testemunho da verdade. Bem sei que ignoramos o que ns prprios fazemos, mas, como somos todos instrumentos de Deus, servimos aos seus fins, do mesmo modo que aquele que, por ambio de riquezas, sai em busca de novas regies. Altssimos so, pois, os fins de Deus. O sol tende a incendiar a terra e no a produzir homens e plantas, mas Deus utiliza sua luta para tais produes. A ele, por conseguinte, rendamos louvores e glrias.
ALM. - Oh! se voc soubesse quantas coisas aprenderam da astrologia e tambm dos nossos profetas acerca do sculo vindouro! Dizem eles que, em nossos dias, num perodo de cem anos, acontecem mais fatos dignos de histria do que nos quatro mil anos do mundo anterior, e que maior nmero de livros foram publicados neste ltimo sculo do que nos cinqenta ados. No cessam de elogiar a inveno da imprensa, da plvora e da bssola, sinais particulares e, ao mesmo tempo, instrumentos da unio de todos os habitantes do mundo num s ovil. Essas maravilhosas invenes, acrescentam, verificaram-se quando uma grande conjuno se realizou no tringulo de Cncer, na bside de Mercrio e de Scorpio, sob a influncia da Lua e de Marte, poderosos nesse tringulo para as novas descobertas martimas, os novos exrcitos e os novos reinos. Quando, porm, e no custar muito, a bside de Saturno entrar no Capricrnio, a de Mercrio no Sagitrio, a de Marte na Virgem, aps as primeiras e grandes conjunes e a apario de uma nova estrela em Cassiopia (68), surgir uma nova monarquia, verificar-se- a plena reforma das leis e das artes, entender-se-o os profetas e, no universo plenamente regenerado, a santa nao ver-se- cumulada de toda sorte de bens. Mas, antes, ser preciso abater e desenraizar, para depois edificar e plantar... Peo-lhe, porm, que me deixe partir, pois que, fora daqui, me chamam mil afazeres. Saiba somente que eles j descobriram a arte de voar, a nica que parece faltar ao mundo. Alm disso, consideram prxima a descoberta de instrumentos ticos com os quais sero descobertas novas estrelas e de instrumentos acsticos to perfeitos que com eles se chegar a escutar a msica dos cus.
G.-M. - O qu? ha! ha! ha! Voc fala muito bem, mas me parece que essa gente astrologiza demais. Como podem as estrelas fazer e saber tanto? O que lhe digo que tudo, na terra, sucede na ocasio determinada por Deus.

ALM. - Tambm eles me responderam que Deus a causa imediata de todas as coisas, mas s como causa universal e no particular, primitiva e no secundria. Porque Deus no come quando Pedro come; no rouba quando Pedro rouba, se bem que derivem dele a essncia e a faculdade de poder comer e roubar, como causa imediata da qual depende toda outra mais particular que modifica a imensidade da ao divina.
G.-M. - Oh ! como raciocinam bem! Os nossos doutores escolsticos, sobretudo So Tomaz, dizem o mesmo contra os filsofos maometanos, que professam opinio contrria.
ALM. - Dizem, portanto, que Deus atribuiu causas universais e particulares a todo efeito, sendo que as particulares no podem agir sem que ajam as universais. Do mesmo modo que uma planta no florescer se o sol no aquec-la de perto. Os tempos so, pois, efeitos das causas universais, isto , das celestes. Por conseguinte, todos ns procedemos segundo procede o cu. As causas livres servem-se do tempo em favor prprio e, s vezes, tambm pelo bem das outras coisas. Porque o homem, com o fogo, fora as rvores a florescer, e, com a lmpada, na ausncia do sol, ilumina a prpria casa. As causas naturais agem, pois, no tempo. Da mesma maneira que algumas coisas se fazem de dia e outras de noite, algumas no inverno e outras no vero, na primavera ou no outono, e isso tanto por causas livres como naturais, assim tambm outras coisas se fazem neste ou num futuro sculo. E, como a causa livre no obrigada a dormir quando noite, nem a se levantar quando chega a manh, mas age de acordo com as prprias convenincias, aproveitando-se das alternaes dos tempos, tambm no obrigada a descobrir o arcabuz ou a tipografia, quando se realizam grandes snodos no Cncer, nas monarquias quando em ries, etc. Nem podem acreditar que o Sumo Pontfice tenha proibido a astrologia aos cultssimos cristos, mas somente aos que abusam dela para adivinhar os atos do livre arbtrio e os acontecimentos sobrenaturais, enquanto que as estrelas, em relao s coisas sobrenaturais, no am de sinais e, em relao s coisas naturais, s agem como causas universais, no ando de ocasies, convites, tendncias. O sol, ao nascer, no nos obriga a sair da cama, mas apenas nos convida a faz-lo, oferecendo-nos para isso todas as comodidades, ao o que a noite impede, com mil incmodos, que nos levantemos, sendo comodssima para dormir. Agindo, pois, indiretamente e ao acaso sobre o livre arbtrio, ao mesmo tempo que agem sobre o corpo e sobre a sensibilidade corprea inerente aos rgos corpreos, a mente excitada pelos sentidos ao amor, ao dio, ira e a todas as outras paixes, dependendo ento do homem assentir ou opor-se paixo despertada. Assim que as heresias, as carestias, as guerras preindicadas pelas estrelas, muitas vezes se verificam na realidade, porque muitos homens se deixam governar, no pela razo, mas pelos apetites sensuais, dando lugar a essas coisas que acontecem contra a razo, embora tambm sucedam, freqentemente, por terem obedecido racionalmente a uma paixo, como quando se alimenta uma justa clera para empreender uma guerra justa.
G.-M. - Voc continua a raciocinar direito, e de suas opinies participam o j citado So Tomaz e o nosso Sumo Pontfice, que antepem a astrologia medicina, agricultura e nutica, O mesmo sucede com os prognsticos conjecturais a propsito dos atos arbitrrios, sendo a ltima opinio itida por todos os escolsticos. Mas, tendo aumentado a malcia e verificando-se abusos, probem no as conjecturas, mas o prognstico conjectural, e no porque seja sempre falso, mas porque, muitas vezes, ou mesmo sempre, se torna perigoso. por isso que os prncipes e os povos que se dedicam excessivamente astrologia costumam imaginar males e tentar bens impossveis, como o provam Arbace (69), Agtoeles (70), Druso (71), Arquelau (72). Com o tempo, tambm veremos coisas semelhantes, em razo do prognstico de Tycho (73), e o que mais lamentvel, muitos prncipes sero enganados por charlates. Inmeros crdulos em tais conjecturas ousam mil iniquidades contra os nossos Pontfices.
ALM. - Os solares, porm, dizem que se deve proibir tudo quanto falso ou perigoso, podendo ser instrumento de renovao da idolatria, de destruio da liberdade ou de subverso da ordem poltica. Afirmo-lhe, ao contrrio, que os solares j descobriram o modo de evitar a ao do Fado Sidreo. Uma vez que toda arte s nos concedida por Deus em nosso benefcio, quando est iminente um eclipse infausto, um cometa malfico, etc., eles encerram o ameaado dentro de casas brancas, impregnando o ambiente de aromas e de vinagre rosado, acendem sete velas de cera aromatizada e acrescentam alegre msica e divertidas conversaes. Dessa forma, so destrudos os germes pestilenciais emanados do cu.
G.-M. - Irra essas coisas so todas medicinas excelentes e bem aplicadas: o cu age sobre o corpo, devendo sua ao ser corrigida por antdotos corpreos. No me agrada, porm, o nmero das velas, como se a virtude de curar residisse em determinado nmero, coisa que cheira a superstio.
ALM. - Do, decerto, valor aos nmeros, apoiando-se na filosofia pitagrica, no sei se com razo. Mas, no se baseiam unicamente no nmero, e sim na medicina acompanhada de nmeros.
G.-M. - Nisso, no vejo superstio e no conheo escritura nem canho eclesistico que condene a fora dos nmeros. Ao contrrio, os mdicos costumam utiliz-los nos perodos e nas crises das molstias. Alm disso, est escrito que Deus fez todas as coisas com peso, medida e nmero, tendo em sete dias criado o mundo; sete so, tambm, os anjos que tocam as trompas; sete as taas; sete os troves; sete os candelabros; sete os mistrios; sete os sacramentos; sete os dons do Esprito, etc. Eis porque Santo Agostinho, Santo Hilrio (74) e Origenes (75) raciocinaram longamente sobre o valor dos nmeros, sobretudo dos nmeros sete e seis. No serei eu que irei condenar os solares por se fazerem mdicos segundo os signos celestes e por defenderem o livre arbtrio. Com as sete velas, imitam eles os sete planetas do cu, como Moiss com as sete candeias. Alm disso, Roma sentenciou que s superstio atribuir-se todo poder exclusivamente aos nmeros, e no s coisas numeradas. Mas, continue, agora, o discurso interrompido.
ALM. - Dizem eles, pois, que os signos femininos trazem a fecundidade s regies a que presidem, da mesma forma que um governo menos robusto nas coisas inferiores, causando e ocasionando, traz a alguns comodidade ou incomodidade, tirando-as de outros. A prova disso que o governo das mulheres prevaleceu em nosso sculo: nove amazonas apareceram entre a Nbia e a Monopotapa, e na Europa vimos reinar Roxana na Turquia, Boa na Polnia, Maria na Hungria, Elisabete na Inglaterra, Catarina na Frana, Branca na Toscana, Margarida na Blgica, Maria na Esccia, Isabel, que favoreceu a descoberta do Novo Mundo, na Espanha. Alm disso, pelas mulheres que um grande poeta do nosso sculo inicia o seu canto:
e donne, i cavalier, l'armi, gli amori. (76) Os poetas maldizentes e os hereges, em virtude do tringulo de Marte na casa dominante de Mercrio e da influncia de Vnus e da Lua, falam sempre de coisas obscenas e apaixonadas, enquanto os homens, efeminando-se cada vez mais nos atos e na voz, se tratam por Vossa Senhoria. Na frica, onde reina a influncia de Cncer e de Scorpio, alm das amazonas, vem-se, em Fez e em Marrocos, lupanares de homens e muitas outras coisas infames a que o clima convida, mas no obriga. Ora, no obstante, o trgono de Cncer (pois est no trpico, formando uma triplicidade no apogeu de Jpiter, do Sol e de Marte), como de outra parte a Lua, Marte e Vnus, favoreceu a descoberta de novos imprios, a possibilidade de fazer a volta ao mundo e o governo das mulheres, e, por Mercrio e Marte, a descoberta da tipografia e do arcabuz, sem contar que deu aos homens causa, ou antes, ocasio para grandes modificaes nas leis, sempre sob a providncia de Deus, que os convida ao bem quando no tenham destrudo essas inclinaes. Os solares revelaram-me coisas irveis sobre o consenso das coisas celestes com as terrestres e com as morais, bem como sobre a difuso do cristianismo no Novo Mundo, a sua estabilidade na Itlia e na Espanha, e a sua runa na Alemanha setentrional, na Inglaterra, na Escandinvia e na Pannia (77). Mas, no quero repetir asses prognsticos, pois que, sapientemente, o nosso Papa os proibiu. E, ao mesmo tempo que Xerifos (78) e Sofos (79) introduziam modificaes na frica e na Prsia, Wiclef (80), Huss (81) e Lutero (82) atacavam a religio entre ns, enquanto os Mnimos (83) e os Capuchinhos (84) a ilustravam. Disseram-me como do prprio movimento do cu se serviam alguns para o bem e outros para o mal, se bem que as heresias sejam includas pelo Apstolo entre as obras da carne e subordinadas s influncias sensveis exercidas por Marte, por Saturno e pela Terra, graas vontade que espontaneamente a eles se submete. Acrescentarei apenas que os solares descobriram a arte de voar e outras artes sob a constituio da Lua e de Mercrio, graas bside do Sol, pois que essas estrelas tm influncia no ar para a arte do vo. E o que produzem nas regies aquosas pelo nado, fazem-no, nas regies equatoriais, no ar, pelo vo, graas posio da Terra e ao lugar de mais sol. Descobriram, assim, uma nova astronomia, porque no outro hemisfrio, do equador ao austro, na cana do Sol, h o Aqurio, na da Lua o Capricrnio, etc. Tomaram em sentido contrrio todas as influncias e signos, porque naquelas regies os signos tm outro nome e os planetas no se distribuem como nas nossas e nas regies polares. No repetirei o que aprendi daqueles sbios sobre as mutaes das bsides e a excentricidade e obliqidade dos equincios, dos solstcios e dos plos, dos signos celestes e dos entrecruzamentos pelos quais agem no espao imenso da mquina do mundo; nem sobre as relaes simblicas das nossas coisas com as que esto fora do nosso mundo; nem sobre a revoluo que se seguir grande conjuno no ries e na Libra, signos equinociais do restabelecimento das monarquias, e que se verificar com grande estupor aps a grande conjuno que confirmar o decreto de quem estabeleceu a mutao e a renovao da terra. Mas, no me faa demorar mais, pois tenho muitas outras coisas que fazer e voc sabe quantos afazeres tenho a meu cargo. Por ora, basta saber que eles no destroem, mas, ao contrrio, edificam o sistema do livre arbtrio. E dizem que do mesmo modo que um eminente filsofo, por quarenta horas cruelmente atormentado por seus inimigos, que no conseguem nunca arrancar-lhe da boca uma palavra sobre o que perguntam, porque intimamente resolveu calar-se, assim tambm as estrelas que se movem distncia e com lentido no podem constranger-nos a nenhum ato contra a nossa vontade, como no podem governar-nos, nem por obrigatrio decreto de Deus, pois somos to livres que podemos blasfemar contra o prprio Deus. Deus no fora a si nem aos outros contra si. Pode Deus, acaso, ser dividido? Mas, como as estrelas operam nos sentidos algumas insensveis e ligeirssimas modificaes, sucede que sofrem sua influncia sobretudo os que obedecem mais aos sentidos do que ao raio divino da razo. Eis porque a mesma constelao que traz ftidos vapores das mandbulas cadavricas dos hereges tambm serve para produzir fragrantes exalaes das retas inteligncias dos que fundaram as religies dos Jesutas (85), dos Irmos Mnimos e dos Capuchinhos. Foi tambm sob a sua influncia que se deu a descoberta do novo hemisfrio com que Colombo e Cortez (86) abriram nova arena propagao da religio crist.
Agora, esto iminentes no mundo grandes acontecimentos, cuja exposio reservo, porm, para melhor oportunidade.
G.-M. - Responda ao menos a esta nica pergunta: como que, sem velas e sem remos, pem eles os navios em movimento?
ALM. - H na popa uma grande roda em forma de leque, presa extremidade de uma vara que, equilibrada do lado oposto por um peso nela suspenso, pode ser facilmente levantada e abaixada por um menino. Todo o mecanismo se move sobre uma prancha sustentada por duas forquilhas. Alm disso, alguns navios so postos em movimento por duas rodas que giram dentro d'gua por meio de cordas que partem de uma grande roda posta na proa e, entrecruzando-se, circundam as rodas da popa. Posta em movimento, sem dificuldade, a grande roda faz girar as pequenas mergulhadas na gua, semelhana da pequena mquina de que se servem as mulheres calabresas para enrolar e fiar o linho.
G.-M. - Espere, espere um instante.
ALM. - No posso, no posso.

QUESTES SOBRE A TIMA REPBLICA 3b1ec

ARTIGO PRIMEIRO 2z3e48


Se com razo e utilidade que se acrescenta doutrina poltica o dilogo da Cidade do Sol.
Mais dificuldades militam contra a razoabilidade e a utilidade de uma tal repblica.
1o. - Do que nunca existiu, nem existir, nem se espera que exista, intil e vo tratar. Semelhante modo de viver em comum, inteiramente isento de delitos, impossvel, nem nunca se viu, nem se ver. Foi, pois, inutilmente que nos ocupamos com isso. Do mesmo argumento usava Luciano (87) contra a repblica de Plato.
2o, - Essa repblica s pode subsistir numa cidade e no num reino, pois no se podem encontrar lugares inteiramente semelhantes. Dessa forma, ser corrompida pelos povos sujeitos, pelo comrcio ou pelas sedies que irromperem contra to austera maneira de viver.
3o. - Essa repblica foi imaginada tima e perene. Ora, em primeiro lugar, no poder ser perene, porque necessariamente acabar se corrompendo ou sendo invadida pela peste proveniente do longo domicilio, no estando livre do vento, da guerra, da carestia, das feras, e no podendo escapar tirania interna, ou, finalmente, pelo excessivo nmero de cidados, como dizia Plato da sua repblica. Em segundo lugar, no poder ser tima, pois necessariamente haver delitos, como diz o apstolo: Si discessimus quia peccatum non habemus, ipsi nos seducimus (88). Alm disso, Aristteles prova, contra Plato, que a comunidade dos bens teis e das mulheres torna viciosa uma repblica e, quando nos parece que desapareceu um mal, deparamos em seguida com uma poro.
4o. - Esse modo de viver mais conforme natureza que provado pelo uso de todas as naes. O nosso, porm, repelido por todas, de forma que foi intil e leviana a nossa palestra.
5o. - Ningum desejaria viver submetido a leis e observncias to severas e sob a tutela dos pedagogos. Essa repblica seria derrubada pelos prprios cidados, como acontece em muitas ordens religiosas que vivem em comunidade.
6o. - natural que os homens estudem as obras de Deus, viajem pelo mundo, procurem em toda parte as cincias, faam experincia de tudo. Mas, os habitantes de uma tal repblica seriam como os monges, que s estudam nos livros e, quando ouvem alguma coisa que no se acha neles, se escandalizam e se perturbam. Assim como agora mal crem nas observaes de Galileu (89), antes no acreditavam que Colombo tivesse descoberto um novo hemisfrio, porque Santo Agostinho o nega.
Mas, respondendo primeiro em geral, existe em nosso favor o exemplo de Thomas More, mrtir recente, que escreveu a sua repblica Utopia, imaginria, exemplo no qual encontramos as instituies da nossa. Plato, igualmente, apresentou uma idia da repblica que, embora no possa, como dizem os telogos, ser posta integralmente em prtica na natureza corrupta, teria podido, contudo, subsistir no estado de inocncia, isto , justamente aquele ao qual Cristo nos faz voltar. Aristteles, por sua vez, instituiu a sua repblica. E assim muitos outros filsofos. Paralelamente, os prncipes promulgam leis que consideram timas, no porque imaginem que ningum as transgredir, mas porque julgam tornar felizes os que as observam. E So Tomaz ensina que os religiosos no so forados, sob pena de pecado, a observar tudo o que prescrito na regra, mas apenas as coisas mais essenciais, embora fossem mais felizes se a observassem toda: devem viver de acordo com a regra, isto adaptar sua vida regra, to comodamente quanto possvel. Moiss promulgou leis dadas por Deus e instituiu uma tima repblica: enquanto os hebreus viveram pelas normas da mesma, floresceram; quando deixaram de observar suas leis, decaram. E assim os retricos, que estabelecem as timas regras de um bom discurso, isento de qualquer defeito. Assim os filsofos, que imaginam um poema sem nenhum seno, se bem que nenhum poeta se tenha livrado disso. Assim os telogos, que descrevem a vida dos santos, embora nenhum ou muito poucos a imitem. Qual , pois, a nao capaz de imitar a vida de Cristo, sem pecado? E, por isso, os Evangelhos tero sido escritos inutilmente! Jamais, e sim para que nos esforcemos por nos aproximarmos deles tanto quanto possvel. Cristo estabeleceu uma repblica excelentssima, isenta de todo pecado, que apenas os apstolos observaram integralmente, depois ou do povo ao clero e, afinal, exclusivamente aos monges, sendo que, entre estes, persevera em alguns, ao o que, em outros, vs muito poucos institutos que se conservam em harmonia com a mesma.
Apresentamos, pois, a nossa repblica, no como dada por Deus, mas como uma descoberta filosfica e da razo humana para demonstrar que a verdade do Evangelho conforme natureza. Se, em algumas coisas, nos afastamos do Evangelho, ou parece que nos afastamos, isso no se deve atribuir impiedade, mas fraqueza humana, que, falta de revelao, julga justas muitas coisas que luz da mesma no o so, como podemos dizer da comunidade dos matrimnios. Foi por isso que imaginamos a nossa repblica no gentilismo que espera a revelao de uma vida melhor e que, vivendo segundo os ditames da razo, merece possu-la. Alm disso, so catecmenos da vida crist, razo que levou Cirilo (90) a dizer, contra Juliano (91), que a filosofia foi dada aos gentios como catecismo para a f crist. Por conseguinte, para ensinar os gentios a viver retamente, se no quiserem ser abandonados por Deus, e convencer os cristos de que a vida de Cristo conforme natureza, tomamos o exemplo desta repblica, como So Clemente romano tomou o da repblica socrtica e como fizeram So Crisstomo e Santo Ambrsio (92).

, portanto, claro que, com essa maneira de viver, no tendo os magistrados motivos para ambicionar os postos, desaparecem todos os vcios, assim como todos os abusos decorrentes da sucesso, da eleio ou da sorte, pois estabelecemos uma espcie de repblica como a dos grua e a das abelhas, celebradas por Santo Ambrsio. Desaparecem, igualmente, as sedies dos sditos, que decorrem da insolncia dos magistrados, da sua licenciosidade, da pobreza, da abjeo e da opresso desenfreadas.
E assim todos os males provenientes dos dois contrrios, a riqueza e a pobreza, que Plato e Salomo consideram como a origem dos males da repblica: a avareza, a adulao, a fraude, os furtos, a sordidez da pobreza; e a rapina, a arrogncia, a soberba, a ociosidade, etc., da riqueza.
Assim se destroem os vcios provocados pelo abuso do amor, como os adultrios, a fornicao, a sodomia, os abortos, o cime, as discrdias domsticas, etc.
Assim os males que procedem do excesso de amor dos filhos ou dos consortes; a propriedade que elimina, como diz Santo Agostinho, as foras da caridade; o amor prprio que ocasiona todos os males, como diz Santa Catarina num dilogo; a avareza, a usura, a iliberalidade, o dio do prximo, a inveja dos ricos e dos grandes. Ns, ao contrrio, aumentamos o amor da comunidade e acabamos com os dios despertados pela avareza, raiz de todos os males, e com os conflitos, as fraudes, os falsos testemunhos, etc.
Assim todos os males do corpo e da alma, provenientes do trabalho excessivo para os pobres e do cio para os ricos. Entre ns, as fadigas so igualmente divididas.
Assim os males oriundos do cio nas mulheres e que corrompem a gerao e a sade do corpo e do esprito. Entre ns, elas se ocupam com os exerccios e as virtudes que lhes so prprias.
Assim os males que nascem da ignorncia e da estupidez. Em nossa repblica, observa-se uma grande experincia de doutrina em cada coisa e na prpria construo da cidade, onde h imagens e pinturas que ensinam, a quem olh-las, todas as cincias, de forma quase histrica.
Assim se providencia maravilhosamente contra a corrupo das leis.
Finalmente, como evitamos em cada coisa os extremos, reduzindo todas justa medida na qual se encontra a virtude, no se pode imaginar repblica mais feliz e mais fcil. Em suma, todos os defeitos que se notam nas repblicas de Minos (93), de Slon, de Caronda, de Rmulo (94), de Plato, de Aristteles e de outros autores, no se encontram na nossa, pois bem protegida e felizmente provida de tudo, tendo sido deduzida da doutrina das primalidades metafsicas, com as quais nada esquecido ou omitido. A primeira dificuldade, segundo a qual no se pode alcanar exatamente a idia de uma tal repblica, est, pois, respondido que nem por isso se escreveu inutilmente, porque o que se prope um exemplo que deve ser imitado tanto quanto possvel. Quanto sua exeqibilidade, est ela demonstrada pela vida dos primeiros cristos, entre os quais se estabeleceu a comunidade ao tempo dos apstolos, como o atestam So Lucas (95) e So Clemente. Em Alexandria, observou-se o mesmo modo de viver, ao tempo de So Marcos (96), como o atestam Filo (97) e So Jernimo (98). Tal foi a vida do clero at Urbano I e tambm ao tempo de Santo Agostinho. Tal , agora, a vida dos monges, que S. Crisstomo, considerando-a possvel, deseja que se introduza em toda a cidade de Constantinopla e que eu espero se realize no futuro, depois da runa do Anticristo, como nas minhas profecias. Mesmo quem a negar aristotelicamente ser constrangido a iti-la como possvel no estado de inocncia, embora no no presente. Os padres, porm, a consideram praticvel mesmo agora, pois Cristo nos reduziu quele primeiro estado. E, se Luciano, gentio e ateu, ridiculariza Plato por ter imaginado uma repblica impossvel, So Clemente, Santo Ambrsio e So Crisstomo o louvam. E estes, por sua doutrina e santidade, podem bem antepor-se a mil Lucianos.
Segunda objeo. Atribumos um tal modo de viver somente capital. Mas, as aldeias imitaro, depois, esse sistema, parcial ou totalmente, at formarem uma provncia. Lugares adequados sero encontrados com facilidade e, quando faltarem, variaremos a forma, de modo que, na parte mais alta da cidade, fique o chefe, e nos apndices semicirculares as habitaes. Mas, mesmo no plano, ser bom o nosso modelo, desde que no o impea a lama, que pode ser evitada pelo calamento das ruas e por aquedutos. Alm disso, para que os habitantes no sejam corrompidos pelo comrcio, existem no projeto os magistrados incumbidos desse mister. Para evitar as sedies externas, h as fortalezas bem guarnecidas da metrpole e as milcias que se movimentam continuamente para a defesa do imprio. De resto, servir a probidade da cidade dominante uma felicidade to grande como a dos ignorantes ao servirem o sbio e o probo. Cresce mais o imprio com essa opinio de probidade do que com a fora de Roma. J sob Pomplio, era considerado nefando atacar os inimigos com meios contrrios virtude.

Terceira objeo. Durar at a um dos perodos gerais das coisas humanas que do origem a um novo sculo: Porque, quanto peste, s feras, fome, guerra, providenciamos otimamente, na medida do possvel, com a virtude, ou, pelo menos o fizemos melhor do que se costuma fazer fora. Com efeito, os ventos, pelas quatro ruas maiores, purgam a cidade, e onde as casas o impedem, existem as janelas, colocadas de modo que possam fechar-se s ms exalaes e abrir-se s salubres. Quanto ao nmero dos habitantes, vede a metafsica. Afirmo que esta uma via tima, que deve ser mais cuidada do que a durao.
Certamente, haver pecados, mas no graves, como nos outros Estados, ou pelo menos no to grandes ao ponto de arruinarem a repblica, como acontece com as ordens estabelecidas. Quanto ao que Aristteles objeta a uma tal repblica, ser desfeito nos artigos subsequentes.
Quarta objeo. Afirmo que essa repblica, como o sculo de ouro, desejada por todos e reclamada por Deus, quando pedimos que a sua vontade seja feita assim no cu como na terra. Se no praticada, isso se deve maldade dos prncipes, que submetem os povos a si e no ao imprio da razo suprema. O uso e a experincia demonstram, pois, a possibilidade do que dissemos, sendo mais natural viver conforme razo do que ao afeto sensual, e virtuosa do que viciosamente, segundo So Crisstomo. Os monges so uma prova disso, e agora os anabatistas, que vivem em comum e que, se observassem os verdadeiros dogmas da f, maior proveito teriam com esse sistema de vida. Se o cu permitisse que no fossem hereges e praticassem a justia como a professamos, seriam eles exemplo da sua verdade. No sei, porm, por que tolice recusam o melhor.
Quinta objeo. E, ao contrrio, uma suprema felicidade viver virtuosamente, como diz So Crisstomo, e se cometes uma falta, logo a corriges, antes de sofrer-lhe os efeitos. A licenciosidade a causa dos males, sendo feliz a necessidade que nos fora ao bem. A ns, habituados ao mal, que nos parece duro esse gnero de vida, como aos jogadores e aos discolos a vida dos bons cidados, e a estes a vida dos monges. Mas, experimentai, e vereis que os religiosos nunca se revoltam pela severidade da disciplina, e, quando isso acontece, pelo comrcio dos laicos, pela ambio das honras e o amor da propriedade, ou pela libidinagem. Mas, em nossa repblica, foram previstas e evitadas todas essas causas. No segue, pois, o exemplo daqueles.
Sexta objeo. Procuramos, igualmente, para a nossa repblica, fazer tesouro das observaes da experincia e da cincia de toda a terra. Para isso, estabelecemos at peregrinaes, comunicaes de comrcio e embaixadas. E nem os monges se privam desses bens mudando muitas vezes de cidade e de provncia, nem a ignorncia da experincia se verifica nos melhores monges, umas somente nos vulgares. Suas querelas so um meio de melhor discutir as coisas; depois que se esclarecem, ficam tranqilos todos os virtuosos. No achars nenhum lugar em que mais se tenha feito pela doutrina e a conservao das cincias do que nas ordens dos monges e dos frades. Quanto aos monges antropomorfitas (99), que se insurgiram contra Orgenes por instigao do maligno patriarca Tefilo, nada obtiveram depois de um exato exame. claro, porm, que tais sedies no se verificaro na Cidade do Sol. O monaquismo (100) foi institudo para o aumento da santidade e da cincia, e no para agravar a submisso, como pretendem os hipcritas.

ARTIGO SEGUNDO 42492z


Se mais conforme natureza e mais til conservao e ao aumento da repblica e dos particulares a comunidade dos bens externos, como sustentam Scrates e Plato, ou a diviso defendida por Aristteles.
Primeira objeo. Contra a comunidade dos bens, no segundo livro da Poltica, argumenta Aristteles deste modo: nessa comunidade, diz ele, ou os campos seriam prprios e os frutos comuns ou vice-versa, ou ainda comuns tanto uns como os outros. No primeiro caso, quem tivesse mais terra deveria trabalhar mais para cultiv-la e obter uma parte de frutos igual dos que no trabalhassem, o que provocaria discrdias e runa. No segundo caso, ningum seria estimulado ao trabalho e os campos seriam mal cultivados, porque cada qual pensaria mais em si do que nas coisas comuns. Com efeito, onde h uma multido de servos, o servio pior, cada qual deixando para o outro o trabalho que deveria fazer. No terceiro caso, aconteceria o mesmo e, alm disso, um novo mal, pois cada qual desejaria ter a melhor e a maior parte dos frutos e a menor das fadigas, de maneira que, em lugar da amizade, s haveria discrdia e fraude.
Segunda objeo. Contra a comunidade dos bens teis, objeta-se que so necessrias mais classes de pessoas para o bom governo da repblica, como soldados, artfices e governadores, segundo Scrates; que, se todas as coisas fossem comuns, cada um recusaria as fadigas da agricultura e desejaria ser soldado, sendo que, em tempo de guerra, preferiria ser agricultor, alm de no combater sem estipndio; que, em suma, todos quereriam ser regedores, juizes ou sacerdotes. Dessa forma, honrando alguns, deprimir-se-iam os outros, cabendo aos primeiros menor trabalho, de forma que subsistiria a injustia. Por conseguinte, melhor dividir os bens.
Terceira objeo. A comunidade destri a liberalidade e a faculdade de praticar a hospitalidade, de socorrer os pobres, porque quem nada possui de seu de nada pode dispor.
Quarta objeo. uma heresia negar a justia da diviso dos bens, sustentada por Santo Agostinho contra os que tinham em comum as mulheres e os bens, sob a alegao de que assim viviam os apstolos. Scot, no livro De Justitiae et Jure, diz que o conclio de Constana (101), condenou Joo Huss por negar que se pudesse ter alguma coisa em particular. E Cristo disse: Reddite que sunt Caesaris Caesari (102).
Em resposta, replicamos, em geral, com as palavras do papa So Clemente na epstola 4, citadas por Graciano (103) no cnone 2, questo I: "Carssimos, o uso de todas as coisas que esto neste mundo devia ser comum; por iniqidade, porm, um diz que isto seu, outro aquilo, etc." E acrescenta que os apstolos ensinaram e viveram de modo que tudo fosse comum, inclusive as mulheres. Assim ensinam, igualmente, todos os padres, ao comentarem o princpio do Gnese, segundo o qual Deus no distribuiu nada e deixou tudo em comum aos homens, para crescerem, multiplicarem-se e povoarem a terra. E tambm assim ensina Isidoro (104), no captulo do jus natural. Quanto a terem os apstolos vivido dessa maneira, como todos os cristos primitivos, v-se por So Lucas, So Clemente, Tertuliano, Crisstomo, Agostinho, Ambrsio, Filo, Orgenes e outros. Esse sistema de vida restringiu-se, depois somente aos clrigos que viviam em comum, como o atestam eles prprios e So Jernimo, Prspero (105), o Papa Urbano e outros. Mas, sob o papa Simplcio, mais ou menos no ano 470, foi feita pelo mesmo a diviso dos bens da Igreja, de forma que uma parte coubesse ao bispo, outra fbrica, outra ao clero e uma aos pobres. Mais tarde, Gelsio, papa pouco depois, e Santo Agostinho no quiseram ordenar clrigos, porque estes punham tudo em comum. Mas, em seguida, para evitar os hipcritas que ocultavam o que era seu, isso foi permitido, mas no de bom grado. , pois, uma heresia condenar a vida comum ou diz-la contra a natureza. Ao contrrio, Santo Agostinho pensa que tomar a propriedade uma razo de maior esplendor. Assim, quer para a vida presente, quer para a futura, melhor a comunidade dos bens. E So Crisstomo informa que esse gnero de vida existiu entre os monges e ele o adota, insinuando-o e pregando-o a todos. Ensina ainda, na homlia, ao povo da Antiquia (106), que ningum dono dos seus bens, mas apenas despenseiro, como o o bispo dos da igreja, sendo culpvel todo laico que abusa dos seus bens sem comunic-los aos outros. Diz So Tomaz que somos donos da propriedade, no do uso, pois que, em extrema necessidade, todas as coisas so comuns. Por isso, se refletires bem, uma tal propriedade antes um tributo pela obrigao de reconhecer a m distribuio, o que , alis, confirmado por So Baslio no sermo aos ricos e por Santo Ambrsio no sermo 81. So Crisstomo inculca-o em quase todas as suas homilias e, particularmente, no captulo 6, sobre So Lucas, onde se acham estas palavras: Nemo dicat proprio a Deo percipimus omnia: mendacii verba sunt meum et tuum (107). O mesmo afirma Scrates na Repblica de Plato ou de Timeu (108), o mesmo Santo Agostinho no tratado 8o. sobre Joo, e o mesmo o poeta Cristiano:
Si duo de nostris tollas pronomina rebus, Proelia cessarent, pax sine lite foret. (109)
Ovdio (110), nas Metamorfoses, I, pe esse sistema de vida no sculo de ouro. Ambrsio, na carta L, sobre o salmo 118, diz: Dominus noster terras hanc possessionem omnium hominum voluit esse communem; sed avaritia possessionum jura distribuit (111). E, no livro de Virg., diz que a violncia, o morticnio e a guerra distriburam as coisas aos hebreus carnais, e no aos levitas (112), que representavam o cristianismo e o clero. So Clemente, mais tarde, afirma que isso se deve iniquidade dos gentios. O mesmo Santo Ambrsio, no livro I dos Ofcios, captulo 28, prova, com a escritura e com a autoridade dos historiadores, que todas as coisas eram comuns, tendo sido divididas por usurpao; e, no Hexam, V, ensina, com o exemplo da repblica civil das abelhas, a vida em comum, tanto dos bens como da gerao, e, com o exemplo dos grus, desenvolve a vida comum numa repblica militar. Jesus Cristo prova o mesmo com o exemplo dos pssaros, que no possuem nada de prprio, nem semeiam, nem ceifam, nem dividem o pasto; no entanto, como diz o jurisperito, jus naturale est id quod natura omnia animalia docuit (113). , pois, certo que, por direito natural, todas as coisas so comuns.
Scot, no 4 das sentenas 15, responde que a comunidade de direito natural no estado de natureza, tendo sido tal direito derrogado com o pecado de Ado. Falsa, porm, essa resposta, porque, como diz So Tomaz, o pecado no destri os bens de natureza, mas apenas os de graa. Isso ofende a natureza e a razo, mas no introduz um novo direito; portanto, se a comunidade era de direito, s a injustia poderia ter introduzido a diviso. Eis porque tambm a glosa sobre o texto de So Clemente diz que esta foi introduzida per iniquitatem, idest per jus gentium contrarium juri naturali (114). Mas, como pode ser um direito, se contrario natureza, que a arte divina? Nesse caso, o direito seria um pecado. Scot responde que isso se deve iniqidade, isto , ao pecado original, mas esse comentrio falso, porque como explicar ele as palavras de Santo Ambrsio, que diz ter sido a diviso introduzida pela avareza e pela violncia? De resto, So Clemente diz que os apstolos nos fizeram voltar ao estado de jus natural, de onde resulta que o que foi iniqidade o tambm agora, Caetano ensina que se tratava de uma comunidade natural negativa, isto , que a natureza no ensinou a diviso, e no afirmativa, como se tivesse dito que se vivia em comum e no de outro modo. E Scot, como de costume, adere a essa opinio, mas acrescenta: "Como , ento, que a diviso provm da iniqidade e da avareza, como ensinam os santos, se a comunidade no estado de natureza era apenas negativa?" Por isso, com mais razo ainda, ensina So Tomaz que o uso comum de direito natural, sendo a distribuio e a aquisio da propriedade de direito positivo. E essa diviso no pode ser contrria natureza, porque essa propriedade , no caso, de necessidade, e, em tudo o que sucede, o necessrio se torna comunidade, como ensina ao falar das esmolas, e tudo o que excede as necessidades da pessoa e da natureza deve ser dado, pois de outra forma no seriam condenados no dia do juzo os que no aliviaram os necessitados. E, embora essa doutrina de So Tomaz parea justificar, at certo ponto, a diviso, s lhe reconhece, contudo, o direito de distribuir e de aliviar, de onde se conclui, segundo a doutrina de So Crisstomo, Baslio, Ambrsio e do papa Leo (ser. V, de Collectis), que os ricos so distribuidores e no donos das coisas; que, se so senhores, s o so de distribuir e dar, como os bispos da parte da Igreja; que, por conseguinte, a parte de que so senhores se limita comida e ao vesturio. E essa parte a possuem tambm os monges, como lhas atribui e prova o papa Joo XXII nas Extrav. Uma vez que o monge e o apstolo comem de direito e no injustamente, tm eles igualmente o uso de direito e no somente de fato, j que este ltimo direito o tem o ladro quando come as coisas de outrem. Scot acha que esse papa errou, tendo assim decidido pelo dio contra os franciscanos (115), pois os pontfices Clemente V e Nicolau III concedem aos franciscanos somente o uso de fato, no de direito, como um convidado ceia come somente de fato e no de direito. Mas, Scot se engana e injustamente condena um papa, pois os pontfices por ele citados no destroem o direito de jus natural, mas apenas o direito positivo, e tambm So Tomaz pensa que, nas coisas que se destroem com o uso, no se pode distinguir o uso do domnio, como se v no tratado do usufruto das coisas que se consomem com o uso (livro 2). Eis porque esses pontfices no se contradizem entre si, como ensina Joo XXII, mas, ao contrrio, herege quem nega o uso de direito aos apstolos e a Cristo, porque ento no teriam comido de direito, mas injustamente, como o ladro. O ladro tem o direito de fato, mas na necessidade tem tambm o direito natural. De tudo isso resulta a solidez da doutrina dos santos contra os tolos que pem a boca no mundo. O convidado come de direito e o seu ttulo a doao, no menor que o ttulo de venda. Mas, pergunto: So os ricos obrigados a restituir o suprfluo? a quem? aos pobres ou repblica? Respondo que repblica e aos pobres, mas, para no haver lugar para disputa, porque no adquiriram um direito positivo, digo que a Deus, a quem devero prestar contas no dia final, como ensinam So Baslio (116), Ambrsio e Leo.
Por conseguinte, com a nossa repblica, so tranqilizadas as conscincias, eliminada a avareza, raiz de todo mal, bem como as fraudes cometidas nos contratos, os furtos, as rapinas, a indolncia e a opresso dos pobres, a ignorncia que invade tambm os engenhos mais bem formados, porque fogem obrigao quando pretendem filosofar, e as preocupaes inteis, as fadigas, o dinheiro que mantm os negociantes, a iliberalidade, a soberba e os outros males produzidos pela diviso: o amor prprio, as inimizades, as invejas, as insdias, como j se mostrou. Distribuindo-se as honras segundo as aptides naturais, evitam-se os males causados pela sucesso, pela eleio e pela ambio, como ensina Santo Ambrsio falando da repblica das abelhas. assim seguimos a natureza, que tima mestra, como no caso das abelhas. A eleio de que fazemos uso no licenciosa, mas natural, sendo eleitos os que se distinguem pelas virtudes naturais e morais.
Respondendo agora, em particular, primeira objeo, digamos que Aristteles erra espontaneamente e de m f, pois tambm para Plato os fundos, os frutos e as tarefas so comuns. Em nossa repblica, as tarefas so distribudas pelos magistrados das artes, segundo a capacidade e a fora de cada um, e executadas pelos chefes das artes com toda a multido, como se v no texto. Nada pode ser usurpado de algum, nutrindo-se todos mesa comum e recebendo a roupa do magistrado do vesturio, segundo a qualidade e as estaes e conforme sade. E tambm o que se verifica entre os monges e os apstolos. Portanto, Aristteles tagarela inutilmente. No era o caso de examinar, no texto, o modo de distribuio das roupas segundo as estaes, o trabalho, a arte, a execuo, etc., nem ningum encontrar nisso dificuldade, pois todas as coisas so feitas com razo, de forma que cada um gosta de fazer aquilo que conforme sua disposio natural. E justamente o que se pratica na nossa repblica.
segunda objeo, responda-se que cada um, desde a infncia e segundo as disposies naturais, aplicado pelos magistrados s vrias artes, e quem quer que por experincia e por doutrina se revele timo preferido na arte para a qual idneo. Dessa forma, s os que forem excelentes podem tornar-se supremos magistrados, de acordo com a ordem observada no texto. Portanto, nem o soldado desejaria tornar-se capito, nem o agricultor sacerdote, pois os cargos so distribudos segundo a experincia e a doutrina, no por favor ou parentesco, mas adequados aos conhecimentos. E cada um exerce a profisso no ramo em que se distingue. Os primeiros magistrados no podem honrar uns e reprimir outros; no governando arbitrariamente, mas seguindo a natureza, do a cada um a profisso conveniente. Como no possuem nada de prprio para poderem violar o direito alheio com o fim de engrandecer os filhos, convm-lhes agir bem para serem honrados. Eis porque, considerando-se todos como irmos, filhos e parentes, um igual amor se mantm por todos sem nenhuma distino. Ningum combate mediante pagamento, mas por si, pelos filhos e pelos irmos. Possuindo cada qual com que viver bem, ningum tem necessidade de estipndio, mas da honra que obtm dos irmos por suas aes valorosas. Os romanos, at guerra de Tarracina (117), combateram sem estipndio e porfiavam em morrer pela ptria; vindo, porm, o amor da propriedade, principiou a faltar a virtude. Salstio e Santo Agostinho ensinam que eles alcanaram tanto imprio por amor comunidade. Citado por Salstio (118), diz Cato: Publicae opes et privata paupertas, foris justum imperium, intus indicendo animus liber, neque formidini neque cupiditati obnoxius, rem Romanam auxere. Em nossa repblica, essas coisas se conservam muito melhores pela comunidade dos bens teis e honestos, sob a guia da natureza.

Terceira objeo. Tanto Aristteles como Scot falam inconsideradamente, para no dizer impiamente. No sero liberais os monges e os apstolos por no possurem nada de prprio? A liberalidade no consiste em dar o que se usurpou, mas em pr tudo em comum, como afirma So Tomaz. Podes ver, no texto, como se honram os hspedes da repblica e como se socorrem os miserveis por natureza, pois no h, entre ns, nenhum miservel por fortuna, de vez que todas as coisas so comuns e todos irmos, sendo indicados os mtuos ofcios com os quais se mostra a liberalidade. E, se se insistir ainda a esse respeito, direi que transformaram a liberalidade em beneficncia, que superior primeira.
Quarta objeo. Scot argumenta, como de costume, com pnica f, pois o prprio Santo Agostinho, no captulo 4 de haeres, e So Tomaz 2, 2 quest. 66, art. 2, ensinam que so hereges os que dizem no poderem ser salvos os que possuem alguma coisa em propriedade, do mesmo modo que os que sustentam dever usar-se o vago concbito das mulheres, no porque preguem a comunidade, mas porque constitui maior heresia negar a comunidade, que os apstolos e os monges observam, do que a diviso. Concedamos, pois, que a Igreja reconheceu a diviso, antes tolerante do que positiva e diretamente. Mas, como diz Santo Agostinho, foi porque era melhor ter clrigos coxos do que mortos, isto , proprietrios do que hipcritas. E o prprio Scot sustenta, depois, que a diviso foi introduzida em virtude da negligncia com que se tratavam as coisas comuns e da cobia do prprio interesse, cuja raiz sendo m, a diviso no pode ser boa, mas apenas permitida, no desejada pela natureza. Como ousa, pois, chamar de hereges os que seguem a natureza e louvar os que pregam, com Aristteles, a permisso introduzida pela corrupo? Digamos que a Igreja pode conceder a diviso e permiti-la, do mesmo modo que se toleram as meretrizes como um mal menor e os coxos de preferncia aos mortos, no dizer de Santo Agostinho. Por conseguinte, a maneira pela qual a Igreja concedeu a propriedade j foi explicada como tendo sido apenas uma tolerncia e no o uso do suprfluo. Alexandre, Alonso, Thomas Valden, Ricardo e o Panormita (119) consideram herege quem afirma serem os clrigos verdadeiros donos dos bens da Igreja, e concedem a estes somente o uso. So Tomas d-lhes apenas o domnio da pequena poro que consomem, pois no am de usufruturios dos fundos, no podendo deix-los aos filhos nem aos amigos. Assim, o que se disse dos laicos o foi superiormente. Os ignorantes esto prontos a chamar de herege todo aquele que eles no podem convencer com razes. A palavra de Cristo: Reddite quae sunt Caesaris Caesari s torna o mesmo senhor de dispensar, ou de nada, pois nada pertence a Csar. Que possui ele que no o tenha recebido? Todas as coisas, portanto, so de Deus, sendo Csar apenas um . Veja-se, na Monarquia do Messias, o que se escreveu a esse respeito. Diz ainda Oristo: Reges gentium dominantur corum, vos autem non sic, sed qui major est fiat minister. Eis porque, com justia, So Tomaz prega a propriedade de istrao e concede a comunidade do uso. O papa o servo dos servos de Deus, e o imperador o servo da Igreja.

ARTIGO TERCEIRO 463z3x


Se a comunidade das mulheres mais conforme natureza e mais til gerao e, portanto, a toda a repblica, do que a propriedade das mulheres e dos filhos.
A Aristteles parece mais conveniente a propriedade e nociva a comunidade, qual ope:
Primeira objeo. Scrates pensa que o amor aumentaria entre os cidados se cada um considerasse os velhos como seus genitores, estes os jovens como filhos e os iguais como irmos. Ao contrrio, porm, isso destruiria o amor, porque, ou se consideram todos coletivamente, ou verdade que todos os velhos so pais de todos os jovens, mas, neste caso, o amor de cada velho, em particular, seria bem pequeno em relao queles, como uma gota de mel em muita gua, e logo se extinguiria, pois ningum conheceria os prprios filhos e nem estes o seu pai.
Na verdade, se se reunissem os desejos de forma que cada um se considerasse pai de cada um, isso aumentaria o amor, mas impossvel que algum tenha mais de uma me e de um pai. Alm disso, cada um conheceria os prprios filhos pela fisionomia e, portanto, teria mais afeto por estes.
Segunda objeo. Surgiriam discrdias entre as mulheres e, muitas vezes, entre os pais e os filhos incertos.
Terceira objeo. No vago concbito, no se conhece a prole, e, no entanto, natural no homem o desejo de conhecer a prpria descendncia em que se perpetua.
Quarta objeo. Verificar-se-iam adultrios, fornicaes e incestos com as irms, as mes e as filhas, alm dos cimes pelas mulheres e das contendas por causa das que se desejassem abraar.
Quinta objeo. Scot objeta as palavras: Erunt duo in carne una (120). No se podem, pois, ter mais mulheres sem licena divina.
Sexta objeo. A heresia dos nicolaitas consistiu em pr as mulheres em comum.
Primeiramente, respondamos, em geral, com a autoridade de So Clemente no cnone citado: Conjuges secundum Apostolorum doctrinam communes esse debere. (121) Como, porm, isso seria contra a honestidade crist, deve itir-se a glosa nesta agem expressa: Communes quo ad obsequium non quo ad thorum. (122) E, na verdade, como o atesta Tertuliano, assim viveram os primeiros cristos, que possuam tudo em comum, exceto as mulheres para o tlamo, pois patente que as mulheres serviam a todos. Mas, os nicolaitas introduziram a comunidade no tlamo, e tambm eu condeno essa heresia, mas sustento a comunidade nas funes, embora no no governo poltico. Com efeito, a mulher no pode ser magistrado nem ensinar aos homens, mas somente entre as mulheres e no mister da gerao. So lhes cometidas as artes que se executam com pouca fadiga, ou ainda a guerra em defesa das muralhas. E lemos que as mulheres espartanas defenderam a ptria na ausncia dos maridos, sendo que, entre os animais, as fmeas se batem como os machos. Na sia, outrora, e atualmente na frica, as amazonas fazem a guerra. Mas, Caetano, no livro de Pulchro, diz que isso no conforme natureza, tanto assim que elas precisavam cortar o seio direito para poderem manejar a lana. Mas, com Galeno (123) e talvez com maior fundamento, afirmo que o faziam para que a fora que servia para nutrir o seio direito asse a reforar o brao direito. E nem o seio direito impede, em absoluto, de manejar a lana, mas apenas de apoi-la no peito. Alm disso, h outras maneiras de combater que convm s mulheres, como se v entre os africanos. Aristteles no pode recusar esse argumento das amazonas. De resto, no as envolvemos em todos os servios de guerra, mas somente na defesa das muralhas e nos prontos socorros. No queremos formar com elas uma repblica de amazonas, pois nos limitamos a fortific-las, para servirem defesa e prole. Aristteles rejeita o argumento das fmeas que combatem entre as feras, sob a alegao de que estas no tm a preocupao das coisas familiares, como sucede com as nossas, que s para isso foram destinadas pela natureza. Engana-se, porm, porque as feras cuidam dos seus filhotes e procuram para eles alimento e defesa. Por outro lado, muitos homens se ocupam com as coisas familiares, como acontece, sobretudo, entre os monges. No , pois, contra a natureza, como ele o ensina.
Diremos, ainda, que a comunidade das mulheres para o concbito no contra o direito natural, sobretudo como foi estabelecida por ns. Ao contrrio, conforme a ele e, por conseguinte, no heresia ensin-la num estado dirigido por puras luzes naturais, depois de conhecido o jus divino e eclesistico positivo, da mesma forma que no heresia comer carne todos os dias e ensinar, no estado natural, que isso til. Mas, depois da promulgao da lei eclesistica sobre a proibio de alimento, em certos dias, para a abstinncia crist, uma heresia fazer uso dela e ensinar que isso lcito. Prova-se, ainda, que todo pecado contra a natureza destri o indivduo ou a espcie, ou tende a essa destruio, como ensina So Tomaz. Por conseguinte, os assassnios, o furto, a rapina, a fornicao, o adultrio, a sodomia, etc., so contra a natureza, porque ofendem o prximo, ou impedem a gerao, ou tendem a isso. Mas, a sociedade comum das mulheres no destri as pessoas, nem impede a gerao; e no contra a ordem, mas, ao contrrio, auxilia grandemente o indivduo, a gerao e a repblica, como se depreende do texto.
Deve, pois, notar-se que h trs espcies de vago concbito.
Uma, pela qual cada um pode ligar-se a quem desejar e como quiser, o que contra a natureza racional do homem, embora seja normal em alguns animais, como entre os cavalos, os burros, as cabras, etc. Eis porque a natureza providencia para que esses animais s em pocas determinadas sintam os estmulos gerao. Como os homens estejam sempre dispostos para esse fim, poderiam ligar-se com cada uma, enfraquecendo-se continuamente; procurariam todos as mais belas e estas, pela confuso dos semens e pela ao contrria, no conceberiam, como acontece com as meretrizes. Quanto s mulheres feias, excitadas pelo cime e pela dor, imaginariam todos os males contra as bonitas. Por esse motivo, esse vago concbito uma heresia e uma impiedade contra a natureza, tendo sido justamente a dos agnsticos (124) e dos nicolaitas, bem como de alguns hereges modernos e de alguns religiosos da seita de Maom na frica, que consideram lcito unir-se a cada uma e at em pblico.
Outro gnero de concbito vago o que se segue s npcias legais, pela ligao em pocas determinadas, nas quais lcita, nas trevas, a unio com quem a sorte oferece. Foi o que se descobriu, recentemente, na Glia e em certas regies da Alemanha, tendo acontecido que muitos, depois de receberem o sinal, reconheceram que se haviam unido s prprias mes. Esse sistema , tambm, contra a natureza e, certamente, contra a lei divina positiva, pois no tem por escopo a gerao, mas unicamente a sensualidade. Dessa forma, a unio vaga dos animais ainda melhor, porque os animais geram, no sendo a sua unio contra a natureza, de vez que produzida a prole. Nessas unies de hereges, ao contrrio, a gerao puramente acidental, sendo a luxria seu nico escopo, uma vez que, para a gerao, bastam os maridos em casa.
A terceira modalidade de concbito , finalmente, a que descrevemos numa sociedade quase natural, na qual s geram os mais robustos e os melhores, sob a direo dos mdicos e dos magistrados, em pocas prprias para gerao, de acordo com a astrologia, com temor e obsquio divindade, e somente depois dos 25 anos e at aos 53. Para as mulheres, prescrevemos tambm um tempo no qual so para isso mais aptas. Por outro lado, destrumos as unies inconvenientes, isto , as que se fazem exclusivamente em ateno s riquezas, das quais a repblica no obtm prole ou, quando a obtm, uma prole covarde, disforme e imbecil, como se v pela experincia e foi notado por Pitgoras, supremo filsofo. Impedimos, igualmente, a debilidade produzida pelo excesso de coito ou pelas molstias de esterilidade. Com efeito, se uma mulher no concebe com este, pode conceber com aquele, sendo a mudana justamente o que a natureza nos ensina nesse caso. J o princpio que as nossas leis estabeleceram de que cada um s tenha relaes com a prpria mulher, mesmo quando esta seja estril, no pode ser facilmente aprovado pelo filsofo apenas com as luzes naturais. Eis porque me limito a sustentar que os instituidores de uma repblica sob o regime da comunidade das mulheres no pecam no estado das puras luzes naturais, a no ser que a revelao ensine que assim no se deve praticar. Pela mesma razo, Durando e outros sustentam que nem mesmo a fornicao contra a lei natural, e muitos telogos confessam que a lei positiva no a probe. Quanto opinio de So Tomaz, que a considera contrria gerao e educao, no pode ser sustentada quando se sabe que a mulher estril. Todavia, estou de acordo com So Tomaz num ponto: atravs de longas dedues, possvel prov-lo exclusivamente com a razo, mas no torn-lo conhecido de todos. Assim, Scrates no pecou bebendo veneno, constrangido pela lei, embora os telogos provem ser isso um pecado, porque ningum pode ser obrigado pela lei a agir contra si prprio. Mas, essas sutis dedues, nascidas da luz evanglica, no podiam ser conhecidas pelos antigos filsofos, os quais provaram, ao contrrio, que era lcito a algum matar-se por si, sendo ns os donos da prpria vida, como o estimaram Cato, Sneca (125) e Clemenes. Sustento, por conseguinte, que a comunidade das mulheres, da forma pela qual a consideramos, no contra o direito natural e, se o , no pode sab-lo o filsofo apenas com as luzes naturais. E que isso no se deduz diretamente do direito natural, como concluso imediata, mas somente como deduo remota e, alm do mais, fundada sobre o direito positivo, que pode variar. As razes de Aristteles no nascem, pois, da natureza da coisa, mas exclusivamente da inveja que ele tinha de Plato, tanto mais quanto ele prprio recorda muitas naes que viveram desse modo. Vem, igualmente, em nosso apoio, So Tomaz, que, na 2, 2 quest. 154, art. 9, confessa que nenhuma conjuno contra a natureza, salvo a do filho com a me e a do pai com a filha, pois que, segundo Aristteles, os prprios cavalos a repelem. Eu prprio vi, em Montedoro, um cavalo que no queria unir-se com a me. E assim , no porque no resulte a gerao, mas por uma reverncia natural. No entanto, segundo o testemunho de Tolomeu, a unio com as mes era um costume comum entre os persas. Entre os animais, os galinceos e muitos outras praticam o mesmo. Apesar disso, na repblica, evitei que as mes se unissem aos filhos e os pais s filhas, embora este ltimo caso seja menos contra a natureza. Tambm Caetano prova, apoiado no esprito de So Tomaz e na razo natural, que a unio com a irm, ou com os afins e consangneos, no contra o direito natural, mas apenas contra o legal; que um preceito judicial, no moral, a proibio dos outros graus; que os filhos de Ado se uniram com as irms, assim como os patriarcas Abrao (126) e Jac (127), do primeiro dos quais Sara era irm. E S. Tomaz aduz duas razes dessas proibies, a saber: o respeito aos parentes, para que pudessem viver conjuntamente sem escrpulo e as amizades se multiplicassem por meio dos matrimnios, e a sensualidade, a fim de que no se tornasse mais doce com o prprio sangue. Segundo Caetano, essas razes decidiram tambm da lei crist. Mas, na repblica solar, no se verificaram, pois as mulheres moram separadamente e a unio s se verifica de acordo com a lei, os tempos e os lugares prefixados. Assim, o que se estabelece na repblica solar, para evitar a sodomia ou um mal maior, igualmente estabelecido pela religio crist, pois o marido pode, sem pecado, servir-se at da mulher grvida, com o fim de extinguir o desejo e no para a gerao. Providenciei para que o smen no se perdesse e dei todos os preceitos para a conservao da repblica. Quanto aos demais, no so reprovados pelos prprios filsofos segundo o direito natural, sendo que Aristteles, em benefcio da sade, recomenda o coito aos que no geram, do mesmo modo que Hipcrates e outros, a fim de evitar males piores.
Respondo, agora, em particular, primeira objeo. Aquele todos pode ser tomado nos dois sentidos, porque todos, at a uma certa idade, determinada no texto, so pais de todos coletiva e separadamente: o primeiro verdadeiro segundo o ato natural, o outro segundo a caridade natural. Nem por isso diminui a caridade, mas s a cobia e a avareza, porque o homem, sob o regime da diviso, tende a amar os prprios filhos mais do que convm e a desprezar os alheios alm da medida. Por conseguinte, o homem sbio ama mais os melhores, mesmo que sejam alheios, e se preocupa mais com os maus, para melhor-los. Com efeito, desagradvel ver tantas deformidades no gnero humano: horrorizamos os coxos, os cegos, os miserveis, porque so do nosso gnero e representam a cada um a prpria infelicidade Pela comunidade dos filhos, dos irmos, dos pais, das mes, providencia-se de modo que diminua o excessivo amor prprio, que a cobia, e aumente o amor comum, isto , a caridade. por isso que diz Santo Agostinho: Amputatio proprietatis est augmentum caritatis (128). E, na verdade, melhor crer em Santo Agostinho do que em Aristteles. Com o primeiro est, igualmente, So Paulo (129), que diz: Caritas non querit quae sua sunt (130), antepondo as coisas comuns s prprias e no as prprias s comuns. Na unio dos monges, observa-se o mesmo: no possuindo nada de prprio, o monge ama a comunidade como o p a todo o corpo; e, se algo possui, como um membro amputado ou um p cortado, s se preocupando com o que seu. O mesmo acontece na repblica romana: quando os cidados eram pobres e a repblica rica, todos queriam morrer pela ptria; quando, porm, os cidados ficaram ricos, cada qual tornou-se capaz de matar a prpria ptria em benefcio prprio. Aduz o Apstolo o exemplo dos membros e do corpo, o mesmo ensinando Ambrsio e Crisstomo. Por conseguinte, o amor, na comunidade, no seria como uma gota de mel em muita gua, mas como um pequeno fogo, em muita estopa. Porque o amor uma das primalidades e, por natureza, difusivo como o fogo. S se feliz, na sociedade de muitos, pela fama, pela difuso do nome, pela memria e pelo maior nmero de auxlios que se recebem.
Separadamente, embora filho de um s, cada um pode ser amado por todos os que formam um s na caridade. E assim que o tio, por se considerar de uma mesma famlia, ama os sobrinhos, embora estes no tenham sido gerados por ele. E quanto ao papa e aos cardeais, quem no v quanto amam os sobrinhos e consangneos, que eles no geraram? Amamos os amigos e os filhos dos amigos, do mesmo modo que os velhos, nos mosteiros, amam os novios, sobretudo os virtuosos, desprezando os inimigos da caridade.
A fisionomia engana, pois nem sempre os filhos se parecem com o pai, mas muitas vezes com os estranhos. De pouco obstculo seria, alis, essa pequena propenso em nossa repblica, onde tudo ordenado segundo a lei da natureza e do mrito. Jac tambm amou mais Jos, assim como outros amaram mais a outros Isso no prejudicaria a comunidade nem a caridade. Os filhos, na comunidade, no conjuraro entre si, pois vivem todos sob a mesma disciplina. As santas mulheres dos patriarcas, como Raquel e Lia, consideravam tambm seus os filhos das criadas. Aristteles, porm, no conhece tal caridade.
Segunda objeo. Nega-se a conseqncia, quando o todo governado segundo as regras e a cincia dos mdicos, das matronas e da astrologia. Pela posio do cu, segundo So Tomaz (Polit. 5, lect. 13), conhecem-se as inclinaes morais que ela origina. Os nossos solares considerariam ilcita a unio por mero prazer e por sanidade, casos nos quais providenciaram de outra forma. Quanto s rixas, veja-se o texto.
Terceira objeo. Como todos so membros de um mesmo corpo, consideram-se os jovens menores como filhos, sabendo todos perpetuar-se melhor na comunidade que nos filhos prprios. Alm disso, como todos ensinam, viver a fama que nos proporcionada pelas boas obras prefervel a viver a que temos nos filhos. Com efeito, os filsofos conquistam filhos com o smen de sua doutrina e no com o smen carnal. E nem os piolhos, por nascerem em ns, so nossos filhos. Nem os verdadeiros filhos de Abrao so, agora, os judeus, mas os cristos. Buscamos a eternidade em Deus e na repblica uma vida feliz, como ensina Ambrsio. Nem os animais conhecem os filhos depois de crescidos, o que no se d diretamente, mas s indiretamente, por natureza.
Quarta objeo. Digamos, com Caetano e So Tomaz, que s incesto contra a natureza o que cometido pela me, e ns o evitamos na repblica; com as irms, apenas legal, e, onde no h essa lei, no h incesto nem adultrio algum. Porque o adultrio ou natural ou legal: o natural, como ensina Santo Ambrsio no 5 Hex., cap. 3, se observa entre animais de espcie diferente, o burro e a gua por exemplo; o legal se verifica quando algum se serve da mulher de outrem, coisa que a lei probe, exceto em nossa repblica, onde essa lei no existe: h geradores pblicos, mais teis para essa funo, no havendo, portanto, adultrio, nem prole adulterina, nem unio ilegal. Assim, entre os monges, no pratica um furto quem come po, porque todas as coisas so comuns. O adultrio no consiste na sensualidade; seria, porm, adltero o marido que se servisse de mulher alheia somente por prazer. No entanto, agora, a lei a torna sua e s prejudicaria a repblica quem dela se servisse contra a regra, do mesmo modo que rouba os bens do mosteiro o monge que usurpa as coisas comuns sem permisso. Mas, dir-se-, So Tomaz ensina tambm que todos os preceitos do Declogo so preceitos naturais. Responde-se, instituda a diviso: que o fruto no existe sem estar estabelecida a diviso dos bens. Outros doutores, no todos, sustentam que aqueles preceitos so de direito natural. Na nossa repblica, porm, no h diviso de propriedade, mas somente de uso, com o fim de manter o engenho e a fora dos cidados. No se, reconhece, pois, que a fornicao seja pecado s pela natureza das coisas, e nem na Repblica do Sol h fornicao, uma vez que h a comunidade. Quanto s demais torpezas, o cime e os conflitos, no podem verificar-se onde se regulam as coisas segundo uma lei e uma disciplina agradvel a todos. E nada do que prprio dos animais e de certos hereges existe aqui. Veja-se o texto.

Quinta objeo. Se fosse de direito natural ter uma s mulher, o prprio Deus no nos poderia conced-la, segundo So Tomaz. Mas, Jac toma duas irms, Davi cinco mulheres, Salomo (159) setecentas, e quase todos os patriarcas tiveram mais mulheres. E no se veja nisso nenhuma licena, embora assim se costume julgar, pois claro que a pluralidade das mulheres no contra a natureza. Todos os animais, exceto talvez a rola e o pombo, que se une somente irm, conjugam-se com mais fmeas. E, nessa repblica, que se governa com as leis naturais, e no com as reveladas, isso no podia ser conhecido. Ao contrrio, a natureza ensina que quem no gera com uma deve unir-se a outra: foi o que Sara pediu a Abrao, desde que no houvesse revelao contrria, sendo que Lia e Raquel deram ao marido as prprias criadas. E como podero os solares saber se isso contra a natureza, quando nem os homens nem os animais podem descobri-lo? Alm disso, os nossos cidados no possuem nem uma nem muitas, mas cada qual, na poca prescrita para a gerao, se aproxima daquela que a lei lhe destina para o bem da repblica. E no geram para si, mas para a repblica: nem mesmo ns, pois o pai, entre ns, no tem sobre o filho tanto poder quanto a repblica, de vez que a parte pelo todo e no o todo pela parte. Se, portanto, o todo cuida da totalidade na repblica solar, sem confi-la aos particulares, isso d bons resultados. O marido que se une mulher por lascvia, quando lhe apraz, produz uma prole imbecil e degenerada. Preocupamo-nos em possuir uma tima gerao nos nossos cavalos, no para a nossa espcie. O prprio Aristteles considera contra a natureza o cruzamento que se verifica quando algum, de nimo servil, procura ligar-se a mulheres generosas, e de fato a estas se une como bem lhe parece. E So Crisstomo, no livro do sacerdcio, reprova, de modo figurado, o bispo ignorante que se une Igreja generosa.
Disse o Senhor: Erunt duo in carne una. uma verdade e o que se observa em nossa repblica, pois Deus no ensinou, com isso, que ningum no devesse unir-se seno a uma. Do contrrio, nem Jac teria tomado simultaneamente duas mulheres, nem, morta uma, lhe seria lcito tomar outra. Assim, pois, quando de dois se faz uma carne, para que da mistura dos semens nasa uma prole. E Santo Ambrsio diz, com So Paulo, que no teria conhecido esse pecado se a lei no o ordenasse.
Sexta objeo. A heresia dos nicolaitas consistia em que itiam ser lcito a cada um unir-se a cada uma como bem lhe parecesse, o que contrrio ao direito natural e impede a gerao, como j se disse. Na repblica solar, porm, a unio obedece s regras da filosofia e da astrologia, de forma to ordenada que a gerao resulte melhor e mais numerosa. , pois, uma unio conforme natureza, s se tornando heresia depois de condenada pela Igreja. Hortnsio, ou Cato, homem sapientssimo e doutssimo, emprestou a prpria mulher a Bruto para ter prole dela, como se aquele rgido estico, assim procedendo, quisesse ensinar que isso estava de acordo cem a ordem natural. Como , ento, que os habitantes solares, orientados apenas pelas luzes naturais, podem saber que, a no ser a nossa forma de matrimnio, todas as outras constituem pecado, quando os prprios hebreus e os romanos itiram o divrcio, os filsofos reconheceram a permuta, e Scrates e Plato assim nos ensinaram? Aristteles no os censura por se afastarem do direito natural, mas porque isso no lhe parece til; ao contrrio, ele informa que algumas naes viveram dessa maneira. Concedo, pois, que se trate, agora, de uma heresia na Igreja crist, mas sustento que no basta a guia da natureza para se reconhecer nisso um mal, quando no se procede de modo bestial ou como os nicolaitas. Afirma So Tomaz que o matrimnio contra a natureza quando no favorece a prole e a sociedade. Ora, em nossa repblica, ao contrrio, a unio sumamente favorvel a ambas.
Os argumentos aduzidos por Aristteles contra a comunidade, segundo os quais esta suprflua, como se algum pretendesse mostrar-se por um s p, ou tirar harmonia de uma s corda, so argumentos pueris e contrrios caridade e repblica dos monges e dos apstolos, que, nesse caso, deviam ser condenados, pois tinham um s corao e uma s alma, e no diziam que qualquer coisa fosse prpria, mas que possuam todas as coisas em comum.
Por conseguinte, essa unidade no destri a. pluralidade, mas a fortifica pela unio, no j de um s homem, mas de todos os estados e condies. o que no obtm Aristteles em sua repblica. No de uma s corda, mas de vrias, que eles tiram a harmonia. Aristteles no estabelece seno a discrdia, quando compe a sua repblica de dois contrrios. Ns, ao contrrio, temos a unio como um carme, uma vez que todas as coisas concordam entre se, ao o que Aristteles no faz seno compor o seu carme de dois ps contrrios e discordes, como se mostrou no exame da sua repblica. A nossa , pois, totalmente apostlica, quando estabelece a comunidade, no por prazer, mas por obsquio, como se v em nosso dilogo.


NOTAS 5c5j2z



(1) "A Filosofia Demonstrada pelos Sentidos".

(2) "Prdromo da Filosofia em Instaurao".

(3) "Os Dogmas da Filosofia. Universal".

(4)."As Quatro Partes da Filosofia Real".

(5) Thomas More (1478-1535). Nascido em Londres. Grande chanceler da Inglaterra sob o reinado de Henrique VIII. Autor da Utopia romance poltico e social. Morreu decapitado por no ter continuado fiel ao catolicismo e no ter querido reconhecer o poder espiritual do rei. Beatificado em 1886.

(6) Plato (429.348 a. C.). Clebre filsofo grego, nascido em Atenas. Discpulo de Scrates, fundou a escola acadmica. Exps suas doutrinas nos Dilogos, que trazem os nomes dos mais ilustres interlocutores: Pedro, Protgoras, Timeu, etc. Escreveu vrias obras sobre questes polticas e sociais, destacando-se a Repblica.

(7) Ordem religiosa baseada no servio hospitalar.

(8) Ilha do mar das ndias, hoje Ceilo.

(9) Clebre gemetra, morto na tomada de Siracusa pelos romanos.

(10) Famoso matemtico de Alexandria.

(11) Fantstica ave da Arbia, da qual, segundo a lenda, s existia um exemplar. Tinha o pescoo dourado, o corpo vermelho e a cauda azul e rsea. Ao atingir 500 anos, impregnava a mata de aromas, deixava-se queimar pelo sol e ressurgia.

(12) Profeta, general e legislador dos hebreus. Autor dos cinco primeiros livros (Pentateuco) da Bblia: Gnese, xodo, Levtico, Nmeros e Deuteronmio.

(13) Divindade egpcia.

(14) Pai dos deuses, senhor do Olimpo.

(15) Deus dos viajantes, dos ladres e dos mercadores.

(16) Legislador espartano.

(17) Segundo dos sete reis de Roma: Rmulo, Numa Pomplio, Tulo Hostilio, Anco Mrcio, Tarquinio Prisco, Srvio Tlio e Lcio Tarquinio (o Soberbo).

(18) Filsofo grego, nascido em Samos, no ano 580 a. C. itia a imortalidade e a responsabilidade da alma, o nmero como fundamento das coisas, a Terra no centro do universo, etc. Morreu em Metaponto, mais ou menos no ano 500 a. C.

(19) Escritor e legislador ateniense do VI sculo.

(20) Legislador de Trio.

(21) Filho de naco, rei de Argos.

(22) Maom (570-632). Profeta rabe, fundador do islamismo (doutrina da "salvao"). Autor do Coro, cujo dogma a crena num deus nico, do qual Maom o profeta. Toda a moral maometana procura basear-se nas leis naturais.

(23) Csar, Caio Jlio (100.44 a. C.). Grande escritor, general e ditador romano. Autor dos Comentrios sobre a Guerra Glica. Morreu assassinado no Senado.

(24) Alexandre Magno, filho de Felipe e rei da Macednia.

(25) Rei do Epiro (hoje, Albnia), clebre por suas guerras contra os romanos.

(26) Famoso general cartagins.

(27) Clebre filsofo, discpulo de Plato e mestre de Alexandre da Macednia.

(28) Santo Agostinho, (356-430). Grande padre da Igreja romana. Autor de numerosas obras: As Confisses, A Cidade de Deus, etc.

(29) 0 primeiro dos doze signos do Zodaco: ries (Carneiro), Taurus. (Touro), Gemini (Gmeos), Cncer (Caranguejo), Leo (Leo), Virgo (Virgem), Libra (Balana), Scorpio (Escorpio), Sagittarius (Sagitrio), Capricornius (Capricrnio), Aquarius (Aqurio) e Pisces (Peixes).

(30) Manfredo (1232-1266). Filho de Frederico II. Rei de Npoles e da Siclia. Combatendo contra Carlos d 'Anjou, morreu na batalha de Benevento.

(31) So Tomas de Aquino (1225-1274). Doutor da Igreja, fundador do tomismo. Autor da Summa Theologica, enciclopdia filosfica na qual sustenta o primado da inteligncia sobre a vontade, em oposio a Duns Scot

(32) Bispo e mrtir, da Igreja.

(33) Scrates (469-339 a.C.). Fundador da filosofia. No deixou obras, encontrando-se sua doutrina nas obras dos discpulos, sobretudo Plato.

(34) Escritor eclesistico, natural de Cartago.

(35) Cato, M. Prcio (239-149 a.C.). Poltico e escritor romano.

(36) Sectrios do heresiarca Nicolau.

(37) Filsofo do Lcio.

(38) Povo constitudo exclusivamente de mulheres da Capadcia e da Ctia. Participavam da guerra e, para o porte das armas, cortavam o seio direito. Segundo Amiano Marcelino, foram as amazonas as primeiras a utilizar os cavalos nas campanhas guerreiras.

(39) Sectrios do bramanismo, religio da ndia, baseada na diviso em castas e na transmigrao da alma. Brama, Visnu e Siva constituem a trindade divina.

(40) Seguidores da escola de Pitgoras, segundo a qual o nmero o princpio essencial de todas as coisas.

(41) Capito dos hebreus, sucessor de Moiss.

(42) Rei dos hebreus.

(43) Judeus descendentes de Macabeu, martirizados ao tempo de Antoco Epfano.

(44) Sobrenome de um ramo da famlia Cornlia, cujos membros mais famosos foram Pblio Cornlio Cipio (o Africano) e Cipio Emiliano, vencedores dos cartagineses.

(45) Pagos.

(46) Deus dos exrcitos.

(47) Rei da Tesslia, filho de Peleu e da deusa Tetis. Conta a lenda que sua me, para torn-lo invulnervel, mergulhou-o no rio Styx, segurando-o pelo calcanhar, que ficou sendo, assim, o nico ponto vulnervel de Aquiles. Com efeito, foi morto por Paris, que lhe lanou uma seta no calcanhar, vindo dai a expresso calcanhar de Aquiles.

(48) Rei da Ligria, que chorou tanto a desgraa do seu amigo Paetonte, morto por Jpiter, que se transformou num cisne.

(49) Ramo da raa monglica.

(50) Poema relativo agricultura.

(51) Quarto planeta do sistema solar e o mais prximo da Terra.

(52) 0 mais brilhante dos planetas, situado entre Saturno e Marte.

(53) Constelao boreal.

(54) Poema pastoril.

(55) Heri, filho de Jpiter e de Alemena, celebrado por sua fora e por seus doze extraordinrios trabalhos.

(56) Duns Scot (1274-1308). Telogo ingls, cognominado o Doutor Sutil Adversrio de So Tomas de Aquino. Foi um dos mais brilhantes intrpretes da filosofia escolstica. Defensor do "realismo".

(57) Poeta elegaco, de Cirena, morador de Alexandria ao tempo de Tolomeu Piladelfo.

(58) Lei mosaica cujo princpio : olho por olho, dente por dente.

(59) Supremo sacerdote dos hebreus, irmo de Moiss.

(60) Cludio Tolomeu, astrnomo grego. Viveu mais ou menos no ano 160 a. C., em Alexandria. O seu sistema, segundo o qual a Terra era fixa, foi seguido at Coprnico

(61) Astrnomo polaco (1473-1543). Autor do livro sobre a rotao dos astros em torno do Sol.

(62) Aristarco de Samos, astrnomo do III sculo a.C. Foi o primeiro a afirmar que a Terra gira em torno do seu eixo e em torno do Sol. Por essa opinio foi acusado de perturbar o sono dos deuses.

(63) Filsofo pitagrico do V sculo a. C., nascido em Crotona. Discpulo de Arquita.

(64) Culto de latria, adorao.

(65) Nome do primeiro homem, pai da espcie humana.

(66) Deus da agricultura, pai de Jpiter.

(67) Descobridor da Amrica (1492), nascido em Gnova. Divergem os autores sobre a data do seu nascimento, de 1436 a 1456. Morreu no dia 20 do maio de 1506, em Valladolid.

(68) Constelao situada. no crculo polar rtico, entre as do Cefeu e de Andrmena.

(69) Primeiro rei dos medos.

(70) Agtocles (361-289 a. C.). Rei de Siracusa, inimigo feroz dos cartagineses. Morreu envenenado.

(71) Filho de Tibrio. Morreu envenenado pela mulher, no ano 23 d. C.

(72) Rei da Macednia (413-400 a. C.).

(73) Tycho Brahe, astrnomo dinamarqus (1546.1601). Criador de um sistema astronmico diferente dos de Tolemeu e de Coprnico. Cometeu o erro de tomar a srio as quimeras astrolgicas. Foi mestre de Kepler, a quem suas observaes permitiram a formulao das famosas leis que lhe imortalizaram o nome.

(74) Bispo e santo da Igreja.

(75) Escritor eclesistico do II e III sculos, nascido na Grcia. Suas doutrinas foram condenadas como herticas pelo conclio de Constantinopla.

(76) Primeiro verso do Orlando Furioso, poema de Ludovico Ariosto (1474-1532). Traduo: "As mulheres, os cavaleiros, as armas, os amores."

(77) Nome antigo da Hungria.

(78) Muulmanos descendentes de Maom.

(79) Adeptos do sofismo (doutrina dos msticos do Islam).

(80) John Wiclef, morto em 1384. Reformador religioso ingls.

(81) Joo Huss (1369-1415). Precursor da Reforma. Por ter adotado as doutrinas de Wiclef, foi excomungado por Alexandre V e depois queimado vivo por deciso do concilio de Constana.

(82) Lutero, Martinho (1483-1546). Nascido em Eisleben. Iniciou sua reforma em 1517, em Wittenberg, tendo conseguido separar grande parte da Alemanha da Igreja catlica.

(83) Ordem de frades franciscanos, instituda por S. Francisco de Paula, em 1435.

(84) Frades da ordem de So Francisco, segundo a regra restabelecida cm 1528.

(85) Ordem de frades, instituda em 1534 por Santo Incio de Loiola, com o fim de sustentar a autoridade da Igreja catlica contra os protestantes.

(86) Fernando Cortez, grande navegante espanhol, nascido cm 1485.

(87) Luciano, retrico samosatense, autor do Dilogo dos Mortos. To satrico que no perdoava aos prprios deuses. Foi por isso considerado mpio e ateu.

(88) "Se supomos que no temos pecado, iludimo-nos a ns mesmos."

(89) Galileu Galilei (1564-1642). Nascido em Pisa. Astrnomo, matemtico, filsofo, naturalista. Continuador de Coprnico.

(90) Santo da Igreja. Tradutor da Bblia.

(91) Juliano, o Apstata. Imperador romano que renegou a religio crist. Morreu em combate, no ano 363 a. C.

(92) Santo Ambrsio (340-397). Bispo de Milo, doutor da Igreja romana.

(93) Minos, filho de Zeus. Rei de Creta, conta a lenda que suas leis eram sugeridas pelo prprio Jpiter. O labirinto de Minos era uma construo complicada, com uma corte central e muitos corredores, quartos, prticos, escadas. A disposio dos quartos fez com que se dissesse que no era possvel sair do labirinto sem guia.

(94) Primeiro rei e fundador de Roma.

(95) Autor do um evangelho.

(96) Idem.

(97) Um dos generais de Alexandre Magno.

(98) Um dos primeiros padres da Igreja, tradutor da Bblia.

(99) Sectrios da doutrina que concebe e representa a divindade com a forma e os atributos humanos.

(100) Srie das instituies monsticas.

(101) Conclio de Constana, convocado em 1414. Decidiu que Joo Huss fosse queimado vivo por defender as doutrinas de Wiclef.

(102) Reddite ergo quae sunt Caesaris Caesari et quae sunt Dei, Deo: "Dai a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus."

(103) Fundador do direito cannico. Procurou conciliar as leis do foro eclesistico com as do secular. O Decreto Gratiani, ou Concordia Discordantium Canonum, foi publicado entre 1140 e 1150.

(104) Bispo e escritor do sculo VI.

(105) Santo e escritor cristo.

(106) Capital da Sria.

(107) "Ningum diga que possui, pois tudo recebemos de Deus: as palavras essa e teu so imposturas."

(108) Titulo de um Dilogo no qual Plato discute a transmigrao das almas.

(109) "Se tirares os dois pronomes das nossas coisas, cessaro as guerras e reinar a paz sem conflitos."

(110) Pblio Ovdio Naso (43 a. C. - 17 . C.), nascido em Sulmona. Autor das Metamorfoses, da Arte de Amar, dos Fastos, etc.

(111) "Nosso Senhor quis que esta terra fosse propriedade comum do todos os homens; mas, a avareza dividiu os direitos de posse."

(112) Descendentes de Levi, aos quais foi confiado o servio divino. Agruparam-se, ao tempo de Dav, como cantores, diconos, porteiros, guardas do templo, escribas.

(113) "0 direito natural aquele que a natureza ensina a todos os animais."

(114) "Por iniqidade, sendo o direito das gentes contrrio ao direito natural."

(115) Frades da ordem de So Francisco de Assis, fundada cm 1215 e confirmada em 1223.

(116) Um dos padres da igreja grega.

(117) Cidade do Lcio.

(118) Caio Crispo Salstio (86-35 a. C.), nascido em Amiterno. Autor das monografias sobre a conspirao de Catilina e a guerra de Jugurta.

(119) Panormita (1394.1471). Antno de Palermo, o Panormita. Escritor italiano.

(120) "Sero dois num s corpo."

(121) "Os cnjuges, cegando a doutrina dos apstolos, devem ser comuns."

(122) "Comuns quanto ao obsquio, no quanto ao tlamo."

(123) Cludio Galeno (130-200). Clebre mdico de Prgamo, na sia. Em Roma, foi mdico da corte imperial. Escreveu a Arte Mdica.

(124) Hereges que, na primeira idade do cristianismo, se atribuam o conhecimento das coisas divinas, tendendo a um pantesmo platnico.

(125) Filsofo e poeta trgico, mestre de Nero. Condenado morte por ter participado de uma conspirao, preferiu cortar as veias no banho.

(126) Patriarca dos hebreus. Em hebraico, esse nome significa pai de prole numerosa.

(127) Terceiro patriarca dos hebreus, filho de Isaac.

(128) "Abolir a propriedade aumentar a caridade".

(129) 0 mais ilustre dos apstolos escolhidos por Cristo para pregar o Evangelho.

(130) "A caridade no cogita do que seu".
Desde 1995 dhnet-br.informativomineiro.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim