3d2c8 A CIDADE DO SOL 6f165t
Tommaso
Camla 4g2r1
NDICE 1m3y2a
NOTCIA BIOGRFICA 3a543r
INTERLOCUTORES 41504n
QUESTES SOBRE A TIMA REPBLICA 3b1ec
ARTIGO PRIMEIRO 2z3e48
ARTIGO SEGUNDO 42492z
ARTIGO TERCEIRO 463z3x
NOTAS 5c5j2z
NOTCIA BIOGRFICA 3a543r
Tommaso Camla nasceu em Stilo,
no dia 5 de Setembro de 1568. Ainda muito jovem, j se revelava
em seu esprito o pendor para a filosofia. Seu pai,
contrariando-lhe a vocao, quis fazer dele um jurista, ao que
Camla se ops tenazmente. Sua primeira obra foi a
Philosophia Sensibus Demonstrata (1),
que lhe valeu a acusao de heresia. Tendo deixado o convento em
que iniciara os estudos, empreendeu uma viagem pela Itlia, atravs
da qual ficou conhecendo os homens mais ilustres do seu tempo.
Voltando a Stilo e sempre preocupado
em operar uma reforma que servisse para enfraquecer o domnio da
autoridade, Camla iniciou sua atividade poltica tentando
organizar uma conspirao contra o despotismo espanhol. Isso o
levou ao crcere, onde permaneceu vinte e sete anos. Libertado em
1626, seguiu para Roma, onde foi bem recebido pelo papa Urbano
VIII. Logo, porm, tornou-se alvo de novos ataques e, perseguido,
foi obrigado a fugir para a Frana. Morreu em Paris, em 1639.
Mrtir do livre pensamento,
Camla ocupa, tambm como filsofo, um lugar importante
entre os grandes homens de sua poca. Suas obras, quer o
Prodromus Philosophiae Instaurandae (2),
quer os Dogmata Universalis Philosophiae (3).,
quer a Realis Philosophiae Partes Quatuor (4),
oferecem aspectos doutrinrios que, embora discutveis, no
deixam de ser extremamente interessantes.
A Cidade do Sol a mais popular
das obras de Camla. Essencialmente idealista, est no mesmo
plano da Utopia, de Thomas More (5),
e da Repblica, de Plato (6).
Sem entrar na apreciao do sistema proposto por Camla,
foroso reconhecer em A Cidade do Sol uma das obras-primas da
literatura universal.
INTERLOCUTORES 41504n
O Gro-Mestre dos Hospitalrios (7)
e um Almirante genovs, seu hspede.
Gro-mestre - Vamos, peo-lhe,
conte finalmente o que lhe aconteceu durante essa viagem.
Almirante.- J lhe disse como fiz a
volta da terra e, por fim, perto da Taprobana (8),
como fui constrangido a desembarcar e, com receio dos habitantes,
a embrenhar-me numa floresta, de onde s sai, depois de muito
tempo, para alcanar uma extensa plancie sob a linha do
equador.
G.-M. - E que lhe sucedeu, ento?
ALM. - Subitamente, encontramos um
numeroso grupo de homens e mulheres, todos armados, alguns
conhecendo nossa lngua, que logo nos fizeram companhia e nos
levaram Cidade do Sol.
G.-M. - Pode dizer-me como
construda essa cidade e qual a sua forma de governo?
ALM. - A maior parte da cidade est
situada sobre uma alta colina que se eleva no meio de vastssima
plancie. Mas, as suas mltiplas circunferncias se estendem
num longo trecho, alm das faldas do morro, de forma que o dimetro
da cidade ocupa mais de duas milhas, por sete do recinto total.
Mas, achando-se sobre uma elevao, apresenta ela uma capacidade
bem maior do que se estivesse situada numa plancie
ininterrompida. Divide-se em sete crculos e recintos
particularmente designados com os nomes dos sete planetas. Cada crculo
se comunica com o outro por quatro diferentes caminhos, que
terminam por quatro portas, voltadas todas para os quatro pontos
cardeais da terra. A cidade foi construda de tal forma que, se
algum, em combate, ganhasse o primeiro recinto, precisaria do
dobro das foras para superar o segundo, do triplo para o
terceiro, e, assim, num contnuo multiplicar de esforos e de
trabalhos, para transpor os seguintes. Por essa razo, quem se
propusesse expugn-la precisaria recomear sete vezes a empresa.
Considero, porm, humanamente impossvel conquistar apenas o
primeiro recinto, de tal maneira ele extenso, munido de
terraplenos e guarnecido de defesas de toda sorte, torres, fossas
e mquinas guerreiras. Assim que, tendo eu entrado pela porta
que d para o setentrio (toda coberta de ferro e fabricada de
modo que pode ser levantada e abaixada, fechando-se com toda a
facilidade e com plena segurana, graas arte maravilhosa com
que as suas engrenagens se adaptam s aberturas dos possantes
umbrais), o que primeiro me despertou a ateno foi o intervalo
formado por uma plancie de setenta os de extenso e situada
entre a primeira e a segunda muralhas. Distinguem-se, da, os
grandiosos palcios que, de to unidos uns aos outros, ao longo
da muralha do segundo crculo, parecem mais um s edifcio. A
meia altura desses palcios, vem-se surgir, de fora para dentro
do crculo, vrias arcadas com galerias superiores, sustentadas
por elegantes colunas e circundando quase toda a parte inferior do
prtico, maneira dos peristilos ou dos claustros religiosos.
Em baixo, alm disso, s esto encravados na parte cncava das
muralhas, e caminhando no plano que se penetra nos
compartimentos inferiores, ao o que, para alcanar os
superiores, devem subir-se umas escadas de mrmore que conduzem
s galerias internas, chegando-se ento s partes mais altas e
mais belas dos edifcios, as quais recebem luz pelas janelas
existentes tanto na parte cncava como na convexa das muralhas,
estupendas por sua sutileza. Cada muralha convexa, isto , a sua
parte externa, tem uma espessura de cerca de oito palmos, por trs
somente da parte cncava, ou seja a sua parte interna, enquanto
os tabiques tm apenas um, ou pouco mais. Atravessada a primeira
plancie, chega-se segunda, mais estreita uns trs os, e
a se descobre a primeira muralha do segundo crculo, igualmente
guarnecido de palcios que, como os do primeiro crculo, possuem
galerias em baixo e em cima, havendo na parte interior outra
muralha interna que circunda os palcios e tem em baixo sacadas e
peristilos sustentados por colunas, sendo que em cima, onde se
acham as portas das casas superiores, apresenta preciosas
pinturas. E assim, por esses crculos e duplas muralhas que
cercam os palcios, ornados de galerias sustentadas por colunas,
chega-se ltima parte da cidade, sempre caminhando no plano. S
quando se entra pelas portas duplas dos vrios circuitos, uma na
muralha interna e a outra na externa, que se sobem uns degraus
de tal forma construdos que mal se sente a subida, pois esto
colocados obliquamente e muito pouco mais elevados uns do que os
outros. No cimo do monte, encontra-se, ento, uma espaosa plancie,
em cujo centro se ergue um templo de maravilhosa construo.
G.-M. - Continue, vamos,
suplico-lhe, continue.
ALM. - O templo todo redondo e no
est encerrado entre as muralhas, mas apoiado em macias e
elegantes colunas. A abbada principal, obra irvel, ocupando
o centro ou o plo do templo, compreende uma outra, mais elevada
e de menores dimenses, que apresenta no meio uma abertura,
diretamente voltada para cima do nico altar, situado no meio do
templo e todo cercado de colunas. A capacidade do templo para
mais de trezentos e cinqenta os. Por fora dos capitis das
colunas e apoiando-se nestas, erguem-se outras arcadas de cerca de
oito os de extenso, sustentadas externamente por outras
colunas, s quais adere, em baixo, uma grossa muralha de trs
os de altura. Dessa forma, as colunas do templo, e as que
sustentam a arcada externa formam, no seu intervalo, as galerias
inferiores, de magnfico pavimento. Interiormente, a pequena
muralha freqentemente interrompida por portas e, de espao a
espao, se vem bancos fixos, alm dos numerosos e elegantes
bancos portteis que se encontram entre as colunas internas que
sustentam o templo. Em cima do altar, h dois globos: no maior
est pintado todo o cu, e no menor a terra. Na rea da abbada
principal, esto pintadas as estrelas celestes, da primeira
sexta grandeza, todas assinaladas com seus nomes, seguidos de trs
versculos que revelam a influncia que cada estrela exerce
sobre as vicissitudes terrenas. Os plos e os crculos maiores e
menores, segundo o seu aproximado horizonte, acham-se indicados,
mas no acabados no templo; de vez que em baixo no h muralha;
parecem, contudo, existir em sua inteireza, dada a relao com
os globos colocados em cima do altar. O pavimento ornado de
pedras preciosas, e sete lmpadas de ouro, cada qual com o nome
de um dos sete planetas, ardem continuamente. A pequena abbada
do vrtice do templo circundada por celas estreitas, mas
elegantes e, depois do espao plano existente sobre as arcadas
das colunas internas e externas, h outras celas espaosas e bem
mobiladas, habitadas por quarenta e nove sacerdotes e religiosos.
Uma bandeira mvel, indicando a direo dos ventos (dos quais
eles distinguem at ao nmero de trinta e seis), eleva-se acima
do ponto extremo da abbada menor, e assim conhecem a estao
que traro os ventos, as mudanas que se verificaro na terra e
no mar, mas unicamente sob o clima prprio. Sob a mesma bandeira,
observa-se um quadrante escrito com letras de ouro.
G.-M. - Homem generoso, explique-me
o modo por que se rege essa gente. Eu esperava, impaciente, por
esse ponto.
ALM. - O supremo regedor da cidade
um sacerdote que, na linguagem dos habitantes, tem o nome de
Hoh. Ns o chamaremos de Metafsico. Sua autoridade absoluta,
estando-lhe submetidos o temporal e o espiritual. Depois do seu juzo,
deve cessar qualquer controvrsia. incessantemente assistido
por trs chefes, chamados Pon, Sin e Mor, nomes que, entre ns,
eqivalem a Potncia, Sapincia e Amor.
A Sapincia tem o governo de tudo o
que se relaciona com a paz e a guerra, como de tudo o que se
relaciona com a arte militar. Esse trinviro no reconhece
superiores na istrao militar, exceto Hoh. Preside aos
magistrados militares, ao exrcito, competindo-lhe vigiar as munies,
as fortificaes, as construes, em suma, tudo quanto diz
respeito a tal gnero de coisas.
Sapincia compete a direo
das artes liberais, mecnicas, e de todas as cincias, bem como
a dos respectivos magistrados, dos doutores e das escolas de
instruo. Obedecem-lhe, pois, tantos magistrados quantas so
as cincias. H um magistrado que se chama Astrlogo, outros
Cosmgrafo, Aritmtico, Gemetra, Historigrafo, Poeta, Lgico,
Retrico, Gramtico, Mdico, Fisilogo, Poltico, Moralista,
havendo para eles um nico livro chamado Saber, no qual, com
maravilhosa conciso e clareza, esto inscritas todas as cincias.
Esse livro por eles lido ao povo segundo o mtodo dos pitagricos.
A Sapincia, alm disso, com ordem
irvel, fez adornar as muralhas externas e internas,
superiores e inferiores, com preciosssimas pinturas
representando todas as cincias. Nas muralhas externas do templo
e nas cortinas, que se abaixam quando o sacerdote faz o sermo,
para que a voz no se disperse, vem-se pintadas as estrelas com
suas virtudes, grandezas e movimentos, tudo explicado em trs
versculos especiais.
Na parede interna do primeiro crculo,
foram pintadas todas as figuras matemticas, muito mais numerosas
do que as descobertas por Arquimedes (9)
e Euclides (10)
e to grandes quanto o permitem as propores das paredes. Um
breve conceito, contido num verso, faz conhecer o significado de
cada uma, com definies, proposies, etc.
Na parede externa do mesmo crculo,
descobrem-se, primeiro, uma completa e extensa descrio de toda
a terra e, em seguida, as cartas particulares das provncias,
cujas cerimnias, costumes, leis, origens e foras dos
habitantes vm brevemente esclarecidos. Os alfabetos das diversas
naes aparecem, igualmente, ao lado do alfabeto da Cidade do
Sol.
No interior do segundo crculo, ou
seja das segundas casas, esto todos os gneros de pedras
preciosas e comuns, de minerais e metais, no s representados
por gravuras, mas tambm existindo em pedaos verdadeiros, cada
qual com explicaes especiais em dois versos. Na parte externa
desse crculo, aparecem indicados todos os mares, rios, lagoa e
fontes da terra, assim como os vinhos, leos e licores, com a sua
procedncia, qualidade e propriedades. Em cima das arcadas, h vrios
frascos ligados muralha, cheios de diferentes lquidos,
existentes de cem a trezentos anos, que servem como remdios para
diversas enfermidades. Alm disso, figuras especiais e versculos
do instrues sobre o granizo, a neve, os troves e tudo
quanto se forma na atmosfera. Os cidados solares conhecem tambm
a arte pela qual se podem reproduzir, dentro de uma habitao,
todos os fenmenos meteorolgicos, os ventos, as chuvas, o trovo,
o arco-ris, etc.
No interior do terceiro crculo,
encontram-se as gravuras de todos os gneros de plantas e ervas,
algumas das quais vivem dentro de vasos colocados sobre as arcadas
da parede externa. As declaraes que lhes vo anexas ensinam o
lugar da primeira descoberta, as suas foras, propriedades e relaes
com as coisas celestes, com as diferentes partes do organismo
humano, com as produes metlicas e marinhas, e tambm o uso
particular de cada uma em medicina, etc. Na parte externa, vem-se
os peixes de cada espcie, de rios, lagoa e mares, os seus hbitos,
qualidades, modos de gerao, de vida e de criao, o uso a
que o mundo e ns lhe fazemos servir, enfim, as suas relaes
com as coisas celestes e terrestres, produzidas pela natureza e
pela arte. Assim que no foi ageira a minha maravilha ao
descobrir os peixes Bispo, Cadeia, Couraa, Prego, Estrela e
outros, imagens perfeitas de coisas existentes entre ns. Vem-se
ainda ourios, conchas, ostras, etc. Finalmente, nesse crculo,
uma pintura e uma inscrio verdadeiramente irveis instruem
sobre tudo quanto o mundo queo encerra digno de ateno.
No interior do quarto crculo, esto
representadas todas as espcies de pssaros, suas qualidades,
grandezas, ndoles, costumes, cores e vida, e o que causa maior
irao descobrir, entre eles, a verdadeira Fnix (11).
A parte externa apresenta todos os gneros de animais, rpteis,
serpentes, drages, vermes, insetos, moscas, mosquitos, taves,
escaravelhos, etc., com suas particulares propriedades, distines
e usos, e numa abundncia apenas acreditvel.
No interior do quinto crculo,
aparecem todos os gneros de animais terrestres mais perfeitos,
num nmero portentoso. No conhecemos seno a milsima parte
deles; sendo muito grandes, no poucos foram pintados na parte
externa do mesmo crculo. E, agora, quantas coisas poderia eu
contar! quantas espcies de cavalos! quanta beleza de figuras!
No interior do sexto crculo,
encontram-se pintadas todas as artes mecnicas e os seus
instrumentos, e como as usam as diversas naes, cada uma
ordenada e explicada segundo o prprio valor, e trazendo tambm
o nome do inventor respectivo. Na parte externa, esto
representados todos os homens mais eminentes nas cincias, nas
armas e na legislao. Vi Moiss (12),
Osiris (13), Jpiter
(14), Mercrio (15),
Licurgo (16),
Pomplio (17),
Pitgoras (18),
Zamolhim, Slon (19),
Caronda (20),
Foroneu (21) e
muitissimos outros. Quem mais? O prprio Maom (22)
foi representado, embora o reputem um legislador falaz e
desonesto. Vi a imagem de Jesus Cristo colocada num lugar eminentssimo,
juntamente com as dos doze apstolos, por eles altamente
venerados e julgados superiores aos homens. Debaixo dos prticos
externos, vi representados Csar (23),
Alexandre (24),
Pirro (25),
Anibal (26), e
outras celebridades, quase todos cidados romanos, ilustres na
paz e na guerra. Como eu perguntasse, maravilhado, como conheciam
a nossa histria, responderam-me que cultivavam todas as lnguas,
que costumavam enviar exploradores e embaixadores a toda parte da
terra para aprender os costumes, as foras, o governo, a histria,
os bens e os males de todos os pases, e que os habitantes
solares so muito desejosos de tais instrues. E eu soube que,
antes de ns, foram os chineses que descobriram a plvora e a
imprensa. H professores que explicam essas gravuras, habituando
as crianas com menos de dez anos a aprender sem fadiga, como uma
espcie de divertimento, todas as cincias, mas tudo pelo mtodo
histrico.
O terceiro trinviro o Amor, que
tem o primeiro papel no que diz respeito gerao. Sua
principal funo que a unio amorosa se realize entre indivduos
de tal modo organizados, que possam produzir uma excelente prole.
Escarnecem de ns por nos esforarmos pelo melhoramento das raas
dos ces e dos cavalos, e nos descuidarmos totalmente da dos
homens. Ao seu governo est submetida a educao das crianas,
a arte da farmcia, como tambm a semeadura e a colheita dos
cereais e das frutas, a agricultura, a pecuria e a preparao
das mesas e dos alimentos. Em suma, o Amor regula tudo quanto se
refere alimentao, ao vesturio e gerao, como tambm
os numerosos mestres e mestras incumbidos desses misteres.
Esses trs tratam de todas essas
coisas em colaborao com o Metafsico, sem o qual nada se faz.
E assim a repblica governada por quatro, mas, em geral, onde
propende a vontade do Metafsico, inclina-se a dos outros.
G.-M. - Mas, diga-me, amigo: os
magistrados, as reparties, os cargos, a educao, todo o
modo de viver mesmo o de uma verdadeira repblica, ou o de uma
monarquia ou de uma aristocracia?
ALM. - Aquele povo ali se encontra
vindo da ndia, por ele abandonada para livrar-se da desumanidade
dos magos, dos ladres e dos tiranos, que atormentavam aquele pas.
Todos determinaram, ento, comear uma vida filosfica, pondo
todas as coisas em comum. E, se bem que em seu pas natal no
esteja em voga a comunidade das mulheres, eles a adotaram
unicamente pelo princpio estabelecido de que tudo devia ser
comum e que s a deciso do magistrado devia regular a igual
distribuio. As cincias e, em seguida, as dignidades e os
prazeres so comuns, de forma que ningum pode apropriar-se da
parte que cabe aos outros.
Dizem eles que toda espcie de
propriedade tem sua origem e fora na posse separada e individual
das casas, dos filhos, das mulheres. Isso produz o amor-prprio,
e cada um trata de enriquecer e aumentar os herdeiros, de maneira
que, se poderoso e temido, defrauda o interesse pblico, e, se
fraco, se torna avarento, intrigante e hipcrita. Ao contrrio,
perdido o amor-prprio, fica sempre o amor da comunidade.
G.-M. - Ento, ningum ter
vontade de trabalhar, esperando que os outros trabalhem para o seu
sustento, de acordo com a objeo de Aristteles (27)
a Plato.
ALM. - No me constou que isso
desse motivo para divergncias, mas posso afirmar-lhe que mal se
pode imaginar a imensidade do amor que aquele povo nutre pela ptria,
revelando-se nisso superior aos antigos romanos, que
espontaneamente se ofereciam em holocausto pela salvao comum E
assim devia ser, porque o amor coisa pblica aumenta na medida
em que se renuncia ao interesse particular. Acredito, pois, que,
se os nossos monges e clrigos no estivessem viciados por
excessiva benevolncia para com os parentes e os amigos, e se
mostrassem menos rodos pela ambio de honras cada vez mais
elevadas, teriam, com menor afeio pela propriedade adquirida,
louvores de mais bela santidade, e, semelhantes aos apstolos e a
muitos dos tempos presentes, apareceriam ao mundo como exemplos da
caridade mais sublime.
G.-M. - Isso j o disse Santo
Agostinho (28).
Mas, por favor, diga-me uma coisa: os habitantes solares, no
podendo, permutar benefcios entre si, conhecero a amizade?
ALM. - Sim, e grandemente
sentida. por isso que, embora ningum possa receber favores
particulares, porque todos obtm da comunidade o necessrio e os
magistrados velam para que ningum receba mais do que merece (sem
que nunca o necessrio lhe seja negado), a amizade encontra ocasio
de se mostrar em caso de guerra ou de enfermidades, ou pela prtica
de mtuo auxilio no estudo das cincias e, s vezes, tambm
pela troca de louvores, de funes ou do necessrio. Todos os
contemporneos se chamam irmos, adquirem o nome de pais depois
da idade de vinte e dois anos, e, antes dessa idade, dizem-se
filhos, sendo uma das funes primrias dos magistrados impedir
qualquer ofensa entre os confrades.
G.-M. - E como se consegue isso?
ALM. - Nessa cidade, o nmero e os
nomes dos magistrados correspondem s virtudes que conhecemos. H
os que se chamam Magnanimidade, Fortaleza, Castidade,
Liberalidade, Justia criminal e civil, Diligncia, Verdade,
Beneficncia, Gratido, Hilaridade, Exerccio, Sobriedade, etc.
Aquele que, desde a infncia, se mostra, nas escolas, mais
propenso ao exerccio de alguma dessas virtudes, chamado
magistrado. Assim, no sendo possveis, entre eles, os latrocnios,
os assassinatos, as traies, os estupros, os incestos, os adultrios
e outros delitos de que incessantemente nos lamentamos, os que os
praticam so declarados culpados de ingratido, malignidade
(quando se nega uma satisfao devida), preguia, tristeza, clera,
baixeza, maledicncia e mentira, delito este mais detestado do
que a peste. E as penas mais em voga so a privao da mesa
comum e a proibio das mulheres e de outras honras, pelo tempo
que o Juiz julgar necessrio para a correo.
G.-M. - Pode explicar-me, agora, o
sistema de eleio dos magistrados?
ALM. - Antes de lhe expor o mtodo
de vida dessa gente, no me possvel satisfazer plenamente o
seu pedido. preciso saber que tanto os homens como as mulheres
usam roupas iguais, prprias para a guerra, com a nica diferena
de que, nas mulheres, a toga cobre os joelhos, ao o que os
homens os tm descobertos. Todos, sem distino, so educados
juntos em todas as artes. Transcorrido o primeiro ano e antes do
terceiro, os meninos aprendem a lngua e o alfabeto eando nas
salas, todos divididos em quatro manpulos presididos por velhos
venerveis, que so guias e mestres de probidade superior a toda
prova.
Depois de algum tempo, comeam os
exerccios de luta, corrida, disco e outros jogos ginsticos,
feitos todos com o fim de fortalecer adequadamente o corpo, e
sempre com os ps descalos e a cabea descoberta, at aos
sete anos de idade. Distribudos por manpulos, so eles
conduzidos s diferentes oficinas das artes: a dos sapateiros, a
dos cozinheiros, a dos artfices, a dos pintores, etc. Para que
seja observada a tendncia especial de cada engenho, depois dos
sete anos, adquiridas j as noes matemticas mediante as
pinturas das muralhas, aplicam-se ao estudo das cincias
naturais. As lies so recitadas a cada manpulo por quatro
mestres diferentes, os quais terminam em quatro horas todas as
partes da instruo. Em seguida, enquanto uns exercitam o corpo,
outros atendem s funes pblicas ou se dedicam s lies.
Depois, comea o estudo das matrias mais difceis, das matemticas
sublimes, da medicina e de outras cincias, e continuamente, no
intervalo dos exerccios, travam-se discusses cientficas. Com
o tempo, os que mais se distinguiram numa cincia, ou numa arte
mecnica, so eleitos magistrados. A agricultura e a pecuria so
ensinadas por meio da observao, e todos, guiados pelo prprio
chefe e juiz, dirigem-se para o. campo, onde examinam e aprendem
as modalidades de trabalho, sendo considerado o primeiro e o maior
o que tiver conhecimento de maior nmero de artes e souber exerc-las
com critrio. No posso exprimir-lhe quanto desprezo tm por ns,
por chamarmos de ignbeis os artfices e de nobres os que, no
sabendo fazer coisa alguma, vivem no cio e sacrificam tantos
homens que, chamados servos, so instrumentos da preguia e da
luxria. Dizem ainda que no de irar que dessas casas e
escolas de torpeza saiam catervas de intrigantes e malfeitores,
com infinito dano para o interesse pblico.
Os outros funcionrios so eleitos
pelos quatro primazes - Hoh, Pon, Sin e Mor, - juntamente com os
magistrados da arte a que devem consagrar-se. A obrigao dos
quatro pontfices conhecer perfeitamente, em determinada arte
ou virtude, a idoneidade do que deve tornar-se seu regedor. Quando
ocorre uma eleio, os idneos so propostos numa assemblia
dos magistrados, no sendo permitido que ningum se apresente
candidato a se chamar alguma coisa, pois todos podem expor o que
sabem contra ou a favor dos elegendos. Ningum aspira
dignidade de Hoh sem conhecer profundamente a histria de todos
os povos, os ritos, os sacrifcios, as leis das repblicas e das
monarquias, assim como os inventores das leis, das artes, e os fenmenos
e vicissitudes terrestes e celestes. Acrescente-se a isso o
conhecimento de todas as artes mecnicas, cada uma das quais eles
aprendem quase no espao de trs dias, embora no se tornem
perfeitos na execuo, que , contudo, facilitada pelo exerccio
e pelas pinturas. Alm disso, mister ser versadssimo nas cincias
fsicas e astrolgicas. J no se d a mesma importncia ao
conhecimento das lnguas, para as quais existem numerosos intrpretes,
que na repblica se chamam gramticos. Mas, de absoluta
necessidade conhecer integralmente as cincias metafsicas e
teolgicas. Devem conhecer-se, em seguida, as razes, os
fundamentos e as provas de todas as artes e cincias, as relaes
de convenincia e inconvenincia das coisas, a necessidade, o
destino, a harmonia do mundo, a potncia, a sabedoria e o amor
das coisas de Deus, as gradaes dos seres, os seus smbolos
com as coisas celestes, terrestres e martimas, e com os ideais
em Deus, na medida em que isso concedido mente humana.
Finalmente, necessrio ter aprofundado, com longos estudos, as
profecias e a astrologia. Por isso, o futuro Hoh reconhecido
muito tempo antes da eleio. Este s pode ocupar to eminente
dignidade depois de completar o stimo lustro. O cargo perptuo,
enquanto no se descobre outro mais sbio e melhor indicado para
governar a repblica.
G.-M. - Mas, qual o homem capaz
de possuir tanta doutrina? Um cientista no ser, talvez, o
menos idneo para o regime da repblica?
ALM. - Essa objeo tambm foi
apresentada por mim, e eis a resposta que obtive: Estamos to
certos de que um sbio pode ter aptides para o bom governo de
uma repblica quanto vs, que preferis homens ignorantes,
julgados hbeis somente porque descendem de prncipes ou so
eleitos pela prepotncia de um partido. Mas, o nosso Hoh, mesmo
itindo que seja inexpertssimo em qualquer forma de governo,
nunca se tornar cruel, celerado ou tirano, pois possui uma
imensa sabedoria. Essa objeo pode ter fora entre vs, que
chamais de sbio o homem que leu maior nmero de gramticas ou
de lgicas de Aristteles ou outros autores, de forma que, ao se
querer consultar um sbio dos vossos pases, o nico resultado
que se obtm uma obstinada fadiga e um servil trabalho de memria
que habituam o homem inrcia, pois no encontra estmulo em
penetrar no conhecimento das coisas e se contenta em possuir um
acervo de palavras, aviltando a alma, e fatigando-a sobre letras
mortas. Tais sbios ignoram como todos os seres so governados
pela causa primeira e quais as regras e hbitos da natureza e das
naes. Isso no acontece com o nosso Hoh, uma vez que, para
aprender tantas artes e cincias, necessrio ser dotado de
vastssimo engenho para tudo, o que o torna habilssimo tambm
para o governo poltico. Alm disso, sabido que no conhece
nenhuma cincia quem s foi instrudo numa, tendo engenho tardo
e desprezvel todo aquele que, apto numa nica cincia, a
possui, ainda assim, tomada de emprstimo aos livros. Semelhante
juzo no se pode fazer do nosso Hoh. Os trs primazes que o
assistem devem ser profundos conhecedores, em particular, das
artes que mais imediatamente se relacionam com o seu cargo,
bastando que s historicamente conheam as artes comuns. Assim,
a Potncia peritssima na arte equestre, na de coordenar um
exrcito, de preparar os acampamentos, ou de fabricar as armas, e
em cada assunto militar, como estratagemas, mquinas, etc. Mas,
para alcanar esse objetivo, mister que a Potncia tenha noes
de filosofia, de histria, de poltica, de fsica, etc. E o
mesmo se pode dizer dos outros dois trinviros.
Voltando, agora, a falar sobre o seu
mtodo de vida e a excelncia dos seus meios de instruo,
devo informar-lhe que, naquela cidade, as cincias so
aprendidas com tanta facilidade que as crianas ficam sabendo num
ano o que entre ns s se adquire depois de dez ou quinze anos
de estudo. Solicitado a interrogar os alunos, nem sei exprimir-lhe
que surpresa tive ao ouvir respostas to prontas, to
verdadeiras e to sbias de alguns que falavam correntemente a
nossa lngua. Para isso, est estabelecido que trs de cada manpulo
devem aprender o nosso idioma, outros trs o rabe, trs o
polaco e trs outros lnguas especiais.
Antes de se tornarem doutores, no
lhes concedido repouso algum: depois do estudo, vo para o
campo, onde se exercitam em corrida, arco, lana, arcabuz, caa,
ou em botnica, mineralogia, agricultura, pecuria.
G.-M. - Desejaria, agora, que me
expusesse e classificasse as funes pblicas, antes de me
falar detalhadamente da educao.
ALM. -
Eles tm em comum as casas, os dormitrios, os leitos, todas as
coisas necessrias. Mas, depois de seis meses, os mestres
escolhem os que devem dormir neste ou naquele lugar: quem no
primeiro quarto, quem no segundo, etc. - tudo indicado pelos
alfabetos existentes no alto das entradas. Homens e mulheres se
aplicam em comum a todas as artes mecnicas e especulativas, com
a diferena de que as artes que requerem fadiga e marcha so
exercitadas pelos homens, como arar, semear, colher as frutas,
trabalhar na eira, fazer a vindima, etc., ao o que as mulheres
se dedicam a ordenhar o gado e fazer o queijo, alm de se
dirigirem s hortas vizinhas das muralhas da cidade para cultivar
e colher legumes. Todas as artes, pois, que exigem que se fique
sentado ou de p, competem s mulheres: tecer, fiar, cozinhar,
cortar o cabelo e a barba, preparar remdios e toda sorte de
roupas. Esto, contudo, isentas de trabalhar em madeira e em
ferro. Se h, porm, alguma que revele aptido para a pintura,
do-lhe a possibilidade de exercitar-se. A msica, ao contrrio,
permitida somente s mulheres e, s vezes, tambm s crianas,
por serem suscetveis de proporcionar maior deleite,
excluindo-se, todavia, o uso das trompas e dos tmpanos. As
mulheres preparam tambm os alimentos e estendem as toalhas, mas
o servio das mesas compete aos meninos, bem como s meninas que
ainda no completaram vinte anos. Cada crculo possui cozinhas e
despensas prprias, alm de todos os utenslios necessrios
para comer e beber. Cada oficina presidida por um velho e uma
velha., que, de comum acordo, do ordens aos ministrantes,
podendo castigar ou ordenar que se castiguem os negligentes, os
refratrios, os desobedientes. Observam e tomam nota do gnero
de ofcio em que mais se distinguiu um menino ou uma menina. A
juventude serve aos que ultraaram os quarenta anos, e o dever
dos mestres e das mestras vigiar noite, quando vo
descansar, e, de manh, pr em funo os que devem
substitui-los, sendo escolhidos um ou dois para cada quarto. Os
jovens servem-se reciprocamente, e ai dos renitentes! H as
primeiras e as segundas mesas, cada qual com seus respectivos
assentos. Sentam-se primeiro as mulheres, depois os homens, e,
conforme ao uso dos monges, no permitido nenhum rumor.
Durante a refeio, um jovem l, de uma alta tribuna, com voz
distinta e sonora, algum livro, sendo a leitura freqentemente
interrompida pelos magistrados, que fazem observaes sobre as
agens mais importantes. Belssima de ver-se essa
juventude, sucintamente vestida, prestar aos seus maiores, com
grande oportunidade, toda espcie de servios. um imenso
conforto observar como vivem em comum, em perfeita harmonia, com
extrema modstia, decoro e amor, tantos amigos, irmos, filhos,
pais e mes. Cada um recebe um guardanapo, um prato e uma poro
de alimento. Incumbe aos mdicos dar aos cozinheiros do dia
instrues sobre a qualidade dos alimentos que devem ser
preparados, indicando os que convm aos velhos, aos jovens e aos
doentes. Todos os magistrados recebem uma poro um pouco maior
e mais escolhida, da qual; durante a refeio, distribuem uma
parte aos meninos que de manh mais se distinguiram nas cincias
ou nas armas. Esse favor ambicionado como um dos mais
preclaros. Nos dias de festa, hora do jantar, h canto e msica,
mas com poucas vozes, sendo s vezes uma somente, acompanhada por
uma ctara, etc. Como o servio da mesa feito por muitos e
com diligncia, nunca se ouve uma queixa por faltar alguma coisa.
Velhos venerveis presidem ao regular funcionamento da cozinha e
aos preparadores dos alimentos, como tambm limpeza das camas,
dos quartos, dos vasos, da roupa, das oficinas e dos ingressos,
atribuindo a tudo isso enorme importncia.
No que diz respeito ao vesturio,
trazem sobre o corpo uma camisa branca e, em seguida, o hbito,
que serve ao mesmo tempo de colete e de cala, sem pregas,
lateralmente aberta no alto e em baixo das pernas, e do meio do
umbigo s ndegas, entre as extremidades das coxas. As orlas das
aberturas anteriores so fechadas por botes pregados por fora,
e as dos laterais por laos. As botas aderem cala e descem
at aos calcanhares. Os ps so cobertos, tambm, por meias de
l da forma de semicoturnos e presas por fivelas. Sobre essas
que vm os sapatos. Finalmente, como j disse, vestem a toga. To
bem feitas so essas roupas que, levantando a toga, ver voc,
claramente e sem temor de se enganar, as partes bem proporcionadas
de toda a pessoa.
Mudam quatro roupas diferentes por
ano, ao entrar o Sol no ries (29),
no Cncer, na Libra e no Capricrnio. A qualidade e a
necessidade so decididas pelo mdico, ao o que a distribuio
compete ao encarregado do vesturio em cada crculo. Voc
decerto se iraria do nmero extraordinrio de tantas roupas,
pesadas ou leves, conforme o exija a diferena das estaes.
Todos as trazem muito limpas, pois que as lavam, uma vez por ms,
com lixvia e sabo. Todas as dependncias de determinada espcie
de arte, como cozinhas, despensas, celeiros, armazns, arsenais,
banheiros, encontram-se na parte inferior das casas, se bem que,
debaixo dos peristilos, tambm tenham sido construdos tanques
para os banhos, cuja gua se escoa por canais terminados em
cloacas. Em cada praa dos sete crculos, h as respectivas
fontes, que vertem a gua tirada das faldas da colina com o
simples movimento de engenhoso manbrio. Em geral, as guas so,
algumas primitivas, outras recolhidas em cisternas. A gua que,
depois de uma chuva, escorre pelos telhados das casas, levada
s cisternas por meio de aquedutos de areia. As prescries do
mdico e do magistrado regulam os banhos das pessoas. As artes
mecnicas so exercidas debaixo dos peristilos, nas galerias
superiores; as especulativas, em cima das sacadas, onde se
distinguem as mais preciosas pinturas; e, no templo, ensinado
tudo o que se relaciona com as coisas divinas. Os relgios
solares e outros maquinismos que indicam as horas e os ventos se
acham debaixo dos prticos ou nos pontos mais eminentes de cada crculo.
G.-M. - Por favor, fale-me, agora,
da gerao.
ALM. Nenhuma mulher, antes dos
dezenove anos, pode consagrar-se a esse mister; quanto aos homens,
devem ter ultraado os vinte e um, e at mais quando de
compleio delicada. Antes dessa idade, permite-se a alguns a
mulher, mas estril ou grvida, a fim de que, impelidos por
excessiva concupiscncia, no se abandonem a excessos anormais.
s mestras matronas e aos velhos mais idosos, incumbe
proporcionar o prazer aos que, mediante pedido secreto ou nas
palestras pblicas, tenham revelado possuir mais poderosos estmulos.
Mas, sempre necessria a licena do Grande Magistrado da gerao,
ou seja o Grande Doutor da medicina, que no reconhece outros
superiores alm do trinviro Amor. Os que se surpreendem na prtica
da sodomia so vituperados e obrigados a levar, por dois dias, o
calado preso ao pescoo, punio que indica terem eles
invertido a ordem natural das coisas pondo os ps sobre a cabea
Continuando a iniqidade, aumenta a pena que pode chegar, s
vezes, capital. Em compensao, os que se mantm ilibados at
aos vinte e um anos de idade, e sobretudo os que assim permanecem
at aos vinte e sete anos, recebem, em reunio pblica, honras
de festas e cantos. De acordo com o costume dos antigos
espartanos, tanto os homens como as mulheres aparecem nus nos
exerccios ginsticos, de forma que os preceptores tm a
possibilidade de descobrir os que so capazes ou incapazes para a
gerao, podendo determinar ainda qual o homem mais conveniente
a determinada mulher, segundo as respectivas propores
corporais. A unio marital se realiza cada terceira noite e
depois que os geradores esto bem lavados. Uma mulher grande e
bela se une a um homem robusto e apaixonado, uma gorda a um magro,
uma magra a um gordo, e assim, com sbio e vantajoso cruzamento,
moderam-se todos os excessos. Ao cair do sol, os meninos sobem s
habitaes e preparam os tlamos. Depois, entram os geradores
e, seguindo a determinao dos mestres e mestras, ficam em
repouso, sem poderem nunca consagrar-se ao importante mister,
antes de terem digerido bem os alimentos e terminado a prece. Nos
quartos, h esttuas de homens respeitabilssimos, a
colocadas para serem contempladas pelas mulheres, que, depois,
pondo-se a uma janela com os olhos voltados para o cu, suplicam
a Deus que lhes conceda tornarem-se mes de perfeita prole.
Deitam-se, ento, em celas separadas e dormem at hora
estabelecida para a unio. quando a mestra se levanta e, por
fora, abre a porta tanto aos homens como s mulheres. Essa hora
determinada pelo mdico e pelo astrlogo, que procuram
escolher a ocasio em que todas as constelaes so favorveis
aos geradores e aos gerados. Consideram culpvel todo aquele que,
ao se aproximar a gerao, no tenha ao menos por trs dias
conservado o smen em sua integridade e pureza, bem como o que,
tendo cometido atos impudicos, no se tenha confessado e
reconciliado com Deus. Os que, por deleite ou necessidade, tm
relaes com mulheres estreis, grvidas ou defeituosas, no
participam de nenhuma cerimnia. Os magistrados, por serem todos
sacerdotes, assim como os mestres das cincias, s podem assumir
o encargo de geradores depois de muitos dias de abstinncia.
que, como freqentemente se observa, o emprego das faculdades da
inteligncia, enfraquecendo-lhes os espritos animais e
impedindo que possam transmitir a energia do crebro faz com que
seja fraca de corpo e tarda de engenho a prole dessa gente. Sbia,
por conseguinte, a prescrio que lhes ordena a unio com
mulheres vivazes fortes e belas. Da mesma forma, os homens geis,
ardentes, de temperamento sangneo, devem unir-se a mulheres
gordas e frias. Dizem eles que, descurada a gerao, no se
pode depois, com a arte, adquirir a harmonia dos diversos
elementos do organismo, causa de todas as virtudes, e que os
homens nascidos com m organizao s praticam o bem pelo
receio da lei e de Deus; sem esse receio, ou secreta ou
publicamente, tornam-se perniciosos repblica. Eis porque se
deve empregar toda diligncia no mister da gerao,
refletindo-se sobre os verdadeiros mritos naturais, e no sobre
os dotes ou a nobreza fictcia e de mentirosa espcie. Se uma
mulher no fecundada pelo homem que lhe destinado,
confiada a outros; se, finalmente, se revela estril, torna-se
comum, mas lhe negada a honra de sentar-se entre as matronas na
assemblia da gerao, no templo e mesa. Assim procedem para
que, por motivos de luxria, no procurem elas a esterilidade.
As que concebem ficam, por quinze dias, dispensadas de qualquer
fadiga. Comeam, em seguida, trabalhos fceis que lhes
fortifiquem a prole e lhes abram os meatos da nutrio, e se
revigoram depois, gradativamente, com exerccios. Os mdicos s
lhes permitem alimentos profcuos. Depois do parto, elas prprias
amamentam e assistem ao recm-nascido em quartos comuns, que para
esse fim devem ser expressamente preparados. Por dois e mais anos,
segundo as prescries do Fsico, so amamentadas as crianas.
Depois disso, se menina, entregue s mestras, e, se
menino, aos mestres. Comeam, ento, quase que como um
divertimento, a aprender o alfabeto, a explicar as pinturas, a
exercitar-se na corrida, na luta, e depois a estudar as histrias
expostas pelas pinturas e as diferentes lnguas. At aos seis
anos de idade, vestem uma elegante roupa multicor. Depois dessa
idade, iniciam o estudo das cincias naturais, depois de outras,
quando os mestres julgam oportuno. Para o fim, reservam-se as cincias
mecnicas. Quanto aos meninos tardos de engenho, vo para o
campo, e, se alguns j provam terem feito progressos bastantes,
voltam para a cidade. Mas, como quase todos nasceram sob a mesma
constelao, assemelham-se sempre aos contemporneos pela
virtude, pelos costumes e pelas feies, o que d causa a uma
durvel concrdia, a um mtuo amor e a uma recproca
solicitude em se auxiliarem uns aos outros.
Os nomes no se impem
arbitrariamente, mas por inspirao do Metafsico, depois de
considerar as qualidades individuais, segundo o costume dos
antigos romanos. assim que um se chama Belo, outro Naso, um
terceiro Crasspede, e outros Torvo, Magro, etc. Mas, quando
adquirem excelncia em alguma arte, ou por algum feito na guerra
ou na paz, ao primeiro nome se acrescenta o da arte, como Pintor
belo, grande, ureo, excelente, preclaro, ou o da ao, como
Naso forte, astuto, vencedor, grande, grandssimo, ou ainda o
do inimigo vencido, como Africano, Asitico, Etrusco, e, quando
tenha superado Manfredo (30),
ou Tortlio, recebe o nome de Magro Manfredo, Tortlio, etc.
Esses cognomes so impostos pelos magistrados superiores, que
acompanham a funo, o mais das vezes, com o presente de uma
coroa conveniente ao feito ou arte, e com uma festa musical,
pois no do valor algum ao ouro e prata, considerando-os
como matrias para fabricar vasos e ornamentos comuns a todos
. G.-M. - Diga-me, por favor:
conhecem eles o cime, ou melhor, a dor, quando algum no obtm
uma esperada magistratura ou qualquer outra coisa que tenha
ambicionado?
ALM. - No, porque todos, alm de
possurem o necessrio, gozam de tudo quanto possa deleitar a
vida. A gerao considerada obra religiosa, tendo por fim o
bem da repblica e no dos particulares. Por isso, todos
obedecem plenamente aos magistrados. Alm disso, contra a nossa
opinio, negam ser natural ao homem, para educar vantajosamente a
prole, a posse de uma mulher, de uma casa, de filhos, e dizem, com
So Tomaz (31),
que o objetivo da gerao a conservao da espcie e no
a do indivduo. Trata-se, portanto, de um direito pblico e no
privado, do qual os particulares s participam como membros da
repblica. Acrescentam que a principal causa dos males pblicos
reside na maneira errnea de considerar a gerao e a educao,
que devem ser religiosamente atribudas sabedoria do
magistrado, como primeiros elementos da felicidade de um povo.
Os indivduos que, por sua
excelente organizao, tm o direito de se tornarem geradores,
ou geratrizes, Se unem segundo os ensinamentos da filosofia. Plato
acha que isso deve realizar-se tirando a sorte, a fim de que os
que so afastados das mulheres mais belas no fiquem odiando os
magistrados; e diz que devem ser enganados no ato de tirar a
sorte, os que no so merecedores de supremas belezas, de
maneira que obtenham, no as mais desejadas, mas as mais
convenientes. Esse engano, porm, inteiramente intil para os
habitantes solares, pois que entre eles no existe deformidade.
Alm disso, como as mulheres se aplicam continuamente a
diferentes trabalhos, adquirem uma cor vivaz, membros robustos,
grandes, e geis, consistindo a beleza unicamente na altura e no
vigor das pessoas. Incorreria, pois, na pena capital aquela que
embelezasse o rosto para parecer bela, ou usasse calado alto
para parecer maior, ou vestido comprido para cobrir ps
disformes. Mas, mesmo que alguma manifestasse propenso para
fazer essas coisas, no o conseguiria, porque ningum lhe
reconheceria a faculdade. Asseveram eles que tais enganos so
frutos, entre ns, da ociosidade e da indolncia das mulheres, o
que faz com que, deformando-se, empalidecendo e tornando-se fracas
e pequenas, precisem de cores, de calado, de vestidos compridos,
e gostem mais de parecer belas por uma inerte delicadeza do que
por uma vigorosa sade, prejudicando-se a se prprias e
prole.
Quando um indivduo se apaixona
violentamente por uma mulher, permitem-lhe colquios,
divertimentos e recprocos presentes de flores e de poesias. Se,
porm, a gerao corre perigo, no se permite nunca que se
unam, salvo quando a mulher j se acha grvida de um feto
pertencente a outro, ou quando j tenha sido declarada estril;
estes, porm, s conhecem o amor de exclusiva concupiscncia e
a amizade. No se preocupam muito com questes familiares e
comestveis, pois cada um recebe de acordo com a prpria
necessidade, a no ser quando se trate de honrar algum. Ento,
e especialmente nos dias de festa, costumam distribuir-se, aos heris
e s heronas, hora do jantar, em sinal de honra, diferentes
presentes, como grinaldas multicores, alimentos agradveis,
roupas elegantes, etc.
Se bem que, durante o dia e na
cidade, todos usem roupas brancas, noite e fora da cidade
trajam vestes vermelhas, de l ou de seda. Detestam, porm, e
desprezam a cor preta, em oposio aos japoneses, que preferem
essa tinta. A soberba julgada o mais execrando dos vcios, e
todo ato de soberba punido com as mais cruis humilhaes.
Ningum se considera diminudo ao servir mesa, na cozinha ou
nas enfermarias: cada funo tida como um mister, e, a seu
ver, todos os atos praticados pelas diferentes partes do corpo
humano so igualmente honrosos.
No tm o srdido costume de
possuir servos, bastando-lhes e, muitas vezes, sendo at
excessivo, o prprio trabalho. Entre ns, infelizmente, vemos o
oposto.
Npoles tem uma populao de
setenta mil pessoas, mas s quinze mil trabalham e so logo
aniquiladas pelo excesso de fadiga. As restantes esto arruinadas
pelo cio, pela preguia, pela avareza, pela enfermidade, pela
lascvia, pela usura, etc., e, para maior desventura, contaminam
e corrompem um infinito nmero de homens, sujeitando-os a servir,
a adular, a participar dos prprios vcios, com grave dano para
as funes pblicas. Os campos, a milcia, as artes, ou so
desprezadas ou, com ingentes sacrifcios, pessimamente cultivadas
por alguns. Na Cidade do Sol, ao contrrio, havendo igual
distribuio dos misteres, das artes, dos empregos, das fadigas,
cada indivduo no trabalha mais de quatro horas por dia,
consagrando o restante ao estudo, leitura, s discusses
cientficas, ao escrever, conversao, aos eios, em
suma, a toda sorte de exerccios agradveis e teis ao corpo e
mente. No se permitem jogos que obriguem a ficar sentado,
como dados, xadrez e outros, divertindo-se todos com a pela, o balo,
o pio, a corrida, a luta, o arco, o arcabuz, etc. Afirmam, alm
disso, que a pobreza a razo principal de se tornarem os
homens vis, velhacos, fraudulentos, ladres, intrigantes,
vagabundos, mentirosos, falsos testemunhos, etc., produzindo a
riqueza os insolentes, os soberbos, os ignorantes, os traidores,
os presunosos, os falsrios, os vaidosos, os egostas, etc. A
comunidade, ao contrrio, coloca os homens numa condio ao
mesmo tempo rica e pobre: so ricos porque gozam de todo o necessrio,
e so pobres porque no possuem nada. Servem as coisas, mas as
coisas lhes obedecem, louvando assim os religiosos da cristandade
e especialmente a vida dos apstolos.
G.-M. - Considero til e santa a
comunidade dos bens, mas no posso aprovar a das mulheres. So
Clemente (32)
romano diz que as mulheres devem ser comuns, segundo o instituto
apostlico, e elogia Scrates (33)
e Plato por ensinarem igual doutrina; mas, a glosa entende que
essa comunidade se relaciona com o obsquio e no com o leito. E
Tertuliano (34),
apoiando a glosa, escreveu que os primeiros cristos tiveram tudo
em comum, excetuadas as mulheres, as quais o foram, contudo, no
que diz respeito ao obsquio.
ALM. - Mal conheo essas coisas,
mas posso afirmar-lhe que, na Cidade do Sol, as mulheres so
comuns tanto para o obsquio como para o leito, mas nem sempre,
como o fazem as feras ao encontrarem a fmea, mas somente, como
se diz, por motivo e ordem de gerao. No obstante, possvel
que nisso se enganem. Escudam-se no juzo de Scrates, de Cato
(35), de Plato,
de So Clemente (mal compreendido, como voc observou). Dizem
que Santo Agostinho aprova toda comunidade, mas no a das
mulheres para o leito, que a heresia dos nicolaitas (36),
e que a nossa Igreja permitiu a propriedade dos bens, no a ttulo
de introduzir vantagens maiores, mas unicamente para evitar piores
males. Com o tempo, talvez seja possvel que abandonem esse
costume, uma vez que, nas cidades sujeitas, so comuns os bens, no
as mulheres, salvo em relao ao obsquio e s artes. Mas,
isso atribudo pelos habitantes solares imperfeio das
referidas cidades, menos da prpria, instrudas em filosofia. No
obstante, costumam enviar mensageiros a outras naes e nunca se
recusam a abraar os costumes que lhes parecem melhores. O hbito
faz com que as mulheres tambm se tornem aptas para a guerra e
outros misteres. Depois que conheci essa cidade, concordei
plenamente com Plato e menos com o nosso Caieta (37),
discordando por completo de Aristteles. Um costume apreciadssimo
e digno de imitao, entre eles, o que consiste em considerar
que nenhum defeito bastante para manter os homens na
ociosidade, salvo em idade decrpita, na qual ainda so teis
dando conselhos. Assim, o coxo serve de vigia empregando os olhos
sos; o cego, com as mos, desfia a l e prepara plumas para
encher leitos e travesseiros; quem privado de olhos e de mos
serve a repblica empregando os ouvidos e a voz; finalmente, o
que s possui um membro emprega-o do melhor modo possvel
G.-M. - Fale-me da guerra, que
reservarei para depois as artes, as cincias e a religio.
ALM. - A Potncia, outro dos trinviros,
preside ao mestre das armas, como tambm aos da artilharia, da
cavalaria, da infantaria e dos arquitetos, dos estratagemas, etc.
A cada um destes obedecem outros mestres e primeiros funcionrios
das respectivas artes. Alm disso, a Potncia comanda os
atletas, que so experimentados e velhos capites, preceptores
dos meninos na arte militar, depois que estes completam os doze
anos, se bem que antes dessa idade j tenham sido exercitados por
mestres inferiores na corrida, na luta, no lanamento de pedras,
etc. Os atletas ensinam a ferir o inimigo, os cavalos, os
elefantes, a manejar a espada, a lana, o arco, as fundas, a
cavalgar, a perseguir, a fugir, a ficar de ordenana, a socorrer
o companheiro, a prevenir com engenho o inimigo, numa palavra, a
vencer. As mulheres tambm aprendem essa arte com mestres e
mestras especiais, de forma que, quando necessrio, podem prestar
socorro aos homens em caso de guerra no distante da cidade, ou
defender as muralhas desta, a fim de nunca serem surpreendidas por
uma sbita invaso. Honram, dessa forma, as espartanas e as
amazonas (38).
Sabem atirar balas de fogo com arcabuzes, form-las com o chumbo,
lanar pedras do alto, marchar ao encontro do mpeto inimigo. E
assim, pela freqncia de semelhantes exerccios, habituam-se a
afrontar qualquer perigo sem nenhum temor, e, quando alguma
demonstra covardia, severamente. punida.
Os habitantes solares no temem a
morte, porque todos acreditam na imortalidade da alma, que, ao
sair do corpo, acompanhada pelos espritos bons ou maus,
conforme o tenha merecido na vida terrestre. Embora sejam brmanes
(39),
aproximam-se, contudo, segundo certas opinies, dos pitagricos (40),
dos quais no item a metempsicose da alma, exceto uma ou outra
vez, por especial justia de Deus. Tambm no deixam de
combater um povo que se mostre inimigo da repblica, da religio
e da humanidade. Uma vez cada dois meses, ado em revista o
exrcito, sendo dirio o estudo prtico das armas, quer em
campo aberto, quer entre as muralhas. So contnuas, tambm, as
lies sobre a arte militar. Estudam a histria de Moiss, de
Josu (41), de
Davi (42), dos
Macabeus (43),
de Csar, de Alexandre, de Cipio (44),
de Anibal, etc. Todos tm o direito de externar sua opinio.
Aqui agiram bem, ali mal, aqui com probidade, ali com utilidade,
etc. assim vai respondendo e sentenciando o mestre.
G.-M. - Mas contra que povos e por
que motivos fazem a guerra, e com que xito?
ALM. - Mesmo que nunca precisassem
entrar em guerra, ainda assim se exercitariam na arte militar e na
caa, para no se descuidarem e no serem surpreendidos sem
defesa pelos acontecimentos. Alm disso, na ilha, h quatro
remos que invejam grandemente a sua prosperidade: como o povo
prefira viver maneira dos habitantes solares a obedecer aos
regedores do pais, eles muitas vezes movem guerra aos solares,
aduzindo usurpaes de limites, mpio modo de viver, falta de
dolos, dio s crenas dos gentios (45)
ou dos antigos brmanes, etc. Tambm os inds, dos quais j
foram sditos, se declaram contra eles e os tratam de rebeldes,
como tambm os povos da Taprobana, dos quais tiveram os primeiros
socorros. No obstante, os solares saem sempre vencedores. Mal
sofrem um insulto, uma calnia ou uma depredao, ou conhecidos
os males dos prprios aliados, ou ainda chamados como
libertadores por povos tiranizados, renem-se logo em assemblia
para deliberar. Ento, primeiro, ajoelham-se perante Deus,
rogando-lhe a inspirao de timos conselhos; em seguida,
examinam as coisas; por fim, declaram a guerra. Subitamente,
enviado ao inimigo um sacerdote chamado Forense, o qual pede ao
inimigo a restituio da presa, a libertao dos aliados, ou a
cessao da tirania. Se os pedidos no surtem efeito, ele
intima a guerra em nome do Deus das vinganas, do Deus de Sabaot (46),
para o extermnio dos que sustentam a iniqidade. Quando os
inimigos pedem prazo para a resposta, o sacerdote concede uma
hora, se trata com um rei, e trs com uma repblica, e isso a
fim de impedir qualquer engano. Dessa forma, os habitantes solares
se tornam defensores do direito natural e da religio. Declarada
a guerra, o conjunto da execuo confiado ao Vigrio da Potncia.
Esse trinviro, ento, semelhana do ditador dos romanos,
age plenamente de acordo com a prpria vontade, de forma que
sejam afastadas todas as razes de atraso. Mas, se muito grande
a importncia da empresa, consulta Hoh, a Sabedoria e o Amor.
Antes, porm, um orador expe, numa assemblia geral, as razes
da guerra e a justia da causa. Intervm nessa assemblia os
maiores de vinte anos, de maneira que fique preparado tudo o que
for necessrio. preciso saber que eles conservam em arsenais
especiais toda espcie de armas, das quais freqentemente se
servem em combates simulados. As paredes internas de cada crculo
so guarnecidas por morteiros, sob a guarda de soldados
especiais. H, alm disso, outras mquinas de guerra chamadas
canhes, que so transportadas batalha por mulas ou burros,
ou em cima de carros. E, quando se acham em campanha aberta,
encerram no meio os comboios, as artilharias, os carros, as
escadas e as mquinas, e animosamente, por longo tempo, se
disputam o terreno. Cada um se retrai, ento, em torno das prprias
bandeiras. Os inimigos acreditam que estejam fugindo ou se
preparando para a fuga, e saem em sua perseguio, mas os
solares, formando duas alas em forma de chifres, retomam flego e
coragem, e com a artilharia atiram balas de fogo, voltando logo em
seguida ao combate contra os inimigos desorientados. esses e
outros modos semelhantes de guerra so freqentemente usados.
Eles superam todas as naes na cincia dos estratagemas e das
mquinas, e seguem o costume dos antigos romanos na formao
dos acampamentos. Levantadas as tendas, circundam-nas de basties
e fossas, com maravilhosa presteza. Cada trabalho assistido
pelos mestres dos trabalhos, das mquinas e das artilharias, e
todos os soldados sabem manejar o machado e a enxada. Possuem,
testa dos servios de guerra, cinco, oito e at, dez chefes, que
conhecem profundamente a disciplina e os estratagemas e sabem
dirigir as prprias fileiras de acordo com o plano
preestabelecido. Costumam, tambm, conduzir guerra meninos a
cavalo, a fim de aprenderem essa arte e se habituarem ao sangue,
como os lobos e os lees costumam fazer com os filhos. Os
meninos, juntamente com as mulheres, que tambm assistem armadas,
retiram-se no instante do perigo, mas, depois da batalha,
reaparecem para medicar, servir e confortar com carcias e
palavras os combatentes. Imensa vantagem traz a presena dessas
pessoas. No poucos, para dar mostra de valor diante das mulheres
e dos meninos, fazem prodgios, tentam as mais arriscadas
empresas, e quase sempre o amor os faz sair vitoriosos. Quem, na
batalha, foi o primeiro a transpor os redutos inimigos, recebe
depois do conflito, das mos das mulheres e dos meninos, uma
coroa de graminho, em meio s honras de festas militares. Obtm
a coroa cvica quem socorre o amigo, e uma de carvalho quem mata
o tirano, cujos despojos, em perptua memria do fato, so
colocados no templo, sobrepondo-lhe o Metafsico nome da ao.
Outros recebem outras coroas. Os soldados a cavalo trazem uma lana
e duas grandes e resistentes pistolas penduradas nas selas, as
quais, sendo menores no orifcio do que na base, tm fora para
trasar mesmo a mais macia armadura de ferro. Usam,
igualmente, a espada e o punhal. Outros, ainda, so armados de
uma clava de ferro e se dizem soldados armados ligeira. Dessa
forma, se a armadura do inimigo resiste espada e s pistolas,
assaltam-no com a clava, como fez Aquiles (47)
com o Cisne (48),
derrubam-no e o aniquilam. Ligadas clava, pendem duas correntes
de seis palmos, com bolas de ferro na extremidade, de forma que,
atiradas contra o inimigo, lhe cingem o pescoo, abalando-o,
arrastando-o, levando-o por terra. Para com maior facilidade
manejarem a dava, no governam as rdeas do cavalo com as mos,
mas com os ps. por isso que as rdeas se trocam em cruz
sobre os ares da cela, descendo para prender-se, no nos ps,
mas na extremidade dos estribos. Estes formam, exteriormente, uma
esfera de ferro e, na base, um tringulo. Desse modo, rodando o p
sobre o tringulo, so postas em movimento as esferas, e estas
estiram as rdeas. E assim, com irvel presteza, governam
vontade o cavalo, fazendo-o voltar com o p direito para o lado
esquerdo e vice-versa. Esse segredo ignorado pelos prprios trtaros
(49), que sabem
governar as rdeas com os ps, mas no sabem afastar, retrair e
diminuir a marcha do cavalo, alm de no conhecerem o emprego da
roldana nos estribos. Os cavaleiros armados ligeira comeam o
ataque com arcabuzes. Em seguida vm as falanges com as lanas,
e depois os fundeiros, muitssimo estimados e habituados a
combater, indo alguns at quase dentro da contextura das
fileiras, enquanto outros avanam pela frente e outros marcham
concentrados. Possuem tambm esquadras que protegem o exrcito
com chuos. Finalmente, a batalha decidida pelas espadas.
Terminada a guerra, celebram
triunfos militares, como os antigos romanos e ainda melhor. Rendem
graas a Deus com preces, e o supremo chefe da expedio entra
no templo, onde um poeta ou um historiador, que assistiu aos
fatos, bem ou mal os expe. Depois, Hoh coloca uma coroa de
louros na cabea do chefe, seguindo-se a distribuio dos
presentes e das honras aos soldados que mais se distinguiram, os
quais, por muitos dias, so dispensados do servio. Mas, os
habitantes solares, no gostando do cio, empregam essas folgas
em socorrer os amigos. Ao contrrio, os chefes que, por culpa prpria,
foram vencidos ou perderam ocasio de mais completa vitria, so
infamados. O soldado que foi o
primeiro a fugir s pode subtrair-se morte quando o exrcito
inteiro pede graa por sua vida, assumindo cada um uma parte do
castigo. Essa indulgncia, porm, raramente concedida e s
quando militam circunstncias excepcionais. batido com vergas
quem no socorre o amigo, e quem se mostrou desobediente
encerrado num recinto para ser devorado pelas feras, pondo-se-lhe
nas mos um basto, de forma que, se vencer os ursos e os lees
que o guardam, o que quase impossvel, ser novamente
itido na sociedade.
As cidades subjugadas ou que se
submetem de espontnea vontade pem logo em comum todas as
coisas, aceitam guarnies e magistrados solares e aos poucos se
habituam aos costumes da Cidade do Sol, mestra de todas, para onde
expedem os seus filhos, aos quais, sem nenhuma despesa, dada
perfeita instruo.
Obra de excessiva extenso seria
falar dos exploradores e dos seus mestres, das sentinelas, das
ordens e dos usos dentro e fora da cidade, coisas que voc
facilmente pode imaginar, bastando que eu lhe observe que so
escolhidos quando meninos, segundo a inclinao individual e a
constelao que presidiu ao seu nascimento. E assim, procedendo
segundo o prprio talento natural, cada um exerce o respectivo
mister com pontualidade e tambm com prazer, porque est em
harmonia com a ndole prpria. O mesmo se pode dizer dos
estratagemas e outras funes.
As quatro partes da cidade so
guardadas noite e dia por sentinelas, enquanto outras montam
guarda s ltimas muralhas do stimo circulo, sobre propugnculos,
torres, e entre os entrincheiramentos internos. Durante o dia,
tambm as mulheres prestam esse servio, mas somente os homens
noite, a fim de no ficarem preguiosos e prevenirem uma
surpresa. A durao de cada planto , como entre ns, de trs
horas. Ao cair do sol, por entre sons de tmpanos e sinfonias,
indicam-se aos armados os lugares que devem ser vigiados. Amam a
caa como uma imagem da guerra e, na ocorrncia de vrias
solenidades, h nas praas pblicas divertimentos de que
participam homens a p e a cavalo. Nesses divertimentos, nunca
falta a msica, etc. De bom grado, perdoam as ofensas e os erros
dos inimigos, e, depois da vitria, costumam benefici-los. Mas,
quando, por lei da necessidade, devam arrasar muralhas ou decepar
cabeas, o decreto posto em execuo no mesmo dia da vitria.
Depois, continuam a prodigalizar toda sorte de benefcios e dizem
que no se deve combater um inimigo para extermin-lo, mas para
torn-lo melhor. Se, entre eles, surge uma altercao por injrias
ou outra causa (pois quase no conhecem disputas que no sejam
de honra), o primaz e os magistrados punem o culpado secretamente,
quando o ato que constitui a afronta tenha resultado de um
primeiro mpeto de clera. Se a injria consiste em palavras,
esperam o dia da batalha, dizendo que se deve lanar a ira contra
o inimigo; considera-se, ento, que defendeu a melhor causa e a
verdade aquele que na guerra deu mostra de maior valor. O outro
cede. Mas, as penas so sempre proporcionais culpa. No se
permite nunca que os dios se prolonguem at ao duelo, o qual,
alm de destruir o poder dos tribunais, tambm injusto,
porque expe a sucumbir a parte que tem razo. Assim, na Cidade
do Sol, quem se julga imerecedor de injria e afirma ser melhor
do que o adversrio, tem a faculdade de prov-lo na guerra pblica.
G.-M. - Isso de grande vantagem,
porque, evitando os dios particulares, impede a formao de
partidos nocivos ptria, assim como as causas de guerras
civis, das quais, to freqentemente, como em Atenas e em Roma,
surge um tirano. Peo-lhe, agora, que me fale do trabalho.
ALM. - J lhe disse que eles tm
em comum a arte militar, a agricultura e a pecuria. Todos tm
obrigao de conhecer essas artes julgadas nobilssimas, de
forma que quem exerce maior nmero considerado possuidor de
maior nobreza, e quem chegou a maior nobreza e a maior perfeio
em alguma delas, eleito mestre. As artes mais fatigantes obtm
maior estima, como a do artfice, a do pedreiro, etc. Ningum se
recusa a exercit-las, porque a elas se aplicam pela particular
tendncia revelada na infncia, e tambm porque o trabalho
distribudo de modo que nunca possa ser nocivo pessoa, mas, ao
contrrio, deva torn-la e conserv-la melhor. As mulheres
exercem as artes menos pesadas. Todos devem ser hbeis na natao,
e reservatrios especiais de gua foram preparados no longe da
cidade. J o comrcio descurado, embora conheam o valor das
moedas e fabriquem dinheiro, com o qual os embaixadores e os
exploradores possam prover subsistncia nos pases
estrangeiros. Cidade do Sol costumam chegar comerciantes das
diferentes partes do mundo, que compram dos solares o suprfluo.
Os habitantes no recebem dinheiro, mas trocam com as mercadorias
de que precisam, sendo que, muitas vezes, tambm as compram com
moedas. Mas, de todo o corao, riem-se os meninos solares ao
verem tanta abundncia de coisas deixadas por to poucas
bagatelas; no se riem, porm, os velhos. A fim de que a cidade
no seja corrompida pelos maus costumes dos servos e dos
estrangeiros, fazem todo comrcio nos portos, vendendo os
prisioneiros de guerra ou mandando-os para fora da cidade a cavar
fossas e para outros trabalhos fatigantes. Para a guarda dos
campos, so continuamente expedidos, juntamente com os
cultivadores, quatro manpulos de soldados, cada um dos quais sai
por uma das quatro portas da cidade, que do para o mar por
estradas construdas de tijolos, de forma que as coisas e os
forasteiros tenham mais fcil ingresso na cidade. Estes so
tratados com gentileza e magnificncia. Vivem, por trs dias, a
expensas pblicas. Ao primeiro encontro, lavam-lhes os ps e os
conduzem, depois, para a cidade, onde lhes do lugar na assemblia
e mesa, assistidos e servidos por pessoas especiais. Quando
desejam tornar-se cidados solares, so provados por um ms no
campo, por outro na cidade. Se ento se decidem e a isso
aceita, verificam-se juramentos e cerimonias.
Grandemente valorizada a
agricultura: cada palmo de terra d lucro. Estudados os ventos e
as estrelas, saem eles, deixando poucos montando guarda cidade,
para arar, semear, escavar, sachar, ceifar, vindimar, acompanhados
de trompas e tmpanos, e em brevssimo tempo terminado todo o
trabalho, economizando, com a arte, tempo e fadigas. Usam carros
munidos de velas, que servem mesmo quando sopra vento contrrio,
graas a um irvel aparelhamento de rodas, e, quando falta o
vento, belssimo ver como um nico animal puxa um imenso e
pesadssimo carro. Enquanto isso, os manpulos que guardam o
territrio vo saindo ao redor e alternando-se freqentemente.
No fazem uso dos adubos e da lama para fertilizar os campos,
pois acham que estes corrompem as sementes e produzem cereais malsos,
enfraquecendo e abreviando a vida, da mesma forma que as mulheres
que, sem ser belas por exerccio, mas por artifcio, do luz
filhos lnguidos e raquticos. Por isso, no pem nada sobre a
terra e as trabalham com assiduidade, sendo que, de um livro
chamado Gergica (50),
aprendem os segredos que se requerem para um pronto nascimento e
uma feliz multiplicao das sementes. Trabalha-se somente a poro
de terra que baste para as necessidades dos cidados, ficando o
restante para o pasto dos animais.
.
Em grande estima tida,
igualmente, a nobre arte que se relaciona com a reproduo e a
criao de bois, cavalos, ovelhas, etc. No mandam ao pasto os
garanhes, juntamente com as guas, mas, quando ocorre,
emparelham-nos no trio das estrebarias campestres, observando o
Sagitrio em bom aspecto com Marte (51)
e Jpiter (52).
Para o gado bovino, observam o Taurus, para as ovelhas o, Aries,
etc., segundo a doutrina. A famlia dos animais domsticos se
acha sob as Pliades (53).
As mulheres, com prazer, conduzem os patos e os gansos ao pasto,
fora da cidade, onde h lugares em que os encerram, havendo
outros onde podem preparar queijo, manteiga e toda espcie de
laticnios. Do tambm alimento a um grande nmero de capes,
etc., aperfeioando-se em tudo isso pela leitura de um livro
chamado Buclica (54).
Possuem de tudo com fartura, desejando cada qual mostrar-se o
primeiro no trabalho, que no fatiga e til. Seus nimos so
dceis e, assim, obedecem a quem preside aos misteres e o chamam
de rei. Nem esse nome lhes desagrada, pois criao dos
habitantes solares, que no o entendem maneira dos ignorantes.
Voc, decerto, se maravilharia ao ver a ordem com que aqueles
homens e mulheres, indistintamente, procedem sob a obedincia do
rei. E o fazem sem o ressentimento que se verifica entre ns,
considerando-o um pai ou um irmo mais velho. Possuem bosques e
florestas abundantes em feras e animais para o exerccio da caa.
A arte nutica muito apreciada.
Possuem navios, alguns dos quais, mediante um irvel artifcio,
viajam sem velas e sem remos. Conhecem o curso das estrelas, o
fluxo e o refluxo do mar. Navegam para adquirir novos
conhecimentos sobre os povos, os pases e as coisas. No ofendem
ningum, mas tambm no toleram injrias, s brigando quando
agredidos. Dizem que o mundo alcanar tanta sabedoria que todos
os homens vivero como eles. iram a religio crist e
esperam, neles e em ns, a confirmao da vida dos apstolos
Estreitaram alianas com os chineses e com vrias naes
insulares e continentais, como Sio, Calicuta, Cochinchina, etc.,
o que facilita as exploraes. Fabricam fogos artificiais para
batalhas em terra e no mar, e possuem o segredo de uma infinidade
de estratagemas. Eis porque saem da guerra quase sempre
vitoriosos.
G.-M. -
Coisa gratssima me faria voc falando dos alimentos e das
bebidas, e como e quanto tempo vivem eles.
ALM. - Sua doutrina que se deve,
primeiro, prover vida do todo e, depois, das respectivas
partes. Por isso, ao construrem a cidade, trataram de ter propcias
as quatro constelaes de cada um dos quatro ngulos do mundo,
as quais, como j se disse, se observam tambm na concepo de
cada indivduo, porque dizem que Deus atribuiu causas a todas as
coisas, devendo o sbio conhec-las, us-las e no abusar
delas.
Nutrem-se de carnes, manteiga, mel,
queijo, tmaras e legumes de diferentes espcies. Houve uma poca
em que no queriam matar os animais, parecendo-lhes isso uma ao
brbara, mas, ao considerarem que tambm crueldade extinguir
plantas que gozam de sentido e vida prpria, para no morrerem
de fome, concluram que as coisas ignbeis foram criadas para
beneficiar as mais nobres. E assim que, no presente, se
alimentam de todos os animais, mas, na medida do possvel, poupam
os mais teis, como os bois e os cavalos. Fazem distino entre
alimentos sos e nocivos, e, quanto escolha, deixam-se dirigir
pelo mdico. A alimentao continuamente mudada por trs
vezes: primeiro, comem carne; depois, peixe; por fim, legumes. Ento,
recomeam com a carne, de forma que o hbito no enfraquea as
foras naturais. Os alimentos de fcil digesto so dados aos
velhos. Estes comem trs vezes ao dia e parcamente; duas vezes, a
comunidade; e quatro, as crianas, segundo ordena o mdico. Em
geral, vivem cem anos, sendo que no poucos tambm duzentos. So
de extrema temperana no que diz respeito s bebidas. Os jovens
menores de dezenove anos no bebem vinho, a no ser quando o
requeiram razes de sade. Depois dessa idade, misturam-no com
gua. S aos cinqenta anos permitido bebe-lo puro. As
mesmas regras so vlidas para as mulheres. Os alimentos variam
segundo as estaes, seguindo-se sempre, a esse respeito, o
conselho do protomdico. Julgam que no so nocivos quando
usados na estao em que Deus os produz e desde que no se
abuse da quantidade. Por isso, no vero, alimentam-se de frutas,
porque so midas, suculentas e frias, em defesa da secura e do
calor da estao; no inverno, comem alimentos secos; no outono,
grande quantidade de uvas, concedidas pelo cu contra a bilis
negra e a melancolia. Gostam muito de usar substncias aromticas.
De manh, ao levantar-se, penteiam os cabelos e com gua fria
lavam as mos e o rosto. Depois, esfregam os dentes, ou mastigam
hortel, salsa ou erva-doce (os velhos, incenso). Em seguida,
voltando-se para o Oriente, recitam breve orao semelhante
ensinada por Jesus Cristo. Depois, saem em vrios grupos,
pondo-se uns aos servio dos velhos, outros entregando-se s funes
pblicas, etc. Acompanham as lies, depois os exerccios
corporais, depois ficam sentados em breve repouso e, por fim, vo
jantar.
Escasso , entre eles o nmero das
molstias. No conhecem a gota, a quiragra, a flatulncia, pois
essas enfermidades provm do cio ou da intemperana, ao o
que eles se livram, com a frugalidade e com o exerccio, de toda
superabundncia de humores. Consideram vergonhoso cuspir ou
escarrar, dizendo que esse vcio denota pouco exerccio ou
reprovvel preguia, ou resulta da devassido ou da gulodice. So,
antes, sujeitos s inflamaes e ao espasmo seco, em cujo
tratamento empregam alimentos sos e nutritivos. Curam a tsica
com banhos mornos, com laticnios, com a amenidade das habitaes
campestres, com moderado e agradvel exerccio. A sfilis no
pode fazer progressos, porque lavam assiduamente o corpo com
vinho, untando-o com leos aromticos, de forma que o suor
elimina o vapor ftido de que deriva a corrupo do sangue e da
medula. A tsica rara, s muito poucas vezes sofrendo eles de
catarros pulmonares, sendo que mal conhecem aquela espcie de
asma que provm da densidade dos humores. Curam as febres
inflamatrias com beberagens de gua fria, e as efmeras com
densos caldos aromticos, ou com o sono, a msica e a alegria.
Contra a ter, usam emisses de sangue, ruibarbo ou gua,
dentro da qual fervem razes de ervas purgativas e cido.
Finalmente, curam as quarts pregando sustos, ou tratando-as com
ervas de natureza oposta quart e com outras coisas
semelhantes, tendo me mostrado vrios segredos contra as mesmas.
Consagram maior estudo cura das febres contnuas, que so as
que mais temem, e se esforam por cort-las estudando as
estrelas e as ervas, e elevando preces ao cu. As febres quints,
sexts, oits, quase no existem, pela ausncia, entre eles,
de temperamentos ignavos. Conservam o asseio e a robustez do corpo
com o uso de banhos, de leos, como entre os antigos romanos, e
de outros oportunos segredos de sua descoberta, muito teis tambm
contra a epilepsia, pela qual so freqentemente molestados.
G.-M. - Essa doena indcio de
engenho invulgar, pois a tiveram os homens mais clebres, como Hrcules
(55), Scot (56),
Scrates, Calmaco (57)
e Maom.
ALM. - Eles a combatem com preces e,
em seguida, revigoram o sistema nervoso da cabea com substncias
cidas ou excitantes, como sopas substanciosas condensadas com
flor de farinha de trigo.
Grande a sua habilidade no
preparo dos petiscos. Misturam noz moscada, mel, manteiga e vrios
aromas corroborantes. Corrigem o excesso. de gordura introduzindo
cidos. No bebem gua gelada pela neve, nem artificialmente
aquecida como os chineses. Quando necessrio favorecer o calor
natural contra a exuberncia dos humores, usam alho amassado,
timo, hortel, basilico e, sobretudo, exerccios corporais.
Conhecem, enfim, o segredo de renovar a vida, de sete em sete
anos, sem dores e com meios suaves e portentosos.
G.-M. - At agora, voc no disse
nada sobre as cincias nem sobre os magistrados.
ALM. - verdade, mas, vendo-o to
curioso, acrescentarei outras coisas. A cada lua nova e a cada lua
cheia, depois do sacrifcio, convocam a assemblia, da qual
participam os maiores de vinte anos, podendo cada um expor o que
julga faltar repblica e dizer se os magistrados desempenham
bem ou mal suas funes. De oito em oito dias, congregam-se tambm
os magistrados: primeiro Hoh e com ele a Potncia, a Sapincia e
o Amor. Cada trinviro preside a trs magistrados, que,
imediatamente depois dele, tm a seu cargo a suma direo das
artes. Formam, assim, um total de treze. Nessa reunio especial,
tomam parte, igualmente, os instituidores do exrcito, isto ,
os decuries, os centuries, etc., homens e mulheres, que
conjuntamente elegem os magistrados, apenas indicados pela assemblia
geral, e tratam de tudo quanto ocorre na repblica. Alm disso,
Hoh e os trs trinviros consultam-se diariamente sobre o que
preciso fazer, corrigindo, confirmando e pondo em execuo as
decises da grande assemblia, bem como provendo a toda sorte de
necessidades. Ao criar um magistrado, nunca recorrem sorte,
salvo em caso de dvida na escolha. Todos os funcionrios podem
ser substitudos de acordo com a vontade do povo, excetuados os
quatro primeiros. Estes, depois de uma conferncia, cedem os
cargos aos que julgam de maior engenho e de costumes mais puros. To
dcil a sua ndole e to grandemente amam a repblica que
os cedem sem sombra de ressentimento e se fazem discpulos do
mais digno. Mas, isso rarssimas vezes acontece.
G.-M. E
que me diz dos juizes?
ALM. - J estava pensando nisso.
Todo indivduo julgado pelo supremo Mestre de sua arte. Os
primeiros artfices so todos juizes e punem com o exlio, a
pancada, a desonra, a privao da mesa comum, a interdio ao
templo, a proibio das mulheres. E, quando os excessos so
muito graves, punem tambm com a morte. Pagam olho por olho,
nariz por nariz, dente por dente, de acordo com a lei de talio (58),
mas somente quando a culpa tenha sido voluntria e precedida de
reflexo; em outros casos, a sentena suavizada, no pelo
juiz, mas pelos trs trinviros, que levam o recurso tambm ao
Hoh, no por motivos de justia, mas apenas para obter graa,
uma vez que s ele pode perdoar. No possuem crceres, a no
ser uma torre destinada recluso dos inimigos, rebeldes, etc.
No se escreve o libelo vulgarmente chamado processo, mas se
apresentam ao juiz e Potncia o acusado e as testemunhas. O
primeiro pronuncia a sua defesa e, em seguida, o juiz o condena ou
o absolve; havendo apelao para o trinviro, a condenao ou
absolvio sai no dia seguinte. No terceiro dia, Hoh concede a
graa ou firma irrevogavelmente a sentena; nesse caso, o
culpado se reconcilia com o acusador e com as testemunhas,
dando-lhes um abrao e um beijo, como nos mdicos salvadores de
sua molstia. No querendo contaminar a repblica, agem sem
litores ou carrascos, morrendo cada condenado pela mo do povo,
que o mata ou lapida, mas sempre precedido do acusador e das
testemunhas. A alguns se concede a escolha do gnero de morte,
sendo que quase sempre preferem circundar-se de saquinhos de plvora,
e ento, acendido o fogo, morrem assistidos por pessoas que os
exortam a terminar bem: toda a cidade, amargurada, suplica a Deus
que aplaque sua clera, contristando-se todos por terem sido
constrangidos a amputar um membro arruinado do corpo da repblica.
Esforam-se, igualmente, com discursos, por persuadir o culpado
de desejar e aceitar a morte. Quando no possam induzi-lo a isso,
e desde que no se trate de culpa contra a liberdade pblica, ou
contra Deus ou os supremos magistrados, a sentena no
executada; , porm, cumprida sem misericrdia quando a condenao
foi motivada por um desses trs delitos.
A religio permite que o moribundo
exponha as razes pelas quais no deveria perecer e obriga-o a
revelar as culpas dos outros, bem como as faltas dos magistrados,
afirmando que todos estes, mais do que ele, merecem a morte, e
isso em presena do povo e se assim parece sua conscincia.
Se as suas razes prevalecem, condenado ao exlio, e, com
preces e sacrifcios, purificada a cidade. No molestam,
contudo, os citados pelo culpado, limitando-se a oest-los. Os
pecados de fragilidade e de ignorncia so punidos com a desonra
ou a obrigao de mais severa castidade, ou ainda pela advertncia
aos culpados de que devem mostrar-se mais diligentes e
disciplinados na cincia ou arte contra a qual pecaram.
preciso saber, alm disso, que quando um culpado, prevenindo a
acusao, se descobre espontaneamente aos magistrados, pedindo
castigo, fica livre da pena do delito oculto, a qual
transformada em outra, quando no tenha sido acusado. Usam de
grandes cautelas para impedir a calnia, sendo todo caluniador
submetido pena de talio. Convivendo sempre em grande nmero,
requerido, como prova de um delito, o testemunho de cinco
pessoas. Sem isso, o acusado, aps o juramento, deixado livre,
sendo-lhe feitas, porm, oestaes e ameaas. Bastam trs
testemunhas e at duas para ser duplamente punido, quando a
segunda ou a terceira vez que a acusao levada ao juiz. As
leis desse povo so poucas, breves, claras, escritas sobre uma tbua
de bronze pendente dos intervalos das colunas do templo, nos quais
tambm se vem, escritas em estilo metafsico e brevssimo, as
definies da essncia das coisas, que so Deus, os Anjos, o
Mundo, as Estrelas, o Homem, o Destino, a Virtude, etc., na
verdade com grande critrio. H ainda as definies de todas
as virtudes, cada uma das quais tem um juiz prprio com assento
numa cadeira dita tribunal e colocada debaixo da coluna que traz a
definio da Virtude que deve julgar. Voltando-se para o
culpado, diz o juiz: "Filho, pecaste contra esta santa definio;
contra a beneficncia, a magnanimidade, etc. L..." E, aps
a discusso, recebe a pena merecida pelo seu mau procedimento. As
condenaes so verdadeiras e seguras medicinas, sentindo eles
mais o amor do que o castigo.
G.-M. - Desejaria que voc me
falasse, agora, dos sacerdotes, dos sacrifcios, da religio e
das outras crenas.
ALM. - Todos os primeiros
magistrados so sacerdotes, sendo Hoh o supremo. O seu papel
purificar as conscincias. Todos os cidados, mediante a confisso
auricular, revelam aos magistrados as prprias culpas, e estes,
nesse mister de purificar as almas, ficam conhecendo os vcios
mais freqentes do povo. Depois, tambm os magistrados confessam
aos trs trinviros as prprias faltas e expem mesmo as
compreensveis, sem citar o nome de nenhuma, mas confusamente,
bem como as que mais prejudicam a repblica.
Por fim, os trinviros revelam ao
Hoh as prprias faltas e as dos outros. Dessa forma, conhecidos
todos os erros que se praticam na cidade, Hoh pode aplicar-lhes os
remdios oportunos. Em seguida, oferece sacrifcios e preces a
Deus, e publicamente, no templo, confessa do alto do altar,
perante o Onipotente, as culpas de todo o povo. S o faz, porm,
quando o julga necessrio e calando sempre os nomes dos
pecadores. Depois, absolve o povo, oesta-o a precaver-se contra
as culpas citadas, oferece um segundo sacrifcio a Deus e termina
suplicando-lhe que perdoe, ilumine e proteja a cidade. Uma vez por
ano, os chefes das cidades sujeitas, juntamente com os prprios,
confessam as faltas dos seus concidados em presena do Hoh, a
fim de que este, conhecendo-as, d remdio aos males das provncias.
O sacrifcio
feito da seguinte forma. Hoh pergunta ao povo congregado qual,
dentre tantos, est disposto a sacrificar-se por seus confrades,
e o mais perfeito se oferece. Ento, feitas as preces e as cerimnias,
colocado sobre uma tbua quadrada, qual, por meio de
fivelas, se ligam quatro cordas, que descem por quatro roldanas
presas na muralha da pequena abbada. Depois de suplicar a Deus
misericordioso que se digne aceitar aquele sacrifcio humano e
espontneo, no brutal e involuntrio como entre os gentios,
Hoh manda que as cordas sejam puxadas, e a vtima, alcanando o
centro da pequena abbada, a se abandona s mais fervorosas
preces. Os sacerdotes que habitam ao redor subministram-lhe a
alimentao por uma janela, mas em pouca quantidade, a fim de
que seja completa a purificao da cidade. Depois de trinta ou
quarenta dias, aplacada a clera de Deus com preces e jejuns, ele
ou se faz sacerdote, ou ento, o que rarssimas vezes acontece,
volta ao primeiro estado, mas descendo pelo caminho externo dos
sacerdotes. a esse homem a gozar da estima e do amor
universais, pois no hesitou em morrer pelo bem da ptria. Deus
no quer a morte de quem quer que seja. Os sacerdotes que, em nmero
de vinte e quatro, habitam o alto do templo, cantam salmos a Deus,
quatro vezes ao dia, isto , meia-noite, ao meio-dia, de manh
e tarde. Consiste o seu principal empenho em estudar as
estrelas, os seus movimentos com os astrolbios, e observar a sua
influncia e relao com as coisas humanas. Conhecem ainda as
mudanas que se verificam ou que devem verificar-se em
determinada regio e numa poca determinada, tomando em
considerao tanto as predies comprovadas como as que
falharam, por meio de exploradores enviados aos pases indicados.
Isso permite que, depois de repetidas experincias, faam predies
sem receio de enganar-se. Determinam a hora da gerao, os dias
da semeadura, da vindima, da colheita, tornando-se quase que
internncios, intercessores e liames que unem os homens a Deus,
sendo que quase todos os Hoh so tirados dentre eles. Alm
disso, escrevem os fatos dignos de histria e se esforam pelo
aperfeioamento de todas as cincias. S descem para o jantar e
para a ceia. Rarssimas vezes tm relaes com as mulheres e
unicamente a ttulo de medicina. Hoh sobe diariamente, a fim de
consult-los sobre o que descobriram e estudaram em benefcio de
todas as naes do universo.
H sempre um homem do povo no
templo, a rezar diante do altar, sendo substitudo por outro
depois de uma hora, como costumamos fazer na solenidade das
quarenta horas. Esse modo de orar chamado sacrifcio perptuo.
Depois das refeies, rendem graas a Deus com sons musicais, e
cantam os feitos dos heris cristos, hebreus, gentios e de
todas as naes, fazendo isso com imenso prazer, pois no tm
dio a nenhum povo. Cantam tambm hinos ao amor, sapincia e
a todas as virtudes. Sob a direo do prprio rei, cada um
escolhe a mulher que mais lhe agrada, e, entre os peristilos, se
exercitam em honesta e jocunda dana. As mulheres trazem os
longos cabelos unidos, formando uma nica trana, com a qual
circundam a cabea, e os homens fazem um topete no meio da testa
e cortam todos os outros cabelos ao redor, usando uma espcie de
capuz redondo, um pouco mais alto do que a cabea.
No campo, cobrem a cabea com chapus;
na cidade, com barretes brancos, vermelhos e de vrias outras
cores, conforme a arte ou o ofcio. Os magistrados os possuem
maiores e mais bem guarnecidos. Com grande solenidade, celebram os
dias de festa, que transcorrem quando o sol entra nos quatro
gonzos do mundo: o Cncer, a Libra, o Capricrnio e o ries. So
representadas, ento, aes instrutivas e quase cmicas. So
tambm dias de festa os plenilnios e os novilnios, assim como
o aniversrio da fundao da cidade, de uma vitria, etc., que
se celebram com sons de trompas e de tmpanos e com cantos
feminis. Os poetas cantam os louvores dos mais ilustres
guerreiros. Todavia, quem mentir, mesmo no elogio, ser punido. No
considerado digno da nobre arte poetar quem, nas suas
fantasias, faz entrar a mentira, sendo esse abuso julgado uma das
maiores pestes do gnero humano, pois tira o prmio virtude
para oferec-lo muitas vezes ao vcio, e quase sempre por temor,
ambio, adulao ou avareza. No se erigem esttuas em
honra de ningum, a no ser depois da morte. Quem, porm,
descobrir novas artes, ou revelar segredos de grande utilidade, ou
ainda fizer relevantes benefcios civis ou militares, obtm,
mesmo em vida, a inscrio no livro dos heris. Os despojos dos
defuntos no so enterrados, mas queimados, para no darem
origem a pestes e se converterem em fogo, matria nobre e viva
que desce do sol para tornar a subir ao sol; e tambm para
impedir toda razo de idolatria.
Sempre que fazem suas oraes,
voltam-se para os quatro ngulos do mundo. De manh, olham
primeiro para o oriente, depois para o ocidente, depois para o
meio-dia. S recitam uma prece, pela qual pedem sanidade de corpo
e de mente, felicidade para si e para todos os povos, e terminam:
"Como melhor parecer a Deus". Mas, a prece pblica dura
muito tempo e se eleva ao cu. O altar redondo, indo-se a ele
por quatro caminhos que se cruzam em ngulos retos. Hoh mostra-se
sucessivamente a cada um e, depois, prostrando-se, reza com os
olhos voltados para o cu. Essa cerimnia tida como um grande
mistrio. As vestes pontificais assemelham-se, pela beleza e
magnificncia, s de Aaro (59).
Imitam a natureza e tornam maravilhosa a arte.
Dividem o tempo segundo o ano
tropical e no arbitrariamente, mas cada ano notam quanto um
antecipou o outro. Crem que o sol se aproxima cada vez mais da
terra e, percorrendo crculos cada vez menos amplos, chega, no
ano presente, aos trpicos e aos equincios, mais depressa do
que no ado.
Contam os meses pelo curso lunar e
os anos pelo solar, s os pondo de acordo no dcimo nono ano,
quando a cabea do drago termina o seu curso. Fundaram, assim,
uma nova, astronomia. Louvam Tolomeu (60)
e iram Coprnico (61),
embora lhes anteponham Ariatarco(62)
e Filolau(63).
Dizem, porm, que um observa com pedrinhas e o outro com favas,
mas nenhum conforme verdade. Do-lhes, pois, um valor ideal e
no real. Dedicam a esse estudo a mais sria aplicao.
Reputam-no de absoluta necessidade para se conhecer como
composto e construdo o mundo e se este deve ou no acabar.
Acreditam plenamente no orculo de Jesus Cristo sobre a futura
apario de sinais no sol, na lua e nas estrelas. H tolos que,
na sua ignorncia, do a essas coisas o nome de fbulas, mas se
surpreendero com o ltimo dia do mundo como com o ladro
noturno. Esperam, portanto, a renovao do sculo e, talvez
tambm o seu termo.
Dizem que reina grande obscuridade
sobre a origem do mundo, no se sabendo se foi feito do nada ou
das runas de outros mundos ou do caos, mas julgam verosmil e
mesmo certo que tenha sido feito e no seja eterno. Desprezam,
assim, a opinio de Aristteles, que eles chamam de lgico e no
de filsofo. Das anomalias astronmicas, deduzem numerosos
argumentos contra a eternidade do universo. No adoram, mas
honram o sol e as estrelas como coisas vivas, esttuas e templos
de Deus, e altares animados do cu. Antes de qualquer coisa
criada, estimam o sol, mas no consideram nenhum digna do culto
de Lafria (64).
Este reservado exclusivamente a Deus, e a ele somente servem, a
fim de que, pela lei de talio, no caiam sob a tirania e a misria.
No sol, contemplam a imagem de Deus, chamando-o de excelso rosto
do Onipotente, esttua viva, fonte de toda luz, calor, vida e
felicidade de todas as coisas. Seu altar foi erigido semelhana
do sol, e nele os sacerdotes adoram Deus, imaginando no cu um
templo, nas estrelas altares e casas habitadas por anjos bons,
nossos intercessores junto a Deus, que mostra sobretudo no cu a
sua beleza, e no sol o seu trofu e esttua.
Negam os excntricos e os epiciclos
de Tolomeu e de Coprnico. Afirmam que o cu nico e que os
planetas se movem e elevam por foras prprias quando se
aproximam e se unem ao sol, levantando-se mais devagar e devendo
percorrer um crculo cada vez mais amplo. Professam mil outras
opinies astronmicas, quase todas em oposio com as que
vulgarmente se conhecem.
Atribuem s coisas terrestres dois
princpios fsicos: o sol-pai e a terra-me. Dizem que o ar
uma poro impura do cu; que o fogo deriva plenamente do sol
que o mar provm do suor da terra ardente e fusa, constituindo um
meio de unio entre o ar e a terra, da mesma forma que o sangue o
entre os espritos e os corpos animais. Acreditam ser o mundo
um grande animal, vivendo ns no seu ventre como os vermes no
nosso, e, por isso, no pertencemos providncia prpria das
estrelas, do sol e da terra, mas somente de Deus, porque, em
relao a estas, entendidas para outro escopo, somos apenas uma
sua amplificao, tendo nascido e estando vivendo por acaso;
mas, em relao a Deus, do qual as coisas so instrumentos,
fomos criados com precincia e ordem, destinando-nos a um grande
fim. Por conseguinte, somente a Deus devemos gratido como a um
pai, e somente Deus deve ser por ns reconhecido como autor e
concessor de todas as coisas.
Crem na imortalidade da alma e,
depois da sada do corpo, na sua associao com os anjos bons
ou maus, conforme as aes da vida presente, e isso porque as
coisas semelhantes amam os seus semelhantes. Diferente da nossa
a sua opinio sobre os lugares das penas e dos prmios. Duvidam
da existncia de outros mundos alm do nosso. Consideram
mentecapto quem afirmar que existe o vcuo, pois dizem que este no
pode existir nem dentro nem fora do mundo, uma vez que Deus, ente
infinito, no pode tolerar consigo um vcuo. Recusam, contudo,
conceber um infinito corpreo.
item dois princpios metafsicos:
o Ente, que o Deus supremo, e o Nada, que a falta de
entidade, no termo da qual fisicamente se produz alguma coisa,
porque no se faz o que existe e, portanto, no existia o que
foi feito. assim, pois, do Ente e do Nada que o ser finito toma
a sua essncia. Da mesma forma, da tendncia ao no ser se
originam o mal e o pecado. O pecado tem, pois, uma causa de deficincia
e no de eficincia. Por causa deficiente, entendem eles a falta
de potncia, ou de sapincia, ou de vontade. Somente nesta ltima
colocam o pecado, pois quem sabe e pode fazer o bem deve
igualmente quer-lo, nascendo a vontade das duas primeiras e no
aquelas desta. Adoram Deus na trindade, o que causa irao,
mas dizem eles que Deus Suma Potncia, da qual procede a Suma
Sapincia, que tambm Deus, e de ambas o Amor, que Potncia
e Sapincia, embora o procedente no tenha a essncia daquilo
de que procede e no retrocede. No possuem, todavia, como os
cristos, noes distintas das trs pessoas citadas, pois V no
tiveram revelaes, mas reconhecem em Deus procedimento e relao
prpria a se, dentro de se e por se. Todos os seres, portanto,
derivam sua essncia da Potncia, da Sapincia e do Amor,
enquanto tm existncia, e da Impotncia, da Ignorncia e do
Desamor, enquanto participam do no-ser. Pelas primeiras,
adquirem mrito, e, pelas segundas, pecam, ou com ofensas contra
o costume e a arte que derivam de todas trs, ou somente do
terceiro, da mesma forma que uma natureza especial peca por ignorncia
e impotncia quando produz um monstro.
De resto, tudo isso preconhecido
e ordenado por Deus, inimigo de todo nada e fora potentssima,
sapientssima e tima. Ente nenhum que no peque em Deus pecar
fora de Deus; mas, fora de Deus, impossvel sair, mas somente
de ns, quer no que nos diz respeito, j no por causa dele,
quer no que a ele diz respeito, porque em ns h deficincia e
em Deus eficincia. O pecado , por conseguinte, ato de Deus
enquanto no tem entidade, e s a deficincia em que consiste a
essncia do pecado est dentro de ns e obra nossa, que
tendemos, por uma fora de desordem, ao no-ser.
G.-M. - Irra, que so bem
profundos!
ALM. - Oh! se me lembrasse de tudo,
se no estivesse pensando na partida e se no receasse nada,
poderia dizer-lhe coisas muito mais irveis, mas perderei o
navio se no me apressar em ir-me embora.
G.-M. - Suplico-lhe, primeiro, que
me responda a esta nica pergunta: que dizem eles do pecado de Ado
(65)?
ALM.
Confessam sinceramente que h muita iniqidade no universo. Os
homens no so governados por superiores e verdadeiras razes,
vivendo infelizes e sem escutar os bons. Triunfam os perversos, se
bem que eles considerem miservel esse triunfo, no havendo nada
de mais vo e de mais desprezvel do que querer mostrar-se
aquilo que na realidade no se ou no se merece ser, como
tantos que se chamam reis, sbios, guerreiros ou santos.
Argumentam ainda que h, por causa ignorada, uma grande desordem
nas coisas humanas. E, quanto s primeiras, inclinam-se a crer,
com Plato, que os mundos celestes sofreram, outrora, uma revoluo
do atual Ocidente para a parte agora chamada Oriente, dirigindo-se
depois para a parte oposta. Acrescentam ser possvel que o
governo da terra, com permisso do Deus Supremo, tenha sido
confiado a divindades inferiores. Mas, consideram tolice afirm-lo
de um modo absoluto, e tolice ainda maior asseverar que, primeiro,
com a mxima eqidade, tenha reinado Saturno (66),
com menor Jpiter, e depois, sucessivamente, os outros planetas.
No obstante, confessam que a idade do mundo regulada de
acordo com a srie dos planetas, e acreditam que com as mutaes
dos astros, depois de 1.000 ou 1.600 anos, podero as coisas
ar por grandes mudanas. Dizem que a idade presente parece
dever atribuir-se a Mercrio, conquanto modificada pelas grandes
conjunes e repeties das anomalias que possuem uma fora
fatal. Afirmam, finalmente, que feliz o cristo que se
contenta em acreditar que toda essa revoluo se tenha originado
do pecado de Ado. Opinam tambm que os pais transmitem aos
filhos mais o mal da pena que o da culpa. Esta pode ser atribuda
pelos filhos aos pais, quando estes tenham descurado a gerao
ou a tenham exercitado fora de tempo e lugar, ou ento quando no
se tenham tido em vista a escolha e a educao dos genitores, os
quais, se produziram mal os filhos, ainda pior os instruiro.
Toda a ateno , pois, por eles dedicada gerao e
educao, e dizem que tanto a culpa dos pais como a pena dos
filhos redundam em dano para a repblica, como o provam, na
atualidade, todas as cidades que, cheias de misria, se
degradaram ao ponto de chamarem felicidade aos prprios males,
sem nunca terem conhecido o verdadeiro bem, o que levaria a crer
que o universo governado pelo acaso. Mas, quem estuda a construo
do universo e a anatomia do homem (por eles freqentemente
praticada nos cadveres dos condenados), assim como os planetas,
os animais e a funo de cada uma de suas partes, deve confessar
em voz alta a sabedoria e a providncia de Deus. , pois, um
dever do homem consagrar-se inteiramente religio e
humilhar-se continuamente perante o prprio autor, o que s
possvel e fcil para quem estuda e conhece as obras deste,
obedecendo s suas leis e pondo em prtica a sentena do filsofo:
"No faas aos outros o que no queres que te faam; e o
que queres que te faam, faze-o aos outros." Dessa forma, ns
que pretendemos dos filhos e dos homens bens e honras em troca de
poucas vantagens que lhes concedemos, devemos dar a Deus tudo,
porque dele tudo temos recebido, e estamos nele e com ele. Glria,
pois, a Deus por todos os sculos dos sculos.
G.-M. - Na verdade, assim como essa
gente, que apenas conhece a lei natural, se aproxima tanto do
cristianismo, o qual s leis da natureza s acrescentou os
sacramentos (que conferem fora ao seguir fielmente aquelas),
assim tambm eu deduzo um grande argumento em favor da religio
crist, como sendo a nica verdadeira e que, eliminados os
abusos, dever dominar todo o universo, de conformidade com o que
ensinam e esperam os mais. eminentes telogos. E, a esse propsito,
dizem eles que os espanhis descobriram um novo mundo (embora a
primeira glria se deva a Colombo(67),
esplendor de Gnova), a fim de que todos os povos se associem sob
a mesma lei. Esses filsofos foram, portanto, eleitos por Deus,
em testemunho da verdade. Bem sei que ignoramos o que ns prprios
fazemos, mas, como somos todos instrumentos de Deus, servimos aos
seus fins, do mesmo modo que aquele que, por ambio de
riquezas, sai em busca de novas regies. Altssimos so, pois,
os fins de Deus. O sol tende a incendiar a terra e no a produzir
homens e plantas, mas Deus utiliza sua luta para tais produes.
A ele, por conseguinte, rendamos louvores e glrias.
ALM. - Oh! se voc soubesse quantas
coisas aprenderam da astrologia e tambm dos nossos profetas
acerca do sculo vindouro! Dizem eles que, em nossos dias, num
perodo de cem anos, acontecem mais fatos dignos de histria do
que nos quatro mil anos do mundo anterior, e que maior nmero de
livros foram publicados neste ltimo sculo do que nos cinqenta
ados. No cessam de elogiar a inveno da imprensa, da plvora
e da bssola, sinais particulares e, ao mesmo tempo, instrumentos
da unio de todos os habitantes do mundo num s ovil. Essas
maravilhosas invenes, acrescentam, verificaram-se quando uma
grande conjuno se realizou no tringulo de Cncer, na bside
de Mercrio e de Scorpio, sob a influncia da Lua e de Marte,
poderosos nesse tringulo para as novas descobertas martimas,
os novos exrcitos e os novos reinos. Quando, porm, e no
custar muito, a bside de Saturno entrar no Capricrnio, a de
Mercrio no Sagitrio, a de Marte na Virgem, aps as primeiras
e grandes conjunes e a apario de uma nova estrela em
Cassiopia (68),
surgir uma nova monarquia, verificar-se- a plena reforma das
leis e das artes, entender-se-o os profetas e, no universo
plenamente regenerado, a santa nao ver-se- cumulada de toda
sorte de bens. Mas, antes, ser preciso abater e desenraizar,
para depois edificar e plantar... Peo-lhe, porm, que me deixe
partir, pois que, fora daqui, me chamam mil afazeres. Saiba
somente que eles j descobriram a arte de voar, a nica que
parece faltar ao mundo. Alm disso, consideram prxima a
descoberta de instrumentos ticos com os quais sero descobertas
novas estrelas e de instrumentos acsticos to perfeitos que com
eles se chegar a escutar a msica dos cus.
G.-M. - O qu? ha! ha! ha! Voc
fala muito bem, mas me parece que essa gente astrologiza demais.
Como podem as estrelas fazer e saber tanto? O que lhe digo que
tudo, na terra, sucede na ocasio determinada por Deus.
ALM.
- Tambm eles me responderam que Deus a causa imediata de
todas as coisas, mas s como causa universal e no particular,
primitiva e no secundria. Porque Deus no come quando Pedro
come; no rouba quando Pedro rouba, se bem que derivem dele a essncia
e a faculdade de poder comer e roubar, como causa imediata da qual
depende toda outra mais particular que modifica a imensidade da ao
divina.
G.-M. - Oh ! como raciocinam bem! Os
nossos doutores escolsticos, sobretudo So Tomaz, dizem o mesmo
contra os filsofos maometanos, que professam opinio contrria.
ALM. - Dizem, portanto, que Deus
atribuiu causas universais e particulares a todo efeito, sendo que
as particulares no podem agir sem que ajam as universais. Do
mesmo modo que uma planta no florescer se o sol no aquec-la
de perto. Os tempos so, pois, efeitos das causas universais,
isto , das celestes. Por conseguinte, todos ns procedemos
segundo procede o cu. As causas livres servem-se do tempo em
favor prprio e, s vezes, tambm pelo bem das outras coisas.
Porque o homem, com o fogo, fora as rvores a florescer, e, com
a lmpada, na ausncia do sol, ilumina a prpria casa. As
causas naturais agem, pois, no tempo. Da mesma maneira que algumas
coisas se fazem de dia e outras de noite, algumas no inverno e
outras no vero, na primavera ou no outono, e isso tanto por
causas livres como naturais, assim tambm outras coisas se fazem
neste ou num futuro sculo. E, como a causa livre no
obrigada a dormir quando noite, nem a se levantar quando chega
a manh, mas age de acordo com as prprias convenincias,
aproveitando-se das alternaes dos tempos, tambm no
obrigada a descobrir o arcabuz ou a tipografia, quando se realizam
grandes snodos no Cncer, nas monarquias quando em ries, etc.
Nem podem acreditar que o Sumo Pontfice tenha proibido a
astrologia aos cultssimos cristos, mas somente aos que abusam
dela para adivinhar os atos do livre arbtrio e os acontecimentos
sobrenaturais, enquanto que as estrelas, em relao s coisas
sobrenaturais, no am de sinais e, em relao s coisas
naturais, s agem como causas universais, no ando de ocasies,
convites, tendncias. O sol, ao nascer, no nos obriga a sair da
cama, mas apenas nos convida a faz-lo, oferecendo-nos para isso
todas as comodidades, ao o que a noite impede, com mil incmodos,
que nos levantemos, sendo comodssima para dormir. Agindo, pois,
indiretamente e ao acaso sobre o livre arbtrio, ao mesmo tempo
que agem sobre o corpo e sobre a sensibilidade corprea inerente
aos rgos corpreos, a mente excitada pelos sentidos ao
amor, ao dio, ira e a todas as outras paixes, dependendo
ento do homem assentir ou opor-se paixo despertada. Assim
que as heresias, as carestias, as guerras preindicadas pelas
estrelas, muitas vezes se verificam na realidade, porque muitos
homens se deixam governar, no pela razo, mas pelos apetites
sensuais, dando lugar a essas coisas que acontecem contra a razo,
embora tambm sucedam, freqentemente, por terem obedecido
racionalmente a uma paixo, como quando se alimenta uma justa clera
para empreender uma guerra justa.
G.-M. - Voc continua a raciocinar
direito, e de suas opinies participam o j citado So Tomaz e
o nosso Sumo Pontfice, que antepem a astrologia medicina,
agricultura e nutica, O mesmo sucede com os prognsticos
conjecturais a propsito dos atos arbitrrios, sendo a ltima
opinio itida por todos os escolsticos. Mas, tendo aumentado
a malcia e verificando-se abusos, probem no as conjecturas,
mas o prognstico conjectural, e no porque seja sempre falso,
mas porque, muitas vezes, ou mesmo sempre, se torna perigoso.
por isso que os prncipes e os povos que se dedicam
excessivamente astrologia costumam imaginar males e tentar bens
impossveis, como o provam Arbace (69),
Agtoeles (70),
Druso (71),
Arquelau (72).
Com o tempo, tambm veremos coisas semelhantes, em razo do
prognstico de Tycho (73),
e o que mais lamentvel, muitos prncipes sero enganados
por charlates. Inmeros crdulos em tais conjecturas ousam mil
iniquidades contra os nossos Pontfices.
ALM. - Os solares, porm, dizem que
se deve proibir tudo quanto falso ou perigoso, podendo ser
instrumento de renovao da idolatria, de destruio da
liberdade ou de subverso da ordem poltica. Afirmo-lhe, ao
contrrio, que os solares j descobriram o modo de evitar a ao
do Fado Sidreo. Uma vez que toda arte s nos concedida por
Deus em nosso benefcio, quando est iminente um eclipse
infausto, um cometa malfico, etc., eles encerram o ameaado
dentro de casas brancas, impregnando o ambiente de aromas e de
vinagre rosado, acendem sete velas de cera aromatizada e
acrescentam alegre msica e divertidas conversaes. Dessa
forma, so destrudos os germes pestilenciais emanados do cu.
G.-M. - Irra essas coisas so todas
medicinas excelentes e bem aplicadas: o cu age sobre o corpo,
devendo sua ao ser corrigida por antdotos corpreos. No
me agrada, porm, o nmero das velas, como se a virtude de curar
residisse em determinado nmero, coisa que cheira a superstio.
ALM. - Do, decerto, valor aos nmeros,
apoiando-se na filosofia pitagrica, no sei se com razo. Mas,
no se baseiam unicamente no nmero, e sim na medicina
acompanhada de nmeros.
G.-M. - Nisso, no vejo superstio
e no conheo escritura nem canho eclesistico que condene a
fora dos nmeros. Ao contrrio, os mdicos costumam utiliz-los
nos perodos e nas crises das molstias. Alm disso, est
escrito que Deus fez todas as coisas com peso, medida e nmero,
tendo em sete dias criado o mundo; sete so, tambm, os anjos
que tocam as trompas; sete as taas; sete os troves; sete os
candelabros; sete os mistrios; sete os sacramentos; sete os dons
do Esprito, etc. Eis porque Santo Agostinho, Santo Hilrio (74)
e Origenes (75)
raciocinaram longamente sobre o valor dos nmeros, sobretudo dos
nmeros sete e seis. No serei eu que irei condenar os solares
por se fazerem mdicos segundo os signos celestes e por
defenderem o livre arbtrio. Com as sete velas, imitam eles os
sete planetas do cu, como Moiss com as sete candeias. Alm
disso, Roma sentenciou que s superstio atribuir-se todo
poder exclusivamente aos nmeros, e no s coisas numeradas.
Mas, continue, agora, o discurso interrompido.
ALM. - Dizem eles, pois, que os
signos femininos trazem a fecundidade s regies a que presidem,
da mesma forma que um governo menos robusto nas coisas inferiores,
causando e ocasionando, traz a alguns comodidade ou incomodidade,
tirando-as de outros. A prova disso que o governo das mulheres
prevaleceu em nosso sculo: nove amazonas apareceram entre a Nbia
e a Monopotapa, e na Europa vimos reinar Roxana na Turquia, Boa na
Polnia, Maria na Hungria, Elisabete na Inglaterra, Catarina na
Frana, Branca na Toscana, Margarida na Blgica, Maria na Esccia,
Isabel, que favoreceu a descoberta do Novo Mundo, na Espanha. Alm
disso, pelas mulheres que um grande poeta do nosso sculo
inicia o seu canto:
e donne, i cavalier, l'armi, gli
amori. (76) Os
poetas maldizentes e os hereges, em virtude do tringulo de Marte
na casa dominante de Mercrio e da influncia de Vnus e da
Lua, falam sempre de coisas obscenas e apaixonadas, enquanto os
homens, efeminando-se cada vez mais nos atos e na voz, se tratam
por Vossa Senhoria. Na frica, onde reina a influncia de Cncer
e de Scorpio, alm das amazonas, vem-se, em Fez e em Marrocos,
lupanares de homens e muitas outras coisas infames a que o clima
convida, mas no obriga. Ora, no obstante, o trgono de Cncer
(pois est no trpico, formando uma triplicidade no apogeu de Jpiter,
do Sol e de Marte), como de outra parte a Lua, Marte e Vnus,
favoreceu a descoberta de novos imprios, a possibilidade de
fazer a volta ao mundo e o governo das mulheres, e, por Mercrio
e Marte, a descoberta da tipografia e do arcabuz, sem contar que
deu aos homens causa, ou antes, ocasio para grandes modificaes
nas leis, sempre sob a providncia de Deus, que os convida ao bem
quando no tenham destrudo essas inclinaes. Os solares
revelaram-me coisas irveis sobre o consenso das coisas
celestes com as terrestres e com as morais, bem como sobre a difuso
do cristianismo no Novo Mundo, a sua estabilidade na Itlia e na
Espanha, e a sua runa na Alemanha setentrional, na Inglaterra,
na Escandinvia e na Pannia (77).
Mas, no quero repetir asses prognsticos, pois que,
sapientemente, o nosso Papa os proibiu. E, ao mesmo tempo que
Xerifos (78) e
Sofos (79)
introduziam modificaes na frica e na Prsia, Wiclef (80),
Huss (81) e
Lutero (82)
atacavam a religio entre ns, enquanto os Mnimos (83)
e os Capuchinhos (84)
a ilustravam. Disseram-me como do prprio movimento do cu se
serviam alguns para o bem e outros para o mal, se bem que as
heresias sejam includas pelo Apstolo entre as obras da carne e
subordinadas s influncias sensveis exercidas por Marte, por
Saturno e pela Terra, graas vontade que espontaneamente a
eles se submete. Acrescentarei apenas que os solares descobriram a
arte de voar e outras artes sob a constituio da Lua e de Mercrio,
graas bside do Sol, pois que essas estrelas tm influncia
no ar para a arte do vo. E o que produzem nas regies aquosas
pelo nado, fazem-no, nas regies equatoriais, no ar, pelo vo,
graas posio da Terra e ao lugar de mais sol. Descobriram,
assim, uma nova astronomia, porque no outro hemisfrio, do
equador ao austro, na cana do Sol, h o Aqurio, na da Lua o
Capricrnio, etc. Tomaram em sentido contrrio todas as influncias
e signos, porque naquelas regies os signos tm outro nome e os
planetas no se distribuem como nas nossas e nas regies
polares. No repetirei o que aprendi daqueles sbios sobre as
mutaes das bsides e a excentricidade e obliqidade dos
equincios, dos solstcios e dos plos, dos signos celestes e
dos entrecruzamentos pelos quais agem no espao imenso da mquina
do mundo; nem sobre as relaes simblicas das nossas coisas
com as que esto fora do nosso mundo; nem sobre a revoluo que
se seguir grande conjuno no ries e na Libra, signos
equinociais do restabelecimento das monarquias, e que se verificar
com grande estupor aps a grande conjuno que confirmar o
decreto de quem estabeleceu a mutao e a renovao da terra.
Mas, no me faa demorar mais, pois tenho muitas outras coisas
que fazer e voc sabe quantos afazeres tenho a meu cargo. Por
ora, basta saber que eles no destroem, mas, ao contrrio,
edificam o sistema do livre arbtrio. E dizem que do mesmo modo
que um eminente filsofo, por quarenta horas cruelmente
atormentado por seus inimigos, que no conseguem nunca
arrancar-lhe da boca uma palavra sobre o que perguntam, porque
intimamente resolveu calar-se, assim tambm as estrelas que se
movem distncia e com lentido no podem constranger-nos a
nenhum ato contra a nossa vontade, como no podem governar-nos,
nem por obrigatrio decreto de Deus, pois somos to livres que
podemos blasfemar contra o prprio Deus. Deus no fora a si
nem aos outros contra si. Pode Deus, acaso, ser dividido? Mas,
como as estrelas operam nos sentidos algumas insensveis e ligeirssimas
modificaes, sucede que sofrem sua influncia sobretudo os que
obedecem mais aos sentidos do que ao raio divino da razo. Eis
porque a mesma constelao que traz ftidos vapores das mandbulas
cadavricas dos hereges tambm serve para produzir fragrantes
exalaes das retas inteligncias dos que fundaram as religies
dos Jesutas (85),
dos Irmos Mnimos e dos Capuchinhos. Foi tambm sob a sua
influncia que se deu a descoberta do novo hemisfrio com que
Colombo e Cortez (86)
abriram nova arena propagao da religio crist.
Agora, esto iminentes no mundo
grandes acontecimentos, cuja exposio reservo, porm, para
melhor oportunidade.
G.-M. - Responda ao menos a esta nica
pergunta: como que, sem velas e sem remos, pem eles os navios
em movimento?
ALM. - H na popa uma grande roda
em forma de leque, presa extremidade de uma vara que,
equilibrada do lado oposto por um peso nela suspenso, pode ser
facilmente levantada e abaixada por um menino. Todo o mecanismo se
move sobre uma prancha sustentada por duas forquilhas. Alm
disso, alguns navios so postos em movimento por duas rodas que
giram dentro d'gua por meio de cordas que partem de uma grande
roda posta na proa e, entrecruzando-se, circundam as rodas da
popa. Posta em movimento, sem dificuldade, a grande roda faz girar
as pequenas mergulhadas na gua, semelhana da pequena mquina
de que se servem as mulheres calabresas para enrolar e fiar o
linho.
G.-M. - Espere, espere um instante.
ALM. - No posso, no posso.
QUESTES SOBRE A TIMA REPBLICA 3b1ec
ARTIGO PRIMEIRO 2z3e48
Se com razo e utilidade que se
acrescenta doutrina poltica o dilogo da Cidade do Sol.
Mais dificuldades militam contra a
razoabilidade e a utilidade de uma tal repblica.
1o. - Do que nunca existiu, nem
existir, nem se espera que exista, intil e vo tratar.
Semelhante modo de viver em comum, inteiramente isento de delitos,
impossvel, nem nunca se viu, nem se ver. Foi, pois,
inutilmente que nos ocupamos com isso. Do mesmo argumento usava
Luciano (87)
contra a repblica de Plato.
2o, - Essa repblica s pode
subsistir numa cidade e no num reino, pois no se podem
encontrar lugares inteiramente semelhantes. Dessa forma, ser
corrompida pelos povos sujeitos, pelo comrcio ou pelas sedies
que irromperem contra to austera maneira de viver.
3o. - Essa repblica foi imaginada
tima e perene. Ora, em primeiro lugar, no poder ser perene,
porque necessariamente acabar se corrompendo ou sendo invadida
pela peste proveniente do longo domicilio, no estando livre do
vento, da guerra, da carestia, das feras, e no podendo escapar
tirania interna, ou, finalmente, pelo excessivo nmero de
cidados, como dizia Plato da sua repblica. Em segundo lugar,
no poder ser tima, pois necessariamente haver delitos,
como diz o apstolo: Si discessimus quia peccatum non habemus,
ipsi nos seducimus (88).
Alm disso, Aristteles prova, contra Plato, que a comunidade
dos bens teis e das mulheres torna viciosa uma repblica e,
quando nos parece que desapareceu um mal, deparamos em seguida com
uma poro.
4o. - Esse modo de viver mais
conforme natureza que provado pelo uso de todas as naes. O
nosso, porm, repelido por todas, de forma que foi intil e
leviana a nossa palestra.
5o. - Ningum desejaria viver
submetido a leis e observncias to severas e sob a tutela dos
pedagogos. Essa repblica seria derrubada pelos prprios cidados,
como acontece em muitas ordens religiosas que vivem em comunidade.
6o. - natural que os homens
estudem as obras de Deus, viajem pelo mundo, procurem em toda
parte as cincias, faam experincia de tudo. Mas, os
habitantes de uma tal repblica seriam como os monges, que s
estudam nos livros e, quando ouvem alguma coisa que no se acha
neles, se escandalizam e se perturbam. Assim como agora mal crem
nas observaes de Galileu (89),
antes no acreditavam que Colombo tivesse descoberto um novo
hemisfrio, porque Santo Agostinho o nega.
Mas, respondendo primeiro em geral,
existe em nosso favor o exemplo de Thomas More, mrtir recente,
que escreveu a sua repblica Utopia, imaginria, exemplo no qual
encontramos as instituies da nossa. Plato, igualmente,
apresentou uma idia da repblica que, embora no possa, como
dizem os telogos, ser posta integralmente em prtica na
natureza corrupta, teria podido, contudo, subsistir no estado de
inocncia, isto , justamente aquele ao qual Cristo nos faz
voltar. Aristteles, por sua vez, instituiu a sua repblica. E
assim muitos outros filsofos. Paralelamente, os prncipes
promulgam leis que consideram timas, no porque imaginem que
ningum as transgredir, mas porque julgam tornar felizes os que
as observam. E So Tomaz ensina que os religiosos no so forados,
sob pena de pecado, a observar tudo o que prescrito na regra,
mas apenas as coisas mais essenciais, embora fossem mais felizes
se a observassem toda: devem viver de acordo com a regra, isto
adaptar sua vida regra, to comodamente quanto possvel. Moiss
promulgou leis dadas por Deus e instituiu uma tima repblica:
enquanto os hebreus viveram pelas normas da mesma, floresceram;
quando deixaram de observar suas leis, decaram. E assim os retricos,
que estabelecem as timas regras de um bom discurso, isento de
qualquer defeito. Assim os filsofos, que imaginam um poema sem
nenhum seno, se bem que nenhum poeta se tenha livrado disso.
Assim os telogos, que descrevem a vida dos santos, embora nenhum
ou muito poucos a imitem. Qual , pois, a nao capaz de imitar
a vida de Cristo, sem pecado? E, por isso, os Evangelhos tero
sido escritos inutilmente! Jamais, e sim para que nos esforcemos
por nos aproximarmos deles tanto quanto possvel. Cristo
estabeleceu uma repblica excelentssima, isenta de todo pecado,
que apenas os apstolos observaram integralmente, depois ou
do povo ao clero e, afinal, exclusivamente aos monges, sendo que,
entre estes, persevera em alguns, ao o que, em outros, vs
muito poucos institutos que se conservam em harmonia com a mesma.
Apresentamos, pois, a nossa repblica,
no como dada por Deus, mas como uma descoberta filosfica e da
razo humana para demonstrar que a verdade do Evangelho
conforme natureza. Se, em algumas coisas, nos afastamos do
Evangelho, ou parece que nos afastamos, isso no se deve atribuir
impiedade, mas fraqueza humana, que, falta de revelao,
julga justas muitas coisas que luz da mesma no o so, como
podemos dizer da comunidade dos matrimnios. Foi por isso que
imaginamos a nossa repblica no gentilismo que espera a revelao
de uma vida melhor e que, vivendo segundo os ditames da razo,
merece possu-la. Alm disso, so catecmenos da vida crist,
razo que levou Cirilo (90)
a dizer, contra Juliano (91),
que a filosofia foi dada aos gentios como catecismo para a f
crist. Por conseguinte, para ensinar os gentios a viver
retamente, se no quiserem ser abandonados por Deus, e convencer
os cristos de que a vida de Cristo conforme natureza,
tomamos o exemplo desta repblica, como So Clemente romano
tomou o da repblica socrtica e como fizeram So Crisstomo e
Santo Ambrsio (92).
,
portanto, claro que, com essa maneira de viver, no tendo os
magistrados motivos para ambicionar os postos, desaparecem todos
os vcios, assim como todos os abusos decorrentes da sucesso,
da eleio ou da sorte, pois estabelecemos uma espcie de repblica
como a dos grua e a das abelhas, celebradas por Santo Ambrsio.
Desaparecem, igualmente, as sedies dos sditos, que decorrem
da insolncia dos magistrados, da sua licenciosidade, da pobreza,
da abjeo e da opresso desenfreadas.
E assim todos os males provenientes
dos dois contrrios, a riqueza e a pobreza, que Plato e Salomo
consideram como a origem dos males da repblica: a avareza, a
adulao, a fraude, os furtos, a sordidez da pobreza; e a
rapina, a arrogncia, a soberba, a ociosidade, etc., da riqueza.
Assim se destroem os vcios
provocados pelo abuso do amor, como os adultrios, a fornicao,
a sodomia, os abortos, o cime, as discrdias domsticas, etc.
Assim os males que procedem do
excesso de amor dos filhos ou dos consortes; a propriedade que
elimina, como diz Santo Agostinho, as foras da caridade; o amor
prprio que ocasiona todos os males, como diz Santa Catarina num
dilogo; a avareza, a usura, a iliberalidade, o dio do prximo,
a inveja dos ricos e dos grandes. Ns, ao contrrio, aumentamos
o amor da comunidade e acabamos com os dios despertados pela
avareza, raiz de todos os males, e com os conflitos, as fraudes,
os falsos testemunhos, etc.
Assim todos os males do corpo e da
alma, provenientes do trabalho excessivo para os pobres e do cio
para os ricos. Entre ns, as fadigas so igualmente divididas.
Assim os males oriundos do cio nas
mulheres e que corrompem a gerao e a sade do corpo e do esprito.
Entre ns, elas se ocupam com os exerccios e as virtudes que
lhes so prprias.
Assim os males que nascem da ignorncia
e da estupidez. Em nossa repblica, observa-se uma grande experincia
de doutrina em cada coisa e na prpria construo da cidade,
onde h imagens e pinturas que ensinam, a quem olh-las, todas
as cincias, de forma quase histrica.
Assim se providencia
maravilhosamente contra a corrupo das leis.
Finalmente, como evitamos em cada
coisa os extremos, reduzindo todas justa medida na qual se
encontra a virtude, no se pode imaginar repblica mais feliz e
mais fcil. Em suma, todos os defeitos que se notam nas repblicas
de Minos (93),
de Slon, de Caronda, de Rmulo (94),
de Plato, de Aristteles e de outros autores, no se encontram
na nossa, pois bem protegida e felizmente provida de tudo,
tendo sido deduzida da doutrina das primalidades metafsicas, com
as quais nada esquecido ou omitido.
A primeira dificuldade, segundo a
qual no se pode alcanar exatamente a idia de uma tal repblica,
est, pois, respondido que nem por isso se escreveu inutilmente,
porque o que se prope um exemplo que deve ser imitado tanto
quanto possvel. Quanto sua exeqibilidade, est ela
demonstrada pela vida dos primeiros cristos, entre os quais se
estabeleceu a comunidade ao tempo dos apstolos, como o atestam So
Lucas (95) e So
Clemente. Em Alexandria, observou-se o mesmo modo de viver, ao
tempo de So Marcos (96),
como o atestam Filo (97)
e So Jernimo (98).
Tal foi a vida do clero at Urbano I e tambm ao tempo de Santo
Agostinho. Tal , agora, a vida dos monges, que S. Crisstomo,
considerando-a possvel, deseja que se introduza em toda a cidade
de Constantinopla e que eu espero se realize no futuro, depois da
runa do Anticristo, como nas minhas profecias. Mesmo quem a
negar aristotelicamente ser constrangido a iti-la como possvel
no estado de inocncia, embora no no presente. Os padres, porm,
a consideram praticvel mesmo agora, pois Cristo nos reduziu quele
primeiro estado. E, se Luciano, gentio e ateu, ridiculariza Plato
por ter imaginado uma repblica impossvel, So Clemente, Santo
Ambrsio e So Crisstomo o louvam. E estes, por sua doutrina e
santidade, podem bem antepor-se a mil Lucianos.
Segunda objeo. Atribumos um
tal modo de viver somente capital. Mas, as aldeias imitaro,
depois, esse sistema, parcial ou totalmente, at formarem uma
provncia. Lugares adequados sero encontrados com facilidade e,
quando faltarem, variaremos a forma, de modo que, na parte mais
alta da cidade, fique o chefe, e nos apndices semicirculares as
habitaes. Mas, mesmo no plano, ser bom o nosso modelo, desde
que no o impea a lama, que pode ser evitada pelo calamento
das ruas e por aquedutos. Alm disso, para que os habitantes no
sejam corrompidos pelo comrcio, existem no projeto os
magistrados incumbidos desse mister. Para evitar as sedies
externas, h as fortalezas bem guarnecidas da metrpole e as milcias
que se movimentam continuamente para a defesa do imprio. De
resto, servir a probidade da cidade dominante uma felicidade to
grande como a dos ignorantes ao servirem o sbio e o probo.
Cresce mais o imprio com essa opinio de probidade do que com a
fora de Roma. J sob Pomplio, era considerado nefando atacar
os inimigos com meios contrrios virtude.
Terceira objeo. Durar at a
um dos perodos gerais das coisas humanas que do origem a um
novo sculo: Porque, quanto peste, s feras, fome,
guerra, providenciamos otimamente, na medida do possvel, com a
virtude, ou, pelo menos o fizemos melhor do que se costuma fazer
fora. Com efeito, os ventos, pelas quatro ruas maiores, purgam a
cidade, e onde as casas o impedem, existem as janelas, colocadas
de modo que possam fechar-se s ms exalaes e abrir-se s
salubres. Quanto ao nmero dos habitantes, vede a metafsica.
Afirmo que esta uma via tima, que deve ser mais cuidada do
que a durao.
Certamente, haver pecados, mas no
graves, como nos outros Estados, ou pelo menos no to grandes
ao ponto de arruinarem a repblica, como acontece com as ordens
estabelecidas. Quanto ao que Aristteles objeta a uma tal repblica,
ser desfeito nos artigos subsequentes.
Quarta objeo. Afirmo que essa
repblica, como o sculo de ouro, desejada por todos e
reclamada por Deus, quando pedimos que a sua vontade seja feita
assim no cu como na terra. Se no praticada, isso se deve
maldade dos prncipes, que submetem os povos a si e no ao imprio
da razo suprema. O uso e a experincia demonstram, pois, a
possibilidade do que dissemos, sendo mais natural viver conforme
razo do que ao afeto sensual, e virtuosa do que viciosamente,
segundo So Crisstomo. Os monges so uma prova disso, e agora
os anabatistas, que vivem em comum e que, se observassem os
verdadeiros dogmas da f, maior proveito teriam com esse sistema
de vida. Se o cu permitisse que no fossem hereges e
praticassem a justia como a professamos, seriam eles exemplo da
sua verdade. No sei, porm, por que tolice recusam o melhor.
Quinta objeo. E, ao contrrio,
uma suprema felicidade viver virtuosamente, como diz So Crisstomo,
e se cometes uma falta, logo a corriges, antes de sofrer-lhe os
efeitos. A licenciosidade a causa dos males, sendo feliz a
necessidade que nos fora ao bem. A ns, habituados ao mal,
que nos parece duro esse gnero de vida, como aos jogadores e aos
discolos a vida dos bons cidados, e a estes a vida dos monges.
Mas, experimentai, e vereis que os religiosos nunca se revoltam
pela severidade da disciplina, e, quando isso acontece, pelo
comrcio dos laicos, pela ambio das honras e o amor da
propriedade, ou pela libidinagem. Mas, em nossa repblica, foram
previstas e evitadas todas essas causas. No segue, pois, o
exemplo daqueles.
Sexta objeo. Procuramos,
igualmente, para a nossa repblica, fazer tesouro das observaes
da experincia e da cincia de toda a terra. Para isso,
estabelecemos at peregrinaes, comunicaes de comrcio e
embaixadas. E nem os monges se privam desses bens mudando muitas
vezes de cidade e de provncia, nem a ignorncia da experincia
se verifica nos melhores monges, umas somente nos vulgares. Suas
querelas so um meio de melhor discutir as coisas; depois que se
esclarecem, ficam tranqilos todos os virtuosos. No achars
nenhum lugar em que mais se tenha feito pela doutrina e a conservao
das cincias do que nas ordens dos monges e dos frades. Quanto
aos monges antropomorfitas (99),
que se insurgiram contra Orgenes por instigao do maligno
patriarca Tefilo, nada obtiveram depois de um exato exame.
claro, porm, que tais sedies no se verificaro na Cidade
do Sol. O monaquismo (100)
foi institudo para o aumento da santidade e da cincia, e no
para agravar a submisso, como pretendem os hipcritas.
ARTIGO SEGUNDO 42492z
Se mais conforme natureza e
mais til conservao e ao aumento da repblica e dos
particulares a comunidade dos bens externos, como sustentam Scrates
e Plato, ou a diviso defendida por Aristteles.
Primeira objeo. Contra a
comunidade dos bens, no segundo livro da Poltica, argumenta
Aristteles deste modo: nessa comunidade, diz ele, ou os campos
seriam prprios e os frutos comuns ou vice-versa, ou ainda comuns
tanto uns como os outros. No primeiro caso, quem tivesse mais
terra deveria trabalhar mais para cultiv-la e obter uma parte de
frutos igual dos que no trabalhassem, o que provocaria discrdias
e runa. No segundo caso, ningum seria estimulado ao trabalho e
os campos seriam mal cultivados, porque cada qual pensaria mais em
si do que nas coisas comuns. Com efeito, onde h uma multido de
servos, o servio pior, cada qual deixando para o outro o
trabalho que deveria fazer. No terceiro caso, aconteceria o mesmo
e, alm disso, um novo mal, pois cada qual desejaria ter a melhor
e a maior parte dos frutos e a menor das fadigas, de maneira que,
em lugar da amizade, s haveria discrdia e fraude.
Segunda objeo. Contra a
comunidade dos bens teis, objeta-se que so necessrias mais
classes de pessoas para o bom governo da repblica, como
soldados, artfices e governadores, segundo Scrates; que, se
todas as coisas fossem comuns, cada um recusaria as fadigas da
agricultura e desejaria ser soldado, sendo que, em tempo de
guerra, preferiria ser agricultor, alm de no combater sem
estipndio; que, em suma, todos quereriam ser regedores, juizes
ou sacerdotes. Dessa forma, honrando alguns, deprimir-se-iam os
outros, cabendo aos primeiros menor trabalho, de forma que
subsistiria a injustia. Por conseguinte, melhor dividir os
bens.
Terceira objeo. A comunidade
destri a liberalidade e a faculdade de praticar a hospitalidade,
de socorrer os pobres, porque quem nada possui de seu de nada pode
dispor.
Quarta objeo. uma heresia
negar a justia da diviso dos bens, sustentada por Santo
Agostinho contra os que tinham em comum as mulheres e os bens, sob
a alegao de que assim viviam os apstolos. Scot, no livro De
Justitiae et Jure, diz que o conclio de Constana (101),
condenou Joo Huss por negar que se pudesse ter alguma coisa em
particular. E Cristo disse: Reddite que sunt Caesaris Caesari (102).
Em resposta, replicamos, em geral,
com as palavras do papa So Clemente na epstola 4, citadas por
Graciano (103)
no cnone 2, questo I: "Carssimos, o uso de todas as
coisas que esto neste mundo devia ser comum; por iniqidade,
porm, um diz que isto seu, outro aquilo, etc." E
acrescenta que os apstolos ensinaram e viveram de modo que tudo
fosse comum, inclusive as mulheres. Assim ensinam, igualmente,
todos os padres, ao comentarem o princpio do Gnese, segundo o
qual Deus no distribuiu nada e deixou tudo em comum aos homens,
para crescerem, multiplicarem-se e povoarem a terra. E tambm
assim ensina Isidoro (104),
no captulo do jus natural. Quanto a terem os apstolos vivido
dessa maneira, como todos os cristos primitivos, v-se por So
Lucas, So Clemente, Tertuliano, Crisstomo, Agostinho, Ambrsio,
Filo, Orgenes e outros. Esse sistema de vida restringiu-se,
depois somente aos clrigos que viviam em comum, como o atestam
eles prprios e So Jernimo, Prspero (105),
o Papa Urbano e outros. Mas, sob o papa Simplcio, mais ou menos
no ano 470, foi feita pelo mesmo a diviso dos bens da Igreja, de
forma que uma parte coubesse ao bispo, outra fbrica, outra ao
clero e uma aos pobres. Mais tarde, Gelsio, papa pouco depois, e
Santo Agostinho no quiseram ordenar clrigos, porque estes
punham tudo em comum. Mas, em seguida, para evitar os hipcritas
que ocultavam o que era seu, isso foi permitido, mas no de bom
grado. , pois, uma heresia condenar a vida comum ou diz-la
contra a natureza. Ao contrrio, Santo Agostinho pensa que tomar
a propriedade uma razo de maior esplendor. Assim, quer para a
vida presente, quer para a futura, melhor a comunidade dos
bens. E So Crisstomo informa que esse gnero de vida existiu
entre os monges e ele o adota, insinuando-o e pregando-o a todos.
Ensina ainda, na homlia, ao povo da Antiquia (106),
que ningum dono dos seus bens, mas apenas despenseiro, como o
o bispo dos da igreja, sendo culpvel todo laico que abusa dos
seus bens sem comunic-los aos outros. Diz So Tomaz que somos
donos da propriedade, no do uso, pois que, em extrema
necessidade, todas as coisas so comuns. Por isso, se refletires
bem, uma tal propriedade antes um tributo pela obrigao de
reconhecer a m distribuio, o que , alis, confirmado por
So Baslio no sermo aos ricos e por Santo Ambrsio no sermo
81. So Crisstomo inculca-o em quase todas as suas homilias e,
particularmente, no captulo 6, sobre So Lucas, onde se acham
estas palavras: Nemo dicat proprio a Deo percipimus omnia:
mendacii verba sunt meum et tuum (107).
O mesmo afirma Scrates na Repblica de Plato ou de Timeu (108),
o mesmo Santo Agostinho no tratado 8o. sobre Joo, e o mesmo o
poeta Cristiano:
Si duo de nostris tollas pronomina
rebus, Proelia cessarent, pax sine lite foret. (109)
Ovdio (110),
nas Metamorfoses, I, pe esse sistema de vida no sculo de ouro.
Ambrsio, na carta L, sobre o salmo 118, diz: Dominus noster
terras hanc possessionem omnium hominum voluit esse communem; sed
avaritia possessionum jura distribuit (111).
E, no livro de Virg., diz que a violncia, o morticnio e a
guerra distriburam as coisas aos hebreus carnais, e no aos
levitas (112),
que representavam o cristianismo e o clero. So Clemente, mais
tarde, afirma que isso se deve iniquidade dos gentios. O mesmo
Santo Ambrsio, no livro I dos Ofcios, captulo 28, prova, com
a escritura e com a autoridade dos historiadores, que todas as
coisas eram comuns, tendo sido divididas por usurpao; e, no
Hexam, V, ensina, com o exemplo da repblica civil das abelhas, a
vida em comum, tanto dos bens como da gerao, e, com o exemplo
dos grus, desenvolve a vida comum numa repblica militar. Jesus
Cristo prova o mesmo com o exemplo dos pssaros, que no possuem
nada de prprio, nem semeiam, nem ceifam, nem dividem o pasto; no
entanto, como diz o jurisperito, jus naturale est id quod natura
omnia animalia docuit (113).
, pois, certo que, por direito natural, todas as coisas so
comuns.
Scot, no 4 das sentenas 15,
responde que a comunidade de direito natural no estado de
natureza, tendo sido tal direito derrogado com o pecado de Ado.
Falsa, porm, essa resposta, porque, como diz So Tomaz, o
pecado no destri os bens de natureza, mas apenas os de graa.
Isso ofende a natureza e a razo, mas no introduz um novo
direito; portanto, se a comunidade era de direito, s a injustia
poderia ter introduzido a diviso. Eis porque tambm a glosa
sobre o texto de So Clemente diz que esta foi introduzida per
iniquitatem, idest per jus gentium contrarium juri naturali (114).
Mas, como pode ser um direito, se contrario natureza, que
a arte divina? Nesse caso, o direito seria um pecado. Scot
responde que isso se deve iniqidade, isto , ao pecado
original, mas esse comentrio falso, porque como explicar
ele as palavras de Santo Ambrsio, que diz ter sido a diviso
introduzida pela avareza e pela violncia? De resto, So
Clemente diz que os apstolos nos fizeram voltar ao estado de jus
natural, de onde resulta que o que foi iniqidade o tambm
agora, Caetano ensina que se tratava de uma comunidade natural
negativa, isto , que a natureza no ensinou a diviso, e no
afirmativa, como se tivesse dito que se vivia em comum e no de
outro modo. E Scot, como de costume, adere a essa opinio, mas
acrescenta: "Como , ento, que a diviso provm da iniqidade
e da avareza, como ensinam os santos, se a comunidade no estado de
natureza era apenas negativa?" Por isso, com mais razo
ainda, ensina So Tomaz que o uso comum de direito natural,
sendo a distribuio e a aquisio da propriedade de direito
positivo. E essa diviso no pode ser contrria natureza,
porque essa propriedade , no caso, de necessidade, e, em tudo o
que sucede, o necessrio se torna comunidade, como ensina ao
falar das esmolas, e tudo o que excede as necessidades da pessoa e
da natureza deve ser dado, pois de outra forma no seriam
condenados no dia do juzo os que no aliviaram os necessitados.
E, embora essa doutrina de So Tomaz parea justificar, at
certo ponto, a diviso, s lhe reconhece, contudo, o direito de
distribuir e de aliviar, de onde se conclui, segundo a doutrina de
So Crisstomo, Baslio, Ambrsio e do papa Leo (ser. V, de
Collectis), que os ricos so distribuidores e no donos das
coisas; que, se so senhores, s o so de distribuir e dar,
como os bispos da parte da Igreja; que, por conseguinte, a parte
de que so senhores se limita comida e ao vesturio. E essa
parte a possuem tambm os monges, como lhas atribui e prova o
papa Joo XXII nas Extrav. Uma vez que o monge e o apstolo
comem de direito e no injustamente, tm eles igualmente o uso
de direito e no somente de fato, j que este ltimo direito o
tem o ladro quando come as coisas de outrem. Scot acha que esse
papa errou, tendo assim decidido pelo dio contra os franciscanos
(115), pois os
pontfices Clemente V e Nicolau III concedem aos franciscanos
somente o uso de fato, no de direito, como um convidado ceia
come somente de fato e no de direito. Mas, Scot se engana e
injustamente condena um papa, pois os pontfices por ele citados
no destroem o direito de jus natural, mas apenas o direito
positivo, e tambm So Tomaz pensa que, nas coisas que se
destroem com o uso, no se pode distinguir o uso do domnio,
como se v no tratado do usufruto das coisas que se consomem com
o uso (livro 2). Eis porque esses pontfices no se contradizem
entre si, como ensina Joo XXII, mas, ao contrrio, herege
quem nega o uso de direito aos apstolos e a Cristo, porque ento
no teriam comido de direito, mas injustamente, como o ladro. O
ladro tem o direito de fato, mas na necessidade tem tambm o
direito natural. De tudo isso resulta a solidez da doutrina dos
santos contra os tolos que pem a boca no mundo. O convidado come
de direito e o seu ttulo a doao, no menor que o ttulo
de venda. Mas, pergunto: So os ricos obrigados a restituir o suprfluo?
a quem? aos pobres ou repblica? Respondo que repblica e
aos pobres, mas, para no haver lugar para disputa, porque no
adquiriram um direito positivo, digo que a Deus, a quem devero
prestar contas no dia final, como ensinam So Baslio (116),
Ambrsio e Leo.
Por conseguinte, com a nossa repblica,
so tranqilizadas as conscincias, eliminada a avareza, raiz
de todo mal, bem como as fraudes cometidas nos contratos, os
furtos, as rapinas, a indolncia e a opresso dos pobres, a
ignorncia que invade tambm os engenhos mais bem formados,
porque fogem obrigao quando pretendem filosofar, e as
preocupaes inteis, as fadigas, o dinheiro que mantm os
negociantes, a iliberalidade, a soberba e os outros males
produzidos pela diviso: o amor prprio, as inimizades, as
invejas, as insdias, como j se mostrou. Distribuindo-se as
honras segundo as aptides naturais, evitam-se os males causados
pela sucesso, pela eleio e pela ambio, como ensina Santo
Ambrsio falando da repblica das abelhas. assim seguimos a
natureza, que tima mestra, como no caso das abelhas. A eleio
de que fazemos uso no licenciosa, mas natural, sendo eleitos
os que se distinguem pelas virtudes naturais e morais.
Respondendo agora, em particular,
primeira objeo, digamos que Aristteles erra espontaneamente
e de m f, pois tambm para Plato os fundos, os frutos e as
tarefas so comuns. Em nossa repblica, as tarefas so distribudas
pelos magistrados das artes, segundo a capacidade e a fora de
cada um, e executadas pelos chefes das artes com toda a multido,
como se v no texto. Nada pode ser usurpado de algum,
nutrindo-se todos mesa comum e recebendo a roupa do magistrado
do vesturio, segundo a qualidade e as estaes e conforme
sade. E tambm o que se verifica entre os monges e os apstolos.
Portanto, Aristteles tagarela inutilmente. No era o caso de
examinar, no texto, o modo de distribuio das roupas segundo as
estaes, o trabalho, a arte, a execuo, etc., nem ningum
encontrar nisso dificuldade, pois todas as coisas so feitas
com razo, de forma que cada um gosta de fazer aquilo que
conforme sua disposio natural. E justamente o que se
pratica na nossa repblica.
segunda objeo, responda-se
que cada um, desde a infncia e segundo as disposies
naturais, aplicado pelos magistrados s vrias artes, e quem
quer que por experincia e por doutrina se revele timo
preferido na arte para a qual idneo. Dessa forma, s os que
forem excelentes podem tornar-se supremos magistrados, de acordo
com a ordem observada no texto. Portanto, nem o soldado desejaria
tornar-se capito, nem o agricultor sacerdote, pois os cargos so
distribudos segundo a experincia e a doutrina, no por favor
ou parentesco, mas adequados aos conhecimentos. E cada um exerce a
profisso no ramo em que se distingue. Os primeiros magistrados no
podem honrar uns e reprimir outros; no governando
arbitrariamente, mas seguindo a natureza, do a cada um a profisso
conveniente. Como no possuem nada de prprio para poderem
violar o direito alheio com o fim de engrandecer os filhos, convm-lhes
agir bem para serem honrados. Eis porque, considerando-se todos
como irmos, filhos e parentes, um igual amor se mantm por
todos sem nenhuma distino. Ningum combate mediante
pagamento, mas por si, pelos filhos e pelos irmos. Possuindo
cada qual com que viver bem, ningum tem necessidade de estipndio,
mas da honra que obtm dos irmos por suas aes valorosas. Os
romanos, at guerra de Tarracina (117),
combateram sem estipndio e porfiavam em morrer pela ptria;
vindo, porm, o amor da propriedade, principiou a faltar a
virtude. Salstio e Santo Agostinho ensinam que eles alcanaram
tanto imprio por amor comunidade. Citado por Salstio (118),
diz Cato: Publicae opes et privata paupertas, foris justum
imperium, intus indicendo animus liber, neque formidini neque
cupiditati obnoxius, rem Romanam auxere. Em nossa repblica,
essas coisas se conservam muito melhores pela comunidade dos bens
teis e honestos, sob a guia da natureza.
Terceira
objeo. Tanto Aristteles como Scot falam inconsideradamente,
para no dizer impiamente. No sero liberais os monges e os apstolos
por no possurem nada de prprio? A liberalidade no consiste
em dar o que se usurpou, mas em pr tudo em comum, como afirma So
Tomaz. Podes ver, no texto, como se honram os hspedes da repblica
e como se socorrem os miserveis por natureza, pois no h,
entre ns, nenhum miservel por fortuna, de vez que todas as
coisas so comuns e todos irmos, sendo indicados os mtuos ofcios
com os quais se mostra a liberalidade. E, se se insistir ainda a
esse respeito, direi que transformaram a liberalidade em beneficncia,
que superior primeira.
Quarta objeo. Scot argumenta,
como de costume, com pnica f, pois o prprio Santo Agostinho,
no captulo 4 de haeres, e So Tomaz 2, 2 quest. 66, art. 2,
ensinam que so hereges os que dizem no poderem ser salvos os
que possuem alguma coisa em propriedade, do mesmo modo que os que
sustentam dever usar-se o vago concbito das mulheres, no
porque preguem a comunidade, mas porque constitui maior heresia
negar a comunidade, que os apstolos e os monges observam, do que
a diviso. Concedamos, pois, que a Igreja reconheceu a diviso,
antes tolerante do que positiva e diretamente. Mas, como diz Santo
Agostinho, foi porque era melhor ter clrigos coxos do que
mortos, isto , proprietrios do que hipcritas. E o prprio
Scot sustenta, depois, que a diviso foi introduzida em virtude
da negligncia com que se tratavam as coisas comuns e da cobia
do prprio interesse, cuja raiz sendo m, a diviso no pode
ser boa, mas apenas permitida, no desejada pela natureza. Como
ousa, pois, chamar de hereges os que seguem a natureza e louvar os
que pregam, com Aristteles, a permisso introduzida pela corrupo?
Digamos que a Igreja pode conceder a diviso e permiti-la, do
mesmo modo que se toleram as meretrizes como um mal menor e os
coxos de preferncia aos mortos, no dizer de Santo Agostinho. Por
conseguinte, a maneira pela qual a Igreja concedeu a propriedade j
foi explicada como tendo sido apenas uma tolerncia e no o uso
do suprfluo. Alexandre, Alonso, Thomas Valden, Ricardo e o
Panormita (119)
consideram herege quem afirma serem os clrigos verdadeiros donos
dos bens da Igreja, e concedem a estes somente o uso. So Tomas d-lhes
apenas o domnio da pequena poro que consomem, pois no
am de usufruturios dos fundos, no podendo deix-los aos
filhos nem aos amigos. Assim, o que se disse dos laicos o foi
superiormente. Os ignorantes esto prontos a chamar de herege
todo aquele que eles no podem convencer com razes. A palavra
de Cristo: Reddite quae sunt Caesaris Caesari s torna o mesmo
senhor de dispensar, ou de nada, pois nada pertence a Csar. Que
possui ele que no o tenha recebido? Todas as coisas, portanto, so
de Deus, sendo Csar apenas um . Veja-se, na
Monarquia do Messias, o que se escreveu a esse respeito. Diz ainda
Oristo: Reges gentium dominantur corum, vos autem non sic, sed qui
major est fiat minister. Eis porque, com justia, So Tomaz
prega a propriedade de istrao e concede a comunidade do
uso. O papa o servo dos servos de Deus, e o imperador o servo
da Igreja.
ARTIGO TERCEIRO 463z3x
Se a comunidade das mulheres mais
conforme natureza e mais til gerao e, portanto, a toda
a repblica, do que a propriedade das mulheres e dos filhos.
A Aristteles parece mais
conveniente a propriedade e nociva a comunidade, qual ope:
Primeira objeo. Scrates pensa
que o amor aumentaria entre os cidados se cada um considerasse
os velhos como seus genitores, estes os jovens como filhos e os
iguais como irmos. Ao contrrio, porm, isso destruiria o
amor, porque, ou se consideram todos coletivamente, ou verdade
que todos os velhos so pais de todos os jovens, mas, neste caso,
o amor de cada velho, em particular, seria bem pequeno em relao
queles, como uma gota de mel em muita gua, e logo se
extinguiria, pois ningum conheceria os prprios filhos e nem
estes o seu pai.
Na verdade, se se reunissem os
desejos de forma que cada um se considerasse pai de cada um, isso
aumentaria o amor, mas impossvel que algum tenha mais de
uma me e de um pai. Alm disso, cada um conheceria os prprios
filhos pela fisionomia e, portanto, teria mais afeto por estes.
Segunda objeo. Surgiriam discrdias
entre as mulheres e, muitas vezes, entre os pais e os filhos
incertos.
Terceira objeo. No vago concbito,
no se conhece a prole, e, no entanto, natural no homem o
desejo de conhecer a prpria descendncia em que se perpetua.
Quarta objeo. Verificar-se-iam
adultrios, fornicaes e incestos com as irms, as mes e as
filhas, alm dos cimes pelas mulheres e das contendas por causa
das que se desejassem abraar.
Quinta objeo. Scot objeta as
palavras: Erunt duo in carne una (120).
No se podem, pois, ter mais mulheres sem licena divina.
Sexta objeo. A heresia dos
nicolaitas consistiu em pr as mulheres em comum.
Primeiramente, respondamos, em
geral, com a autoridade de So Clemente no cnone citado:
Conjuges secundum Apostolorum doctrinam communes esse debere. (121)
Como, porm, isso seria contra a honestidade crist, deve
itir-se a glosa nesta agem expressa: Communes quo ad
obsequium non quo ad thorum. (122)
E, na verdade, como o atesta Tertuliano, assim viveram os
primeiros cristos, que possuam tudo em comum, exceto as
mulheres para o tlamo, pois patente que as mulheres serviam a
todos. Mas, os nicolaitas introduziram a comunidade no tlamo, e
tambm eu condeno essa heresia, mas sustento a comunidade nas funes,
embora no no governo poltico. Com efeito, a mulher no pode
ser magistrado nem ensinar aos homens, mas somente entre as
mulheres e no mister da gerao. So lhes cometidas as artes
que se executam com pouca fadiga, ou ainda a guerra em defesa das
muralhas. E lemos que as mulheres espartanas defenderam a ptria
na ausncia dos maridos, sendo que, entre os animais, as fmeas
se batem como os machos. Na sia, outrora, e atualmente na frica,
as amazonas fazem a guerra. Mas, Caetano, no livro de Pulchro, diz
que isso no conforme natureza, tanto assim que elas
precisavam cortar o seio direito para poderem manejar a lana.
Mas, com Galeno (123)
e talvez com maior fundamento, afirmo que o faziam para que a fora
que servia para nutrir o seio direito asse a reforar o brao
direito. E nem o seio direito impede, em absoluto, de manejar a
lana, mas apenas de apoi-la no peito. Alm disso, h outras
maneiras de combater que convm s mulheres, como se v entre
os africanos. Aristteles no pode recusar esse argumento das
amazonas. De resto, no as envolvemos em todos os servios de
guerra, mas somente na defesa das muralhas e nos prontos socorros.
No queremos formar com elas uma repblica de amazonas, pois nos
limitamos a fortific-las, para servirem defesa e prole.
Aristteles rejeita o argumento das fmeas que combatem entre as
feras, sob a alegao de que estas no tm a preocupao das
coisas familiares, como sucede com as nossas, que s para isso
foram destinadas pela natureza. Engana-se, porm, porque as feras
cuidam dos seus filhotes e procuram para eles alimento e defesa.
Por outro lado, muitos homens se ocupam com as coisas familiares,
como acontece, sobretudo, entre os monges. No , pois, contra a
natureza, como ele o ensina.
Diremos, ainda, que a comunidade
das mulheres para o concbito no contra o direito natural,
sobretudo como foi estabelecida por ns. Ao contrrio,
conforme a ele e, por conseguinte, no heresia ensin-la num
estado dirigido por puras luzes naturais, depois de conhecido o
jus divino e eclesistico positivo, da mesma forma que no
heresia comer carne todos os dias e ensinar, no estado natural,
que isso til. Mas, depois da promulgao da lei eclesistica
sobre a proibio de alimento, em certos dias, para a abstinncia
crist, uma heresia fazer uso dela e ensinar que isso lcito.
Prova-se, ainda, que todo pecado contra a natureza destri o
indivduo ou a espcie, ou tende a essa destruio, como
ensina So Tomaz. Por conseguinte, os assassnios, o furto, a
rapina, a fornicao, o adultrio, a sodomia, etc., so contra
a natureza, porque ofendem o prximo, ou impedem a gerao, ou
tendem a isso. Mas, a sociedade comum das mulheres no destri
as pessoas, nem impede a gerao; e no contra a ordem, mas,
ao contrrio, auxilia grandemente o indivduo, a gerao e a
repblica, como se depreende do texto.
Deve, pois, notar-se que h trs
espcies de vago concbito.
Uma, pela qual cada um pode ligar-se
a quem desejar e como quiser, o que contra a natureza racional
do homem, embora seja normal em alguns animais, como entre os
cavalos, os burros, as cabras, etc. Eis porque a natureza
providencia para que esses animais s em pocas determinadas
sintam os estmulos gerao. Como os homens estejam sempre
dispostos para esse fim, poderiam ligar-se com cada uma,
enfraquecendo-se continuamente; procurariam todos as mais belas e
estas, pela confuso dos semens e pela ao contrria, no
conceberiam, como acontece com as meretrizes. Quanto s mulheres
feias, excitadas pelo cime e pela dor, imaginariam todos os
males contra as bonitas. Por esse motivo, esse vago concbito
uma heresia e uma impiedade contra a natureza, tendo sido
justamente a dos agnsticos (124)
e dos nicolaitas, bem como de alguns hereges modernos e de alguns
religiosos da seita de Maom na frica, que consideram lcito
unir-se a cada uma e at em pblico.
Outro gnero de concbito vago
o que se segue s npcias legais, pela ligao em pocas
determinadas, nas quais lcita, nas trevas, a unio com quem
a sorte oferece. Foi o que se descobriu, recentemente, na Glia e
em certas regies da Alemanha, tendo acontecido que muitos,
depois de receberem o sinal, reconheceram que se haviam unido s
prprias mes. Esse sistema , tambm, contra a natureza e,
certamente, contra a lei divina positiva, pois no tem por escopo
a gerao, mas unicamente a sensualidade. Dessa forma, a unio
vaga dos animais ainda melhor, porque os animais geram, no
sendo a sua unio contra a natureza, de vez que produzida a
prole. Nessas unies de hereges, ao contrrio, a gerao
puramente acidental, sendo a luxria seu nico escopo, uma vez
que, para a gerao, bastam os maridos em casa.
A terceira modalidade de concbito
, finalmente, a que descrevemos numa sociedade quase natural, na
qual s geram os mais robustos e os melhores, sob a direo dos
mdicos e dos magistrados, em pocas prprias para gerao,
de acordo com a astrologia, com temor e obsquio divindade, e
somente depois dos 25 anos e at aos 53. Para as mulheres,
prescrevemos tambm um tempo no qual so para isso mais aptas.
Por outro lado, destrumos as unies inconvenientes, isto , as
que se fazem exclusivamente em ateno s riquezas, das quais a
repblica no obtm prole ou, quando a obtm, uma prole
covarde, disforme e imbecil, como se v pela experincia e foi
notado por Pitgoras, supremo filsofo. Impedimos, igualmente, a
debilidade produzida pelo excesso de coito ou pelas molstias de
esterilidade. Com efeito, se uma mulher no concebe com este,
pode conceber com aquele, sendo a mudana justamente o que a
natureza nos ensina nesse caso. J o princpio que as nossas
leis estabeleceram de que cada um s tenha relaes com a prpria
mulher, mesmo quando esta seja estril, no pode ser facilmente
aprovado pelo filsofo apenas com as luzes naturais. Eis porque
me limito a sustentar que os instituidores de uma repblica sob o
regime da comunidade das mulheres no pecam no estado das puras
luzes naturais, a no ser que a revelao ensine que assim no
se deve praticar. Pela mesma razo, Durando e outros sustentam
que nem mesmo a fornicao contra a lei natural, e muitos telogos
confessam que a lei positiva no a probe. Quanto opinio de
So Tomaz, que a considera contrria gerao e educao,
no pode ser sustentada quando se sabe que a mulher estril.
Todavia, estou de acordo com So Tomaz num ponto: atravs de
longas dedues, possvel prov-lo exclusivamente com a razo,
mas no torn-lo conhecido de todos. Assim, Scrates no pecou
bebendo veneno, constrangido pela lei, embora os telogos provem
ser isso um pecado, porque ningum pode ser obrigado pela lei a
agir contra si prprio. Mas, essas sutis dedues, nascidas da
luz evanglica, no podiam ser conhecidas pelos antigos filsofos,
os quais provaram, ao contrrio, que era lcito a algum
matar-se por si, sendo ns os donos da prpria vida, como o
estimaram Cato, Sneca (125)
e Clemenes. Sustento, por conseguinte, que a comunidade das
mulheres, da forma pela qual a consideramos, no contra o
direito natural e, se o , no pode sab-lo o filsofo apenas
com as luzes naturais. E que isso no se deduz diretamente do
direito natural, como concluso imediata, mas somente como deduo
remota e, alm do mais, fundada sobre o direito positivo, que
pode variar. As razes de Aristteles no nascem, pois, da
natureza da coisa, mas exclusivamente da inveja que ele tinha de
Plato, tanto mais quanto ele prprio recorda muitas naes
que viveram desse modo. Vem, igualmente, em nosso apoio, So
Tomaz, que, na 2, 2 quest. 154, art. 9, confessa que nenhuma
conjuno contra a natureza, salvo a do filho com a me e a
do pai com a filha, pois que, segundo Aristteles, os prprios
cavalos a repelem. Eu prprio vi, em Montedoro, um cavalo que no
queria unir-se com a me. E assim , no porque no resulte a
gerao, mas por uma reverncia natural. No entanto, segundo o
testemunho de Tolomeu, a unio com as mes era um costume comum
entre os persas. Entre os animais, os galinceos e muitos outras
praticam o mesmo. Apesar disso, na repblica, evitei que as mes
se unissem aos filhos e os pais s filhas, embora este ltimo
caso seja menos contra a natureza. Tambm Caetano prova, apoiado
no esprito de So Tomaz e na razo natural, que a unio com a
irm, ou com os afins e consangneos, no contra o direito
natural, mas apenas contra o legal; que um preceito judicial, no
moral, a proibio dos outros graus; que os filhos de Ado se
uniram com as irms, assim como os patriarcas Abrao (126)
e Jac (127),
do primeiro dos quais Sara era irm. E S. Tomaz aduz duas razes
dessas proibies, a saber: o respeito aos parentes, para que
pudessem viver conjuntamente sem escrpulo e as amizades se
multiplicassem por meio dos matrimnios, e a sensualidade, a fim
de que no se tornasse mais doce com o prprio sangue. Segundo
Caetano, essas razes decidiram tambm da lei crist. Mas, na
repblica solar, no se verificaram, pois as mulheres moram
separadamente e a unio s se verifica de acordo com a lei, os
tempos e os lugares prefixados. Assim, o que se estabelece na repblica
solar, para evitar a sodomia ou um mal maior, igualmente
estabelecido pela religio crist, pois o marido pode, sem
pecado, servir-se at da mulher grvida, com o fim de extinguir
o desejo e no para a gerao. Providenciei para que o smen no
se perdesse e dei todos os preceitos para a conservao da repblica.
Quanto aos demais, no so reprovados pelos prprios filsofos
segundo o direito natural, sendo que Aristteles, em benefcio
da sade, recomenda o coito aos que no geram, do mesmo modo que
Hipcrates e outros, a fim de evitar males piores.
Respondo, agora, em particular,
primeira objeo. Aquele todos pode ser tomado nos dois
sentidos, porque todos, at a uma certa idade, determinada no
texto, so pais de todos coletiva e separadamente: o primeiro
verdadeiro segundo o ato natural, o outro segundo a caridade
natural. Nem por isso diminui a caridade, mas s a cobia e a
avareza, porque o homem, sob o regime da diviso, tende a amar os
prprios filhos mais do que convm e a desprezar os alheios alm
da medida. Por conseguinte, o homem sbio ama mais os melhores,
mesmo que sejam alheios, e se preocupa mais com os maus, para
melhor-los. Com efeito, desagradvel ver tantas deformidades
no gnero humano: horrorizamos os coxos, os cegos, os miserveis,
porque so do nosso gnero e representam a cada um a prpria
infelicidade Pela comunidade dos filhos, dos irmos, dos pais,
das mes, providencia-se de modo que diminua o excessivo amor prprio,
que a cobia, e aumente o amor comum, isto , a caridade.
por isso que diz Santo Agostinho: Amputatio proprietatis est
augmentum caritatis (128).
E, na verdade, melhor crer em Santo Agostinho do que em Aristteles.
Com o primeiro est, igualmente, So Paulo (129),
que diz: Caritas non querit quae sua sunt (130),
antepondo as coisas comuns s prprias e no as prprias s
comuns. Na unio dos monges, observa-se o mesmo: no possuindo
nada de prprio, o monge ama a comunidade como o p a todo o
corpo; e, se algo possui, como um membro amputado ou um p
cortado, s se preocupando com o que seu. O mesmo acontece na
repblica romana: quando os cidados eram pobres e a repblica
rica, todos queriam morrer pela ptria; quando, porm, os cidados
ficaram ricos, cada qual tornou-se capaz de matar a prpria ptria
em benefcio prprio. Aduz o Apstolo o exemplo dos membros e
do corpo, o mesmo ensinando Ambrsio e Crisstomo. Por
conseguinte, o amor, na comunidade, no seria como uma gota de
mel em muita gua, mas como um pequeno fogo, em muita estopa.
Porque o amor uma das primalidades e, por natureza, difusivo
como o fogo. S se feliz, na sociedade de muitos, pela fama,
pela difuso do nome, pela memria e pelo maior nmero de auxlios
que se recebem.
Separadamente, embora filho de um s,
cada um pode ser amado por todos os que formam um s na caridade.
E assim que o tio, por se considerar de uma mesma famlia, ama
os sobrinhos, embora estes no tenham sido gerados por ele. E
quanto ao papa e aos cardeais, quem no v quanto amam os
sobrinhos e consangneos, que eles no geraram? Amamos os
amigos e os filhos dos amigos, do mesmo modo que os velhos, nos
mosteiros, amam os novios, sobretudo os virtuosos, desprezando
os inimigos da caridade.
A fisionomia engana, pois nem sempre
os filhos se parecem com o pai, mas muitas vezes com os estranhos.
De pouco obstculo seria, alis, essa pequena propenso em
nossa repblica, onde tudo ordenado segundo a lei da natureza
e do mrito. Jac tambm amou mais Jos, assim como outros
amaram mais a outros Isso no prejudicaria a comunidade nem a
caridade. Os filhos, na comunidade, no conjuraro entre si,
pois vivem todos sob a mesma disciplina. As santas mulheres dos
patriarcas, como Raquel e Lia, consideravam tambm seus os filhos
das criadas. Aristteles, porm, no conhece tal caridade.
Segunda objeo. Nega-se a conseqncia,
quando o todo governado segundo as regras e a cincia dos mdicos,
das matronas e da astrologia. Pela posio do cu, segundo So
Tomaz (Polit. 5, lect. 13), conhecem-se as inclinaes morais
que ela origina. Os nossos solares considerariam ilcita a unio
por mero prazer e por sanidade, casos nos quais providenciaram de
outra forma. Quanto s rixas, veja-se o texto.
Terceira objeo. Como todos so
membros de um mesmo corpo, consideram-se os jovens menores como
filhos, sabendo todos perpetuar-se melhor na comunidade que nos
filhos prprios. Alm disso, como todos ensinam, viver a fama
que nos proporcionada pelas boas obras prefervel a viver a
que temos nos filhos. Com efeito, os filsofos conquistam filhos
com o smen de sua doutrina e no com o smen carnal. E nem os
piolhos, por nascerem em ns, so nossos filhos. Nem os
verdadeiros filhos de Abrao so, agora, os judeus, mas os cristos.
Buscamos a eternidade em Deus e na repblica uma vida feliz, como
ensina Ambrsio. Nem os animais conhecem os filhos depois de
crescidos, o que no se d diretamente, mas s indiretamente,
por natureza.
Quarta objeo. Digamos, com
Caetano e So Tomaz, que s incesto contra a natureza o que
cometido pela me, e ns o evitamos na repblica; com as irms,
apenas legal, e, onde no h essa lei, no h incesto nem
adultrio algum. Porque o adultrio ou natural ou legal: o
natural, como ensina Santo Ambrsio no 5 Hex., cap. 3, se observa
entre animais de espcie diferente, o burro e a gua por
exemplo; o legal se verifica quando algum se serve da mulher de
outrem, coisa que a lei probe, exceto em nossa repblica, onde
essa lei no existe: h geradores pblicos, mais teis para
essa funo, no havendo, portanto, adultrio, nem prole
adulterina, nem unio ilegal. Assim, entre os monges, no
pratica um furto quem come po, porque todas as coisas so
comuns. O adultrio no consiste na sensualidade; seria, porm,
adltero o marido que se servisse de mulher alheia somente por
prazer. No entanto, agora, a lei a torna sua e s prejudicaria a
repblica quem dela se servisse contra a regra, do mesmo modo que
rouba os bens do mosteiro o monge que usurpa as coisas comuns sem
permisso. Mas, dir-se-, So Tomaz ensina tambm que todos os
preceitos do Declogo so preceitos naturais. Responde-se,
instituda a diviso: que o fruto no existe sem estar
estabelecida a diviso dos bens. Outros doutores, no todos,
sustentam que aqueles preceitos so de direito natural. Na nossa
repblica, porm, no h diviso de propriedade, mas somente
de uso, com o fim de manter o engenho e a fora dos cidados. No
se, reconhece, pois, que a fornicao seja pecado s pela
natureza das coisas, e nem na Repblica do Sol h fornicao,
uma vez que h a comunidade. Quanto s demais torpezas, o cime
e os conflitos, no podem verificar-se onde se regulam as coisas
segundo uma lei e uma disciplina agradvel a todos. E nada do que
prprio dos animais e de certos hereges existe aqui. Veja-se o
texto.
Quinta
objeo. Se fosse de direito natural ter uma s mulher, o prprio
Deus no nos poderia conced-la, segundo So Tomaz. Mas, Jac
toma duas irms, Davi cinco mulheres, Salomo (159) setecentas,
e quase todos os patriarcas tiveram mais mulheres. E no se veja
nisso nenhuma licena, embora assim se costume julgar, pois claro
que a pluralidade das mulheres no contra a natureza. Todos os
animais, exceto talvez a rola e o pombo, que se une somente irm,
conjugam-se com mais fmeas. E, nessa repblica, que se governa
com as leis naturais, e no com as reveladas, isso no podia ser
conhecido. Ao contrrio, a natureza ensina que quem no gera com
uma deve unir-se a outra: foi o que Sara pediu a Abrao, desde
que no houvesse revelao contrria, sendo que Lia e Raquel
deram ao marido as prprias criadas. E como podero os solares
saber se isso contra a natureza, quando nem os homens nem os
animais podem descobri-lo? Alm disso, os nossos cidados no
possuem nem uma nem muitas, mas cada qual, na poca prescrita
para a gerao, se aproxima daquela que a lei lhe destina para o
bem da repblica. E no geram para si, mas para a repblica:
nem mesmo ns, pois o pai, entre ns, no tem sobre o filho
tanto poder quanto a repblica, de vez que a parte pelo todo e
no o todo pela parte. Se, portanto, o todo cuida da totalidade
na repblica solar, sem confi-la aos particulares, isso d
bons resultados. O marido que se une mulher por lascvia,
quando lhe apraz, produz uma prole imbecil e degenerada.
Preocupamo-nos em possuir uma tima gerao nos nossos cavalos,
no para a nossa espcie. O prprio Aristteles considera
contra a natureza o cruzamento que se verifica quando algum, de
nimo servil, procura ligar-se a mulheres generosas, e de fato a
estas se une como bem lhe parece. E So Crisstomo, no livro do
sacerdcio, reprova, de modo figurado, o bispo ignorante que se
une Igreja generosa.
Disse o Senhor: Erunt duo in carne
una. uma verdade e o que se observa em nossa repblica,
pois Deus no ensinou, com isso, que ningum no devesse
unir-se seno a uma. Do contrrio, nem Jac teria tomado
simultaneamente duas mulheres, nem, morta uma, lhe seria lcito
tomar outra. Assim, pois, quando de dois se faz uma carne, para
que da mistura dos semens nasa uma prole. E Santo Ambrsio diz,
com So Paulo, que no teria conhecido esse pecado se a lei no
o ordenasse.
Sexta objeo. A heresia dos
nicolaitas consistia em que itiam ser lcito a cada um unir-se
a cada uma como bem lhe parecesse, o que contrrio ao direito
natural e impede a gerao, como j se disse. Na repblica
solar, porm, a unio obedece s regras da filosofia e da
astrologia, de forma to ordenada que a gerao resulte melhor
e mais numerosa. , pois, uma unio conforme natureza, s se
tornando heresia depois de condenada pela Igreja. Hortnsio, ou
Cato, homem sapientssimo e doutssimo, emprestou a prpria
mulher a Bruto para ter prole dela, como se aquele rgido estico,
assim procedendo, quisesse ensinar que isso estava de acordo cem a
ordem natural. Como , ento, que os habitantes solares,
orientados apenas pelas luzes naturais, podem saber que, a no
ser a nossa forma de matrimnio, todas as outras constituem
pecado, quando os prprios hebreus e os romanos itiram o divrcio,
os filsofos reconheceram a permuta, e Scrates e Plato assim
nos ensinaram? Aristteles no os censura por se afastarem do
direito natural, mas porque isso no lhe parece til; ao contrrio,
ele informa que algumas naes viveram dessa maneira. Concedo,
pois, que se trate, agora, de uma heresia na Igreja crist, mas
sustento que no basta a guia da natureza para se reconhecer
nisso um mal, quando no se procede de modo bestial ou como os
nicolaitas. Afirma So Tomaz que o matrimnio contra a
natureza quando no favorece a prole e a sociedade. Ora, em nossa
repblica, ao contrrio, a unio sumamente favorvel a
ambas.
Os argumentos aduzidos por Aristteles
contra a comunidade, segundo os quais esta suprflua, como se
algum pretendesse mostrar-se por um s p, ou tirar harmonia
de uma s corda, so argumentos pueris e contrrios caridade
e repblica dos monges e dos apstolos, que, nesse caso,
deviam ser condenados, pois tinham um s corao e uma s
alma, e no diziam que qualquer coisa fosse prpria, mas que
possuam todas as coisas em comum.
Por conseguinte, essa unidade no
destri a. pluralidade, mas a fortifica pela unio, no j de
um s homem, mas de todos os estados e condies. o que no
obtm Aristteles em sua repblica. No de uma s corda,
mas de vrias, que eles tiram a harmonia. Aristteles no
estabelece seno a discrdia, quando compe a sua repblica de
dois contrrios. Ns, ao contrrio, temos a unio como um
carme, uma vez que todas as coisas concordam entre se, ao o
que Aristteles no faz seno compor o seu carme de dois ps
contrrios e discordes, como se mostrou no exame da sua repblica.
A nossa , pois, totalmente apostlica, quando estabelece a
comunidade, no por prazer, mas por obsquio, como se v em
nosso dilogo.
NOTAS 5c5j2z
(1) "A Filosofia Demonstrada pelos
Sentidos".
(2) "Prdromo da Filosofia em Instaurao".
(3) "Os Dogmas da Filosofia. Universal".
(4)."As Quatro Partes da Filosofia
Real".
(5) Thomas More (1478-1535). Nascido em
Londres. Grande chanceler da Inglaterra sob o reinado de
Henrique VIII. Autor da Utopia romance poltico e social.
Morreu decapitado por no ter continuado fiel ao catolicismo
e no ter querido reconhecer o poder espiritual do rei.
Beatificado em 1886.
(6) Plato (429.348 a. C.). Clebre filsofo
grego, nascido em Atenas. Discpulo de Scrates, fundou
a escola acadmica. Exps suas doutrinas nos Dilogos, que
trazem os nomes dos mais ilustres interlocutores: Pedro,
Protgoras, Timeu, etc. Escreveu vrias obras sobre questes
polticas e sociais, destacando-se a Repblica.
(7) Ordem religiosa baseada no servio hospitalar.
(8) Ilha do mar das ndias, hoje Ceilo.
(9) Clebre gemetra, morto na tomada de
Siracusa pelos romanos.
(10) Famoso matemtico de Alexandria.
(11) Fantstica ave da Arbia, da qual,
segundo a lenda, s existia um exemplar. Tinha o pescoo
dourado, o corpo vermelho e a cauda azul e rsea. Ao atingir
500 anos, impregnava a mata de aromas, deixava-se queimar
pelo sol e ressurgia.
(12) Profeta, general e legislador dos
hebreus. Autor dos cinco primeiros livros (Pentateuco) da
Bblia: Gnese, xodo, Levtico, Nmeros e Deuteronmio.
(13) Divindade egpcia.
(14) Pai dos deuses, senhor do Olimpo.
(15) Deus dos viajantes, dos ladres e
dos mercadores.
(16) Legislador espartano.
(17) Segundo dos sete reis de Roma: Rmulo,
Numa Pomplio, Tulo Hostilio, Anco Mrcio, Tarquinio Prisco,
Srvio Tlio e Lcio Tarquinio (o Soberbo).
(18) Filsofo grego, nascido em Samos,
no ano 580 a. C. itia a imortalidade e a responsabilidade
da alma, o nmero como fundamento das coisas, a Terra no
centro do universo, etc. Morreu em Metaponto, mais ou menos
no ano 500 a. C.
(19) Escritor e legislador ateniense do
VI sculo.
(20) Legislador de Trio.
(21) Filho de naco, rei de Argos.
(22) Maom (570-632). Profeta rabe, fundador
do islamismo (doutrina da "salvao"). Autor do
Coro, cujo dogma a crena num deus nico, do qual Maom
o profeta. Toda a moral maometana procura basear-se nas
leis naturais.
(23) Csar, Caio Jlio (100.44 a. C.).
Grande escritor, general e ditador romano. Autor dos Comentrios
sobre a Guerra Glica. Morreu assassinado no Senado.
(24) Alexandre Magno, filho de Felipe e
rei da Macednia.
(25) Rei do Epiro (hoje, Albnia), clebre
por suas guerras contra os romanos.
(26) Famoso general cartagins.
(27) Clebre filsofo, discpulo de Plato
e mestre de Alexandre da Macednia.
(28) Santo Agostinho, (356-430). Grande
padre da Igreja romana. Autor de numerosas obras: As Confisses,
A Cidade de Deus, etc.
(29) 0 primeiro dos doze signos do Zodaco:
ries (Carneiro), Taurus. (Touro), Gemini (Gmeos), Cncer
(Caranguejo), Leo (Leo), Virgo (Virgem), Libra (Balana),
Scorpio (Escorpio), Sagittarius (Sagitrio), Capricornius
(Capricrnio), Aquarius (Aqurio) e Pisces (Peixes).
(30) Manfredo (1232-1266). Filho de Frederico
II. Rei de Npoles e da Siclia. Combatendo contra Carlos
d 'Anjou, morreu na batalha de Benevento.
(31) So Tomas de Aquino (1225-1274). Doutor
da Igreja, fundador do tomismo. Autor da Summa Theologica,
enciclopdia filosfica na qual sustenta o primado da inteligncia
sobre a vontade, em oposio a Duns Scot
(32) Bispo e mrtir, da Igreja.
(33) Scrates (469-339 a.C.). Fundador
da filosofia. No deixou obras, encontrando-se sua doutrina
nas obras dos discpulos, sobretudo Plato.
(34) Escritor eclesistico, natural de
Cartago.
(35) Cato, M. Prcio (239-149 a.C.). Poltico
e escritor romano.
(36) Sectrios do heresiarca Nicolau.
(37) Filsofo do Lcio.
(38) Povo constitudo exclusivamente de
mulheres da Capadcia e da Ctia. Participavam da guerra
e, para o porte das armas, cortavam o seio direito. Segundo
Amiano Marcelino, foram as amazonas as primeiras a utilizar
os cavalos nas campanhas guerreiras.
(39) Sectrios do bramanismo, religio
da ndia, baseada na diviso em castas e na transmigrao
da alma. Brama, Visnu e Siva constituem a trindade divina.
(40) Seguidores da escola de Pitgoras,
segundo a qual o nmero o princpio essencial de todas
as coisas.
(41) Capito dos hebreus, sucessor de Moiss.
(42) Rei dos hebreus.
(43) Judeus descendentes de Macabeu, martirizados
ao tempo de Antoco Epfano.
(44) Sobrenome de um ramo da famlia Cornlia,
cujos membros mais famosos foram Pblio Cornlio Cipio
(o Africano) e Cipio Emiliano, vencedores dos cartagineses.
(45) Pagos.
(46) Deus dos exrcitos.
(47) Rei da Tesslia, filho de Peleu e
da deusa Tetis. Conta a lenda que sua me, para torn-lo
invulnervel, mergulhou-o no rio Styx, segurando-o pelo
calcanhar, que ficou sendo, assim, o nico ponto vulnervel
de Aquiles. Com efeito, foi morto por Paris, que lhe lanou
uma seta no calcanhar, vindo dai a expresso calcanhar de
Aquiles.
(48) Rei da Ligria, que chorou tanto a
desgraa do seu amigo Paetonte, morto por Jpiter, que se
transformou num cisne.
(49) Ramo da raa monglica.
(50) Poema relativo agricultura.
(51) Quarto planeta do sistema solar e
o mais prximo da Terra.
(52) 0 mais brilhante dos planetas, situado
entre Saturno e Marte.
(53) Constelao boreal.
(54) Poema pastoril.
(55) Heri, filho de Jpiter e de Alemena,
celebrado por sua fora e por seus doze extraordinrios
trabalhos.
(56) Duns Scot (1274-1308). Telogo ingls,
cognominado o Doutor Sutil Adversrio de So Tomas de Aquino.
Foi um dos mais brilhantes intrpretes da filosofia escolstica.
Defensor do "realismo".
(57) Poeta elegaco, de Cirena, morador
de Alexandria ao tempo de Tolomeu Piladelfo.
(58) Lei mosaica cujo princpio : olho
por olho, dente por dente.
(59) Supremo sacerdote dos hebreus, irmo
de Moiss.
(60) Cludio Tolomeu, astrnomo grego.
Viveu mais ou menos no ano 160 a. C., em Alexandria. O seu
sistema, segundo o qual a Terra era fixa, foi seguido at
Coprnico
(61) Astrnomo polaco (1473-1543). Autor
do livro sobre a rotao dos astros em torno do Sol.
(62) Aristarco de Samos, astrnomo do III
sculo a.C. Foi o primeiro a afirmar que a Terra gira em
torno do seu eixo e em torno do Sol. Por essa opinio foi
acusado de perturbar o sono dos deuses.
(63) Filsofo pitagrico do V sculo a.
C., nascido em Crotona. Discpulo de Arquita.
(64) Culto de latria, adorao.
(65) Nome do primeiro homem, pai da espcie
humana.
(66) Deus da agricultura, pai de Jpiter.
(67) Descobridor da Amrica (1492), nascido
em Gnova. Divergem os autores sobre a data do seu nascimento,
de 1436 a 1456. Morreu no dia 20 do maio de 1506, em Valladolid.
(68) Constelao situada. no crculo polar
rtico, entre as do Cefeu e de Andrmena.
(69) Primeiro rei dos medos.
(70) Agtocles (361-289 a. C.). Rei de
Siracusa, inimigo feroz dos cartagineses. Morreu envenenado.
(71) Filho de Tibrio. Morreu envenenado
pela mulher, no ano 23 d. C.
(72) Rei da Macednia (413-400 a. C.).
(73) Tycho Brahe, astrnomo dinamarqus
(1546.1601). Criador de um sistema astronmico diferente
dos de Tolemeu e de Coprnico. Cometeu o erro de tomar a
srio as quimeras astrolgicas. Foi mestre de Kepler, a
quem suas observaes permitiram a formulao das famosas
leis que lhe imortalizaram o nome.
(74) Bispo e santo da Igreja.
(75) Escritor eclesistico do II e III
sculos, nascido na Grcia. Suas doutrinas foram condenadas
como herticas pelo conclio de Constantinopla.
(76) Primeiro verso do Orlando Furioso,
poema de Ludovico Ariosto (1474-1532). Traduo: "As
mulheres, os cavaleiros, as armas, os amores."
(77) Nome antigo da Hungria.
(78) Muulmanos descendentes de Maom.
(79) Adeptos do sofismo (doutrina dos msticos
do Islam).
(80) John Wiclef, morto em 1384. Reformador
religioso ingls.
(81) Joo Huss (1369-1415). Precursor da
Reforma. Por ter adotado as doutrinas de Wiclef, foi excomungado
por Alexandre V e depois queimado vivo por deciso do concilio
de Constana.
(82) Lutero, Martinho (1483-1546). Nascido
em Eisleben. Iniciou sua reforma em 1517, em Wittenberg,
tendo conseguido separar grande parte da Alemanha da Igreja
catlica.
(83) Ordem de frades franciscanos, instituda
por S. Francisco de Paula, em 1435.
(84) Frades da ordem de So Francisco,
segundo a regra restabelecida cm 1528.
(85) Ordem de frades, instituda em 1534
por Santo Incio de Loiola, com o fim de sustentar a autoridade
da Igreja catlica contra os protestantes.
(86) Fernando Cortez, grande navegante
espanhol, nascido cm 1485.
(87) Luciano, retrico samosatense, autor
do Dilogo dos Mortos. To satrico que no perdoava aos
prprios deuses. Foi por isso considerado mpio e ateu.
(88) "Se supomos que no temos pecado,
iludimo-nos a ns mesmos."
(89) Galileu Galilei (1564-1642). Nascido
em Pisa. Astrnomo, matemtico, filsofo, naturalista. Continuador
de Coprnico.
(90) Santo da Igreja. Tradutor da Bblia.
(91) Juliano, o Apstata. Imperador romano
que renegou a religio crist. Morreu em combate, no ano
363 a. C.
(92) Santo Ambrsio (340-397). Bispo de
Milo, doutor da Igreja romana.
(93) Minos, filho de Zeus. Rei de Creta,
conta a lenda que suas leis eram sugeridas pelo prprio
Jpiter. O labirinto de Minos era uma construo complicada,
com uma corte central e muitos corredores, quartos, prticos,
escadas. A disposio dos quartos fez com que se dissesse
que no era possvel sair do labirinto sem guia.
(94) Primeiro rei e fundador de Roma.
(95) Autor do um evangelho.
(96) Idem.
(97) Um dos generais de Alexandre Magno.
(98) Um dos primeiros padres da Igreja,
tradutor da Bblia.
(99) Sectrios da doutrina que concebe
e representa a divindade com a forma e os atributos humanos.
(100) Srie das instituies monsticas.
(101) Conclio de Constana, convocado
em 1414. Decidiu que Joo Huss fosse queimado vivo por defender
as doutrinas de Wiclef.
(102) Reddite ergo quae sunt Caesaris
Caesari et quae sunt Dei, Deo: "Dai a Csar o que
de Csar e a Deus o que de Deus."
(103) Fundador do direito cannico. Procurou
conciliar as leis do foro eclesistico com as do secular.
O Decreto Gratiani, ou Concordia Discordantium Canonum,
foi publicado entre 1140 e 1150.
(104) Bispo e escritor do sculo VI.
(105) Santo e escritor cristo.
(106) Capital da Sria.
(107) "Ningum diga que possui, pois
tudo recebemos de Deus: as palavras essa e teu so imposturas."
(108) Titulo de um Dilogo no qual Plato
discute a transmigrao das almas.
(109) "Se tirares os dois pronomes
das nossas coisas, cessaro as guerras e reinar a paz sem
conflitos."
(110) Pblio Ovdio Naso (43 a. C. -
17 . C.), nascido em Sulmona. Autor das Metamorfoses, da
Arte de Amar, dos Fastos, etc.
(111) "Nosso Senhor quis que esta
terra fosse propriedade comum do todos os homens; mas, a
avareza dividiu os direitos de posse."
(112) Descendentes de Levi, aos quais
foi confiado o servio divino. Agruparam-se, ao tempo de
Dav, como cantores, diconos, porteiros, guardas do templo,
escribas.
(113) "0 direito natural aquele
que a natureza ensina a todos os animais."
(114) "Por iniqidade, sendo o direito
das gentes contrrio ao direito natural."
(115) Frades da ordem de So Francisco
de Assis, fundada cm 1215 e confirmada em 1223.
(116) Um dos padres da igreja grega.
(117) Cidade do Lcio.
(118) Caio Crispo Salstio (86-35 a. C.),
nascido em Amiterno. Autor das monografias sobre a conspirao
de Catilina e a guerra de Jugurta.
(119) Panormita (1394.1471). Antno de
Palermo, o Panormita. Escritor italiano.
(120) "Sero dois num s corpo."
(121) "Os cnjuges, cegando a doutrina
dos apstolos, devem ser comuns."
(122) "Comuns quanto ao obsquio,
no quanto ao tlamo."
(123) Cludio Galeno (130-200). Clebre
mdico de Prgamo, na sia. Em Roma, foi mdico da corte
imperial. Escreveu a Arte Mdica.
(124) Hereges que, na primeira idade do
cristianismo, se atribuam o conhecimento das coisas divinas,
tendendo a um pantesmo platnico.
(125) Filsofo e poeta trgico, mestre
de Nero. Condenado morte por ter participado de uma conspirao,
preferiu cortar as veias no banho.
(126) Patriarca dos hebreus. Em hebraico,
esse nome significa pai de prole numerosa.
(127) Terceiro patriarca dos hebreus,
filho de Isaac.
(128) "Abolir a propriedade aumentar
a caridade".
(129) 0 mais ilustre dos apstolos escolhidos
por Cristo para pregar o Evangelho.
(130) "A caridade no cogita do que
seu". |